Sangue & Neve - 1. Confiança
Durante a viagem a ficha do que havia feito parecia finalmente ter caído, assumir dessa forma um problema que não era seu não era algo que Christopher fazia com frequência, afinal, o homem sempre utilizava a razão antes de tomar qualquer decisão, e dessa vez pareceu ter agido por impulso, ainda não entendia muito bem o motivo exato de estar fazendo aquilo, podia ser pelos fatos que ocorreram em sua infância conturbada ou simplesmente para tentar acalmar seu coração após as atrocidades que cometeu, de toda forma agora que já havia o feito pretendia dar abrigo ao outro até que se recuperasse, e depois ? O deixaria pela própria sorte.
Manteve seus olhos fixos na rua olhando vez ou outra pelo retrovisor, pois sabia muito bem que pela cabeça do garoto se passam mil formas de escapar daquele lugar, e por isso Chris se manteve alerta por todo percurso.
O carro estacionou em frente a uma casa modesta de tijolos vermelhos, com um bonito jardim na frente, onde haviam tulipas coloridas plantadas perto da cerca branca. Saiu do veículo indo até o banco de trás no intuito de guiar o outro para fora do automóvel. Em nenhum momento o segurou pela corrente, porém mantinha a mão firme em seu ombro. O garoto de cabelos platinados não gostou de ser tocado, grunhindo, chegou a tremer um pouco. Difícil dizer se por raiva ou medo. Olhou sua mão querendo mordê-la. Só não o mordeu ali porque sabia que ou o levava daquela forma, ou puxando a coleira, e sinceramente o jovem não sabia dizer o que era pior.
Assim que adentraram a residência quem veio os receber foi um grande border collie albino que rodou em círculos tamanha a felicidade em ver seu dono chegar em casa, ficando com a barriga para cima como se pedisse por carinho.
Amadeo assim que viu o cachorro teve um flashback de memória de latidos e visões de vários cachorros virem a sua mente com latidos ecoando. O garoto pulou para longe do animal, apavorado.
Chris o levou para o andar de cima da casa, até um dos quartos.
– Irei te soltar, então não tente nada –Disse após fechar a porta atrás de si. Amadeo não entendia a frase, mas olhou para sua mão vendo a chave e conectou com a palavra “soltar”.
O deixou lhe livrar da algema e coleira, e logo que Chris o fez, viu as marcas em seu pescoço pela violência que era puxado com aquilo, os vergões variavam entre vermelho e arroxeado. Esperou que lhe soltasse as mãos também para poder tocar as marcas em si mesmo.
Ficou ainda em alerta para entender o que aquele homem queria de si, mas murmurou algo em uma língua completamente estranha para o moreno, uma palavra que soou algo como “spasibo“, seu tom de voz era um pouco grave e rouco, provavelmente por não falar muito.
Christopher, ao ver as marcas em Amadeo, também teve um flashback. Imagens de um passado distante vieram, conseguiu visualizar um pescoço marcado por roxos em uma mulher que se encontrava jogada em cima de uma cama, os olhos da mesma revirados em seu corpo sem vida. Logo tratou de balançar levemente a cabeça como se mandasse aqueles pensamentos para longe, para então se concentrar no garoto a sua frente.
Imaginava que a situação física de Amadeo não era nada boa, precisava tirar aquela camisa longa que ele vestia. Mas sabia que caso o fizesse o rapaz iria se assustar pois com certeza homens já deviam ter o tocado de forma indevida no período em que esteve sobre posse de Francesco, e por isso Chris tentou pensar em uma solução.
– Eu já volto – Disse se afastando, mantendo contato visual. Fechou, passando a chave na fechadura por temer que o garoto fugisse e acabasse por lhe trazer mais dor de cabeça. Amadeo provavelmente tentaria fugir, mas sem falar direito, traumatizado e possivelmente ferido, seria quase como pedir para morrer ou ser capturado por alguém igual ou pior que Francesco.
Amadeo não sabia o que esperar dele e isso o deixava ansioso. Ficou parado onde estava enquanto o assistiu deixar o quarto. Ouviu o “click” da fechadura e sabia que estava trancada.
