A Noite Em Questão - VII
ODON
Era um som distante, parecia ser um zumbido no fundo de meu ouvido, de onde vinha tal canção? Isso eu me perguntaria mais tarde, sobre a maca da enfermaria estava, sentado, olhando para o nada, sentindo uma leve ardência no canto superior direito da testa, uma linha de sangue escorreu partindo então o meu rosto em dois, tanto as paredes quanto o piso eram da cor branca, parecia que eu havia morrido, talvez tenha morrido mesmo naqueles sete minutos eternos em que fiquei sozinho naquele quarto, tudo que eu podia ver era a grande janela de vidro, pegava grande parte da parede, dava para o corredor, por lá ninguém passava, a última pessoa que eu havia visto fora o médico, um alfa, saiu do quarto dizendo que iria buscar o curativo, já havia desinfetado a ferida, agora só faltava tapar.
Eu estava sem camisa, havia perdido no caminho, não me lembro bem aonde, consegui esse machucado em meio a escuridão, eu simplesmente caí, adormeci em um sono profundo por conta do choque, foi isso que me disseram, me encontraram por volta de meia hora depois do acidente, não parecia nada demais, ao menos para mim, porém me trouxeram aqui, eu estava quase desacordado, pareceu uma eternidade mas na realidade levou uma hora e meia, ouço passos se aproximando, eu me viro, é ele, o médico, vem até mim com um sorriso descontraído, tem pele clara e cabelos escuros, olhos azuis, ao chega perto da cama ele estende apoia a sua mão sobre a parede; “Seu supervisor chefe já está a caminho.” Diz, se movimenta mais u pouco ao notar a linha de sangue que parte minha face, pega o algodão com todo cuidado e limpa, não olho para ele, me sinto perdido, sozinho em um lugar desconhecido; “Como foi que se machucou?” Questiona. “Eu caí.” Respondo calmamente. “Estava escuro, escorreguei na lama e caí.” Completo. “Ainda doí?” Pergunta o alfa, eu olho para baixo; “Não senhor.” Respondo, mais uma vez o encaro; “O senhor poderia me informar quem me trouxe aqui por favor?” Questiono, ele olha para a porta por um momento e se volta para mim sorridente, sua voz saíra trêmula ainda sim sorridente, devia estar bem frio naquela área; “Foi o seu chefe, assinou-se na secretária com o nome de Rostam.” Suspirei aliviado, o som, ele não havia ido embora, era uma vitrola, daquelas que tocavam discos pretos, pesados, bem antiga, o som era o mesmo, mas o médico não parece escuta-la como eu, a porta se abre, Rostam entre calmamente, desvio-me do olhar concentrado do doutor e torno a observar o beta que aos poucos vem se aproximando da cama; “Agha.” Eu digo, ele para diante de mim e lança um breve olhar ao doutor, o clima parece pesar entre eles, levemente toco o são com a ponta de meus pés, quando me sinto seguro fico de pé, a canção era uma canção chorosa, lamentos de amores perdidos, tocava no fundo do meu ouvido, assim que fiquei de pé já com a ferida embalada em algodão, gaze e medicamentos Agha soube que eu estava pronto para ir.
Passamos pelo médico, pelo corredor e pela recepção, aquela era a área rica do hotel, eu nem sabia aonde estava indo naquela noite, imaginei a canção mais tarde sobre a cama, eu ouvi a canção mais tarde, repleta de lamentos e súplicas sem fim, o som ecoou pelas estradas mal iluminadas, na escuridão do quarto olhava para teto, dali a algumas horas despertadores baixos e incômodos começariam a acordar os funcionários os fazendo sair de suas camas com custo e se preparar para mais um dia de trabalhado, tomariam banho juntos no vestiário e depois iriam tomar o café da manhã, pelo ao menos era assim que as coisas deviam ter sido feitas, porém o destino tinha outros planos para todos nós, naquela manhã nenhum despertador tocou, por volta da madrugada perto do amanhecer eu me banhei sozinho olhando para o brilho azul ao meu redor, com cautela para não danificar o curativo que ainda permanecia em minha testa, a manhã veio fria, cueca, regata branca, meia, camisa cinzenta com o logo do hotel bordado em branco, suéter azul escuro com o logo por cima, calça preta, suspensórios, botas, por fim, acima dos cabelos a boina para proteger do frio, eu estava pronto, no momento em que soube disso com cuidado fui até a porta e a abri, antes que pudesse sair eu ouvi uma voz; “Fique.” Dizia, era um sussurro, um dos mais baixos que eu já havia escutado, por um momento pensei estar ficando louco porém logo em meio ao breu surgiu um homem, não exatamente um homem, era mais velho que eu porém ainda sim nada mais do que um rapaz.
“Perdão?” Questionei confuso, afinal, era a primeira vez em que mais alguém além de mim acordava de madrugada. “Fique.” Repetiu o rapaz vindo a luz, ele já estava vestido, seus cabelos escuros estavam penteados, seus olhos castanhos também, havia algo em seu olhar, algo assustador, era como se dissesse para mim que algo havia acontecido, ou pior, que algo estava para acontecer.
