O Renascimento do Príncipe Esquecido - [Capítulo 04]. Eu sou um escravo, não posso ser amigo de um jovem mestre
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Para um escravo, não existe lar. A casa onde vive é apenas uma prisão sem grades. Mesmo que esteja disposto a partir, valerá a pena viver como um mendigo e morrer de fome do que trabalhar – ainda que exaustivo, e ter o que comer no final do dia. Além disso, num mundo onde homens e bestas vivem selvagens tentando conquistar uns aos outros. Homens passando por cima de outro como se o seu semelhante fosse um mísero inseto. Tornar-se um ladrão e viver fugindo e escondendo de outros valerá a pena?
Para um escravo, não. Para uma escravo acostumado a tortura de todos os tipos, não.
Sua mente já relacionou a tortura como uma parte de seu dia.
O homem que estava sendo carregado por Shen Sheng entendia bem isso. Por algumas vezes, precisou ser contido por JiuYan, pois queria voltar a seu antigo mestre. Assim, a velha aranha acertou seu ponto de acupuntura do sono e o fez dormir. O homem quase duas vezes maior que JiuYan foi carregado por ele, como se fosse uma pena de galinha. As pessoas olhavam admiradas. Como é bom ser um mestre taoísta…
Shen Sheng o observava dormir, enquanto folheava as páginas de um livro sobre a região. Um belo homem, ele não podia negar. Só estava maltrapilho, em roupas de cânhamo desgastadas e sujas, acaso usasse algumas roupas melhores, ressaltaria sua beleza. Sua pela era escura, o que raramente se via entre as pessoas, ele tinha ombros largos e quando o ajudou a se levantar, percebeu sua musculatura firme. Este homem era pelo menos uma cabeça mais alta que ele. Quando ele reclamou e queria voltar para seu ‘dono’, sua voz… Shen Sheng não sabia como explicar, era apenas muito boa de se ouvir. Apesar de seu intenso olhar de pupilas esverdeadas, este homem tão grande tinha um recuo impressionante. No entanto, o que mais lhe chamou a atenção, foram os longos cabelos sedosos e cacheados deste homem.
Como um escravo poderia manter um cabelo tão brilhante?
A porta do quarto se abriu. JiuYan entrou com um coelho raivoso no colo. Hei He Bai estava resmungando sobre algo quando JiuYan tirou uma cenoura e enfiou em sua boca.
“Goldenheart não voltará?” Ele perguntou.
“O ciclo de calor dele está perto. Voltará no próximo mês.” JiuYan respondeu.
“Oh!” Shen Sheng respondeu sem entusiasmo e voltou a ler, sempre dando uma olhada sobre a cama.
Hei He Bai e JiuYan jogavam weiqi[1] no canto do quarto. Era uma cena engraçada: um coelho e um ‘homem’ jogando. Vez ou outra, peças flutuantes caíam no tabuleiro. Aparentemente, o coelho estava ganhando. Os dois perceberam a letargia do garoto e estranharam a atitude dele. Shen Sheng, independente de qualquer distração, quando começava a ler esquecia-se do mundo e focava somente na leitura.
“O que tem em mente, meu garoto?” Hei He Bai perguntou. “Não diga que…”
“Tenho uma sensação quando olho para ele.” Shen Sheng respondeu sem rodeios.
“Sensação de beleza perdida?” JiuYan perguntou.
“Que besteira está dizendo? Nosso A-Sheng é muito mais belo! Veja quão rude é este homem!” O coelho retrucou.
Shen Sheng riu.
“Não sei do que trata. É estranho… apenas esqueçam!” Algumas páginas foram passadas, quando o cervo voltou a falar: “Mas, não posso negar que é um homem bonito.”
“Não seja dobrado por sua beleza, filho.” JiuYan alertou. “Filho da puta! Como consegue ser mais inteligente que eu!?” As peças pretas de weiqi vacilaram no ar.
Shen “…”
Não ser dobrado? Nunca teve problemas com isso, por que se preocupar agora?
O livro tratava além de assuntos comuns da região como clima, entretenimento e governo da região. Tinha assuntos básicos do país, como as principais seitas e seus destaques. E alguns assuntos relacionados ao reino demoníaco. Ainda havia um, ele pensou. Porém, agora, ao menos sob a superfície, estava bem controlado.
A seita que controla a região origina-se dos templos budistas. Fazia sentido encontrar vários monges perambulando pela cidade. Os olhares hostis dados aos taoístas também faziam sentido. Apesar de caminharem do mesmo lado, cultivadores budistas e taoístas[2] nunca se deram bem. Por ser uma linha estrangeira, uma boa parte dos taoístas, não tinha os monges budistas em bons olhos. Além disso, a maioria dos cultivadores apreciavam seus cabelos.
Havia também algumas seitas taóistas menores, mas que frequentemente eram suprimidas pela budista e como o governo local tinha o apoio dos monges, o taoísmo não crescia. A maioria desses cultivadores tao apenas tinham passagem nessa cidade, eles não gostavam realmente de serem encarados pelos carecas e irritáveis humanos.
