Entre Espadas - Capítulo 17
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- Capítulo 17 - O treinamento se inicia, dias chuvosos chegam à capital.
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Menção a abuso sexual.
Após ajudar Leonardo a se acalmar, os dois subiram mais uma vez para o templo, indo em direção à cozinha. Huo deu um pouco de água para Leonardo se hidratar após chorar. Um tempo depois, Huo Liming liderou o caminho para o quarto, já que ambos ficavam um de frente para o outro. Isso não seria nenhum incômodo para Huo, e assim eles caminharam juntos pelo longo corredor até as portas dos dois quartos. Quando pararam em frente às duas portas, antes de entrarem cada um em seu respectivo quarto, o mestre se virou para o seu agora discípulo e falou mais uma vez:
— Leonardo, descanse bem. Você terá três dias de descanso para recuperar suas forças após o coma e, após isso, começará seu treinamento, assim como Akiko. Durma cedo e acorde junto ao nascer do sol. Nestes três dias, regule seu sono, alimente-se bem e não pense que pegarei leve com você só porque acabou de despertar. Estamos entendidos?
O jovem ouviu as palavras de sua mestra, permanecendo com uma expressão séria em seu rosto até que ela terminasse de falar, e só então a respondeu — Certo, estamos entendidos. Não irei decepcioná-la, mestra. — E, por fim, com um sorriso no rosto, Leonardo adentrou em seu quarto com suas esperanças agora retomadas. Enquanto se preparava para dormir, muitas coisas passaram por sua cabeça: “Eu posso não saber onde você está, Toyo, mas eu prometo que vou encontrá-lo e trazê-lo de volta para mim e para a Kaede. Aguente mais um pouco, eu não desistirei de você…”
Com essas últimas palavras em mente, Leonardo finalmente se deitou para dormir. Como de costume, por algum motivo, ele não conseguia pregar os olhos e adormecer. Era como se faltasse algo ou alguém para que ele conseguisse dormir. Quando enfim notou a presença de outro travesseiro além do seu na cama, com um pouco de vergonha, mesmo sabendo que ninguém veria, o garoto pegou o outro travesseiro e o abraçou para conseguir adormecer, enquanto sussurrava para si mesmo — Isso é ridículo… idiota, como ousa me fazer ficar acostumado a dividir a cama com alguém e me deixar duas vezes… você vai pagar por isso quando eu tomá-lo de volta… — E, enfim, Leonardo conseguiu adormecer com sucesso.
[…]
No dia seguinte, às 6:30 da manhã.
Neste ponto, o garoto, por sua vez, já estava acordado há um certo tempo, vestindo um leve kimono de seda preta, de largura mediana. Não era nem muito justo, nem muito largo, era ideal para Leonardo. Após se vestir com calma, o rapaz pensou no que faria com o cabelo. De maneira sincera, ele gostava do novo estilo que estava usando e, com isso em mente, procurou um tecido. Quando o achou, rasgou um pequeno pedaço e o usou para prender o cabelo. Somente então, quando sentiu que estava completamente arrumado, ele se dispôs a sair de seu quarto.
Saindo do quarto, ele apenas caminhou descalço por um certo tempo até chegar na cozinha, onde encontrou duas senhoras de idade, provavelmente preparando uma espécie de café da manhã. Ele as reconheceu logo quando entrou: eram as irmãs Kawano, duas gêmeas anciãs da antiga vila onde Leonardo estava com Ryo. As irmãs Kawano não haviam se casado durante toda a vida, e Leonardo até mesmo ouviu boatos de que seus corações foram roubados por um Youkai maligno, que tirou delas a capacidade de se interessarem por qualquer outro homem. Mas, como ele pensou, provavelmente eram só boatos. Afinal, durante toda a estadia de Leonardo no velho templo, as duas irmãs sempre levaram muita comida para ele e para Ryo, que estava acamado na época.
— Senhoras Kawano! Há quanto tempo não as vejo, como estão? — disse o garoto com um sorriso gentil no rosto, enquanto se sentava em uma cadeira da mesa de madeira que ficava no centro da cozinha.
As duas senhoras, que estavam dividindo suas tarefas na cozinha, pararam ao ouvir a voz de Leonardo e se viraram com grande felicidade, falando quase ao mesmo tempo, roucamente: — Leo, você acordou, rapazinho! Você não tem noção de como ficamos preocupadas!
O jovem riu ao ouvir as duas e respondeu calorosamente — Vejo que as senhoras ainda mantêm a sincronia perfeita de vocês, hein?! Muito bom ver que pelo menos algumas coisas ainda não mudaram totalmente. — Ele disse rindo, enquanto as duas idosas se juntavam a ele na mesa.
