Missão Ágape - Capítulo 45
Quando se lia em livros sobre quando tinham personagens que viajavam o país com somente sua bolsa e toda sua criatividade para se virar, em meio a uma sensação de liberdade constante de que o mundo era sua casa, achava lindo e inspirador.
Até sonhava em fazer isso algum dia… viajar o mundo, fazer amigos e viver várias aventuras. Assim como também nas histórias de seus pais quando estes eram arqueólogos.
Mas agora sabia que aquilo só era uma coisa fantasiosa, algo extremamente romantizado e totalmente fora da realidade.
Depois de ter pego aquele ovo de fênix, que era sua única companhia, havia ficado por conta própria.
Nem, Tânatos, nem Panoptes, ninguém veio para buscá-lo ou ajudá-lo.
Supôs que talvez seja porque Kýrios contou tudo o que aconteceu e o que ele fez, e claro, aquele abandono como punição era mais que merecido.
Achava que tinha sido bastante branda para o crime que cometeu…, mas, também entrava em conflito com um seguinte argumento que não saía de sua cabeça: ele era o Pista de Parca, eles precisavam de sua ajuda. Abandoná-lo seria ilógico. Então algo aconteceu. Algo de muito errado estava acontecendo para não terem vindo ainda buscá-lo.
E depois de muito vagar pela floresta, rezando internamente para não cair naquela floreta viva, conseguiu chegar em uma pequena civilização, e agora estava em um templo budista, nos arredores de Tokio, se alimentando de uma doação que um monge lhe ofereceu quando o encontrou largado no meio da floresta, sujo de sangue, faminto, dormindo enquanto abraçava o ovo consigo, a única fonte de calor que o confortava. E que parecia se aquecer ainda mais quando ele derramava suas mágoas, que por mais força que fizesse para contê-las transbordava de seus olhos.
E como não entendia nada do que falavam, optou por desenhar no papel, contando, ou melhor, ocultando e inventando a história aos monges do porque tinha aparecido ali e estava naquele estado no meio da floresta com aquele objeto oval entre seus braços.
E entre jogos de adivinhações, ficou sabendo que as tais árvores vivas se chamavam Jubokko.
E pelos contos dos livros que trouxeram para ele ver as gravuras, descobriu que o que enfrentou nada mais eram do que uma espécie de yokai em forma de árvore, que nasceu em antigos campos de batalha onde centenas de pessoas morreram, e o sangue dessas pessoas alimentou e amaldiçoou a semente delas, que pegaram gosto pela carne humana e energias fúnebres.
— Droga… havia me esquecido disso… — sussurrou, com as costas doendo pelo ferimento cicatrizado, aquela onde uma asa mal formada havia crescido, estava deitado em um dos quartos do templo, já fazia uma semana. E pela falta de qualquer sinal do deus do amor, de Tânatos e Panoptes, decidiu fazer algo que com certeza se arrependeria: voltar para casa.
Claro, apesar de tudo, sentia muita saudade de todos. Até de seu pai, que não restava dúvidas que iria deserdá-lo, mas valia isso do que estar longe deles agora, já que eram as pessoas que ele amava, as únicas que possivelmente poderiam aceitá-lo e perdoá-lo depois de tudo.
Fechando os olhos, adormeceu por estar muito cansado das faxinas dentro do templo em troca de um teto e comida.
Parecia que o destino estava castigando-o pela sua vida fácil e tão fútil por todos esses anos. Quem diria que um dia ele teria que lavar roupas e louças? Ou pintar muros? Ou mesmo cortar legumes da sopa que tomaria mais tarde?
Na manhã seguinte do nono dia, com roupas limpas e tendo se alimentado como podia já que não sentia nenhum um pouco de fome, pediu para que o levassem a um porto, qualquer um. Decidiu ir pelo mar, pois por terra desconfiava que teria mais dificuldades, e ele não tinha tantas economias para isso.
Então servir de marinheiro em algum cargueiro iria lhe conceder abrigo, mais comida e uma viagem de graça até Londres onde aquelas especiarias chinesas, que faziam negócios ali no Japão iriam atracar por lá.
