Entre Espadas - Capítulo 21
Uma semana após ter começado seu treinamento no Templo Huo, Leonardo se encontrava cansado demais para alguém que havia passado oito meses dormindo constantemente. Para ele, ainda era difícil acreditar que tanto tempo havia se passado desde que adormecera, mas a mudança de ambiente e o comprimento de seu cabelo provavam que o tempo realmente havia passado.
Durante toda a primeira semana em que começou seu treino com a Mestra Liming, o homem foi obrigado a meditar por quase cinco horas por dia. Segundo sua mestra, caso ele não fizesse isso, não seria capaz de se dedicar completamente ao seu condicionamento físico com o treinamento que passaria futuramente. E, mais uma vez, ela estava certa. Ele com certeza não teria aguentado subir a montanha do Templo Huo diversas vezes com sacos de pedra se não estivesse totalmente focado.
Já era por volta das nove da noite quando Leonardo finalmente pôde descansar de sua incessante sessão de treinamentos. O jovem estava sentado em cima dos muros de pedra que guardavam toda a grandeza do Templo Huo, e ao fundo ele podia escutar as vozes dos remanescentes da Vila Tatsumaki se preparando para se recolherem aos dormitórios para enfim descansarem.
Leonardo sabia que logo também deveria se recolher para dormir, mas, como vinha ocorrendo ao longo dos últimos dias, ele simplesmente não conseguia sentir vontade de se deitar e adormecer, pelo menos não sem que Ryo estivesse ao seu lado. Ryo… Leonardo simplesmente não conseguia tirá-lo da mente. Preocupação, medo, ansiedade, tudo se misturava quando se tratava dele.
Afundado em seus pensamentos, Leonardo então suspirou e, em voz alta, mais uma vez começou a falar sozinho, como se desejasse poder ouvir uma resposta de seu amado. — Ah… Ryo, você também tem pensado em mim? Está preocupado comigo? Ou está machucado? Eu irei encontrá-lo, eu prometo…
— Leonardo, falando sozinho outra vez? — Uma voz feminina perguntou atrás do garoto, que se virou encarando sua mestra, que o olhava com uma bandeja de comida na mão.
— Mestra Huo! Eu só estava pensando em voz alta, perdão. — O garoto respondeu, descendo do muro e parando em frente à sua mestra.
— Não precisa se desculpar, Leonardo. Venha, trouxe comida para você. Vamos nos sentar perto da ponte enquanto você come. Talvez possa me contar sobre esse garoto em quem tanto pensa. — A mestra disse, passando por Leonardo e caminhando para fora dos muros do templo. Somente então se sentou na beirada da grande Montanha Huo e colocou a bandeja de comida ao seu lado.
Leonardo observou sua mestra passar por ele e depois a seguiu para fora, sentando-se ao lado dela e pegando a tigela de arroz da bandeja para comer.
— Sabe, Leonardo, você é um jovem especial, um estrangeiro de outras terras como eu. Por mais inacreditável que pareça, esta mestra não nasceu nem cresceu nesta nação. — Huo Liming começou a falar enquanto Leonardo comia e prestava atenção nas palavras dela.
— Mestra, não sei se entendo o que quer dizer… — O garoto falou enquanto continuava a comer aos poucos.
A mulher riu, percebendo que deixou seu discípulo confuso. — O que quero dizer é que eu entendo como é se sentir deslocado, se sentir diferente das outras pessoas. Mas também deve saber que existem pessoas com as quais pode se abrir, Leonardo. Desde que acordou, vejo-o sofrendo pelos cantos, tentando fugir, tentando buscar algo. Mas me diga, meu querido discípulo, por que não busca minha ajuda e a de Akiko para isso?
— Perdoe-me pelo que vou dizer, mestra, mas mesmo que eu busque a sua ajuda e a da Akiko, vocês não seriam capazes de entender por que isso é tão importante para mim. Sabe, mestra, realmente nos parecemos por sermos estrangeiros nesta nação, mas ainda somos diferentes demais. Tudo o que tenho de onde vim é ele… e sem ele eu me sinto incompleto, mestra… — Leonardo começou a explicar calmamente, deixando sua comida de lado para poder falar.