O platinado rodou o quarto, olhando detalhes, decoração, janela. Se demorou encarando uma pintura qualquer na parede, depois de notar que não tinha jeito fácil de fugir, encostou-se a parede e escorregou ali para sentar-se no chão. Estava traumatizado o suficiente para não usar cadeiras ou camas sem que lhe fosse pedido e ou obrigado.
O pianista foi até a cozinha sem acender nenhuma das luzes, e Maria, nome da sua fiel companheira de quatro patas o seguia para todo canto, se deitando a seus pés assim que Chris parou na frente da mesa para preparar algo que enchesse a barriga de seu hóspede. Havia se identificado com a situação de Amadeo. Logo após a morte de sua mãe, quando diversas mãos passavam cotidianamente pelo seu corpo, naquela época seu olhar era muito semelhante ao do rapaz platinado. Sabia que precisava tomar o máximo de cuidado com seus gestos.
Após alguns minutos retornou ao quarto, e por ter percebido a reação do garoto ao ver Maria acabou por não a deixar entrar, e assim adentrou o cômodo segurando na mão esquerda um prato que continha dois sanduíches enquanto na outra um copo com uma bebida alaranjada.
Os colocou em cima da escrivaninha que havia no local antes de dar uma pequena mordida no sanduíche, para indicar que não estava envenenado ou algo do tipo, e assim se encostou na parede o mirando enquanto mantinha os braços cruzados.
Amadeo podia sentir o cheiro do sanduíche, e isso fez seu estômago doer fortemente. Ficou na dúvida se podia pegar ou se ele só estava tirando sarro de si com fome enquanto comia na sua frente. Engatinhou devagar para perto da escrivaninha, sempre mantendo o olhar fixo no homem. Quando já estava ao lado da escrivaninha se colocou de pé.
– Para… Amadeo?
Resolveu perguntar, se esforçando na língua, os dedos pálidos tatearam a borda do móvel, se aproximando devagar do sanduíche. Não se preocupava com veneno ou se estava bom ou não, as pessoas ali não tinham interesse em lhe matar, talvez se tivessem, seria tudo menos doloroso.
– Pode pegar, fiz para você.
Disse com esperança de que entendesse e então voltou a falar.
– Seu nome é Amadeo ? É o nome de meu compositor favorito – Disse baixo para então apontar para si mesmo- Me chamo Christopher, ou Chris se ficar mais fácil para falar.
Amadeo assim que teve certeza que podia pegar, praticamente devorou o sanduíche em segundos. Lambendo até a ponta dos dedos para não desperdiçar nem um farelo. Amadeo entendia algumas palavras e com isso, acabava entendendo o conceito da frase. Ele estava se apresentando, concluiu.
O platinado até respirou fundo quando comeu, se sentia melhor e com menos dores agora que havia alguma comida em sua barriga. Francesco só lhe dava o mínimo com medo que ficasse mais forte.
Moveu a cabeça positivamente, concordando sobre seu nome, afinal era assim que se referiam a si. Voltou a sentar-se no chão, em um canto ainda um pouco afastado do outro.
– Sim, Chris.
Repetiu, usava palavras simples, jamais aprendera o idioma em si, apenas repetia o que ouvia e entendia o que significava na marra.
E assim que escutou seu nome sendo pronunciado pelo garoto, Chris acabou por não conseguir conter o sorriso de canto que não demorou a adornar seus lábios. Se descolou da parede para então se dirigir até o rapaz. Pensou que pelo fato dele entender algumas palavras talvez conseguisse compreender que apenas queria o ajudar, e assim que se posicionou em sua frente, se agachou, o mirando profundamente com seus olhos azuis. Amadeo estava com a guarda baixa demais quando o outro se aproximou, correu o olhar para ele, levemente desconfiado. Não deixaria que se aproximassem assim normalmente, estava dando um voto de confiança.
– Escute, eu quero o ajudar, mas para isso preciso que tire essa camisa, tenho que ver se há ferimentos em seu corpo. – Dito isso ergueu a mão a levando devagar em direção ao garoto para então segurar a camisa no intuito de o ajudar a tira-la.