Ok, ele não sabia nada sobre como trabalhar dentro de um navio cargueiro, nem limpar chão sabia, mas era isso, ele iria aprender, assim como aprendeu muita coisa desde que fugiu de casa para aquela busca.
— Garotas adoram cicatrizes, vejo que tem algumas, deve fazer bastante sucesso. — comentou o colega de faxina, que também esfregava chão do convés junto dele. Havia percebido as várias cicatrizes das batalhas que teve por aquela busca até a montanha.
— Hm, isso é bom. — disse um tanto desanimado, mas tentando ao máximo socializar — Será que tem algum nome para esse tipo de gostos? “Cicatrizfilia”?
O rapaz ao seu lado riu enquanto torcia a esponja e retornava com mais água e sabão do balde para o chão.
— Eu não sei, só sei que acho também muito atraente. — disse o rapaz.
James sentiu um sinal de alerta apitou em sua cabeça…
— Ah, é mesmo? Conheci também umas moças muito lindas que tinham cicatrizes. Em Londres há um bordel com temática circense, há mulheres para todos os gostos. Você vai adorar, Fuyuki.
— Quem sabe… — o rapaz mal disfarçou não gostar da sugestão, e para não ser mais pego no flagra, mudou de assunto rapidamente — Sabe, o capitão vai distribuir uma garrafa de vinho para a tripulação mais antiga, isso significa que vou receber também pelos dois anos que estou aqui. Eu posso dividir com você se quiser.
Outro sinal… Será que era mesmo isso que estava pensando? Apesar de saber os sinais de quando uma mulher queria algo mais íntimo, não tinha experiência quando se era com homens. Aquele poderia ser o segundo caso, já que o primeiro… não tinha um bom histórico, nunca mais desde aquela vez frustrada em seus catorze anos. E tinha o inominável e indistinguível caso ocorrido com o deus do amor… e por isso não considerou isso como um… caso, e sim como uma série de infelizes acidentes que resultou no que resultou e agora tinha o coração dolorido por tudo e… por ele.
— Eu adoraria. — respondeu ao seu colega marujo — Mas pelo jeito vou desmaiar de cansaço quando chegar na minha cabine depois de terminar de limpar todo o chão desse convés. Então, deixa pra próxima. — Argumentou, tentando se livrar do tal convite que estava claro que havia segundas intenções.
— Eu posso guardar para tomarmos outro dia então. Ainda faltam dois meses para se chegar até Londres, temos que guardar certas coisas para serem aproveitadas no tempo certo. Certo? — disse o rapaz, seus olhos eram puxados, mas suas outras características físicas não pareciam ser de um alguém que vinha do Japão. Ou se vinha, era um, como se autoproclamou “mestiço sortudo que conseguiu se instruir”.
Tinha um porte bastante favorável de se ver, não tinha mais do que vinte e cinco anos, seus cabelos eram compridos e lisos, e tinha um sorriso muito bonito para alguém que trabalhava num navio.
E James, desde que saiu de Tokio, ainda sentia em seu coração aquele sentimento incomodo de ser o “errado” por suas atrações e gostos. Aliás, aquele pesadelo do Baku em que teve com Kýrios onde ele claramente se deixava ser tocado e quase tomado pelo deus… lhe afetou. Pode ter sido tudo uma ilusão, mas em seu coração foi bastante real…
Era como se aquilo tivesse sido a chave para se conhecer realmente.
Era um sentimento que a muito ele havia suprimido, desde daquela tenra idade de inocência para o amor. E havia prometido que nunca mais sentiria isso, mas parece que o destino fez de tudo para ele admitir o que a muito tempo ele se negou a admitir: Que ele gostava do sexo igual ao seu. E que só se relacionava com o oposto por pura convenção, já que isso é o que o salvava ainda de poder manter as aparências daqueles reais desejos em seu coração e corpo.
Bom, sua vida estava de cabeça pra baixo, então nada melhor do que começar arrumando por aquela área de sua sexualidade que tanto renegou.
Já que seu coração… bem, era melhor esquecer, de novo.
