A Década Depois Da Primavera - Capítulo 11
Desliguei o despertador e sentei-me. Olhei para ele dormindo profundamente no chão. Seu cabelo estava desgrenhado — permanecia do mesmo jeito que o encontrei ontem. Ele agarrou o tapete contra si com uma mão e abraçou meus chinelos com a outra.
— Hora de levantar. — Cutuquei-o com um dos meus pés. — Acorde e passe os meus chinelos! — Meu tom estava mais elevado dessa vez.
Dom franziu a testa e virou-se, ainda segurando os chinelos, parecia não ter notado o que estava acontecendo.
Dominic finalmente abriu um pouco os olhos, acordou lentamente do sono. Olhou para mim com uma expressão carrancuda, esfregou os olhos ainda incerto sobre o que estava acontecendo.
— Acorde! Tenho que ir ao hospital. — Apanhei os meus chinelos e fui em direção ao banheiro.
Dominic se levantou, bagunçou o cabelo enquanto parecia meio adormecido antes de retornar para seu quarto levando o cobertor. Até o lampejo dos seus movimentos satânicos, sua expressão estúpida de quem acabou de acordar eram sua maior sedução, criavam abismos de paixão que aturdia com veemência a alma de qualquer pobre diabo… Não poderia negar.
Não muito depois, enquanto Dom ainda escovava os dentes, me vesti, organizei meu quarto e fui até ele.
— Luciana não vem hoje e não tenho ninguém para me acompanhar ao hospital. — Bati na porta do banheiro. — Depois de ir ao hospital tenho que comprar algo para o bebê, preciso que vá comigo!
— Vou chamar um táxi para você, ou use meu carro — disse indiferente do outro lado da porta. — Vou te dar um cartão, não se preocupe.
Não gostava de pedir favores, principalmente para ele. Mas hoje não tinha alternativa. Tia Lu e Zhang não podiam me acompanhar, ninguém mais além delas sabia sobre minha doença, nem mesmo Dom sabia.
— Não sejam idiota, realmente preciso da sua ajuda. — Abri a porta e olhei para ele. Seus lábios sujos pelo creme dental faziam união com seu punho. Ele segurava sua escova com força, em nenhum momento fez uma pausa. — Não quero sua companhia, contudo, tenho que tolerar. De qualquer forma, vai me acompanhar ou não?
— Antes de ir para o hospital, vou enviar alguns documentos para a empresa e vou com você. — Não me olhou, apenas disse suas palavras e continuou escovando os dentes.
Fui ao meu quarto para pegar o celular e minha carteira. Como não tinha mais nada para fazer depois de pentear o cabelo e vesti meu casaco, fui para a sala e sentei no sofá esperando Dominic sair do quarto.
Dom vestia um terno elegante com gravata azul. Ele tinha a expressão fria de sempre que já conhecia melhor que ninguém. Segurava uma maleta de escritório, foi até a cozinha para beber sua rotineira vitamina de kiwi com um analgésico para dor de cabeça. Assim que terminou, veio a passos largos para a sala e passou por mim.
— Vamos — chamou enquanto abria a porta. — Não sei nada sobre comprar roupas para crianças. Vou deixá-lo na entrada do shopping e lhe dar um cartão. Você pode comprar o que precisar — disse. Saímos do elevador e fomos para o estacionamento, Dom continuou falando enquanto ligava o motor do carro: — Oh! Espere, não tenho seu número. Você ainda tem o meu, certo?
— Sim, tenho — respondi. Ele jamais salvou meu contato depois de tê-lo excluído. — Quando terminarmos, quero que me leve de volta para casa.
— Vou esperá-lo do lado de fora na cafeteria ao lado e venho buscá-lo quando me chamar — respondeu calmamente e se concentrou em dirigir o carro.
Pouco depois, chegamos ao hospital. Depois que estacionou o carro, ele andou ao meu lado enquanto eu o conduzia. O hospital estava cheio como sempre, toda vez que voltava aqui ainda sentia-me como no dia em que recebi os exames, minha cirurgia e os dias que passei internado.