O voto de confiança durou até Chris erguer a mão para sua roupa. Amadeo sentia que ele não tinha más intenções, mas ele era praticamente um gato ferido. E de instinto, o platinado agarrou o pulso do outro rapaz com força e o empurrou com o peso do próprio corpo, derrubando-o no chão, ficou por cima dele por alguns segundos o olhando com raiva, se fosse outra pessoa, teria lhe mordido a cara. Graças a experiência adquirida durante a época em que esteve no exército, não seria difícil para Christopher tirar aquela criaturinha selvagem de cima de si e até mesmo imobiliza-la, porém não o fez, queria que o outro entendesse que ele não o faria nenhum mal e por isso apenas o encarou com a expressão fechada, mirando no fundo de seus olhos turquesa, como se esperasse para ver o que o garoto faria a seguir.
Mas Amadeo apenas saiu de cima dele em seguida. Achava que havia dado o aviso, talvez uma segunda vez ele não tivesse tanta sorte.
– Não….Tocar. – Disse, de forma um tanto ansiosa.
Era mesmo muito mais forte do que parecia. Provavelmente depois de ter alimentação regular, ganhar um pouco de peso, seria mais forte ainda. Era de sua genética.
O pianista se levantou se retirando do quarto e dessa vez, acabou por não trancar a porta. A cadela Maria o seguiu até o banheiro aonde o pianista logo tratou de encher a banheira, pensou que talvez um bom banho ajudasse o garoto a relaxar. Amadeo não saiu do quarto, até mesmo por medo do cachorro, que lhe causava flashs de memórias dolorosas nas quais mal entendia as cenas e tentava evitar.
Após alguns minutos, Chris retornou ao quarto, mantendo sempre certa distância do outro.
– É melhor você tomar um banho quente, venha, já enchi a banheira -Dito isso abriu a porta do quarto ficando do lado como se esperasse o outro sair.
O garoto caminhou até a porta, mas antes de sair colocou a cabeça para fora, para garantir que o cachorro não estava muito perto.
– Vou embora?
Perguntou, enquanto ia atrás dele para o banheiro. Estava cansado, não queria ter que ir embora.
– Escute… você não é uma mercadoria ou algo assim, quando estiver melhor pode ir embora, mas até lá não me importo que fique em minha casa.
Quando chegaram ao banheiro, Chris fechou a porta atrás de si e foi até o balcão que havia no local colocando a mão em cima de uma muda de roupa que ele havia separado, com certeza ficariam um pouco grandes em Amadeo.
– Espere a água esfriar um pouco antes de entrar e tente não fazer muito barulho – disse antes de se virar para a porta fechada- Estarei do lado de fora então caso precise de algo não hesite em me chamar.
Chris falou muita coisa, Amadeo torceu a expressão, não entendeu quase nada. Mas seguiu os movimentos da mão do homem, tocando a muda de roupas e então olhando a água que ele indicou estar quente. Ao menos o mais importante havia entendido: água quente para tomar banho e aquelas roupas eram para si. Se aproximou da banheira e sentou-se na beirada, tocando a água com a ponta dos dedos, estava um pouco quente e novamente o rapaz resmungou:
– Slishkom zharko! – Ficou ali sentado esperando que Chris saísse do banheiro.
Logo que ele saiu, Amadeo ficou testando a água com a mão até considerar a temperatura aceitável. Despiu as roupas que vestia por completo, olhando para o próprio corpo, tocando os hematomas. Dobrou a roupa e entrou na banheira. Era de fato bem relaxante, se lavou devagar, afundando na água para lavar os cabelos, depois ficou só ali encostado.
Brincou com um pouco de espuma que se formou pelo sabonete em excesso, mas logo sentia o corpo tão relaxado como há muito tempo não sentia. Não havia momentos que poderia se sentir seguro ou relaxado antes, e ali sentiu. Tanto que acabou cochilando.
Christopher se sentou ao chão encostado suas costas na parede, Maria se deitou ao seu lado apoiando sua cabeça no colo do pianista, que logo tratou de levar a mão até na cabeça da cadela, acariciando seus pelos enquanto refletia sobre o que havia feito, com certeza Amadeo iria o proporcionar intensa dor de cabeça durante sua estadia, afinal, Christopher teria trabalho em deixar o garoto menos hostil e mais sociável, e apesar desse problema não poderia simplesmente abandonar o outro agora que havia lhe estendido a mão. Pretendia ir até o fim com o problema que havia assumido.