Esteban Aquille Castilio Cruz, esse era o seu nome, ômega, espanhol, natural de Andaluzia, veio pra cá pelo salário, não fazia um hora que estávamos conversando, já podia me ver sentado sobre a escada dos fundos enquanto o mesmo trazia para nós dois duas xícaras de chá, as posicionou sobre a beira do degrau abaixo de nós, observei tudo atentamente e tratei de agradecer pela hospitalidade, era gente fina, pude ver em eu olhar caloroso, sua forma mansa de falar e se expressar, foi em meio ao amanhecer sentados sobre a escada que ele me falou tudo; “Era um cheiro terrível sabe?” Dizia ele articulando. “Parecia que havia um ninho de ratos mortos em algum lugar, o fedor semelhante a um conjunto de latrinas, pensaram que talvez fosse preciso lavar, era planejado do gramado até o salão aonde ocorreu o evento, foi Garcia que sugeriu que pegássemos a água do poço, seria mais fácil e rápido segundo ele, melhor do que ir até o Rincón Alfa. ” No grande e luxuoso hotel Amber haviam taxas étnicas que definiam a quantidade de funcionários por meio de suas etnias e nacionalidades, 57% eram os Norte-americanos, 15% eram os Italianos, 13% eram os espanhóis, como Esteban e Garcia, 8% eram os Latino-americanos, 6% eram os Chineses e o 1% restante equivaliam a mim, acontece que em meio a todos eu era único, Latino, ainda sim Afrodescendente, porém único, fui saber por este meu amigo que haviam tratado de adicionar mais uma taxa por minha conta, talvez eu me enturmasse com os latinos e espanhóis, era melhor do que ficar sozinho.
“Foi quando eles puxaram a corda e o balde subiu, no mesmo momento junto veio o cheiro, o balde caiu derramando então uma água escura, avermelhada e fedorenta e lá embaixo estava o homem.” Quando ele terminou de contar me virei curioso; “E quem ele era?” Questionei. “Jerome K. Davies.” Ele me respondeu atenciosamente. “Sabe quem ele é?” Me disse com um ar de suspense. “Não, você sabe?” Questionei-o, ele abriu um sorriso; ‘Não faço ideia só sei que era um Alfa Dominante.” Disse. “Alfa Dominante?” Questionei, Alfa Dominante assim como o outro homem, o homem estendido sobre a colina, foi quando me lembrei das palavras de Amaia; “Eu sinceramente não faço a mínima ideia, mas eu sei que seja lá o que for esse animal ele é perigoso e vai matar novamente.” No mesmo instante me virei para Esteban. “E você não tem medo?” Questionei. “Claro que tenho.” Ele exclama sorridente. “Sei muito bem que gente como a gente não a mínima chance com seja lá oque for o culpado pelas duas mortes.” Disse. “Acha que estão relacionadas? As duas mortes?” Questionei. “Tenho certeza.” Respondeu o rapaz.
“Olha quem vem vindo ali se não é o Garcia!” Exclamou ele apontando para o outro rapaz que vinha correndo e nossa direção, Alfredo Guilhermo Garcia Tercero, “O Garcia.” ou simplesmente ” Tercero.” Cabelos castanhos médios e olhos mais escurecidos, veio em nossa direção; “O que foi Tercero?” Questionou Aquille. “Tenha modos não vê que estou acompanhado?” Brincou, vi o olhar daquele outro ômega, não era muto diferente do seu; “Tercero este é Odon, Odon este é Alfredo Garcia Tercero.” Disse o boa praça nos apresentando, Garcia sorriu e estendeu a mão, apertei com gosto logo após deixar a xícara de chá sobre o degrau. “Precisam vir comigo agora.” Disse ele. “Por que? ” Questionou Aquille. “Não vai acabar bem, e eu não quero levar uma surra.” Disse o mesmo sorrindo. “Não entende?” Questionou. “Essa é a única oportunidade que teremos de ver aquele corpo por completo!” Seus sussurros eram baixos como se temesse ser ouvido, podia ver as manchas de lama sobre as suas botas, no instante em que as palavras saíram de sua boca eu me aprumei e tratei de me levantar.
“Eu quero ver o corpo morto! ” Disse, ele abriu um sorriso descontraído, em meio a grupos deixávamos o medo de lado, parecíamos três crianças, eu não estava sentindo tanto medo, foi como da primeira vez, era a curiosidade que chegava em nossos ouvidos e permanecia na mente, sussurros atrevidos que nos diziam para chegar cada vez mais perto, Esteban se levantou a ajeitou o casaco, vi Garcia se virar; “Marion já esta lá, disse que a família do morto vem buscar o cadáver.” Sua voz era ofegante. “Se formos rápidos poderemos ver ele sendo tirado de dentro do poço, bem que eu não pude dar uma boa olhada de primeira.” Falávamos sobre um corpo morto em meio a um entusiasmo estranho, ainda não me vinha em mente o ocorrido, não havia chegado a entender a minha real situação, no fundo eu sentia que estava esquecendo alguma coisa, o mais importante, o que havia acontecido comigo antes da queda, as memórias daquela noite eram vagas e desapareceram tão facilmente que não me restou nada além do vazio na qual me encontrava na atualidade, a animação não veio a durar, poucos minutos depois de nossa partida fomos surpreendidos no caminho por uma mulher, ela era mesma, Marion, cabelos negros, olhos levemente esverdeados, sua expressão, quase inelegível, nos encarou por um segundo e logo se aproximou; “O inspetor foi chamado.” Disse ela, Garcia questionou confuso; “Como assim? Não poderemos mais espiar?” Marion abaixou a cabeça; “Ao que tudo indica o coração foi arrancado.” Essas palavras foram o suficiente para espantar todo o ânimo que existia em nossos corações.