Não gostava do cheiro de desinfetante no ar, nem das expressões de dor e sofrimento. Em vez de dizer que odeio, a expressão mais apropriada seria dizer que tinha medo.
Estava com medo, com medo de ver aqueles rostos pálidos doentes. Depois que você passa a vim ao hospital com frequência, você é capaz de perceber o quão a vida parece insignificante, não tem como saber quando vamos embora.
Não queria ser como eles, mas entendia claramente que era um deles. Uma pessoa com uma doença genética, que fazia o possível para prolongar seus dias. Uma pessoa esforçando-se até o dia de poder acariciar seu filho.
Após o check-up regular, chegamos à sala de ultrassom que estava fazendo.
— Tire sua camisa para fazer o ultrassom. — O médico usava uma máscara e olhou para mim sem qualquer expressão.
Olhei de relance para Dom, me sentia um pouco desconfortável, acuado. Ele estava parado ali, ereto como um lápis. Não tinha nenhuma expressão, virou-se para não me olhar. Pensava que minha timidez repentina era algo idiota e desnecessário. Porém, o que ele não imaginava era que minha cicatriz ficava à mostra e não queria que visse, não desejava dar explicações.
Voltei minha atenção para o médico na minha frente. Puxei minha camisa para cima revelando meu abdômen e minha cicatriz, deitei na cama. O médico seguiu com seu trabalho normalmente, o observei colocar um pouco de gel frio sobre meu abdômen. A mão que segurava a sonda de ultrassom parou no meio do processo, intrigado. Sua postura petrificada enunciava algo de errado.
— O que está acontecendo? O medicamento que lhe dei há alguns dias não está funcionando? Sua dilatação está ruim. — O médico olhou para mim e franziu a testa. Depois olhou para o monitor e acrescentou: — Sua placenta corre o risco de se desvincular do útero.
— Eu… acidentalmente cai há alguns dias — falei sem jeito. —, Esbarrei em um bêbado.
Em um determinado momento, ele voltou a fazer o exame, mas logo parou novamente. A mão do Dr. usou um pouco mais de força, conforme ele se aproximava do monitor, como se tivesse visto algo errado. A sonda deixou uma marca na minha pele, o médico franziu sua testa novamente enquanto olhava a tela. Ele parecia descontente.
— Já disse “seja cuidadoso” diversas vezes, quantas mais vou te dizer? Dado o seu estado, eu deveria ter feito você ficar no hospital para observação. — O médico pareceu sério e um pouco irritado, ele sabia sobre minha doença, por essa razão quis me manter no hospital, mas como não quis, teve que ceder. No entanto, pediu-me para frequentar o hospital uma vez por semana.
O obstetra retirou a sonda e colocou de volta no lugar. Depois de limpá-la, imprimiu a folha de ultrassom, levantou-se para pegar uma toalha de papel e gentilmente me disse para limpar o gel no meu abdômen.
— Por favor, não quero retornar. Vou ser cuidadoso — comecei a explicar para que o médico não continuasse com a ideia de me manter aqui, baixei minha cabeça para limpar o gel rapidamente. — Vou cuidar mais de mim, prometo. — Vesti minha roupa.
— Você é parente do paciente, sim? — O médico olhou para o homem alto, que estava parado de costas sem dizer uma palavra e perguntou. Dom apenas acenou com a cabeça. — Qual é o seu relacionamento? Vocês são primos? Irmãos? — O médico olhou entre Dominic e eu com curiosidade.
Mas não importa como eu olhasse para isso, nós não tínhamos nenhuma semelhança para que alguém pensasse que somos parentes.
— Somos… casados — ele respondeu depois de hesitar por um momento, a expressão de Dom era fria como gelo. Escondia todos os seus sentimentos, evitando que alguém conseguisse lê-los.
