Missão Ágape - Capítulo 46
Uma certeza: aquilo iria ser ainda pior.
James sentia isso até em seus ossos.
Isso porque, claro, o deus não veio até ele somente para fazer as pazes depois de seus últimos desentendimentos das missões em Tóquio, o deus agora tinha um outro objetivo, um contratempo, assim como ele dizia…
— Às vezes eu desejaria que deixasse seus intensões mais turvas, assim me daria tempo de ficar um pouco mais feliz antes de você soltar alguma bomba como essa para cima de mim, Kýrios.
— Ah, você bem que gosta disso.
— Sim, quando é com coisa boa! E não com você vindo até mim porque não sabe por onde começar a procurá-los!
— Você que é o Pista de Parca aqui, não sou eu. Então vamos lá, minha bússola ambulante, faça sua magia acontecer. — disse o deus, lhe dando uma piscadela, e cruzando os braços.
Não fazia nem meia hora que tinham se entendido daquela confusão, e já estavam discutindo… E James poderia até achar isso ruim, mas no fundo estava aliviado de estar falando de novo com aquele às vezes inconveniente deus. Além do mais, gostava também desse jeito mais expansivo de se tratarem… estava com saudades dele.
Talvez estivesse se “contaminando” com o jeito grego se de ser…
— E quem é o deus aqui? Quem tem o poder para fazer milagrosas ações?
— James, como você disse antes, eu sou muito burrinho, não consigo entender essas coisas todas de pistas… não sei fazer nada direito… por isso sou dependente de você. — disse, descaradamente fingindo tristeza enquanto fazia um biquinho.
— É, tão burrinho que conseguiu me achar no meio do mar e do nada em uma cidade entre Taiwan e Filipinas! Ah, sim, muito burro mesmo. — disse, ajeitando a alça de sua bolsa.
O deus coçou a cabeça e deu de ombros.
— Você é facil de achar.
— Isso não é resposta!
— Seu rosto está em minha mente, seu cheiro está em meu olfato, seu gosto está na minha boca. Não tinha como eu não achar você.
James queria que a terra o consumisse naquele momento, ainda mais por sentir seu peito dar pulinhos muito felizes muito inconvenientes, e ficou com medo de que o deus pudesse ouvir isso.
— M-mentiroso! — acusou, se virando de costas.
Aquilo era uma verdade, mas não tinha sido só isso: Kýrios, depois de tudo que passou, sentiu e viu na montanha e ter deixado James para trás, tinha ido para bem longe, indo parar no litoral de Shangai, na China. Estava tão absorto que nem percebeu que tinha usado seus poderes, e voado com muita velocidade até que parasse naquela cidade. Só se dando conta de que estava bem longe de tudo e de todos quando acordou numa praia com a pele ardendo por conta do Sol.
Logo pensou nos seus dois amigos: Panoptes e Tânatos. Seu sangue gelou ao se dar conta de que havia os deixado para trás, e consequentemente, ambos poderiam estar possessos de raiva com ele também.
Queria ir procurá-los, mas não sabia nem por onde começar. Bom, claro que passou pela sua cabeça de voltar a Tokio e ir exatamente até aquela caverna no Monte Fuji, mas sua presença já não era bem vinda ali, então pensou que a expulsão que a deusa fez não aconteceu somente com ele e James, que poderia ter acontecido com os outros dois também.
Mas, procurar primeiro por eles iria demorar uma eternidade… E sua única chance de sucesso na busca estava em algum lugar daquele mundo também….
É, a sorte não estava muito ao seu lado. Mas! Poderia ser que pudesse ter a sorte!
A primeira coisa que fez foi ir em busca de todos os deuses da sorte daquela região, já que, pelo rapaz ser um humano, é claro que não iria muito longe, com certeza ainda estaria naquela região.
Na China com certeza não estava, pois ali já era um território inimigo tanto para ele quanto para o rapaz, então pensou:
“Pense como James, o que ele faria se estivesse abandonado no meio do nada?”
A tal conclusão foi: abrigos locais, e o desejo de voltar pra casa. Pois era isso o que faria se estivesse na mesma situação. E foi o que fez.
E como não sabia que os deuses daquela região não iriam ajudar por conta dos óbvios acontecimentos, foi ao único domínio que poderia ter ainda alguma chance: Filipinas.
