A Noite Em Questão - VIV
ODON
Diga quem sou, preso neste solo úmido e oloroso deixo que as lágrimas do céu escorram pelas minhas costas, tocam o centro sagrado da minha cabeça, escorrem até a ponta das botas, com as minhas mãos pego a terra, com a pequena pá formo buracos no solo, dentro deles jogo as sementes, fecho-os, tudo se torna azul, a terra, o céu e eu. “Vamos para dentro Odon.” Diz Agha, baixo a minha cabeça. “Sim senhor.” Logo me vejo seguindo o beta até o portão do jardim, olho para o céu, azul escurecido, mesmo assim ele brilha, dentre seu brilho permeiam grandes nuvens escuras de formatos diversos, algumas formam redemoinhos outras ondas, é sinal de que seremos todos abençoados pela água da vida, é a última chuva da temporada, a chuva sagrada.
Lavo minhas mão com a água fria do balde, sinto a dormência da gelidez, respiro fundo olhando para o horizonte enquanto sinto o cheiro da grama, eles chegaram quando o sol brilhava, detetives, os vi pelos corredores e nas colinas, detetives, vieram da cidade, eram dois, Leroy, o americano de cabelos cor de mel, o outro, Solara, o italiano, foram chamados aqui por conta daqueles homens mortos, por causa disso nós todos evitamos transitar pela a área externa durante a noite, temos medo da fera, do animal que esta á solta.
“Parece pálido garoto.” Diz Rostam. “Entre para se aquecer, vamos jantar em alguns minutos” Eu me viro, olho para ele, tento esconder a minha expressão de nervosismo, sinto como se estivesse vivendo a pior sensação do mundo, é algo estranho, é como estar em um corredor extenso, há várias portas, você ouve os gritos de agonia, pessoas chorando, pedindo perdão, clamando por misericórdia, é medo, da forma mais descarada, é o tipo de medo que te faz ficar paralisado, você começa a sentir um cheiro metálico, as pernas param de funcionar e o coração começa a acelerar.
“Eu estou bem Agha.” Respondi, me aproximei com alguns passos e sequei a mão. “O que esta pensando?” Questionou ele, era algo sobre Rostam que eu não conseguia explicar, sabia exatamente como os outros se sentiam, desta forma era impossível mentir para aquele homem, não tive escolha a não ser responde-lo; “Me pergunto se nós estamos seguros.” Seu olhar caiu sobre mim, sabia que não tínhamos permissão para comentar sobre aqueles dois homens mortos, pensei que fosse me repreender, ao contrário, Rostam passou a mão na minha cabeça. “Nada de ruim vai acontecer com você Odon.” Disse ele. “Mas e se algo acontecer?” Questionei em meio a um suspiro cansado. “Eu tenho medo.” Admiti o óbvio. “Tenho tanto medo…” Rostam e eu entramos na ala dos funcionários, nos sentamos sobre a mesa, a grande mesa vazia, ele encheu nossos pratos com a comida do dia; Sopa de batatas com pedaços de frango, haviam ovos fritos e rodelas de tomate.
Foi durante a nossa refeição que resolvi tomar coragem, olhei bem no fundo de seus olhos; Velhos e cansados, ainda sim serenos, transparecia por meio destes tua persona frágil e pacífica. “Agha Rostam, do quê você tem medo?” Perguntei. “Por quê esta me fazendo essa pergunta?” Questionou ele sem tirar a atenção do seu prato. “Porque você não me parece ter medo.” Respondi, ele sorriu. “Eu tenho medo como qualquer um.” Respondeu. “Agha, o que teme?” Questionei-o. “Eu tenho medo de pessoas ruins.” Respondeu, fiquei calado. “Por que não onças ou tigres, até mesmo cobras?” Perguntei. “Jovem.” Ele falou. “Tigres, onças e cobras são inofensivos perante as pessoas ruins, uma cobra não morde a menos que se sinta pressionada a fazer isso.” Falava de modo estranho, simulava com as mãos, sorria como se estivesse me contando uma piada. “Pessoas ruins estão em todo lugar, elas são mais traiçoeiras do que uma cobra, mais brutas do que um tigre e mais rápidas do que uma onça.” Eu olhei para ele, larguei as talheres delicadamente sobre a mesa “Quem são as pessoas ruins Agha?” Questionei, sua expressão, percebo que por um momento até o mais sábio parece ter procurado em sua mente uma resposta.
