Antes De Me Acusar, Me Beija

Ao acordar, levei alguns minutos para despertar de fato. Estava um pouco escuro então, eu não tinha certeza se estava amanhecendo ou anoitecendo. Só sei que sentia meu corpo muito pesado. Imagens da noite anterior apareceram como um ‘boom’ na minha cabeça, me fazendo ruborizar.

“Lian, seu louco… Como você foi cair no papo daquele vigário?!”

Olhei para o lado e notei que pela primeira vez eu vira o meu marido na cama após o ato.

“Ele dormiu aqui?!”

Não querendo estar presente quando ele acordasse por vergonha e ainda me sentindo sonolento, pensei em pôr uma roupa e ir cochilar na biblioteca. Até tentei escorregar para fora da cama sem acordá-lo, contudo, fui pego por trás pela cintura e aprisionado em braços fortes.

— Eu já disse, dessa cama você só sai quando eu mandar.

— Mas-

— Shhh… Não fui claro o suficiente? Durma.

A proximidade dos nossos corpos nus me fez ficar tenso. Nesse instante, Seville chegou mais perto do meu ouvido.

— Se estiver sem sono, podemos continuar de onde paramos… — Sussurrou enquanto subia a mão devagar em rumo ao meu peito.

Sua voz rouca me fez arrepiar e envergonhado, cobri o meu rosto rapidamente com o lençol.

— S-sono! Muito sono!

Sua fala me pegou totalmente desprevenido e levou um tempo até meu coração desacelerar, mas, o cansaço falou mais alto e eu mergulhei em um sono profundo.

Fui despertado por uma vontade imensa de ir ao banheiro. Mas, não ousei sair da cama sem permissão. Seville ainda dormia profundamente e conforme os minutos passavam, ficava mais insuportável aguentar.

— Sabe, fica difícil dormir com você se contorcendo desse jeito.

— D-desculpa, é que eu preciso…

Minha voz foi sumindo conforme eu tentava explicar. Não sei se por pura vergonha, ou a vontade de me aliviar que era gigantesca.

— Não entendi.

— B-banheiro… Eu preciso ir…

Seville sorriu maleficamente, levantando em seguida, comigo no colo igual uma princesa.

— O que?! Eu posso ir sozinho!

Foi impossível esconder a minha surpresa com aquelas atitudes todas.

— Ah, eu duvido um pouco. Me certifiquei de transformar suas pernas em gelatina na noite passada.

Rubor tomou conta do meu rosto, não pude mais manter contato visual, escondendo o rosto em minhas mãos.

— Relaxa, só vou te levar até a porta do banheiro.

— O-obrigado…

E ele tinha razão. Da porta do banheiro até o vaso, eu fui praticamente me arrastando e reprimindo gemidos.

“Só queria um buraco pra eu me enterrar…”

Quando retornei ao quarto cerca de 1 hora depois, já de banho tomado, havia muita comida na mesa do quarto. Tinha intenção de perguntar o que acontecera com a reunião que ele não pode comparecer por minha causa, mas meu marido se encontrava ausente. Após saciar minha fome voraz, chequei meu celular e arregalei os olhos.

“Já passa das 21h… do dia seguinte?!”

— Não acredito que perdi o dia inteirinho dormindo… — Suspirei melancolicamente.

Havia apenas quatro mensagens da Trin de algumas horas antes. Mesmo sabendo que não havia nenhuma mensagem dos meus pais, ainda sim, cliquei na conversa com eles. Meu pai havia mandado há quatro meses, quando eu disse que já tinha escolhido a faculdade que eu queria ir:

[Se certifique de manter boas notas.]

“Já fazem 55 dias que eu me casei e nenhum deles me mandou sequer um oi…”

O papai nunca havia sido do tipo falante. Teve uma vez na infância que fiquei até surpreso ao ouvir a sua voz. Em casa, o chefe sempre havia sido a minha mãe. Ela falava por todos. Eu realmente não esperava receber mensagens frequentes, pois ela só me contatava quando precisava de algo. Mas há diferença entre baixo contato e contato algum…

“Sinceramente, Lian…O que você estava esperando?!”