Estratégia, que parecia estar aprendendo com o rapaz de tanto observá-lo. Aliás, observá-lo tinha virado um de seus passatempos favoritos: gostava de ver como James falava, ou de como se comportava como um verdadeiro líder e pondo um norte direcionando e orientando a todos daquele grupo, gostava de como o moreno se envergonhava quando lhe falava coisas obscenas mesmo que fosse um boêmio das noites de Londres, gostava de saber suas culinárias favoritas, ou de como debatia com ele sempre discordando de algo e nunca se deixando levar só porque ele era um deus… James tinha tantas coisas para se observar que era divertido.
E por isso, e talvez seja por isso, que começou a desenvolver certas coisas pelo rapaz… e a diversão se tornou mais que diversão.
O que para si significou algo muito ruim, porque que já havia aquela que preenchia seu coração completamente.
Completamente… Estava se tornando uma palavra muito forte…
Voltando para como James tinha sido achado…
Kýrios, que por puro palpite e sistema de eliminação, chegou ao domínio das Filipinas. Por sorte, também tinha conexões com os deuses filipinos, mais especificamente Bulan, um dos deuses lunares de lá. E como um pagamento de dívidas, o deus pediu a Bulan que lhe desse uma lista dos últimos pedidos e orações à ele.
Demorou cerca de um mês até que conseguisse achar um tal de Fuyuki Abdulatip, mestiço de pai japonês e mãe filipina, ao qual tinha pedido em suas orações que um tal James Payne pudesse entregar seu coração a ele.
Um gosto que parecia a de uma manga verde arrancada do pé antes da hora, isso que Kýrios sentiu em sua boca quando leu a oração do rapaz. Um bom moço, gentil, responsável e determinado, trabalhava em navios cargueiros para sustentar sua família nas Filipinas.
E com essa linha de ligação, e também as conexões que tinha que o moreno, e com o forte sentimento de estranhamento de como que o nome daquele rapaz foi parar em uma oração de um tal Fuyuki Abdulatip dessa forma, não pensou duas vezes em correr contra o tempo e impedir algo que sua mente começou a lhe torturar com tais pensamentos não bons sobre isso.
Para sua surpresa, não imaginou que o James, seu James, aquele James que tanto batia em seu peito todo orgulhoso sobre sua “masculinidade” em um conceito tão primitivo, estava ali em flertes claros, ardentes, com aquele outro rapaz.
Não conseguiu se conter em mais nenhum segundo observá-los.
— Se conseguiu me encontrar tão rapidamente, isso significa que os fragmentos estão funcionando? — perguntou James, começando a pensar enquanto fazia notas mentais já sobre as possíveis variáveis que podia se ter para montar um perfil de norte para se guiarem.
— Hm, não. O meu parou de funcionar… — mostrou o fragmento preso como um pingente em seu pulso, como uma pulseira artesanal muito bem feita — Acho que foi temporário. Pelo menos, mesmo se agora for somente uma pedra, ainda ficou bonito como uma joia. Estou vendo-o como seu presente a mim. — Sorriu, se sentando na murada da embarcação pesqueira.
Kyrios tinha praticamente lhe arrastado daquele navio onde o moreno estava trabalhando, e como James não queria que o rapaz, Fuyuki, ficasse preocupado com ele, escreveu uma carta onde dizia que ficaria tudo bem porque aquele loiro maluco era um velho amigo que estava precisando de ajuda.
— Hm. — bufou James, tentando não ficar com o peito acalorado sobre o pingente de fragmento e agora intitulado “presente” — Você viu minha lança? A perdi no Monte Fuji. Na verdade, eu estava tão abalado que esqueci no lugar onde fomos jogados.
Kýrios ficou um pouco tristonho ao relembrar daquilo, porque ele tinha sido o motivo pela perda da arma.
— Infelizmente não a vi.
— Ok, vamos ter que voltar a estaca zero. Ir para métodos mais arcaicos e dolorosos. — disse, erguendo a mão para o deus.
— Mas já? Você nem descansou ainda. E nem analisamos a Prova que conseguimos no Monte Fuji.