Olhou para mim novamente; “Elas estão entre nós Odon, nós sabemos quem elas são, sabemos como agem, sabemos tudo sobre elas.” Eu fiquei confuso. “Se sabemos por que não as impedimos?” Questionei. “Elas são as donas do mundo.” Respondeu o velho. “Criaram esse sistema e o alimentaram desta maneira, e é por isso que são mais perigosas do que qualquer outro mal.” Disse.
Pela sua visão logo pude entender que diante destas pessoas uma cobra não era nada mais do que uma fina linha de barbante estendida sobre uma estrada de pedras.
Regressámos a Amber procurando o caminho em meio a escuridão, o céu outrora azul agora se cobrira com uma camada grossa e cinzenta, trovões fortes anunciavam a última tempestade, cada um deles fazia o meu coração tremer juntamente com a janela do veículo, sentado sobre banco traseiro, ao meu lado haviam dois sacos cheios de chá, o cheiro era forte, suas capas estavam molhadas pelas gotículas de chuva que ousavam escapar pelas freichas do vidro, se fechasse os olhos podia me imaginar nadando em um rio de chá inglês, sorri um pouco com essa fantasia, me animou em meio ao breu, eu havia saído do hotel junto ao meu inspetor para comprar sacos de chá que chegaram de encomenda pela fronteira do exterior, era a primeira vez que eu saía, lá fora tudo parecia ser diferente, não havia o cheiro forte de feromônios muito menos de álcool ou drogas, havia o vento, a medida que fomos nos aproximando da cidade pude sentir o cheiro dos bares e das mercearias de estrada.
Por fim voltávamos, retornamos pela estrada baixa, não havia muita movimentação por isso era seguro, por outro lado a estrada alta era rodeava de carros luxuosos e esportivos do tipo que poderiam causar graves acidentes a uma picape rural.
Abri a janela e apoiei meu braço, sinto o vento batendo contra meu rosto, a água toca meus cabelos, já não me importava mais, começara a ficar enjoado por conta do cheiro do chá, iria sufocar se continuasse preso ali, foi quando o carro parou, vi uma sombra andando pela estrada, pelo retrovisor olhei para Rostam, ele me devolveu o olhar vazio, se aprumou e destrancou a porta; “Me espere no carro.” Ordenou ele. “Sim senhor…” Mal havia terminado de responder e Rostam já caminhava para longe, alcançou a sombra com sete passos apressados, o homem que ia caminhado parou, ele se virou, pude ouvir a voz do beta, não pude entender o quê dizia apenas sabia que se tratava de sua voz, pareciam estar conversando, por um momento me inclinei sobre a janela, logo quando percebi que já retornavam tratei de me comportar e me ajeitar em meu assento, encostei a cabeça sobre a poltrona, tentei desviar o olhar, foi impossível, logo vi que o beta retornara com o caminhante, era um homem alto, alto de verdade, sua pele pálida brilhava em destaque mesmo que estivesse coberta com um paletó escuro, ele era bastante elegante, não foi preciso de muito para perceber que se tratava de um hóspede do hotel, mas o quê fazia na estrada? Sozinho?
Quando o beta abriu a porta e entrou tentei fingir naturalidade, porém quando a porta da direita se abriu eu percebi que aquele não era um hóspede comum; “Odon este é o senhor Lewandowsky.” Disse Agha Rostam “Boa noite senhor.” Cumprimentei-o me limitando em estender a mão, mesmo que eu não estivesse muito perto logo senti sua mão pálida e gélida, me arrepiei, o homem por si abriu um grande sorriso. “Me chame de Alexander.” Disse ele, olhei bem para o sujeito, já não era segredo, aquela pele pálida, aqueles cabelos brancos, aqueles olhos amarelados, era um vampiro.