— Sem ele, é como se eu estivesse perdido, eternamente sem quem me motiva a me manter vivo. Já o perdi uma vez e, logo quando parecia que enfim poderia tê-lo de volta em meus braços, o levam para longe de mim mais uma vez…
— Então, perdoe-me, mestra, por pensar que não podem entender isso. Mas agora, mais do que nunca, eu tenho mais um motivo além do meu desejo egoísta para trazê-lo de volta. Afinal, eu encontrei…
[Alerta de possível comportamento OCC]
Informar personagens da obra sobre a existência de usuários de outra terra pode desencadear eventos catastróficos para o usuário 000075. O sistema aconselha que o usuário em questão reflita sobre esta decisão para a continuidade do mundo.
O usuário deseja ignorar o conselho do sistema e dar ao personagem Huo Liming informações de outra terra? O usuário possui 58 segundos para dar sua resposta antes da continuidade do tempo voltar.]
Ao ouvir o som da notificação do sistema, os olhos de Leonardo, que estavam olhando para sua mestra ao seu lado, se moveram para a sua frente, onde ele leu o balão de fala rapidamente. Em seguida, ele olhou para sua mestra, que parecia ter sido travada no tempo, enquanto o cronômetro do sistema continuava a contar.
[42 segundos…]
— Um sistema de OCC… Isso não faz sentido, eu não estou no corpo de algum personagem… ainda é o meu… Mas parece ser para a Mestra Huo. Ela não pode saber sobre o meu mundo então, nem sobre a Kaede? Confuso. — Leonardo murmurou para si mesmo, ainda vendo o cronômetro à sua frente continuar a andar e pensando sobre que decisão tomar.
[25 segundos…]
— Não informarei.
[A moderação parabeniza o usuário 000075 pela sábia decisão. O relógio voltará a rodar sem a intromissão do sistema. A moderação lhe deseja boa sorte!]
Quando o tempo voltou ao normal, quase instantaneamente a voz de Huo Liming veio do lado de Leonardo — Eu entendo que possua motivos, entendo que está preocupado com quem você ama, mas, Leonardo, deixe ao menos sua mestra lhe guiar para que não morra enquanto busca esta pessoa.
— Eu… você tem razão, mestra. O Ryo não ficaria feliz em me ver todo machucado e usar salvar ele como desculpa para isso… — O garoto disse com um sorriso sem graça em seu rosto para sua mestra.
Ao ouvir o nome pronunciado por Leonardo, Huo Liming pareceu ficar pálida por alguns segundos e então perguntou a seu discípulo: — Perdoe-me, Leonardo, como disse que era o nome desse garoto?
— Ryo… Toyosaki Ryo. Por que, mestra? O nome lhe é familiar? — Leonardo ficou realmente confuso com a reação de sua mestra.
— Leonardo, Toyosaki Ryo, um garoto com este mesmo nome foi apresentado como o primeiro discípulo da Xogum há cinco meses…
Ao ouvir o que Huo Liming havia dito, as pupilas de Leonardo pareceram desaparecer de seus olhos e sua mão tremeu ao ponto de deixar a tigela de arroz cair montanha abaixo. Mesmo assim, o garoto se forçou a dar um sorriso, fechar os olhos e dizer: — Meu Ryo jamais se juntaria por livre e espontânea vontade àqueles que mataram toda a vila em que morávamos… Ele deve apenas estar tentando se manter vivo, ou não deve ser ele.
À medida que falava, o garoto se esforçou para se levantar, deixando a bandeja de comida ainda no chão. Então, ele se virou para sair, ainda tremendo, mas parou assim que ouviu a voz de Huo Liming.
— Leonardo, por favor esper—
— Mestra.
— Sim Leonardo?
— Consegue me treinar para ser forte o bastante para matar um general? Para chegar até o Ryo em quatro anos? — O garoto perguntou friamente para sua mestra, ainda sentada à beira da montanha.
— L-Leo, matar um general? Leonardo, eu não sei quanto tempo eu precisaria treiná-lo para isso. O-o que pretende fazer, Leonardo?