— Eu já descansei mais do que devia. E sim, vamos analisar isso também, mas quero logo ter um norte enquanto trabalho nisso tudo. — disse, querendo logo mudar de assunto, não queria se lembrar das várias semanas em que passou noites em claro chorando no templo dos monges onde estava hospedado em Tóquio, pensando nessa tal Prova e nas coisas que viu, pois de modo estranho, isso lhe causava arrepios.
— Se é o que deseja… — Kýrios tirou aquele pingente de flecha de prata do bolso, e como sempre, tendo o máximo de cuidado, fez um corte preciso e rápido na palma do rapaz, que só percebeu o corte quando estava sangrando e já com uma pequena quantidade de sangue empoçada no meio de sua mão.
— Uau, não senti nada dessa vez. Somente uma ardência de leve.
— É porque fui com bastante carinho, James. E, não tem como sentir dor quando se está relaxado.
James não conseguiu não pensar num duplo sentido daquilo…
— C-certo… — pigarreou, e ajeitou a sua postura — Vamos ver aonde o destino nos manda ir. — Se virou, sentindo sua bochecha esquentar, e sobre a tampa de um caixote velho, derramou seu sangue.
O líquido vermelho pôs a mover-se para a todos os lados, até se remontar num desenho todo torto.
— Isso é algum animal? Parece um centauro. — perguntou Kýrios, tentando adivinhar.
— E centauros tem chifres por acaso?
— Chifres? Aonde está vendo chifres? Isso aqui não são braços levantados para cima e exibindo seus músculos para atrair suas fêmeas? — rebateu o loiro, imitando como o desenho estava mostrando, fazendo o rapaz rir brevemente.
— Sua criatividade é bem fértil… O que pode ajudar, mas também pode atrapalhar.
— Melhor do que nada. Eu tento, pelo menos. — Deu ombros, pegando um lenço de seu bolso e se aproximando do moreno, que logo deu um passo para trás.
— E-e o lance da desintoxicação?
— James, eu só vou amarrar um lenço na sua mão, conter sangramentos. Não me diga que isso vai te deixar excitado?
— É claro que não! Não sou um pervertido como você!
— Eu não sou um pervertido. — indignou-se o deus, mas logo sorriu de canto — A não ser que a pessoa queira que eu seja um… — mordeu os lábios.
— Está vendo? É sobre isso! Você está sempre parecendo que quer me seduzir!
— Eu juro! Não estou tentando nada! Muito pelo contrário, estou tentando ao máximo conter minha áurea divina. E assim, você ficar limpo de mim. Limpo de toda essa ocitocina pairando sobre você.
— Sabe de uma coisa, acho que o que eu preciso é de uma noitada de sexo selvagem regada a vinho. Desde que embarquei nessa busca não estive com ninguém, exatamente zero pessoas! Eu praticamente estou quase me tornando um virgem, não, pior, um monge de tanto celibato condicional! Vou perguntar ao capitão se ele tem um mapa.
— Vai já preparar nossa rota de busca?
— Não. Vou primeiro cuidar de mim. Preciso repor minhas energias, e gastar umas… Vou preparar meu roteiro de turístico em terra firme, vou ver no mapa qual litoral mais próximo aonde vou “ancorar minha embarcação”. Se é que entende.
— Ah sim… claro, estou totalmente de acordo que vá fazer isso. — disse o deus, cruzando os braços, e virando o rosto para o mar, como um menino emburrado que teve seu brinquedo tomado ou que lhe puseram de castigo.
— Kýrios.
— O que é?
— Você pode vir comigo se quiser.
— Eu? O que vou fazer? Ficar de vela para você?
— Hm… Melhor que isso. — disse, e logo o deus se virou novamente para ele, seu semblante ficando interessado e animado.
— Estou ficando curioso…
— Sabe, pensei numa coisa. Meus amigos de faculdade sempre iam em despedidas de solteiro, e claro, eu também sempre estava no meio, dando um adeus a um pobre coitado que se amarrou pela eternidade a um rabo de saia com rendas francesas que custam metade de uma mansão. Ou, às vezes eu mesmo organizava uma farra de três noites para aqueles trouxas apaixonados que levavam um pé na bunda de suas namoradas.
— James, é isso mesmo que estou começando a supor?
— É exatamente isso.
