Blood Camellia - 1
Península de Kowloon, 2020
Na costa da China, estava localizada a região de Hong Kong, suas noites costumam ser regadas á sons, um típico polo de entretenimento, mas em meio a tudo aquilo, havia um canto onde o silêncio reinava, em um canto sórdido na península de Kowloon, uma fábrica há muito abandonada se erguia dentre a paisagem montanhosa. Na quietude daquele local, localizado a apenas alguns quilômetros de distância de toda a movimentação dos centros urbanos, as únicas coisas possíveis de serem ouvidas eram os gritos e gemidos dolorosos de um homem em seus trinta anos.
O homem estava amarrado em uma cadeira, suas mãos presas nas costas e suas pernas nas da cadeira, impossibilitado de qualquer movimento, no entanto, se soltar já não era mais uma possibilidade há algum tempo, pelo menos não com ambos os tendões de Aquiles cortados. E em meio a todo o sangue era impossível distinguir o terno que um dia fora de um tom de bege, a tortura já se estendia por horas a fio e a qualquer momento o homem sentia o calpaso iminente. Seu corpo doía de forma assustadora, como algo que nunca havia sentido, cada canto possuía hematomas em tonalidades de roxo tão vívidas que podiam até serem admiradas pelos apreciadores. O sangue vermelho vivo escorria através dos cortes que se espalhavam de forma regular, quase profissional, concentrados longe de veias importantes, negando qualquer esperança de um fim rápido.
Mas por alguns curtos e sofridos minutos, mesmo em meio a dor, tudo havia parado, a mulher que o torturava, cansada por não ter as respostas que queria, já estava impaciente e se afastou na intenção de repensar seus métodos, talvez procurar uma forma mais dolorosa de o fazer sofrer. Mas infelizmente, aquela calmaria era o que chamava de ‘calmaria antes da tempestade’. Logo ela voltou, acompanhado de uma sombra alta e imponente, que logo se revelou sendo um homem que aparentava estar entre seus vinte anos, seu terno era tão escuro quanto o céu noturno desprovido de qualquer luz das belas estrelas, em suas mão cobertas por luvas de couro carregava um lenço preto, como o terno, e uma faca, seu cabo rodeado de couro escuro texturizado e com um brasão prata, o dragão representado no brasão logo lhe fez estremecer. Ele reconhecia aquele símbolo.
O jovem se aproximou lhe dando a visão de seu rosto, uma cicatriz cobria seu olho direito, causando uma sensação de perigo ao olhar dentro de sua íris totalmente branca, se não fosse pelos resquícios de azul. Ele deu uma volta ao redor do homem amarrado, parando atrás da cadeira, o medo e a pressão que era não saber o que ele faria já se manifestavam e tudo piorou quando sentiu seu rosto ser coberto pelo tecido escuro. O pânico eclodiu, sem saber e nem poder prever de onde e como a dor viria a surgir.
Uma lâmina fria tocou seu pescoço o fazendo estremecer, afiada e fina, um pequeno e profundo corte fez vermelho brotar naquela área, antes intocada.
“Senhor Wei Chang…” A voz ressoou em seus ouvidos, uma voz grave que naquele instante poderia ser facilmente confundida com a voz de um anjo da morte, seu novo e jovem torturador estava tão calmo, como se nada naquele sangue todo fosse capaz de lhe afetar.
A calmaria na voz do torturador não lhe tranquilizou, muito pelo contrário, a mulher que havia torturado antes, por muitas vezes se deixava descontrolar, mas agora era diferente, e ouvir seu nome sair daqueles lábios fez sua pele ficar arrepiada e seu medo chegar a outro nível. “Suponho que eu deveria estar honrado por estar na presença do atual líder do clã Zhou. Sabe, eu sempre respeitei muito o seu clã…” Outro corte foi infringido, dessa vez um corte longo e limpo sob o peito do homem Wei, fazendo um grande corte em sua camisa de cetim. “No entanto tem uma coisa muito estranha, não concorda, Jia?”