Após se sentarem, a irmã à esquerda começou a falar — Sim, sim… isso é realmente muito bom, mas ouvimos esta manhã por Liming-Sama que você também está mudando, não é mesmo, jovenzinho?
— Oh, vejo que já sabem então. Sim, é verdade, após levar uma bronca bem grande do sensei… ele me escolheu como seu segundo discípulo.
A irmã à direita sorriu de maneira aliviada. — Isso é uma ótima notícia, Leonardo! Liming-Sama pode ser bem duro com seus treinamentos, até onde Akiko nos contou, mas também sabemos que ele se preocupa muito com seus discípulos. Podemos ver isso pela maneira com a qual ele cuida de Akiko.
Antes que Leonardo pudesse continuar a conversa com as duas senhoras, a voz de Akiko veio da entrada da cozinha.
— Ah, aí está você, Leonardo. Pare de enrolar, o sensei me mandou buscá-lo. Você está atrasado trinta minutos no seu primeiro dia de treino. Liming-sensei não vai pegar leve só porque é seu primeiro dia… — A garotinha falava de forma calma enquanto adentrava a cozinha, pegava um copo de madeira, enchia-o de água com uma jarra que estava na mesa e bebia quando terminou de falar.
— Aaah, merda, eu perdi totalmente a noção do tempo… Bem, então vamos, Kiko. Até mais, senhoras! — O rapaz disse rindo de maneira constrangida enquanto se levantava e saía da cozinha.
Após beber o copo de água que havia enchido, Akiko saiu atrás de Leonardo e se virou para seguir para o lado exterior do templo. — Vem Leo me segue. Vou te levar até onde o mestre está. Ah é mesmo, boa sorte.
— Boa sorte? Por que boa sorte?
— Porque você vai precisar Leo. — A menina disse rindo sabendo do que vinha pela frente para o pobre rapaz o qual agora também era aluno de seu sensei.
Quando já estavam no pátio externo do templo, a jovem guiou seu amigo para a mesma direção onde ela havia ido no primeiro teste que sua mestra deu quando iniciou seu treinamento. Quando, por fim, estavam afastados do grande templo, Akiko seguiu em direção a uma vasta mata e parecia até mesmo estar acostumada a fazer aquele caminho diversas vezes ao dia, ao ponto de deixar Leonardo para trás diversas vezes. Com muita dificuldade por parte de Leonardo, eles finalmente chegaram a uma enorme cachoeira, que era tão alta quanto os olhos de Leonardo podiam alcançar. Em frente a ela, estava Huo Liming, parado sob a água, sem estar minimamente tocado por ela, olhando para seus dois alunos com uma expressão séria.
— Leonardo e Akiko, estão atrasados cerca de uma hora desde que enviei Akiko para buscá-lo. Não me interesso em saber as desculpas de ambos. Akiko, volte a meditar abaixo da cachoeira. Sua concentração ainda não está persistente o bastante e sua respiração continua acelerando sempre que invoca um dos doze espíritos. — O homem dizia enquanto se aproximava da margem do local. Akiko passou ao lado dele em completo silêncio e total obediência, sentando-se debaixo da grande cascata de água como se não fosse nada. Mesmo com a grande pressão da queda de água contra o corpo da garota, aparentemente aquilo não a incomodava. Tal cena deixou Leonardo espantado por um segundo, antes de ter sua atenção voltada a Huo Liming, que começou a falar com ele.
— Leonardo, seu treinamento será diferente ao de Akiko. Até onde sei, você teve força o suficiente para derrotar o principal samurai sob treinamento do terceiro general, o que devo dizer… é um feito e tanto. — O homem falava com calma enquanto ficava a frente a ele.
— Obrigad— Ele estava prestes a dizer quando Huo o interrompeu.
— Não se orgulhe disso. O terceiro general valorizava aquele oni até mais que sua própria vida. Em uma noite, você conseguiu fazer o pior inimigo que poderia neste país… Me encabula que ele ainda não tenha vindo atrás de sua cabeça… Talvez ele ainda esteja de luto… — O homem pareceu viajar em meio às suas palavras, até mesmo com certo pesar, mas logo a expressão desapareceu de seu rosto e ele voltou a falar. — O que quero dizer, Leonardo, é que devemos fortalecê-lo o máximo possível, não só para achar seu companheiro, mas também para se prevenir de uma possível retaliação do terceiro. Entende isso?