— Mas… Eu a am…
— Shhh… — gesticulou colocando um dedo sobre os próprios lábios — Eu pensei comigo agora mesmo… Você me propôs para eu me desintoxicar de você. Então, também quero propor algo à você: que se desintoxique de Psiquê.
— I-Isso é impossível! Eu a amo por mais de dois milênios!
— Ugh, veja só, está bem evidente que está impregnado com ocitocinas dela. E vamos lá, ela já deu todos sinais de que não quer mais nada com você. E pelo que eu me lembre, você disse que iria respeitar a decisão dela, correto?
— Sim, está correto! Mas isso para mim é uma coisa impossível! Psiquê é o amor da minha vid… ãhgm! — o deus foi interrompido pelo rapaz que cobriu sua boca com a mão que estava com o lenço que cobria seu corte, então não havia perigo do outro lamber sua palma para espantá-lo.
— Por Deus, você parece aquelas pessoas que sofreram lavagem cerebral! Mas comigo aqui, a partir de agora, Kýrios Galanis, eu ajudo você e você me ajuda. Trabalho em equipe. E a primeira coisa que vamos fazer é farrear juntos! Conhecer novas pessoas, novos lugares, novos gostos culinários… Novo tudo! — disse, libertando a boca do outro que suspirou em cansaço e cruzou os braços novamente — Kýrios, vamos, anime-se. — Lhe chamou em advertência.
— Tá, tá bem! Eu aceito trabalhar em equipe com você. Se é assim que deseja.
— Não, não, não, não. Aí está o seu erro. Hm… — olhou analítico para o deus — Isso pode ter sido a causa dos enjoos daquela loira.
— Está muito equivocado. Como ela poderia se enjoar de mim? Eu sempre fiz e a satisfiz de tudo o que ela quis.
— E é aí que está o erro. Kýrios, as mulheres não gostam de um cara que só faz o que elas desejam. Elas querem também agradar, querem saber do que você gosta. Isso é companheirismo. Uma troca de experiências.
— Mas eu sempre quis que ela soubesse que eu gostava de agradá-la.
— Esse é o espirito! É por esse caminho, mas só que um pouco mais egoísta, sabe? Você a partir de agora tem que dizer “como eu quero”, mas só para essas horas íntimas de “diversão”. Pois nesses momentos você tem que fazer o que quiser! Claro, sempre observando se a outra parte está se deliciando nisso. Essa é a graça de tudo! Dominar e ser dominado e vice versa.
— Mas eu ainda posso fazer o que a pessoa quer se esse também for o meu desejo? Porque, pode ser que seja meu desejo somente fazer o que a outra pessoa deseja.
— Meu Deus… Você precisa urgentemente de uma cura para parar de ser um grande cachorro vira-lata treinado e se tornar um lobo predador de sangue puro!
— Então é assim que você é? Um lobo predador de sangue puro?
— Modéstia a parte, sim, eu sou.
— Interessante… Conte-me mais sobre isso, James. — pediu, mas o rapaz parece não ter percebido suas intenções.
— Nah, para quê estragar a surpresa, não? Quando chegar a hora, eu te ensino. Acho que assim você pode até se tornar um amante melhor. E não para ela, mas para quem você quiser. Mas, entenda isso como uma forma de você evoluir nessa parte com quem quiser ter algo mais sério, não estou dizendo para virar um Zeus.
— Isso jamais! — disse Kýrios, com semblante de desprezo — Hm, bem, então vamos fazer isso antes de procurarmos por Panoptes e Tânatos? Vamos… farrear?
— Sim!
— Mas eles podem estar em perigo.
— Kýrios, a nossa viagem para onde for vai demorar bastante, a não ser que você tenha conseguido retornar com sua mansão para nos transportar para qualquer parte do mundo em segundos.
— Ah, quem me dera… Minha mansão está interditada desde a prisão de Hades e Perséfone… É perigoso usá-la ainda.
— Então está decidido. Vamos nos recompor e respirar novos ares. Está tudo dentro do plano de viagem. O capitão vai parar alguma hora em algum porto mais perto, e é aí que vamos aproveitar os dias que ficar atracado. Tudo certo. Panoptes e Tânatos são fortes, eles não vão ceder fácil assim, é bem capaz de serem até muito mais poderosos que nós dois juntos neste momento.