— Mestra, o que pretendo fazer? É simples: eu vou me livrar de todos aqueles que o tiraram do meu lado, mesmo que de maneira indireta. Eu vou trazê-lo de volta para mim. Eu não sei as mentiras que lhe contaram, nem desejo saber, mas todos eles vão pagar… Do mesmo jeito que não tiveram piedade da Vila Tatsumaki, eu não terei piedade daqueles que se colocarem no meu caminho…
— Nesta história, eu serei o carrasco daqueles que machucam os inocentes, daqueles que machucam quem amo… Mas não se preocupe, Mestra Huo. Se depois de ouvir o que disse, não me desejar mais como seu discípulo, eu irei embora…
Antes mesmo que Huo Liming pudesse falar algo, sua voz foi sobreposta pela voz de uma jovem que saiu de trás dos portões do templo: — Se Leonardo for embora, eu também irei, mestra. Ele é minha única família restante… e eu… eu vou segui-lo para salvar quem ele ama! E tentarei mantê-lo na linha para que não a desonre, mestra, mas por favor, não o mande embora! — Akiko gritou após sair do portão, enquanto prestava reverência à sua mestra, deixando tanto Leonardo quanto Huo Liming chocados com tamanha determinação de uma garota tão jovem.
— Akiko… — Leonardo sussurrou, olhando para a garotinha.
Vendo ambos seus discípulos em tal situação, Huo Liming se levantou e caminhou até Leonardo, dando um tapa em sua cabeça — Garoto inconsequente, não ache que vai se livrar de sua mestra tão facilmente. E Akiko, pare de ouvir conversas sorrateiramente, está aprendendo esses maus hábitos com o Nezumi, não é?
Leonardo e Akiko então se entreolharam, confusos sobre porque Huo Liming aceitaria cometer tais atos contra o Xogunato de maneira tão calma. Mas, antes que pudessem sequer expressar suas dúvidas sobre o comportamento de sua mestra, ela mesma tomou a iniciativa de falar.
— Como mestra de vocês dois, eu deveria repreendê-los e impedi-los de cometer tamanhos crimes como o de matar um general, mas já conheço os dois bem o suficiente para saber que, se eu negasse o pedido para ensiná-los tal coisa, vocês fugiriam em segredo para tentar mesmo assim. Mas, sinceramente, prefiro que se tornem traidores, ao invés de ter que recolher seus corpos para enterrá-los. Afinal, somos uma família e já deveriam ter entendido isso desde que se tornaram meus discípulos. Então, preparem-se, suas crianças inconsequentes. Esta mestra pegará pesado com vocês a partir de agora e, em quatro anos, eu permitirei que sigam este caminho. Se tentarem sair do Templo Huo antes disso, irei caçá-los e trazê-los de volta. ESTAMOS ENTENDIDOS?!
Após ouvirem o longo discurso de Huo Liming, Leonardo e Akiko não puderam deixar de sorrir. Eles se viraram para sua mestra, prestaram reverência juntos e disseram ao mesmo tempo: — Estes discípulos prometem não a decepcionar, Huo-Sama.
{Exatos quatro anos após aquela noite.}
O sol estava mais uma vez amanhecendo no Templo Huo, e, como de costume para aqueles que ali moravam, junto com o amanhecer do sol, o som de armas colidindo começava logo pela manhã.
Atrás do templo, em uma área totalmente dedicada ao treinamento de artes marciais, dois jovens estavam se enfrentando constantemente. Um deles era uma jovem de dezessete anos, utilizando um Shinobi Shozôku preto, mas sem a parte de cima, deixando à mostra seu rosto com seus longos cabelos pretos amarrados em um rabo de cavalo, enquanto estava suspensa no ar, arremessando um kurasigama na direção de um homem alto e de certa forma musculoso, que estava ainda no chão. Ele tinha pele morena, longos cabelos ondulados presos em um rabo de cavalo e usava um quimono vermelho, com uma katana inteiramente vermelha como sangue em sua mão.
Suas armas se chocavam como se soubessem exatamente o próximo movimento que o outro faria. Era quase como se fosse uma luta encenada entre os dois, mas a vontade de acertarem um golpe era clara. Suas armas colidiam quase constantemente; assim que um se afastava, o outro atacava. Era frenético e perigoso, um confronto que parecia levar ambos os jovens ao limite, até o ponto em que a foice da kurasigama e a lâmina da katana estivessem uma contra o pescoço do outro, e eles enfim parassem.
— Empate? — Leonardo perguntou, enquanto ofegava pelo cansaço da batalha.
— Empate, irmão — Respondeu Akiko tirando sua lâmina do pescoço de Leonardo e então se ajoelhando, cansada, mais ao longe.