— Sim, eu entendo, mestre. Farei o que for possível para estar preparado.— Leonardo respondeu com uma expressão totalmente séria em seu rosto. Querendo ou não, após saber que tirou a vida de alguém importante para outra pessoa, isso o deixou com uma certa culpa, mesmo sabendo que seus motivos fossem totalmente justificáveis para matá-lo… Bem, pelo menos era justificável para ele.
— Como concordou em fazer tudo o que for possível, caro discípulo, preciso que me conte exatamente como conseguiu a façanha de matar alguém em um nível tão superior ao seu.
O garoto, por sua vez, suspirou e enfim começou a falar. — Certo, falando da maneira mais simples que posso… eu explodi o sangue dele dentro do corpo dele…
— Você quer dizer… hemocinese? Isso é… bem, na verdade, isso explica como não estava morto com todos aqueles ferimentos… e a maneira em que o corpo do Oni estava… — Huo dizia para si mesmo, quase como se tivesse esquecido de incluir a outra parte na própria conversa entre ambos.
— É bem… é bem isso mesmo, sensei. Nossa, você entendeu bem rápido…— Leonardo respondeu com uma tonalidade mais rosada em seu rosto, como se estivesse com vergonha de alguém ter entendido tão rápido.
— Mas me diga, jovem, há quanto tempo tem essa habilidade? Porque é improvável que teria tais ferimentos se soubesse usá-la… a não ser… — O homem parecia meio incrédulo sobre a situação e sobre o que pensar. — Leonardo, por acaso você é uma daquelas pessoas que gostam de sentir dor? Porque, se sim, terei que repensar todo o seu treinamento…
Ao ouvir as especulações de seu sensei, o garoto se engasgou com seu próprio ar e tossiu diversas vezes enquanto tentava falar algo, mas sem sucesso durante algum tempo. Isso fez com que ele só pudesse ouvir as diversas especulações de seu mestre, que pareciam como adagas direto em seu peito. Somente após diversas tentativas de verbalizar algo, o garoto finalmente conseguiu falar.
— Huo-Sensei… por favor, pare. Eu sinto uma katana atravessar meu peito a cada uma dessas especulações… Eu… eu… eu só despertei essa habilidade durante a batalha… é por isso… — Ele dizia com uma pitada de desespero na voz, como se realmente fosse machucado fisicamente a cada especulação, o que fez Huo rir genuinamente.
— Perdão, admito ter sido muito precipitado sobre tal assunto. Certo, o fato de você ter despertado tais habilidades durante o combate é toda a explicação necessária para entendermos por que você estava repleto de machucados… Ou seja, você não sabe como controlar essas habilidades ainda e nem ao menos sabe como elas funcionam, não é? — Liming presumiu com certa confiança na voz.
— É… realmente eu não sei quase nada sobre como eu sequer consegui essas habilidades e como usar elas… Sendo sincero a única coisa que me lembro quando as usei naquele momento é que eu queria fazer aquele desgraçado sangrar… eu queria ensinar uma lição para ele.
— Uma lição? — Liming perguntou confuso.
— É… eu quis mostrar para ele o que acontece com quem ameaça o que é meu. — O garoto disse de maneira totalmente apática como se por um breve momento ele se desvinculasse de seu próprio ser, mas logo voltasse ao normal com um sorriso confuso. — Perdão me distrai por um segundo sensei, então já que não sei como usar essa habilidade como vai ser meu treinamento?
Huo Liming por sua vez aparentou ficar um tanto confuso com a brusca mudança do garoto de maneira tão rápida, mas decidiu ignorar isto por este momento e falou — Bem, nesta primeira parte do seu treinamento focaremos em tentar descobrir em como utilizar estas suas habilidades.
[…]
Enquanto isso, na capital de Iwasakiyama.
Era por volta das oito da manhã e, como de costume nos últimos meses, o clima na capital continuava nublado e úmido, como se uma grande nuvem de chuva estivesse se formando acima da capital. Em meio a esse clima frio, lá estava a maior construção do país, antigo lar do imperador e agora residência da atual Xogum, o Castelo Imperial. Dentro deste enorme castelo, em uma de suas diversas salas de reuniões, estava uma bela dama de cabelos ruivos, ainda vestindo os mesmos trajes que havia usado para dormir na noite anterior, lendo e relendo diversos documentos relacionados à situação econômica do país.
A expressão de Masaru a cada documento que lia era de extremo cansaço, mesmo sendo apenas o início da manhã. Afinal, há alguns meses, a toda poderosa e imponente xogum não conseguia ter uma noite de sono adequada. Devido a um erro dela, uma pessoa importante para aquele que ela chama de irmão entre todos os generais veio a falecer, e ela sabia que isso era unicamente culpa dela, por mais que tivesse demorado a perceber. Em meio a esses pensamentos, mais uma vez ela ouviu alguém bater à porta e suspirou para recuperar a compostura. Após isso, falou em voz alta — A porta está aberta, entre.