— Certo, Fuyuki. — respondeu com um pequeno sorriso de canto ao rapaz, fazendo o outro ficar com um semblante radiante pela resposta que há tempos esperava naquele um mês que estava já trabalhando dentro do navio.
•
Assim como o prometido, o capitão deu aos marujos mais antigos a sua recompensa, foi a maior algazarra, e naquela noite todos ficaram de folga para se embebedarem, até atracaram numa cidade costeira da Ilha Formosa de Taiwan, de frente para também as Filipinas, para poder contratarem os serviços das damas de prazer para trazê-las ao navio e fazerem realmente suas farras.
James estava gostando de estar no meio de toda aquela agitação, aquilo lhe distraía de pensar em seus problemas, e também… de pensar em certos cachos loiros, pele bronzeada e um corpo divinamente definido…
— Aqui está. — disse Fuyuki, trazendo uma sacola de pão numa mão e o vinho na outra.
Haviam combinado de irem a uma praia mais deserta para o seu… encontro.
Apesar de já ter feito aquilo centenas de vezes, se sentia nervoso, afinal, era a primeira vez que iria oficialmente a um encontro com um rapaz.
— Eu já estava quase comendo areia de tanta fome e espera. — brincou, fazendo o seu colega de navio rir enquanto se ajeitava ao lado dele com as coisas ali na praia.
— Não precisa mais. E por causa disso, eu fiz uma pequena visita na dispensa, e peguei isso para você. — disse, tirando da sacola de pano um pote de creme, dois morangos e uma taça.
— Ah meu Deus…! Não me diga que é isso que estou imaginando que é?! — perguntou, muito animado pela primeira vez em muito tempo.
— Eu ouvi que vocês ingleses adoram isso. E quando vi que o capitão comprou uma remessa de uma outra embarcação que estava vindo de Londres, logo pensei em você. — Sorriu, já pondo em prática a sua receita ali na taça.
James ficou impressionado, furtar coisas da dispensa era o mesmo que pedir para ser jogado ao mar ou ter uma mão cortada, já que aquele capitão era um alguém que não tinha tanto bom humor. Muito menos para quem furtava.
Mas ali estava aquele rapaz, se arriscando por ele.
Claro, sabia quais eram seus interesses… Ele poderia ser rude e ir direto ao ponto, mas não, estava praticamente cortejando-o. E uma coisa que adorava era essas sutilezas e a elegância dos jogos de uma sedução para conquistar alguém até que se chegasse o ápice e concretização dos atos. Então, estava dando um ponto de chance para aquele homem.
— Sei que não vai estar do jeito que se faz em seu país, mas fiz o meu melhor. — disse, tirando da bolsa uma colher — Abra a boca.
— Oras, não precisa disso. Não sou uma donzela. — disse, rindo.
— Não, não é. Mas gosto de ver como os lábios se movem ao entrarem em contato com a comida.
James sentiu o rosto queimar, e para sua má sorte havia lua naquela noite, então o rubor de suas bochechas ficou evidente.
— Não sabia que era tímido assim, Jamie. — Sorriu Fuyuki.
— Não sou. — Rebateu, achando engraçado ser chamado por aquele apelido, gostando até, porque lhe dava uma pequena sensação de recomeço — Só fiquei um pouco surpreendido pela sua “sutileza” para tais gostos. — disse, fazendo o outro sorrir e aproximar a colher de sua boca.
— Posso confessar uma coisa?
— Diga. — disse aceitando a colher de Syllabub de morango em sua boca e adorando o gosto cítrico e adocicado, fazendo uma expressão satisfatória diante daquele doce que era um de seus favoritos.
Mas… também ficando entristecido. Porque o fez lembrar do loiro, da vez em que esteve com ele dentro da lança, quando o deus se empanturrou daquele doce por estar entristecido. E também por causa dos morangos… de ser chamado por essa fruta…
— Jamie. — Chamou, mas não obteve respostas — Jamie? — repetiu, dessa vez cutucando seu ombro.
— Ãh, sim?
— Está tudo bem?
— Ah, sim, estou… é que… este Syllabub me fez recordar de muitas coisas. — Sorriu, disfarçando seu entristecimento.