— Você tem razão, James. — Concordou, parecendo querer dizer algo, mas desistindo.
— É claro que eu tenho. — Sorriu, sentando-se ao lado do deus ali na murada — Vamos brindar à vida de solteiros?
O deus ficou pensativo, mas logo respirou fundo e disse:
— Sim. Vamos! — disse, determinado.
— Vou pegar uma garrafa então para nós.
— Uuu… Vai furtar?
— É só um empréstimo sem aviso. Eu vou devolver. Afinal, tenho um banco ambulante na minha frente.
— Que rapaz malvado… Não sabia que era um delinquente… — o deus arqueou uma sobrancelha junto de um sorriso arteiro.
— Não sou. Pra falar verdade… Vou pagar com o que ganhei de alguns trocados no mês que trabalhei naquele navio. Como minha mãe diz, “Sou bonzinho demais para ser um delinquente” — disse, e deu um meio sorriso, indo para o interior do navio onde ficava a dispensa, aproveitando que o capitão estava dormindo àquela hora.
Pegando escondido uma garrafa de rum de um dos caixotes que havia ali na embarcação pesqueira mas que também transportava certas mercadorias, James a abriu e bebeu seguidos goles, e então ofereceu ao deus, que a pegou, mas ficou olhando para a garrafa um tanto pensativo.
— Kýrios, seja o que estiver pensando, esqueça. Principalmente se for em relação à aquela deusa que partiu seu coração.
— Mas e se ainda tiver alguma chance?
— Por Deus, Kýrios! Eu já vi foras bem loucos como por carta, ou até com desculpas de que a moça tinha pego alguma doença terminal ou contagiosa, mas o que aquela deusa fez… Isso foi bizarro.
O deus fungou, olhou novamente para a garrafa, e por fim, virou a bebida direto pra sua boca, fazendo do mesmo jeito que o rapaz tinha feito, mas diferente do moreno, bebeu tudo de uma vez sem parar uma única vez para respirar e secando a garrafa em segundos.
— Vida nova! Isso! — disse o loiro, soluçando ao devolver a garrafa para o rapaz.
— Sim. E uma garrafa nova também. — disse, sorrindo e indo pegar outra do caixote — Espero que tenha economias, pois depois dessa, e de outras que tomaremos, estarei zerado de tostões.
— Oh, sim, eu tenho. — disse, pegando de dentro de seu bolso da calça uma bolsinha menor que fez um som metálico ao cair na tampa do caixote, denunciando a quantidade de moedas que havia ali.
— Você sabe que hoje em dia se trabalha com cédulas ou promissórias também, não?
— Duvido que lembrem de cédulas quando se tem isso. — disse o deus, parecendo sóbrio mesmo depois de ter bebido aquela garrafa inteira de rum.
Curioso, pegou a pequena bolsa, e a abriu, ficando espantado com o que tinha dentro.
Havia moedas de ouro, pequenos diamantes, rubis, esmeraldas e todo tipo de pedras preciosas.
— Era o que eu ia usar para mandar forjar uma linda joia quando eu a encontrasse… Eu estava comprando escondido durante a nossas buscas… Os mais raros desta terra. — Contou, seus ombros ficando caídos pela confissão.
— Uau… Mas… Não fique desanimado. Você está tomando um passo certo.
— Será? James, eu fico pensando… E depois? O que será de mim depois que eu superar? Ficarei sozinho pela eternidade?
— Ah, Kýrios… — sorriu, abrindo mais uma garrafa de rum — Ninguém fica sozinho pela eternidade. Logo, logo vai aparecer uma outra deusa para preencher seu coração. Ou… um deus. Vai saber.
Kýrios arqueou uma sobrancelha e encarou o outro enquanto este virava a garrafa em sua boca, bebendo vários goles.
— É, pode ser um deus, quem sabe. — Sorriu, olhando fixamente para o moreno, que estava olhando para os desenhos formados com seu sangue ali na tampa.
— Certo, vamos aos negócios.
— Negócios?
— Sim, ainda não descobrimos que desenho é esse que se formou aqui.
— Oh, sim, o desenho… — esfregou o rosto e se pôs numa postura mais concentrada para espantar alguns pensamentos não adequados para o momento — Hm, ainda penso que é um centauro, essa parte está muito comprida para ser somente uma cabeça, acho que pode ser o torso. Também pode ser algo parecido ao Minotauro.