Ao ouvir a permissão para adentrar a sala, um homem vestindo um quimono acinzentado com detalhes em branco com um longo cabelo preto quase tocando sua cintura com olhos mais escuros do que uma noite sem a presença da lua em uma densa floresta, se ajoelhou em uma reverência atrás da cadeira onde Masaru estava sentada e disse em uma profunda calmaria — General Jo Shihei, do quinto distrito, se apresenta perante vossa senhoria.
Ao ouvir a voz de um de seus generais, Masaru se virou com um pequeno sorriso em seu rosto olhando para Jo Shihei. — Shihei… há quanto tempo. Vejo que melhorou bastante em manifestar uma aparência humana. Claro ainda há alguns erros, mas acho que isto lhe dará um charme a mais.
Shihei por sua vez escutou calmamente as palavras antes de enfim respondê-la — Oh…entendo, então ainda não foi completamente humano… Do que me esqueci Masaru-dono? Gostaria de ter ciência para poder aperfeiçoar mais esta forma… Até agora consegui reproduzir devidamente todos os órgãos desta espécie… Não entendo.
A mulher riu de maneira doce ao ouvir seu general listar como havia feito quase tudo com êxito ao assumir esta forma e se levantou à frente dele. — Às vezes venho a me esquecer de como Shihei-kun é apenas uma criança quando se trata de assumir uma nova forma. Se deseja saber, peixinho, lhe direi: você fez olhos sem pupila e de coloração que desconheço que os olhos humanos possam alcançar. Mas, como disse, não mude isso, isso o torna único à sua maneira. — A maneira como Masaru falava com Shihei era, por sua vez, repleta de carinho, como se falasse com uma criança de sua família. Quando por fim acabou de falar, a mulher se virou de costas para ele e voltou a se sentar na cadeira. — Shihei, levante-se, venha sentar-se comigo. Imagino que não esteja aqui só para visitar a mim, Seiryuu, Gonkuro e Ryo.
— Tem razão, infelizmente não vim somente para uma visita. Por mais que ver o terceiro general e o seu discípulo seriam realmente do meu agrado, Masaru-dono. — Shihei dizia enquanto se levantou com calma e se sentou ao lado de Masaru.
— Então, me conte o que é tão urgente para trazer meu general mais recluso para a capital? — Masaru falou com calma enquanto colocava as mãos sobre a mesa e se encostava sobre elas.
— Bem, há alguns rumores se espalhando pelo quinto distrito de que o quarto general irá se aposentar logo… e devo admitir que estava muito preocupado com a saúde da vovó Kazutoshi. — O homem parecia cada vez mais tímido a cada vez que continuava falando, principalmente ao ver o largo sorriso no rosto de Masaru ao vê-lo expressando preocupação com alguém, o que o fez continuar a falar de maneira mais apressada. — Além disso, recentemente, os soldados responsáveis por patrulhar a costa leste do meu distrito disseram ter notado a presença de embarcações estrangeiras velejando estranhamente perto de nossas praias e achei que uma ação tão estranha deveria ser mencionada à senhora.
— Sim, é verdade. A senhora Kazutoshi deveria deixar seu posto em exatos cinco anos, contando desde o dia em que Ryo chegou ao castelo. Ela decidiu deixar seu posto devido à idade e pediu para que eu cedesse a ela algumas terras no alto do segundo distrito. Mas isso é algo que devo tratar com o segundo general. E não se preocupe, ela está bem, só está cansada. — Masaru disse calmamente, sem ao menos parar para pensar sobre como responder ao outro.
— E sobre as embarcações, peço que tente averiguá-las mais de perto, mas mantenha-se protegido. É apenas uma tarefa de reconhecimento. Depois, deve relatar tudo o que descobrir para mim. Envie-me uma carta por um dos corvos de Yanagi.
— Certo, farei isto, mas… se me permite perguntá-la senhora, é a terceira vez que venho a capital este ano e não vejo Kishin em nenhum lugar. O terceiro general também parece distante. É estranho vê-los separados; o terceiro sempre foi tão apegado aquele discípulo. — Ao ouvir tais palavras o semblante de Masaru se empalideceu bruscamente e ela parecia prestes afundar em uma enorme tristeza. No entanto, antes que sequer pudesse falar algo, ela escutou uma voz vindo do outro lado da porta.
— Sensei? A senhora está aí? Os guardas me disseram que se eu desejasse encontrá-la agora pela manhã deveria vir para cá. — A voz do outro lado falou quase em um bocejo como se estivesse muito cansado ou dormido pouco.