— Parece então que as recordações eram boas. Porque seu rosto está todo corado… E não consigo não parar de imaginar quais partes mais ficam dessa maneira. — disse Fuyuki, e James arqueou uma sobrancelha enquanto aceitava outra colher do doce em sua boca.
— Uau. Está ficando muito saidinho, Sr. Fuyuki… — riu breve, pegando da mão do colega marujo a taça de doce.
— Me perdoe, é que não consigo tirar isso da cabeça… — e se aproximou lentamente para sussurrar — Tenho… economias. Podemos ir para uma hospedaria, se quiser.
James engoliu em seco, e quase se engasgou com um pedaço de fruta.
— Assim você poderia me tirar aquela dúvida que falei antes.
— Bem, eu…
— Pra sua informação, senhor Fuyuki Abdulatip, o corpo todo dele fica assim, como um moranguinho, fica tão fofo que dá vontade de morder tudo. — disse de repente uma voz em um tom muito zangado.
James mais uma vez se engasgou ao ouvir aquilo, e principalmente, por ter reconhecido aquela voz.
— James?! — lhe chamou Fuyuki, indo para socorrê-lo, lhe dando tapas nas costas para se desengasgar do doce.
E assim que conseguiu desentalar um pequeno pedaço preso em sua garganta e respirar direito, James se virou para onde tinha ouvido aquilo.
— K-Kýrios?!
O deus estava ali em pé, lhe mirando com cara de poucos amigos, braços cruzados e um corar evidente em todo seu rosto.
— Quem é este? — perguntou o marujo, sacando sua faca e apontando para o deus.
— Sou Kýrios. Bem, este não é meu nome verdadeiro, já que o outro está ainda banido. Sou um deus do amor, e não, não estou aqui porque você pediu aos seus deuses para te abençoar com um grande amor que, a propósito, não é e nem nunca, não há nem a milimétrica quântica chance deste rapaz que tenta seduzir com doces ser seu. Que, aliás, em minha opinião, que brega. Doces? Que amador. Mas, pra não ficar dizendo que sou ruim, vou te dar um norte: Seu verdadeiro amor está a milhas de distância, e para ser específico, “estão” lá, em sua cidade natal. Os dois morrem, ele e ela, de amores por você, então aproveite e pare de reclamar que ninguém te ama! Entendeu o recado?
O rapaz de olhos puxados ficou estático, ainda apontando a faca para o deus, que revirou os olhos, e tirou algo do bolso.
Era uma bolsinha de areia muito fina…
— Tenha uma boa noite, Fuyuki Abdulatip. — disse seu nome com um certo desprezo, e sem muita paciência assoprou o pó em seu rosto, fazendo o mesmo cair na hora inconsciente na areia.
— Kýrios?! O-o que foi que você fez… Fuyuki?! — indagou, correndo até o corpo do rapaz, e viu que o mesmo só dormia pesado, até roncava.
— Adoro esses Pó de Sono de Hipnos, é tão eficiente. Se algum humano patenteasse, ficaria milionário.
— O que você está fazendo aqui?! — questionou, aborrecido, e com os olhos assustados, ainda preocupado com o outro.
— Hm, então estava num encontro? Com um rapaz? Resolveu finalmente abrir as portas para a liberdade, “Jamie”?
— Que merda está fazendo aqui Kýrios?! — ignorou completamente as tentativas de comunicação e provocação evidentemente irritadiça do deus.
— Eu pensei que fosse ao contrário a reação… Que estranho… Era eu quem deveria estar enraivecido, e você, aos meus pés pedindo perdão.
— Porra! — esbravejou, indo até o deus e ficando cara a cara com o mesmo. — Me diz logo o que quer?!
— Eu quero você.
— C-Como é? — perguntou, atordoado, sentindo um reboliço delicioso em sua barriga, que se transformou em um calor que se espalhou pelo corpo.
— Eu quero você novamente ao meu lado. A busca ainda não acabou, James.