O médico pretendia dizer algo mais, mas foi interrompido pelo toque do celular de Dominic. Sem esperar a resposta do médico, ele olhou para a tela e saiu do quarto para atender a ligação.
Ambos olhamos para a porta fechada, ficamos em um silêncio recôndito que parecia nosso amigo íntimo.
— Ele não sabe, estou errado? — o médico me perguntou, em voz baixa.
— Não — respondi cabisbaixo.
— Tome cuidado, cuide de você. Tome os remédios e não deixe de fazer longas caminhadas. Vai ajudar na sua dilatação, e diminuirá sua ansiedade. Você melhor que ninguém sabe da sua condição. — Tomei um pequeno susto com o toque repentino do médico, ele afagou meus cabelos. — Se precisar de qualquer coisa venha até mim. — O médico me deu um pequeno sorriso gentil, ele já era um homem de meia-idade e estava parecendo mais com um pai do que um médico neste momento.
Seu nome era Thomas, ele fazia parte da equipe de médicos que me operou tempos atrás, além de ser acionista do hospital, também era amigo de Zhang. Raramente era gentil com seus pacientes.
— Desculpe o incômodo. — Dom abriu a porta e entrou na sala.
Quando ouvi a porta se abrir, virei para olhá-lo. O médico ainda estava afagando meus cabelos. Pelo que vi, Dominic não parecia incomodado, mas tinha algo a mais no seu olhar que veio e foi-se tão rápido quanto um flash de luz, captado por um milésimo de segundos.
— Há um assunto urgente na empresa. Eu tenho que voltar o mais rápido possível — disse Dominic.
Fiquei quieto por um segundo. Um sentimento de decepção passou por mim naquele momento. Disse que tudo bem enquanto observava o médico prescrever mais outra receita médica.
— Pegue esse cartão e vá ao shopping mais próximo para comprar algumas coisas, me ligue quando terminar suas compras, eu venho te buscar. — Dominic se aproximou, tirou um cartão de crédito e entregou para mim.
Não tive escolha a não ser levantar a mão para pegar o cartão da sua mão e o guardei no bolso do meu casaco.
— Eu entendo, se você tem algo para fazer, volte primeiro. — virei para ele e disse isso com um pequeno sorriso, um sorriso forçado.
O médico parecia perplexo enquanto observava nós dois. Estava claro que nosso relacionamento não era um dos melhores, a forma como Dom não hesitou em nada ao me deixar. Abrindo a porta e saindo sem esperar que eu terminasse de falar. Quanto a mim, meu olhar o seguiu quando saiu, olhei mais um pouco para a porta.
A indiferença dele enquanto o médico dizia que meu estado de saúde não era bom, isso não parecia algo que um marido amoroso faria. Ambos estávamos muito distantes um do outro; nada no cenário se assemelhava à atmosfera de um casal que iria ter um filho. Longe de como costumava ser.
Então, depois que Dom saiu, o médico não pôde deixar de perguntar: — Vocês estão realmente casados? Ele é realmente seu marido? — A testa do homem estava enrugada em descrença.
— Sim, ele é. — Fiquei surpreso por um momento, então me recuperei rápido. Não imaginei que faria tal pergunta.
— Que tipo de marido deixa seu parceiro sozinho em um hospital?
— Ele está ocupado com o trabalho. — Dei um sorriso para o médico, foi difícil manter minha expressão sem dor… mas consegui. Algumas coisas não podiam ser escondidas, não importava o quão tentasse esconder o fato do nosso relacionamento não ser bom, ainda não conseguiria mudar a realidade de que meu marido não me amava.
Até o médico notou sua falta de empatia por mim. Isso deu espaço a algo oprimido no meu interior. Um vácuo, um sentimento que não sabia definir, nem nomear, lento e gradativamente se transformava em algo tão forte que meu coração não conseguia repelir. Algum dia, não estarei mais absorto nessa prisão.
Betagem: Arabella(WD)
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