Ao ouvir a voz, Masaru sentiu como se estivesse sendo salva de uma conversa que seria extremamente desconfortável no último segundo. Ela com certeza deveria lembrar-se de agradecê-lo depois. — Estou sim, pode entrar, Ryo. Venha se sentar conosco um pouco, sim?
Por fim, lá estava ele abrindo a porta, Toyosaki Ryo, que vem sendo treinado e cuidado por Masaru em pessoa durante longos oito meses. Nesse meio tempo, o garoto havia ganhado mais massa muscular, o que o deixou parecendo menos frágil e sim uma pessoa com estatura mediana, mas um pouco abaixo da média para sua idade. Mesmo com o treinamento árduo, o garoto ainda apresenta muitos traços delicados em seu rosto e até mesmo em seu corpo. Afinal, isso é algo que, por mais forte que ele esteja, não poderia mudar. Seus olhos lilases pareciam muito mais brilhantes e ardentes do que nunca. Seu cabelo ainda era longo, amarrado em um coque por uma corda dourada, enquanto ele usava um kimono totalmente preto, aberto na parte superior de seu corpo, que estava completamente enfaixada.
Quando adentrou a sala, ele se curvou em uma pequena reverência e disse: — Este discípulo se apresenta perante a mestra e ao quinto general. — Logo após, ele voltou à sua postura ereta e se encaminhou para sentar-se à direita de Masaru, que o olhou com um sorriso no rosto.
— Ryo, você aparenta estar cansado, não dormiu bem? Eu lhe disse para descansar bastante após os treinos de ontem. Seu fator de cura é alto, mas lembre-se de que, mesmo sendo fraco, um ataque meu ainda demora para se curar. Você deveria estar deitado. — A mulher disse com certa calma; ela realmente aparentava estar preocupada com ele.
Em resposta às perguntas de Masaru, o garoto riu de maneira despreocupada e, por fim, a respondeu de forma relaxada. — Bem, não negarei que não ando dormindo bem nos últimos dias, mas, sensei, não se preocupe tanto com minha recuperação. A senhora me treina há quase nove meses; se, neste ponto, eu já não soubesse lidar com um hematoma ou outro… bem, com certeza não seria eu.
— Acho que tenho o deixado muito presunçoso desde que chegou aqui… Cada dia que passa vejo mais de mim em você, garoto… — À medida que falava, prestando muita atenção, Shihei pôde notar uma certa preocupação vinda de Masaru, mas ele optou por permanecer em silêncio e observar como seria o desfecho de tal conversa.
— O que foi, mestra? A senhora não gosta que eu me pareça com você? Quem sabe eu até mesmo possa lhe dar uma oportunidade para se aposentar em um futuro não tão distante… afinal, a idade para parar uma hora chega…— Ryo falava de forma sugestiva, mas claramente era apenas uma provocação vazia sobre a idade atual de sua mestra.
Ao ouvir as sugestões de seu aluno, a mulher riu e deu um leve peteleco em sua testa. — Moleque impertinente, cuidado com essa língua afiada. Nem todo mundo tem o bom humor que eu tenho com você, caro aluno.
— Não se preocupe, mestra, só tenho tamanha intimidade com você e o senhor Gonkuro. — O garoto enfim olhou para o quinto general ao lado de Masaru. — Shihei, há quanto tempo! Faz três meses desde sua última visita. A que devemos tal honra?
— Realmente, faz um tempo, Toyosaki. Sim, acredito que em torno de três ou quatro meses. Você parece mais forte, garoto. Além disso, você tocou em um tópico que estou deveras interessado no momento. — Shihei respondeu ainda de forma calma, enquanto mantinha o olhar distante das duas pessoas.
— Obrigado pelos elogios, mas me diga, com o que posso lhe ajudar que está tão interessado? — Ryo respondeu enquanto se levantava e ia até uma das prateleiras no canto da sala, onde havia um bule de chá. Ele colocou um pouco em uma xícara e entregou ao quinto general.
— Eu queria saber, por acaso você sabe onde o terceiro general está? É incomum vê-lo longe de nossa xogum. Eles sempre estão no mesmo lugar. Já é a segunda vez que não o vejo quando venho ao castelo. — O homem indagou com enorme curiosidade. Antes de responder algo, Ryo apenas olhou para Masaru, tentando saber o que poderia falar naquele momento.