Quando ambos enfim, declararam o empate, Huo Liming se aproximou de longe, aplaudindo seus discípulos — Parabéns aos dois, estão cada vez mais fortes desde o início de seus treinamentos. Estou orgulhoso em chamá-los de discípulos.
Ao ver seu mestre se aproximar, os dois jovens logos se colocaram em posição ereta e foram até ele para que ele continuasse a falar.
— Como prometido, eu ensinei a vocês tudo o que podia em quatro anos, para que pudessem ter a chance de pelo menos enfrentar um dos treze generais sem morrer. Hoje é o dia em que permito que partam de casa e sigam o caminho que escolheram, mas este mestre insiste que, caso queiram partir hoje, façam isso após o almoço. Irei preparar suas mochilas, e… me mandem cartas.
A voz de Huo estava repleta de preocupação enquanto falava, o que comoveu seus discípulos, que o abraçaram ao mesmo tempo. Leonardo falou — Claro que mandaremos cartas.
— Isso mesmo, e cumprirei minha promessa de manter o inconsequente do Leonardo na linha! — Akiko respondeu enquanto ria.
Quando por fim voltaram para a parte interior do templo e foram para seus respectivos quartos, Leonardo, ainda imerso em seus pensamentos, percebeu que era finalmente o dia em que ele começaria sua jornada para enfim resgatar Ryo de seja lá o que o Exército Imperial havia feito com ele. Era apavorante pensar em quão perigoso tal jornada poderia se tornar, mas ao mesmo tempo era reconfortante a ideia de sequer pensar em ver Ryo novamente.
Leonardo então se trocou, vestindo um traje mais confortável para que pudesse viajar confortavelmente. Quando finalmente terminou de se arrumar, amarrando seu cabelo novamente, o homem saiu do quarto, olhando uma última vez para trás. Sabendo que sua mala já havia sido preparada por sua mestra, ele deixou apenas uma última coisa em cima da velha mesa onde se sentava para escrever: um velho caderno que usava para escrever seus pensamentos sobre Ryo, como uma marca de que um dia esteve ali.
Só então saiu daquele quarto e se dirigiu à cozinha. Quando por fim chegou ali, todos estavam em volta da mesa: Akiko, Huo Liming e até mesmo as duas senhoras que costumavam fofocar e tomar chá enquanto falavam sobre a juventude. Todos juntos uma última vez, antes de que ele e Akiko fossem embora sem previsão de voltar para visitar. Apenas um último almoço em família, como sempre mantiveram, lembrando um ao outro nos últimos cinco anos. Uma mesa com risadas e sorrisos, antes de todo o desastre que estava por vir.
Após o almoço, Akiko e Leonardo saíram sem causar uma comoção. Apenas pegaram suas mochilas com Huo Liming, que os abraçou por um longo tempo, tentando conter as lágrimas prestes a cair. Ele só permitiu que as lágrimas caíssem de seus olhos quando os dois já estavam no meio da ponte que levava para fora do templo.
À medida que andavam para fora, Akiko olhava para o mapa em sua mão e então perguntou para Leonardo — E então, para que distrito iremos primeiro? Talvez seja melhor começarmos pelo segundo, já que estamos morando aqui há um bom tempo.
Leonardo então, com calma, olhou para o mapa na mão de Akiko e apontou em direção ao décimo terceiro distrito — Iremos para o décimo terceiro. A mestra disse que os generais são divididos em escala de força. Além disso, mesmo morando aqui há cinco anos, não possuímos nenhuma ideia de quem é o segundo general…
— Tem razão… mas, sendo sincera, o décimo terceiro distrito é muito longe. Talvez eu possa arrumar um meio de irmos mais rápido… — A jovem disse enquanto corria para a próxima montanha, com Leonardo logo atrás.
Quando por fim chegaram à outra montanha, Akiko parou e colocou a mão sobre o peito, concentrando-se por um tempo. Logo em seguida, abriu os olhos, que brilhavam na cor branca: — Tora, eu o invoco! — E, logo em seguida, um enorme tigre branco surgiu de trás das rochas, parando em frente à garota.
— Kiko, em que posso ajudá-la, mestra? — O enorme tigre perguntou a Akiko.
— Nos leve ao décimo terceiro distrito, meu amigo. A viagem é longa, mas sei que posso contar com você para nos levar.
O tigre acenou com a cabeça e então permitiu que ambos subissem antes de enfim começar a correr com um alto rugido na direção do décimo terceiro distrito.
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