— Ha ha, eu sabia… Mas sabe de uma coisa, Kýrios, eu desisto! Não quero mais essa coisa toda! Eu errei, te fiz muito mal, admito, sou a porra de um assassino, eu sei que está pensando isso. Mas sabe de outra coisa? Dane-se! Dane-se você, sua “amada”, essa busca, e todos deuses e seus dramas! Vocês estão me enlouquecendo! E além do mais, você também errou! Me deixou ao relento, quebrou a promessa que me protegeria, que não me deixaria passar fome e de ficar maltrapilho! Então estamos empatados! Negócios igualados. Matei algo importante do seu, e você me deixou pra morrer, estamos quites! Que excelente! Então vá pra put… Kýrios?!!
— Me perdoe, James. — disse o deus de repente, interrompendo-o ao abraçá-lo, envolvendo todo o torso do outro entre seus braços, deixando ainda mais o rapaz sem graça e sem ação, principalmente quando depois do abraço lhe fitou intensamente.
— I-isso… está errado! — se afastou, quase caindo por sentir suas pernas bambas — Meu Deus… Tudo está errado! Sou eu quem deve pedir perdão! Mas, estou muito bravo! Com tudo! Isso que está me pedindo não tem sentindo! Me deixe!
— James, por favor, me escute. — se aproximou de novo, tomando as mãos do moreno nas suas.
Quis empurrá-lo, mas sentir o calor do deus, sentir seu toque, deixou suas pernas ainda mais bambas para resistir.
— Não quero mais escutar nada. Quero paz! Eu quero que todos vão pro…
— James, por favor, eu quero muito que me explique tudo agora. Quero que me explique porque tomou aquela decisão. Quero ouvir agora o que não fui capaz naquela hora. Eu estava tão imerso nas coisas que vi e ouvi que fiquei atordoado! Por favor, eu quero ouvir tudo agora. Eu… quero confirmar algo que ficou me torturando todos esses dias…. — pediu, de novo interrompendo-o.
Respirando fundo, James sentia um nó em sua garganta e seus olhos começando a arder por um desaguar quase que inevitável. E mesmo sendo difícil, deu continuidade.
— Então você quer ouvir.
— Quero. Tudo. — disse.
James teve a impressão de que aquilo soou em um sentido mais do que realmente tinha ouvido, mas se negou a pensar nisso.
— Certo. Pode me soltar primeiro? — pediu, e logo o deus desfez suas mãos.
Pigarreando e tomando forças, continuou: — Quando estávamos naquela casa, com aquela ubume, eu vi que tinha alguma coisa errada naquilo tudo… Era uma mensagem, tudo ali era uma mensagem de… — respirou fundo, enxugando seus olhos marejados — Creio que você deva ter desconfiado do que se tratava.
O deus assentiu, seu cenho se franzindo como resposta.
— Kýrios, Psiquê não colocou a alma de seu filho ali para protegê-lo. Ela queria corrompê-lo da divindade de vocês dois. Queria deixar claro que você e ela não poderiam mais ter aquele filho. Ela estava doando aquela alma para que pudesse renascer em uma nova família. E quando você perguntou daquela fantasma se Psiquê tinha alguma mensagem, e a resposta foi negativa, aquilo era mais um claro sinal de que…
— Não, James, você pode ter interpretado errado as coisas daquela vez…
— Porra, Kýrios, será que não consegue entender? Psiquê deu para uma fantasma algo que você fez para ela! Deu aquele enfeite de cabelo! Algo que você disse que era especial!
— Isso porque foi para me avisar de que eu teria que confiar naquela ubume! E não para isso que está pressupondo!
— Meu Deus… Como você é burro! Será que não consegue ver? Ou melhor, acho que você não quer ver!
O deus cerrou os punhos, muito aborrecido, mas se conteve de dizer algo, deixando que o rapaz continuasse.
— Kýrios, antes de você chegar ali dentro de meu pesadelo, fui posto a prova. Eu tive que escolher entre o ovo de Li-Hua e seu filho, que não sei como foi parar ali, já que tínhamos o libertado lá da Ubume… mas voltando… alguém deles tinha que ser sacrificado para que eu pudesse obter essa prova que está em suas mãos agora. Então sim, de qualquer forma, eu matei seu filho. — disse.