A cidade Piying, era famosa por seu distrito da luz vermelha. Eram os mais famosos e luxuosos do país, nem mesmo os bordéis da capital comparavam-se aos de Piying. Dizia-se que a pessoa por detrás da rede, tinha conexões com a família imperial e era muito influente no país, mas ninguém jamais viu o rosto de tal pessoa. Ou seja, Piying era o lugar perfeito para se conseguir informações de qualquer lugar. Além de ser rota no meio da rota comercial e ser uma cidade ‘turística’, era um lugar que reunia também todo tipo de pessoa.
Foi uma boa escolha ter seguido o conselho de Goldenheart. Apesar de ter sido uma briga enorme quando eles saíram da floresta encantada. Cada um apontava para um lado diferente e ficaram discutindo por mais de três quartos de hora, quando Shen seguiu sua intuição junto com os argumentos de Goldenheart.
No final da tarde, o homem acordou assustado.
“Pensei que estava morto.” JiuYan comentou casualmente ao levar uma xícara de chá a boca. “Parece que você precisava descansar mesmo!”
O homem grande encolheu-se no canto da cama.
“A-Sheng voltará logo. Não se preocupe, ele é bom. Qual seu nome?”
“Gu Xing.”
“Clã do veneno?” A velha aranha ergueu a sobrancelha. Havia apenas uma família de sobrenome Gu neste mundo e esta, seria a família que tinha o controle sobre todos os venenos e medicamentos do país.
Gu Xing ficou sem reação. A única coisa que ele sabia era que sua mãe uma vez se envolveu com um homem rico no bordel e engravidou dele. Desconhecia seu pai, sua única lembrança foi o sobrenome de sua família.
“Não é possível. Aquela família orgulhosa não deixaria um descendente se tornar escravo.” JiuYan se atentava aos assuntos estrangeiros, conhecer o inimigo sempre foi fundamental para viver bem. Assim, conhecia muito dos assuntos humanos.
“Eu não sei. É o sobrenome do meu pai, o desconheço, mestre.” Gu Xing respondeu. Aprendeu a lição da última vez, esse ‘homem’ era muito poderoso e não podia vencê-lo.
JiuYan por outro lado entendeu a situação. A mãe deste garoto era uma prostituta.
“Não sou seu mestre, garoto. A-Sheng também não gosta de ser chamado de mestre. Não o chame assim também.”
Gu Xing entrou em confusão. Por que esse homem, que parecia ser mais novo que ele o chamava de “garoto”? Seria ele, um daqueles grandes mestres taoístas velhos que preservam sua aparência? O quão velho este homem seria?
“Não queira saber minha idade. Não gosto de falar sobre isso.”
Ele sabia ler mentes?
“Eu não leio mentes, mas você franziu a testa quando me ouviu te chamar de garoto. Minha aparência é mais nova que a sua. Apenas deduzi.”
“Oh!” Gu Xing ficou admirado. Além de poderoso, este homem é também um observador astuto e inteligente.
Shen Sheng abriu a porta cantarolando e abriu um sorriso, ao ver Gu Xing acordado. Este, se levantou imediatamente e ficou ereto. Ele já havia entendido que este homem era o chefe entre eles.
“Você acordou!” O sorriso de Shen fez Gu Xing ficar atordoado. “Como está se sentindo? Estava muito machucado quando o trouxemos.”
“Estou melhor, mestre.”
“Não me chame de mestre. Não gosto de ser chamado assim.” Shen Sheng disse se aproximando. Gu Xing permaneceu como uma estátua, iria ser castigado? “Dê-me seu pulso.” O homem estremeceu e manteve-se quieto. “Algum problema?”
Shen Sheng abaixou seu olhar e notou que suas mãos tremiam violentamente. Shen franziu entre as sobrancelhas e suspirou. “Fique tranquilo, só quero verificar seu pulso. Você tinha alguns ferimentos internos.”
“Qual o seu nome?” Shen Sheng levou sua mão até a dele e com delicadeza ergueu o punho até a altura de seu peito. Usando a outra mão, arregaçou a manga de sua blusa. Gu Xing tentou retirar seu braço, mas não conseguiu se mover. A força do chefe deles não é menor que os outros.
Nos pulsos, inúmeras cicatrizes se sobrepunham.
O quarto ficou estranhamente quieto. Respirações pesadas e vozes gritantes do lado de fora faziam o som no ambiente.
Após algum tempo, um sussurro tirou Shen Sheng do atordoamento.
“Gu Xing… Meu nome é Gu Xing, senhor.”
Shen Sheng o encarou por um tempo antes de responder, abrindo um sorriso. “O meu é Shen Sheng. Pode me chamar pelo nome, é bom conhecê-lo.”
As orelhas de Gu Xing esquentaram e ele desviou o olhar.
“Yan Ge, queria pedir um favor. Ainda há ‘tecido’ o suficiente para um conjunto para ele?” Shen Sheng se virou para JiuYan, que mantinha o perfil baixo com chá em mãos.
“Oh!” JiuYan exclamou em surpresa. “Há ainda, ele vem conosco?”