Com o olhar de Masaru, o garoto sabia que não poderia falar a real situação do terceiro general. Então, ele apenas sorriu e respondeu calmamente — O senhor Gonkuro está realizando uma tarefa de extrema importância para nós. Minha mestra deve ter apenas esquecido de contá-lo. Não podemos adentrar em muitos detalhes por agora, por se tratar de um pedido do próprio terceiro general que sua missão não seja comentada para outros. — Ryo falava de maneira convicta; era impossível suspeitarem que ele estivesse mentindo.
[…]
Ao mesmo tempo, no quarto do terceiro general.
A visão do quarto em si era quase nula, oculta por uma grande nuvem de névoa dourada. Em meio a toda aquela névoa, havia um corpo deitado na cama, como se estivesse em um sono calmo e tranquilo: um Oni com o chifre quebrado, com todas as feridas da sua morte costuradas, apenas uma casca morta. Olhando para este corpo de uma poltrona afastada da cama, estava Gonkuro, com seus grandes cabelos loiros ondulados totalmente bagunçados, vestindo apenas o roupão que geralmente usa para dormir. Aos seus pés, diversas garrafas de alguma bebida alcoólica vazia, enquanto ele segurava outra em suas mãos e virava quase metade da garrafa de uma vez. Após isso, ele, por algum motivo, havia começado a falar sozinho.
— Ahm… então é isso que os mortais chamam de estar bêbado… sinceramente… Kishin, só você mesmo para me fazer gastar tanta da minha energia espiritual ao ponto de ser praticamente um mortal e ser capaz de ficar bêbado… — O homem disse rindo, enquanto seu rosto estava completamente vermelho pelo efeito da bebida. Até mesmo bêbado, Gonkuro conseguia ser a maior das belezas de toda a nação. Aos poucos, essa grande beleza se levantou desnorteada e caminhou cambaleando até a beira da cama onde o corpo de Kishin estava e se ajoelhou ao lado dele.
— Meu Kishin… meu discípulo imprudente… por que não está se curando? Saiba que seu mestre está gastando muita energia para curá-lo. Até estou dormindo em um sofá… você está deixando seu mestre muito irritado. — O homem falava com a voz extremamente rouca enquanto, aos poucos, descansava a cabeça sobre o peito frio de Kishin.
— Tão frio… — O homem sussurrou para si mesmo enquanto seus olhos esmeraldas se enchiam de lágrimas à medida que falava. — Como ousa morrer antes de seu mestre? Nem pense em reencarnar, seu ingrato. Não permitirei que me abandone… vou trazê-lo de volta para mim. Prometi a seus pais que não o deixaria morrer… não faça seu mestre desonrá-los assim. — Gonkuro, a este ponto, já estava mais uma vez, como muitas outras vezes, chorando sobre o corpo de seu protegido, mas aquele momento não durou muito.
Logo ele se levantou ainda tonto, ele estava claramente bêbado, enquanto limpava os olhos com a manga do próprio roupão. — Eu preciso me distrair… ou irei enlouquecer logo… — Por fim, ele voltou a beber por um longo tempo naquela poltrona até se passarem horas e a cada momento mais inconsciente ele ficava de seus próprios atos.
Quase como se o destino tentasse pregar uma peça irônica no terceiro general, o som de batidas na porta veio do lado de fora, seguido pela voz grossa do primeiro general: — Gonkuro, você está aí? Chegaram umas caixas para você e, como estava de passagem, decidi trazê-las para você.
O terceiro general, por sua vez, abriu a porta, encostando-se a ela para se manter de pé, enquanto parte daquela névoa vazava para fora. — Yanagi… meu amigo, somos amigos há um bom tempo, não é mesmo?
— Creio que sim, faz tempo desde que entrei para os treze, mas você não costuma me chamar pelo meu nome tão casualmente… — O homem respondeu enquanto olhava de cima a baixo para Gonkuro. Sem a máscara de corvo, o primeiro era realmente alguém de grande beleza, com um rosto maduro e olhos castanhos. Ele daria para o gasto.
— Como somos amigos Yanagi… você tem que me ajudar quando estou necessitado, o que inclui este momento, onde preciso me distrair… — A voz do general ondulava entre um tom rouco em meio a sussurros.
— Claro, posso ajudá-lo, mas por que está sussurrando? — Assim que terminou de falar, antes mesmo que pudesse ouvir a resposta da outra parte, Gonkuro o puxou pela gola do quimono para o quarto e fechou a porta atrás de si e o prensou sobre ela. — Primeiro general, pode me manter distraído?