— James… — os olhos do deus começaram a marejar, e sua respiração começou a ficar mais forte, parecia querer muito falar algo, mas estava se esforçando ao máximo para se manter calado para o outro continuar.
— Mais uma vez tive que pensar. E quando vi que o feto mais uma vez veio como assunto, logo me veio a mente “Mais uma chance que Psiquê deve ter colocado para eu decifrar e poder ser o mensageiro para aquele deus, avisar de algo que ela não teve coragem de dizer em seus olhos”. E quando encontramos aquela caixa com aquele dizer entalhado nela, foi aí que tive a certeza de que minha escolha não foi errada, mas também não era preciso. Se eu tinha escolha? Ah, sim, eu tinha! Eu poderia ir pelo caminho “Vou escolher o feto, eles podem ter ainda uma chance, tem que haver.” Mas logo algo muito estranho, um sentimento egoísta… algo dentro de mim… Essa coisa horrível… — James pegou em seu próprio peito, bem do lado esquerdo, bem em cima de seu coração — Esse desejo… me fez escolher a opção que seria o “unir o útil ao agradável”: fazer o que Psiquê queria dizer nas sutis mensagens, e eu, acatar aos meus desejos de me livrar dessa chance de vocês dois juntos! — pegou em sua cabeça, tentando se conter para não chorar e dissipar o nó em sua garganta — Por isso… Me perdoe, Kýrios… Eu estou tentando me redimir… Mas no fundo, sou esse humano horrível! Eu me odeio! Odeio quem eu sou! Odeio estar sentindo isso! Odeio tudo isso! Você tem culpa! Mas eu também! Eu não quero isso… não vou… aguentar… — disse, caindo em seus joelhos ali na areia.
O deus a sua frente tinha os dois olhos avermelhados, parecia a ponto de explodir, um choro engasgado que a todo custo estava sendo preso em sua garganta também. As juntas de seus dedos estavam brancas por segurarem a caixa com muita força ao seu lado.
— Se quiser se livrar de mim agora, esse é o momento! Acabe logo com isso… Eu não aguento mais! Eu… Todos os dias desde que saí de Tokio… Eu não consigo mais ficar em paz com isso que fiz! Eu tirei uma chance que tanto você buscava! Eu sou um filha da puta que destruiu suas chances com ela! Tudo por causa do que realmente sou! A porra de um afeminado que gosta de homens! E que por isso estou apai… — vociferou, soltando de uma vez o que estava preso em seu peito desde a sua adolescência, mas o deus interrompeu — Kýrios?! — arregalou os olhos de novo, sentindo o impacto que o outro corpo fez ao seu o envolvendo entre braços — Não…! Me largue! Eu não mereço isso! Eu não quero isso!
— Eu te perdoo, James. — disse o deus, lhe abraçando mais apertado.
— Isso não está certo! Nada disso está certo!
— É claro que não. Na verdade… — o deus se afastou um pouco para olhar em seus olhos — Sempre senti que alguma coisa começou a não ficar mais certo entre mim e ela desde bem antes disso tudo acontecer. E… agradeço por me fazer ver isso.
— Mas… seu filho, eu o matei…
— James, você mesmo disse que a alma daquele pequeno ser já não estava mais apto para vir ao mundo, que tinha que renascer, se reconstruir.
— Mas ainda tinha uma chance! A deusa da montanha poderia recuperá-lo! Mas eu arruinei isso por motivos egoístas!
— Eu também tenho culpa nisso como você disse, James. No fim das contas, você é um humano, tem sentimentos e necessidades. É claro que alguma hora iria sentir algo por mim.
— Não é isso o que está pensando! Eu só…
— Sim, sim… Se sentiu e sente atraído por mim. Ah, James, eu sempre soube. — disse, acariciando seu rosto, olhando para cada detalhes — Desde que nossos olhares se encontraram, eu sei. Mas isso é normal, eu sou um deus do amor, minha aura divina tem esse efeito. Seria estranho se não houvesse algo do tipo.