— Mas pode ser que seja mesmo. Até dois meses atrás eu nem imaginaria que existiria essas coisas de monstros e seres sobrenaturais. Agora não duvido que tenha algum ser com essa aparência. Então para mim isso é um bovino, só que bem estranho. Isso são chifres, com certeza. — disse, mordendo os lábios.
Aquele gesto não escapou das vistas do deus, que acompanhou do início ao fim marcando cada detalhe de sua boca e do movimento…
— …se não é um boi pode ser uma charrete? Pode ser uma estatueta?
O deus piscou algumas vezes para voltar a si de sua distração, e bebeu mais um gole da nova garrafa que o moreno abriu para ele.
— Seja o que for, é um animal. E… — disse, e pigarreou passando as mãos nos cabelos — …me desculpe, James, mas não estou muito disposto… Acho que… preciso descansar… talvez finalmente achei uma bebida humana que me deixe tonto.
— Certo. Eu também preciso. Vá primeiro, eu ficarei aqui até você acordar.
— James, a gente pode dormir agora juntos. Cabe nós dois naquela cabine. Eu fico no chão, e você que precisa mais da cama pode usá-la até ficar cem por cento bem.
— Acha que é seguro nós dois baixarmos a guarda? Afinal, estamos no meio do mar, e sabe… deuses, seres do mar… — disse James, olhando lá pra água.
— Não há perigo, estamos praticamente fora da vista de qualquer coisa.
— E como pode ter tanta certeza?
— Porque estamos muito além dos domínios centrais dos deuses. Estamos no meio do nada, as coisas ficam bem fracas. Somos como dois peixes de aquário num oceano.
— Eu acredito que isso possa valer à mim. Mas você, Kýrios, é um deus.
— Não estou no meu auge… Meu nome ter sido banido abaixou metade dos meus poderes, já que as pessoas nem se lembram de mim. James, deuses são imortais até quando sermos lembrados. E creio que eu só esteja vivo porque ainda existem pessoas que creem no amor.
— Vamos olhar então isso por hora como algo bom. Você está fraco, e isso para nossa segurança é uma boa coisa.
— Só você mesmo para me animar com uma coisa ruim…
— É o mínimo que posso fazer depois… depois do que aconteceu. Tenho que me redimir.
— Esqueça isso James. O que passou, passou. Como você mesmo disse, vamos festejar o futuro e às boas coisas que nos aguardam. — disse, se levantando da murada e, de repente tirando a roupa.
— O que você vai fazer?
— Tomar banho.
— Mas o capitão ainda não liberou a água para nós.
— Quem disse que vamos tomar banho de caneca?
— Espera, o que você quer dizer com “vamos”?
O deus sorriu arteiro, e continuou a tirar suas roupas, e como James já previa, logo virou seu rosto por saber que o loiro ficaria nu na sua frente.
— Ah, certo, banho de mar. Boa sorte com a água salgada… — quando estava prestes a sair do caixote, teve um braço seu puxado pelo deus, que o levou para a água sem aviso prévio.
A água estava morna, e as mares baixas ajudavam ambos a flutuar com tranquilidade na superfície.
— Você ficou louco! O capitão vai acordar daqui a pouco e vai desancorar o barco! Logo vai estar em movimento!
— Não se preocupe, eu levo a gente de volta. — Sorriu, mergulhando, e em segundos, aparecendo bem na frente do rapaz, que sentiu um arrepio bom e inapropriado em sua espinha por aquela proximidade.
— Kýrios, só pra lembrar, você está nu… certas coisas podem flutuar para lugares errados… então… — disse, temendo que aquela proximidade poderia ter como consequência algo lhe tocando na coxa ou na barriga.
— Tire suas roupas, James.
— Não, estou bem assim.
— Por favorzinho. — Fez biquinho — Quero que sinta uma coisa.
— Ah mas não mesmo! Pode parar com essas brincadeiras! — disse, nadando um pouco para trás.
— Pare de ser tão maldoso, James. Eu juro, não estou pensando em te provocar ou algo do tipo. E minha aura neste momento está contida. Eu não te prometi sobre aquilo? Da desintoxicação?