Yanagi por sua vez acabara de se dar conta com o que o terceiro queria dizer com se distrair e sabia claramente que ele não estava em seu normal, Gonkuro jamais se jogaria assim para cima de alguém, ele nem mesmo podia ser considerado realmente próximo de Yanagi, mas como ele poderia perder a chance de levar a maior beleza deste país para a cama e com estes pensamentos impuros em mente o primeiro general sorriu ao passar os braços envolta do corpo do outro e veio a falar de maneira maliciosa. — Posso. Acredito que somente um homem louco perderia tal chance…
Assim que terminou de falar o homem colocou suas mãos para dentro das roupas do outro enquanto movia seus lábios sobre o pescoço dele como se quisesse devorá-lo cada vez mais a cada momento, até o ponto onde os beijos se tornaram mordidas e o primeiro general já havia removido completamente a parte superior da roupa do terceiro e pegado em seus braços enquanto se sentava na poltrona o fazendo se sentar sobre ele.
— Droga… seu corpo consegue ser muito mais sensual do que os boatos que se espalharam entre os empregados… eu realmente quero entrar em você agora terceiro… — O homem falava enquanto suas mãos se moviam descendo sobre o corpo do outro que permaneceu em silêncio ofegante sentindo aquelas mãos o apalparem sua bunda como se perseguissem adentrar mais fundo ao seu corpo.
E tal sensação momentânea até realmente estava sendo boa, mas quase em uma epifania voltando a si ele segurou os braços de Yanagi que quase estavam a alcançar um caminho que provavelmente não teria volta. — E-eu acho melhor pararmos… por favor, me solte agora.
Yanagi por sua vez o olhou com uma expressão feia e apertou suas mãos sobre o traseiro do outro e disse calmamente — Senhor Gonkuro… você me deixou excitado, não vai me negar isso agora, não é? Afinal… você se jogou em mim quando eu apenas vim fazê-lo um favor…
— E-Estou consciente disso e estou arrependido, isto não vai acontecer de novo, agora por favor tire suas mãos do meu corpo… — Gonkuro falava de maneira mais séria desta vez, enquanto tentava tirar as mãos do outro de seu traseiro.
— Não, você ofereceu seu corpo, então por que não se cala e aproveita até o fim terceiro general? Vou distraí-lo como pediu… — O primeiro falou de maneira calma quase convincente, mais um pouco e nem o próprio Gonkuro sabia como responder tal coisa.
— EU NÃO QUERO APROVEITAR NADA, YANAGI ME SOLTA. — A este ponto Gonkuro já estava gritando tentando usar suas forças remanescentes para se desfazer do toque do primeiro general, mas já era muito tarde para tentar isso, ele estava fraco demais e ainda estava sob forte efeito da bebida. Por mais que se dissipasse mais rápido agora, ele não tinha forças para se libertar.
Por sorte, hoje o destino decidiu poupá-lo de mais um trauma. Assim que ele começou a gritar, um estrondo veio da porta, que se arrebentou sendo jogada ao outro lado da sala. Uma figura albina de cabelos brancos longos e esvoaçantes, utilizando as mesmas roupas de Ryo, apareceu após as duas portas quebradas e presenciou a cena. Vendo o terceiro general sem suas vestes superiores e com lágrimas caindo constantemente de seus olhos, Uroborosu olhou diretamente para Yanagi, e uma intenção assassina se instaurou no ambiente.
Em questão de segundos, Uroborosu arrancou Gonkuro dos braços de Yanagi sem que o próprio pudesse se dar conta e o colocou sentado na cama, coberto por uma das várias cobertas. Limpando as lágrimas do rosto dele, falou de maneira acolhedora e baixa: — Shh… não chore, Gonkuro-Sama… eu vou cuidar de tudo e já volto para conversarmos. — O albino então sorriu para o terceiro general e se virou para Yanagi, que ainda estava sentado na poltrona.
— Você, seu verme com asas imundo, eu o matarei aqui mesmo. — Assim que terminou de proferir sua última palavra, como um raio branco, Uroborosu se chocou contra Yanagi, mirando suas garras contra o peito dele. Ele estava mirando para matar, mas, contrariando sua tentativa, o primeiro general segurou seu pulso com certa facilidade. Os dois estavam entrando em um jogo de força onde, se Uroborosu ganhasse, ele mataria aquele homem.
— O que foi, cobrinha? Não conseguiu me atingir desta vez, isso é frustrante, não é? — O homem riu de maneira cínica enquanto virava o pulso de Uroborosu e o jogava contra a parede do quarto, gerando um grande impacto no local. — Eu entendo sua frustração, vocês dois acabaram de me frustrar também… Eu estava prestes a fazer algo que muitos morreriam para sequer ter a chance, e vocês me interromperam… Isso é frustrante para caralho.