Ficou em silêncio por alguns segundos assim que notou que os barulhos de água pararam, e o silêncio que se instalou no ambiente era no mínimo suspeito, e por isso o pianista logo tratou de se levantar, colocar a mão na maçaneta e abrir a porta devagar para espiar se estava tudo bem. Quando viu o platinado adormecido na banheira acabou suspirando aliviado por notar que estava tudo bem, com certeza as noites de sono do outro não deviam ser as melhores.
Se aproximou sem fazer barulho se abaixando do lado da banheira. Chris estranhamente acabou se perdendo naquela imensidão de detalhes, notando como seus traços eram harmoniosos e sua aparência exótica, pois nunca antes havia visto alguém com os fios tão claros, e agora que olhava de perto podia notar que os cílios eram da mesma cor de suas madeixas o que acabou por chamar a atenção do jovem, tinha que admitir, ele realmente era um rapaz bonito, mesmo tão maltratado.
Jogou um pouco de água no garoto para tentar acordá-lo.
– Ei, acorde, não pode dormir aí…
Amadeo estava até sonhando, as imagens formando em sua mente, pouco a pouco. No sonho carregava nos braços vários ovos, mas não era ovos comuns, eram coloridos, e sorria feliz com eles, estava começando a entender quando sentiu a água se mexer, o puxando de volta para a realidade. Acordou abrindo os olhos turquesas, um pouco assustado, puxou o braço de Chris muito rapidamente para baixo na água, quase o afundando todo ali junto de si, quase como se fosse afogar o homem, mas logo o soltou ao se dar conta de quem era. Os batimentos acelerados, se encolheu um pouco.
Quando o pianista foi solto se afastou um pouco do rapaz pensando em como foi tolo em baixar a guarda dessa forma, com certeza se o outro estivesse com más intensões teria conseguido o afogar. Viu a forma com que Amadeo se encolheu no canto daquela banheira e isso acabou fazendo com que Cris suspirasse, entendeu que com certeza o menor havia se assustado ao abrir os olhos e o ver tão próximo de si e isso fez com que sua raiva momentânea passasse, afinal, entendia muito bem o sentimento de medo do outro.
Amadeo entendeu que tinha que sair. Estava até com a ponta dos dedos um pouco enrugadas de ficar muito na água.
Chris se afastou e virou de costas para dar espaço e privacidade para o platinado sair. Ainda um pouco zonzo pelo sono, andou para fora da banheira mesmo com o outro ali no banheiro ainda, se enxugou rapidamente e pegou a roupa que lhe havia sido atribuída. Vestiu-se sem muita demoras em um, meio no automático.
– Pronto. – Avisou.
Quando escutou aquele “pronto”, Chris pode finalmente voltar sua atenção ao rapaz, observando como aquelas roupas haviam ficado largas em seu corpo magro. Abriu a porta esperando que ele saísse para então o guiar de volta ao quarto.
Foi até a cama puxando o cobertor que havia na mesma antes de voltar a encarar o platinado, aquilo era como um convite para ele se deitar ali, porém, como não sabia se ele havia entendido resolveu verbalizar.
– Venha deitar, está caindo de sono – se afastou da cama indo em direção a porta, colocando uma das mãos na maçaneta antes de olhar por de cima do ombro- Meu quarto é o da frente, se tiver algum problema não hesite em bater na porta.
Amadeo se aproximou da cama quando o viu se afastar, apoiou ambas as mãos sobre cama e engatinhou rapidamente para debaixo do cobertor, encolhido, abraçando os joelhos. O rapaz estaria adormecido antes mesmo de Chris ter tempo de fechar a porta. Estava completamente esgotado de tudo e havia encontrado um pequeno conforto finalmente.
Publicado por:
minhas outras postagens:
COMENTÁRIOS
Sua Comunidade de Novels BL/GL Aberta para Autores e Tradutores!
AVISO: Novos cadastrados para leitores temporariamente fechados. Se vc for autor ou tradutor, clique aqui, que faremos seu cadastro manualmente.