A mulher, agora nomeada, fez um som de escárnio. “Vai ter que ser mais específico, chefinho.”
“Suponho que tenha razão…” O homem suspirou audivelmente. “Desde que eu saiba, o nobre clã Zhou sempre foi inimigo jurado do grupo Heilong, seu antigo líder sempre odiou a forma com que o presidente Ikira fazia seus negócios. Mas de uma hora para a outra, o honorável mestre Zhou tem uma suposta parada cardíaca e alguém totalmente desconhecido assume seu lugar, sem merecimento algum vale lembrar, porém o que mais me intriga é o fato de que depois de assumir como líder, esse homem, até então sem valor, anunciou a fusão do clã Zhou ao grupo Heilong. Isso me pareceu muito suspeito, certo Senhor Wei?” O jovem questionou apertando seus ombros com uma força substancial e sem dar a chance de uma retórica, continuou.
“Eu sou uma pessoa muito desconfiada por natureza, então tive que ir atrás, afinal, não é todos os dias que um clã honrado de assassinos se funde com um grupo de criminosos nojentos. Seu clã tem alguns séculos de idade e os costumes são muito rígidos, a autópsia não é permitida em pessoas do clã, mas eu invadi o local onde o mestre Zhou estava sendo sepultado e peguei uma amostra de sangue, claro, muitas drogas ou venenos somem da corrente sanguínea depois de algumas poucas horas, em minutos até, mas não custa nada arriscar. Para minha sorte, o assassino devia ser alguém familiarizado com as regras, pois não se preocupou em tomar cuidado algum.” Ouviu os passos do torturador e ele parou em sua frente, então a faca voltou a agir, cravando no ombro de Wei, logo abaixo da clavícula, e a deixando repousada no local. Um grito surdo pode ser ouvido, e acompanhado dele veio um choro baixo.
“Tetrodotoxina, era isso que corria pelo sangue coagulado em suas veias, numa quantidade que poderia matar até dez pessoas.” A voz ficou mais baixa e rente ao ouvido, as mãos do homem rodearam seu pescoço.
“Você já imaginou como é sufocar até a morte?” As palavras sussurradas lhe cortaram tão fundo que fizeram com que esquecesse da dor de uma faca cravada em seu ombro.
“Imagine comigo. Você está em um dia tranquilo, mas do nada uma falta de ar começa…” As mãos do homem começaram a ficar mais apertadas, dificultando sua respiração. “Tudo acontece tão rápido, talvez menos de 2 minutos. Nos primeiros instantes seus lábios secam e seus dedos começam a formigar, você tenta respirar e não consegue, o pânico começa a tomar conta e o desespero vem logo em seguida…”
A única coisa que Wei conseguia pensar no momento era em como a morte estava tão próxima, repleto de medo começou a se debater tentando afrouxar o aperto, mas era inútil, não havia força em seu corpo que fosse capaz de tirar aquele homem de cima de si. “A fraqueza te derruba, seus músculos não funcionam mais, a escuridão começa a surgir nos seus olhos e com ela vem o frio…” As tentativas falhas de se soltar deram lugar à falta de força que lhe paralisou, queria se soltar, mas era impossível. “Você sente como se fossem horas de sofrimento, a sua consciência vai sumindo e quando acaba, tudo o que resta é o frio, o eterno frio…”
A voz estava tão baixa, e Wei soube que o homem tinha razão, sua consciência estava sumindo, as lágrimas corriam por seu rosto sem parar, molhando o lenço sobre seus olhos, uma cena totalmente patética de se presenciar. Mas quando as esperanças já haviam ido embora e ele estava pronto para aceitar aquele fim desesperador, uma nova luz surgiu e ele pode respirar.