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Eu estou sozinho, nesta escuridão sem fim eu me vejo completamente sozinho vasto é o mar ao meu redor extenso é o céu que me permeia, sozinho sou eu nada mais do que um garoto sobre um bote, abro meus olhos, despertando assim deste sonho, estou deitado sobre a cama, posso me lembrar, eu adormeci, cheguei ao meu dormitório e adormeci, isso por conta da notícia, o inspetor nos deu um dia de folga, tudo isso por conta daquele alfa que foi encontrado dentro do poço, o coração fora arrancado de seu peito, o cheiro, como foi me descrito era infernal, fúnebre e pungente, ardido e distante, eu me lembro de me despedir dos rapazes, senti sono, um sono terrível, consequência de uma noite mal dormida, ainda sim tal ato foi eficaz, quando cheguei lavei o meu rosto buscando afastar os pensamentos que me levavam até a imagem descrita do morto, no momento em que a água tocou minha face eu me arrepiei, não foi por conta da temperatura e sim por que fui capaz de me lembrar de tudo.
Me lembrei dele, do homem, do Alfa Dominante que roubou-me um beijo, tal homem cujo minhas unhas marcaram a pele, seu olhar voltou a assombrar-me, no mesmo segundo eu cambaleei assustado, acabei me debruçando sobre a parede pálida, respirei fundo, não podia ser real, como eu poderia ter me esquecido? Foi quando veio a mim o ferimento em minha testa, é claro, eu corri, estava escuro, escorreguei e acabei desmaiando, não ponho a culpa na queda, parte disso se dá aos feromônios daquele homem, acabei ficando tonto, enjoado, não pude se quer me manter de pé, os feromônios de um Alfa Dominante são fortes e perigosos, aquele homem, dele posso me lembrar bem, alto, de cabelos loiros e olhos esverdeados, não foi a primeira vez que eu tinha o visto, eu lembro que ele chegou por trás, parecia estar perdido, seu olhar, vago, como se estivesse diante de uma vasta neblina, sua voz, mesmo firme e autoritária saíra em meio a sussurros peculiares, eu me lembro quando ele se aproximou, apertou meu rosto enquanto me encarava, por um momento parecia estar prestes a gritar comigo, a sua expressão era estranha, mudava constantemente, no momento em que o encarei percebi suas sobrancelhas se arqueando, em um segundo voltara ao normal novamente com seu olhar perdido, foi quando eu menos esperava que ele agarrou-me a face e beijou meus lábios.
Nunca havia beijado antes, eu tentei me soltar, tomei um susto, um grande susto, ele começou a me abraçar, naquele momento quase não soube como reagir, estava de costas para a parede, a pressão contra meus lábios fazia eu me jogar para trás ao mesmo tempo em que ele me apertava, sentia meus pés quase saindo do solo, quando eu me soltei tomei coragem, mesmo com lágrimas escorrendo pelo meu rosto arranhei sua face, ele gritou, me xingou, seus olhos brilhavam, uma linha de sangue marcava sua pele, eu não hesitei, me virei e comecei a correr como nunca antes havia o feito.
Ainda deitado sobre a cama penso em tudo que aconteceu, olho no meu celular, ainda é de manhã, adormeci por quase uma hora, já amanheceu mais eu não me sinto preparado para me levantar, aquele homem estranho me disse coisas estranhas, disse que ficaria de olho em mim, me chamou de assassino, diversas vezes, suas palavras permeavam sobre a minha mente, lágrimas brotaram em meus olhos, escorreram quentes, e secaram sobre a minha face, eu me senti afogado, e este é um sentimento estranho.
É como nadar em uma grande piscina profunda e escurecida, você sente que tem algo lá embaixo, essa coisa te encara, você sabe, mas prefere fingir que não, mesmo assim permanece a sua curiosidade, não existem bordas nesta piscina, não há mais ninguém além de você, não há onde se apoiar, um hora você começa e entrar em desespero, você mergulha, não ousa abrir os olhos, sabe que não pode, você se sente sendo puxado para o fundo da piscina, porém esta piscina não tem fundo, você começa a sentir frio, aos poucos vai ficando sem ar, mesmo assim você não abre os olhos pois sente que se por um acaso o fizer vai morrer, você não sabe ainda mais já está morto.
Publicado por:
- Ambroise Houd
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