O senhor Lewandowsky foi um dos sujeitos mais curiosos que já tive o prazer de conhecer, sorria feito um bobo de minuto em minuto, sua aparência mórbida deixava a desejar, por baixo daquela pele se escondia um poço de simpatia; “O senhor se perdeu?” Questionei-o. “Senhor não.” Corrigiu ele. “Alexander.” Eu sorri em concordância. “Eu perdi algo.” Disse ele. “Pensei em procurar pela estrada mas começou a chover.” Relatou. “Onde estacionou o seu carro?” Questionei, neste momento o vampiro sorriu sem jeito. “Não saí com o carro, eu vim a pé.”
A curiosidade dentro de mim era mais forte, mesmo assim precisava ser educado; “Como disse que se chamava mesmo rapaz?” Questionou ele. “Eu me chamo Odon.” Respondi, ele trocou alguns olhares com Rostam, sorriam entre eles, era óbvio que já se conheciam, por faltar ainda duas horas para chegarmos, acabei deitando a cabeça sobre o saco de chá, vi que os dois conversavam e aos poucos fui apagando até não ouvir mais as suas vozes, sem que me desse conta adormeci.
___
Aqui é frio, o ar gélido faz minha pele estremecer, sinto o arrepio subindo pela minha espinha até chegar ao meu pescoço, estou deitado sobre a terra, perante o rosário, não há chuva, não há vento, não há nuvens, não há sol, há apenas o azul intenso do céu, eu estou sozinho, não há nada além de mim nesta colina, das profundezas clamo a ti senhor, ouço o sussurrar, olho para o horizonte tentando me sentar sobre o solo, olho para todos os lados, são colinas que não tem fim, todas são perfeitas, bem podadas e areadas, há algo de errado, há algo de muito errado com este lugar, é quando sinto algo passando pela minha perna e subindo aos poucos pelo meu pescoço, me sufocando, a voz é sútil e distante e ela chama por mim; Eu te vejo.
___
Chegamos ao Amber sob a fúria dos céus, paramos próximos a ala dos empregados, Rostam estacionou perto da cerca, ao abrir a porta pude sentir uma forte rajada de vento batendo contra o meu corpo, me assustei, chovia muito e ventava como nunca, olhando para o céu eu podia ver claramente os trovões que causavam fortes clarões, via as nuvens pesadas e os raios que se espalhavam por elas, abaixei a cabeça a mando do beta, nós, Rostam, o vampiro e eu, corremos até a cabana dos inspetores, quando a porta se fechou pude ouvir melhor os estrondos da tempestade; “Minha nossa!” Exclamou Agha. “Nunca vi um tempestade como esta!” Exclamou, mesmo não sendo tão experiente como ele eu tinha que concordar, aquela tempestade era mais do quê simplesmente assustadora.
Bebemos chá quente e comemos os restos do jantar, eram oito horas e a chuva permanecia firme, para voltar ao dormitório eu precisava esperar que tudo se acalmasse, era perigoso demais, não fazíamos ideia dos perigos que se escondiam em uma noite escura como aquela.
___
Penso naquele sonho aterrorizante desde o dia da tempestade, agora tudo parece ter mudado, pois hoje abri os meus olhos, olhei para a tela do meu celular, eram quatro horas da manhã e isso significava que eu já tinha dezoito anos.
Publicado por:

- Ambroise Houd
-
𝙉𝙊𝙑𝙀𝙇 𝙋𝙇𝘼𝙔𝙇𝙄𝙎𝙏
• Closer from close theme.
• The middle of the world from moonlight theme.
• Mindnight muse.
• Funeral Canticle from the tree of life theme.
minhas outras postagens:
COMENTÁRIOS
Sua Comunidade de Novels BL/GL Aberta para Autores e Tradutores!
AVISO: Novos cadastrados para leitores temporariamente fechados. Se vc for autor ou tradutor, clique aqui, que faremos seu cadastro manualmente.