Para expulsar a tristeza, abri a conversa com a Trin.

— Que estranho… A Trin parou de me perturbar por não responder imediatamente… Será que ela tá namorando alguém e esqueceu de me falar? — Ri baixinho.

[Vi estes poemas e pensei em você ⸜(｡˃ ᵕ ˂ )⸝♡]

[ Olhos de ametista do mais profundo violeta

Guardei meu coração, em sua gaveta secreta

As rimas místicas deste poeta, desperta

A comunicação, com flores, enfeita

Poupe suas lágrimas, a quimera espreita

Confia na trindade, a fabella, será desfeita

[…]

(Selas M, clandestino, 2022)

Na lua minguante, eu te encontrei

Na lua nova, me apeguei

Na lua crescente, me ausentei

Na lua cheia, eu voltarei

[…]

(Muller T, fases do meu coração, 2021) ]

[Sei que prefere epopeias, mas, espero que goste. ]

[Até breve, Bai Lián (づ> . <)づ♡]

— Que inusitado!

Sempre preferi poemas que contassem histórias heroicas na íntegra, mas, sem dúvidas, receber aquilo tinha mexido comigo. Respondi imediatamente:

[Me admira ver você lendo poesia sem ser indicação minha kkk]

[Muito obrigado, eu gostei sim dos poemas. ]

[Inclusive, qualquer hora, irei pesquisar sobre os autores. Nunca tinha ouvido falar deles. ]

[Tem trabalhado em alguma escultura nova? ]

Coloquei o meu celular para carregar e fui ler sentado na sacada como de costume, já que tinha um espaço amplo e não havia plantas ou qualquer outra coisa para decorar o local. Seria um desperdício deixá-lo vago então, fiz dele o meu segundo lugar favorito naquela casa.

“A visão daqui é realmente ótima. ”

— …está lendo?

Quase caí devido ao susto.

— O-oi, não te vi entrar.

— Percebi…

— Desculpa Seville, o que você tinha dito antes?

Após uns dez segundos constrangedores de silêncio, me fitando, ele continuou.

— Dario.

— Hã?

Confusão estampou minha face naquele instante.

— Dario. Meu nome.

— Mas todos te chamam de Seville…

— Tsc… Seville é meu sobrenome. Não permito qualquer um me tratando com intimidade.

— …

Eu havia propositalmente tentado manter distância de todas as formas possíveis desde o primeiro dia do casamento, mas, me senti mal em descobrir um detalhe tão importante apenas após uma noite passional, tanto tempo depois da nossa união.

— Você nem fez questão de ao menos olhar o nosso registro de casamento ou saber sobre mim de alguma forma?

— Desculpa… Eu…

— Esquece. Tanto faz.

Me interrompeu com uma espécie de mágoa no olhar e se virou para ligar a TV.

— …

Assim que Dario ligou a TV no canal de notícias, meu coração errou uma batida.

[(…) prestigiado internato Boni Moris, teve seu futuro cessado de forma tão brusca nesta tarde enquanto voltava para casa. Testemunhas afirmam terem visto o assassino fugindo pelo rio (…)]

— Não… Não pode ser…

— Você conhece essa pessoa?

Na tela havia apenas a imagem parcialmente censurada de uma pessoa coberta por um lençol com marcas de sangue, sendo carregado por uma equipe médica enquanto a notícia rolava.

— T-Trin… É… Não… D-deve ter havido algum engano…

Eu mal conseguia formular uma frase inteira. Apenas torcia para que minha imaginação fértil estivesse apenas me sabotando novamente.

— Se acalma, vou-

Eu nem pude prestar atenção à rara preocupação do Seville quando uma segunda foto apareceu.

— Não! — Gritei desesperado.

Era a foto que a Trin tinha tirado para o anuário da escola. Não restava mais dúvidas. Minhas esperanças haviam sido estilhaçadas completamente, varrendo todas as minhas forças, me fazendo ser amparado por Dario.

— Por que justo você?

Lágrimas encharcaram meu pijama conforme eu me sentia cada vez mais tonto. Até que minha visão ficara turva e tudo à minha volta desaparecera.