— Então está me dizendo que o que estou sentindo…
— Essa é o meu fardo. Você deve conhecer as histórias, sobre mim e Psiquê. Sobre a restrição no inicio de nossa relação que eu impus para ela não me ver. Não era somente porque eu era muito tímido, eu tinha medo, não queria que ela se apaixonasse por mim por causa de minha beleza divina ou esse encanto que tenho em minha áurea. Queria que ela gostasse de mim pelo que sou, pelo quem realmente sou como pessoa. Então não se culpe. Porque tudo isso é minha culpa. Eu te provoquei demais achando que era especial, que conseguiria resistir a essa minha divindade. Talvez… esse tenha sido o plano dela. Ela sabia disso, e por isso fez aparecer você. Para que minha divindade o afetasse, que você ficasse envolvido por mim e então fizesse o que fez.
A teoria final do deus fazia muito sentido, ainda mais quando se pensava em todas vezes que ela falava para lhe ficar ao lado do deus. Talvez fosse isso mesmo, Psiquê queria “envenená-lo” com a divindade do deus do amor, para assim cometer aquela escolha entre o ovo e o feto.
— Mas nós vamos trabalhar isso juntos, está bem? — continuou o deus — Vou ajudá-lo a se desintoxicar de mim. Afinal, você a muito já é meu amigo. E é meu dever cuidar de você, porque é isso que amigos fazem. Até porque… eu ainda tenho a promessa de te deixar o mais confortável. Prometo que assim que sairmos daqui e chegarmos a uma grande cidade, vou comprar tudo do bom e do melhor! Tudo que pedir, terá. — disse, lhe abraçando de novo.
Apesar de sentir em seu coração que não era nada disso, de que não era um encanto divino ou coisa do tipo, mesmo assim decidiu acreditar que era, pois se acreditasse nisso, ainda manteria sua sanidade e sua honra perante aquela deusa ao qual vive aparecendo em momentos inconvenientes.
Afinal, Kýrios e ela eram oficialmente marido e mulher, mesmo que ela tivesse dado todos os sinais de que não eram mais. James sabia que o deus ainda a amava, e não queria estragar isso, não como quase tinha feito ao escolher o ovo de fênix ao em vez da alma do feto.
— James… — começou outra vez o deus — Meu coração está partido com o que vi naquelas cenas da Prova, e quero saber sua visão disso tudo, não quero julgar e presupor antes do que você me falar… E sobre ela… Psiquê parece que já tinha deixado claro sobre sua decisão sobre nós dois. Creio que insistir nesse assunto sobre nosso filho, ou sobre nosso casamento, só iria machucá-la. Eu mais do que ninguém preciso respeitar a decisão dela, agora compreendo isso. Mas uma coisa eu tenho que exigir e não posso desistir de conquistar: uma explicação. — seu tom saiu mais determinado, mas também havia mágoa em suas palavras — Eu posso ter errado em algo, e vou trabalhar e lutar para saber que erro foi esse que a fez desistir de mim. Ela também errou em não me dizer o motivo. E oportunidades não lhe faltaram para fazê-lo. E isso, é um direito que ela não pode me negar. Principalmente… sobre aquele rapaz que estava com ela.— se afastou, e limpou as lágrimas do moreno — Você aceita ainda continuar me ajudando nisso? Ou melhor, me aceita ter ao seu lado, James Payne?
James lhe mirava fixo, aqueles olhos de todas as cores o deixava tonto de tão belos que eram. Seus lábios formigavam pela esperava de serem tocados pelos lábios daquele deus, mas sabia que não podia, tinha que livrar sua mente, seu corpo e seu coração daquele sentimento se quisesse manter sua honra em cumprir aquela missão para a deusa, afinal, de qualquer forma, ainda eram casados com todas bênçãos de seu domínio, não?
— Sim, aceito. — respondeu, e o deus sorriu muito feliz, abaixando seus olhos para uma região abaixo de seu nariz, e notou a auto advertência silenciosa do loiro quando desviou seu olhar dali.
**Fim do Arco 1 – Oriente sem Destinatário**
Publicado por:
- Brunna Lys Miran
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