“Se ele quiser, naturalmente.”
“Você disse que não gosta de escravos…”
“Eu não quero um escravo, Gu Xing pode ser nosso amigo.” Ele voltou sua atenção para Gu Xing. “Que tal?”
“Eu sou um escravo, não posso ser amigo de um jovem mestre.” Gu Xing respondeu rapidamente.
Shen Sheng riu, “Ainda bem , porque não sou um jovem mestre!”
“Ele é um humano, A-Sheng! Humanos não são confiáveis.”
“Yan Ge, peço que não generalize. Assim como existem humanos bons, existem outros maus.” O cervo repreendeu. “Tudo depende de você, após retirarmos seu grilhão de escravo, estará livre para decidir.”
Gu Xing ajoelhou-se imediatamente com a cabeça baixa, provocando um grande barulho no chão de madeira. “Não ouso aceitar tamanha generosidade, senhor.”
Shen Sheng agachou-se de frente a ele e com uma voz suave e calmante, ele disse: “Acalme-se Gu Xing. Diga-me, por que recusaria a liberdade? Gosta de sua vida como escravo?”
Gu Xing não se atreveu a falar. Houve uma vez em que seu mestre fez essa mesma pergunta.
Gu Xing se tornou escravo desde que sua mãe o vendeu aos seis anos. Naquela época, a mãe estava grávida de seu segundo filho e não havia como ela abortar, não havia médicos para cuidar dela. Interromper a gravidez não era hipótese. Apesar de ser apenas mãe e filho tinha dias que nenhum dos dois comia alguma coisa. Li Hua não tinha idade mais para ser uma prostituta e comer ficava cada vez mais raro. Então, quando, um dia, passava uma comitiva de uma família rica, ela se ajoelhou na frente da carruagem oferecendo seu filho como mercadoria.
Gu Xing não culpou sua mãe. Ele mesmo já havia pensado em se matar para facilitar a vida de sua mãe. Alimentar a si mesmo e o bebê ficaria muito mais fácil e assim, também não precisaria passar fome. Seu estômago doía. Com a mãe gritando, Gu Xing tomou a decisão de se oferecer. Aquela família, para expulsar aquela mendiga, aceitou a criança como escravo em troca de três taéis de ouro.
Gu Xing foi vendido com um sorriso no rosto. O último que se lembrou de ter dado desde aquela vez. Desde então, passaram-se vinte e um anos. Gu Xing foi educado para ter uma mentalidade como escravo e nunca passou por sua mente revoltar contra o seu mestre. Sua mãe estaria e irmão ou irmã estariam seguros enquanto continuasse assim. Até aquele dia.
Rong Yin, seu mestre, o perguntou certa vez enquanto estava entediado: “Ei, lixo! Nunca passou por sua cabeça querer ser livre não?”
“Não, senhor. Devo minha vida você, serei leal enquanto viver.” Gu Xing respondeu.
“Por que recusa a liberdade? Gosta de ser meu escravo?”
A resposta que Gu Xing deu, foi a mesma: “Não ouso aceitar tamanha generosidade, senhor.”
Ele franziu os lábios. Gu Xing não se lembrava o que era liberdade, ele viveu por outros e não desgostava mais disso. Se ele tinha comida para se manter vivo e proteger sua família era o que importava. Já havia até juntando algumas tábuas para construir seu próprio caixão. Os castigos que Rong Yin lhe dava ficava cada vez mais perigosos e difíceis, Gu Xing não sabia quando iria morrer, poderia ser a qualquer momento. Deixar o caixão já preparado, evitaria trabalho para outras pessoas.
“Guardas! Cinquenta chicotadas em Gu Xing!! Ele está muito tedioso hoje.” ROng Yin ordenou com um sorriso sacana no rosto.
Então, dessa vez, Gu Xing não sabia o que fazer.
“Gu Xing?”
Shen Sheng pegou suas mãos, ainda mais trêmulas. “Não tenha medo.”
“Por favor, não. Eu… Eu…”
“Tudo bem, por enquanto ficaremos assim.” Shen Sheng olhou para JiuYan, desamparado sem saber se dava um sorriso para confortá-lo ou se chorava, compartilhando de sua tristeza.
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Glossário
[1] Weiqi: Go, Weiqi ou Baduk é um jogo estratégico de e de para em que dois jogadores posicionam alternadamente pedras pretas e brancas.
[2]. Para mais informações sobre as diferenças entre ambos, achei um site interessante explicando bem sucinto e claro. Vou deixar o link aqui: https://pt.strephonsays.com/buddhism-and-vs-taoism-4511
Publicado por:
- Xiao Yu
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Apaixonando-se aos oito anos pelo fantástico mundo da literatura, Yu Ge, em busca de um sonho e apenas uma mente fértil, passou pela poesia indo para ao romance adolescente, chegando à fantasia medieval se encontrou nos danmeis (novels chinesas boys love) e na fantasia sombria aos recém-completos 23 anos. Do xianxia à dark fantasy, se diverte encontrando o caos e ambiguidade da natureza humana.
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