— Eu juro pela deusa, que se encostar um desses seus dedos sujos nele, eu vou matá-lo de maneira lenta e dolorosa, e eu não serei seu único problema. — Uroborosu disse enquanto se levantava com certa dificuldade. Mas, assim que finalmente conseguiu se pôr de pé, ele partiu em mais um ataque, desta vez um chute que acertou as costelas de Yanagi, jogando-o alguns centímetros para o lado e fazendo-o ficar ajoelhado no chão.
— Tsk, malditos intrometidos. — O primeiro general se levantou e, após um longo suspiro, partiu em direção a Uroborosu e o socou no rosto, jogando-o contra o chão. — Partirei agora, mas se me atrapalhar mais uma vez ou abrir essa boquinha para alguém sobre este incidente, farei de sua vida um inferno. — E assim Yanagi saiu do quarto com um sorriso presunçoso no rosto. Por mais que tivesse sido impedido, por algum motivo ele parecia se sentir vitorioso.
Quando ele finalmente saiu do local, Uroborosu se levantou mais uma vez com o rosto machucado e sangue saindo de seu nariz e boca. Ele caminhou até onde Gonkuro estava, ajoelhou-se perante ele, pegou suas mãos e as colocou em seu rosto. — Gonkuro-Sama, está tudo bem, você está seguro agora. Nós vamos protegê-lo enquanto precisar de nós. — As palavras de Uroborosu, não, as palavras de Ryo e Uroborosu, pareceram como um grande curativo que veio para confortá-lo. Sem conseguir falar mais nada, o terceiro general caiu em lágrimas enquanto repetia em voz alta para confirmar para si mesmo acima de tudo: — Eu o disse para parar.
Em resposta, Uroborosu se levantou, sentou-se ao lado dele e o abraçou. — Nós sabemos que disse, você tentou lutar mesmo estando fraco, você fez tudo que pôde, Gonkuro-Sama. Nós cuidaremos de você agora e, quando se acalmar, iremos contar a Masaru-dono, ok? — A forma como Ryo e Uroborosu falavam era cuidadosa e repleta de uma preocupação abrangente. Os dois aparentavam querer o bem de Gonkuro acima de tudo; eles queriam mantê-lo seguro neste momento.
— Uroborosu… Ryo… eu… eu… por favor, não diga nada à minha irmã… — Gonkuro disse roucamente entre as lágrimas, de maneira pausada e lenta. Ele estava se referindo a Masaru quando a chamava de irmã; eles podem não ser irmãos de sangue, mas cresceram juntos e se consideram família.
— Mas, Gonkuro-Sama, ela precisa saber disso. O primeiro general tentou abusar do senhor… ele machucou o senhor. Eu sei que deve se sentir enojado… que está com medo, mas se ficarmos em silêncio, nada impedirá que ele tente novamente… — Eles disseram calmamente enquanto acariciavam os cabelos de Gonkuro para ajudá-lo a se acalmar.
Realmente aparentando mais calmo e repleto de cansaço, ele continuou sua fala agora de maneira mais controlada. — Eu… eu sei disso, mas minha irmã está em uma posição complicada. Os políticos humanos estão usando o incidente do meu distrito para acusá-la de ineficiência. Se ela matar um dos próprios generais neste momento, poderão usar isso como argumento para tirá-la do cargo e fazer o povo perder o respeito por ela… então esperemos. Não acho que ele tentará de novo, mas… poderia ficar aqui comigo? Para vigiar o corpo de Kishin e… para que eu consiga dormir… por favor.
Uroborosu e Ryo suspiraram, e aos poucos os cabelos de Ryo voltaram a ser pretos, permitindo que apenas ele permanecesse. Ele conseguiria manter aquela forma por mais tempo, e aos poucos a katana de cabo branco voltou a se manifestar em sua bainha. Ryo respondeu ao terceiro general — Você é importante para minha mestra, Gonkuro-Sama, e é meu amigo… Entendo sua preocupação, então obedecerei. Mas devo pedir que você se mude para o quarto em frente ao meu logo e também que me deixe arrumar dois soldados de alta patente e de minha confiança para acompanhá-lo pelo tempo em que estiver totalmente concentrado em manter o corpo de Kishin… Não quero que se machuque mais.
Gonkuro então sorriu com lágrimas ainda caindo de seu rosto sonolento e disse em voz baixa, enquanto pegava no sono aos poucos: — Eu farei isso… e tem permissão para seu pedido… me desculpe, Ryo… — E, enfim, assim que Gonkuro pegou no sono, por algum motivo, a chuva torrencial começou a cair sobre a capital. Naquele momento, até os céus choraram perante tudo que o terceiro general havia tido que passar.
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