— E vai começar com você me pedindo pra tirar minha roupa?
— Sim.
— Não, muito obrigado.
— James, confie em mim.
— Não consigo.
— Assim fico magoado. — disse, fingindo estar ofendido — Vai, James, eu juro pela minha divindade que o que estou querendo lhe propor é puramente bom, algo cem por cento puro.
James lhe mirou analítico, e ficou duvidoso ao ver o semblante do outro estar entre falando verdade mas com certa arte ao fundo.
— Ok, vamos logo fazer isso.
Tirando todas suas roupas e as deixando flutuar e serem levadas pelas ondas, ficou nu, achando-se muito estranho por ter ficado daquela maneira, “solto” ao mar.
— Agora feche os olhos. — pediu o deus.
— Certo. — disse, fechando os olhos.
— Agora escute o mar. Sinta a água passando por todo seu corpo como se tivesse levando todos seus problemas, sinta a as ondas te levarem…
Se concentrando naquela orientação, ouvindo somente sua respiração e as pequenas e calmas ondas batendo contra seu corpo enquanto que a parte submersa era acariciada pela corrente que passava por sua pele e por todos os cantos que eram possíveis da água tocar, sentiu uma paz invadindo sua mente.
E até aquele medo antigo de mergulhar em lagos ou rios ia se dispersando, aquela recordação do ocorrido no rio Ganges nem sequer era lembrado, sobrando somente um sentimento de autoconfiança e liberdade.
O vai e vem das ondas era muito relaxante… Tanto que quando percebeu, já estava com todo seu corpo flutuando acima na água, com seus braços abertos e pernas soltas naquela imensidão.
Ao procurar pelo deus, viu que o mesmo estava da mesma forma, de olhos fechados, mas não era somente seus braços que estavam abertos.
Apesar do angulo não muito favorável, dava para ver que suas asas também estavam abertas, já que pela água ser escura, as penas brancas e douradas brilhavam, e era lindo de ver mesmo que a água distorcesse.
James suspirou, sentindo seu peito se aquecer, mas assim que se deu conta do que estava sentindo, voltou a fechar os olhos e voltou a se concentrar para retornar à aquela sensação de paz em que estava mergulhado.
Quase pensou que não fosse conseguir, mas depois de limpar sua mente voltou às correntezas, deixando-se sentir quase que parte do mar.
Era incrível. Uma sensação de ser parte de um todo, de alma sendo lavada.
— James. — Lhe chamou o deus.
— Sim?
— Está se sentindo melhor?
— Sim, principalmente por sentir as ondas irem e virem nas minhas bolas. Nunca me senti tão livre quanto estou agora.
O deus riu, e se moveu, mudando para flutuar na vertical.
— Algo mais?
— Sinto… paz. Como a muito tempo não sentia.
— Fico muito feliz de escutar isso. Vamos.
— O quê?
— Vamos voltar para o barco.
— Mas já?
— Pensei que estivesse apressado para voltar.
— Não, quer dizer, é claro que quero voltar, mas… pensei que iríamos fazer mais alguma coisa, sei lá, apostar corrida, brincar de afogar um ao outro…
O deus deu um sorriso de canto indecifrável.
— Quem sabe outro dia. Haverá muitas outras oportunidades para você querer me afogar. — disse, lhe dando uma piscadela, e se pondo a nadar em direção ao barco.
James tentou não maliciar com o que o deus tinha falado, mas foi impossível.
Balançando a cabeça para espantar novamente alguns pensamentos inadequados, seguiu o loiro logo atrás. Saiu mais rápido da água por ter nadado muito mais depressa, subindo no barco, indo direto para dentro da cabine, se cobrindo com suas próprias asas.
E James, enquanto nadava para voltar, sentiu uma sensação estranha de repente, como se algo estivesse prestes a puxar seu pé e sugá-lo para as profundezas do oceano. Tal pensamento lhe fez esquecer rapidamente da sensação de paz quando estava com o deus, e o fez nadar o mais veloz que podia para dentro da embarcação.
Tal pensamento lhe fez esquecer rapidamente da sensação de paz quando estava com o deus, e o fez nadar o mais veloz que podia para dentro da embarcação.
Publicado por:
- Brunna Lys Miran
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