“É uma vergonha um clã tão honrado como o Zhou, que nunca feriram pessoas inocentes, nunca se envolveram com nenhum tipo de tráfico ou prostituição, de um dia para o outro desrespeitar toda sua tradição mais profunda. Mas você quebrou a regra mais fundamental, a mais importante, ‘Aquele que lhe treinou, ensinou e se fez responsável por suas ações, é aquele que a quem você deve todo o seu respeito, nossos mestres são nossa ponte.’, mas você matou seu mestre.” A faca foi arrancada de seu ombro, Wei foi capaz de sentir mais veias e músculos se rompendo na saída, como se agora o homem não se importasse mais com sua vida ou morte. “O que me leva a minha principal questão, porque?”
“Eu passei algumas horas torturando ele, mas não deu em nada. Então deve ser algo importante.” Jia disse de forma inocente, com um pequeno sorriso no rosto maquiado, como se nas últimas horas não tivesse torturado um homem até a exaustão, mas em seus olhos havia um pequeno brilho sádico de orgulho que a entregava.
A faca deslizou por sua clavícula, cortando a pele e a carne como se não fossem nada além de manteiga. “Isso não me deixa nenhum pouco contente.” Seu dedo passou pela ferida como uma carícia, e no segundo seguinte, o introduziu no corte fazendo o homem gritar horrorizado com a dor.
“O presidente vai me m-matar…” O choro do homem era audível e irritante, chegava a ser lamentável.
“Isso pode ser verdade, mas me deixe contar o que vai acontecer antes disso…” Jia disse se aproximando de ambos os homens. “Se você não disser nada, nós vamos te soltar amanhã e te levar até o presidente Ikira, iremos contar como você descreveu em detalhes sobre a morte do mestre Zhou e que isso foi um plano para tomar o poder e facilitar a fusão. O presidente se sentindo traído, vai te dar a morte dos traidores. Agora, se você der as informações que queremos, sua morte será rápida e indolor. Claro, se elas forem muito boas, nós podemos até pensar em te ajudar a sair do país e se livrar de tudo.”
Wei estava realmente cogitando contar, já havia ouvido falar da morte dos traidores do grupo Heilong, uma tradição que havia sido passada desde a primeira geração de líderes, ser preso vivo dentro de um caixão cheio de insetos e depois ser enterrado, passar dias sendo comido vivo por insetos não era algo desejável para se experimentar, mas não queria morrer ainda. Não era como se tivesse muita escolha, mesmo se o presidente não acreditasse no homem que o torturava, por carregar aquele brasão na faca, causaria uma desconfiança em trabalhos futuros. O homem, vendo Wei analisando as suas possibilidades, pegou a faca novamente, dando uma leve risada aproximou-a do rosto do homem e fez um corte em sua face.
“Eu vou te dar cinco segundos para dizer o que quero saber, ou eu mesmo vou aplicar a morte dos traidores em você…” Passou a faca pela traqueia, quase como se fosse cortá-la, independente do que fosse decidido a morte seria o destino final, isso era inevitável, a única coisa a ser mudada era a forma em que morreria.
“Cinco…” Um novo corte foi infringido, causando uma clavícula sangrando e um gemido de dor.
“Quatro…” Mais um corte dessa vez acima do coração e ainda mais sangue jorrando.
“Três…” A faca foi cravada em sua coxa fazendo com que um berro rasgasse a sua garganta.
“Dois…” A lâmina foi torcida ainda em seus músculos, o som de um homem soou implorando por um fim.
Não havia escolha nesse momento, precisava falar, a dor era grande demais. Então em um grito ele implorou. “Eu falo!! Tudo o que quiser saber, só para, por favor.!!!”
Um choro seguido de um gemido de dor foi ouvido quando Wei teve a lâmina arrancada de sua coxa. “Comece.” Infelizmente, antes que fosse capaz de contar o que sabia, um toque de celular interrompeu o momento.
Um único olhar do homem e Jia já soube o que fazer, aproximou-se e levou a mão ao celular no bolso do terno do homem o pegando com certa intimidade. “O presidente Ikira quer você de volta na Coreia.”
Um estalo de língua veio do homem que levou a mão coberta de sangue pelo cabelo e o bagunçou, murmurando estressado a voz grave soou. “Porra!”
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