4i - Capítulo 04
Minha rotina da semana, apesar de cansativa, considero bem prazerosa.
Pelas manhãs faço aulas de dança, não gosto de musculação e não me dou bem com esportes, achei na dança uma possibilidade de me tirar do sedentarismo, mas assim como a fotografia, gosto de praticá-la, mas sem tanta dedicação.
Voltei a fazer aulas um tempo depois de ter conhecido o Igor, mas já estava a muito tempo longe de uma sala de dança, a não ser o período em que assistia os ensaios para produzir os figurinos. Já estava no terceiro ou quarto trabalho com a companhia que o Igor integra, boa parte do elenco já havia mudado e resolveram encher a cabeça dele para me convencer a fazer as aulas de aquecimento e alongamento com a Cia. Sempre arrumava uma desculpa, até que o coreógrafo me chamou para participar do processo criativo do espetáculo que eu faria os figurinos, ele acreditava que colaboraria na minha produção. Até hoje não sei se essa ideia partiu do coreógrafo mesmo ou do elenco. Mas, não tive como escapar, acabei virando membro “temporário” da Cia. Participava de todas as atividades até o período em que eles começaram a ensaiar para o espetáculo que estava, praticamente, concluído. Voltei a fazer aulas depois disso, apesar dos convites para me apresentar nos espetáculos de encerramento do ano da escola de dança que frequento, prefiro apenas praticar dança como forma de atividade física.
Alguns dias faço três aulas, outros duas. Dependendo da programação da escola de dança, de acordo com o que tenho interesse.
Após as aulas, volto para casa e vejo as demandas acadêmicas e profissionais que tenho e vou eliminando de acordo com a necessidade ou urgência.
A tarde participo de um projeto da faculdade, uma espécie de empresa júnior da área da Moda. Recebemos diversos trabalhos internos e externos à comunidade acadêmica. Os cargos de maior responsabilidade são sempre dos alunos dos últimos períodos, os dos períodos iniciais, assim como eu, ou estão com tarefas administrativas ou na confecção.
Uma professora que me convidou para o projeto, ela viu que tinha facilidade em confeccionar as peças em suas aulas e me chamou para essa função. Antes era um serviço terceirizado, a equipe responsável pela concepção contratava algum ateliê para executar as peças, atualmente permanece sendo um custo para o projeto, mas eu que recebo pelo serviço, além de ter conseguido uma bolsa na faculdade. Consigo me sustentar sem esse projeto, mas a grana é sempre bem-vinda, principalmente em períodos de baixa procura no pelo meu trabalho, seja de costura ou maquiagem. De lá já fico para as aulas da noite.
Consigo organizar minha agenda com certa tranquilidade, mesmo no projeto tenho plena autonomia de montar meu cronograma de trabalho, desde que entregue as peças nos prazos estabelecidos. E isso é o que mais me agrada na minha rotina, o fato de não ser fixa, apesar de ser repetitiva.
A semana passou correndo, mal percebi e já era quinta-feira e estava saindo da minha última aula. Conforme Isaac havia comentado, ninguém apareceu no meu apartamento, nem Mara. Por um lado, fiquei aliviado, não teria como dar atenção para eles ou para ela, minhas provas se aproximavam e os prazos para entrega dos últimos trabalhos do semestre também. Por outro, fiquei muito preocupado com o que estavam tramando para o final de semana.
Cheguei em casa já pensando em ir para a cama, acordar cedo no dia seguinte para adiantar a faxina e preparar o material para o ensaio fotográfico, mas assim que terminei o banho, decidi sair um pouco. Estava com vontade de tomar uma cerveja.
Nos dias que tenho vontade de me desligar completamente do que me cerca, deixo o celular em casa para não correr o risco de cair em tentação, seja nas mensagens, telefonema, redes sociais, e quando perceber, estar imerso novamente em tudo que desejava uma pausa, mesmo que momentânea.
Fui ao “Mesmo de Sempre”, um bar nem tão longe do meu apartamento. A primeira vez que vi o letreiro não imaginava que iria ouvir tanto essa frase dentro do bar. Para a maioria dos clientes, os funcionários fazem essa pergunta e eles realmente sabem qual é o “mesmo de sempre” de cada cliente. Achei fantástico, apesar de não ir com tanta frequência, sempre que posso, apareço por lá.
A mesa de sempre, a bebida de sempre, os funcionários de sempre e o principal, a simpatia de sempre. O dono faz questão que os funcionários conversem com os clientes, até os que trabalham atrás do balcão aparecem no salão quando o movimento está mais fraco. Sempre vou para lá sozinho, então já conhecia todos do “Mesmo de Sempre”.
Até algo completamente inesperado acontecer. Estava conversando com o dono do bar, que viu que eu estava sozinho e foi lá bater papo, como já fazemos a anos, até que alguém puxa uma cadeira e se senta à nossa frente.
Sr. Antônio: “Boa noite senhor, seja bem-vindo. Acredito que seja a primeira vez que venha aqui.”
Isaac: “Boa noite, sim é a primeira vez, espero que a primeira de muitas.”
Sr. Antônio: “Também espero!”
Ainda não estava acreditando que Isaac estava sentado na minha frente no “Mesmo de Sempre” conversando com o dono do bar.
Sr. Antônio: “Vou buscar um copo para o senhor.”
Isaac: “Obrigado.”
Logo um garçom trouxe o copo, perguntou se queríamos mais alguma coisa e saiu em seguida.
“Como você me achou aqui?”
Isaac: “Por quê? Era segredo? Veio encontrar alguém?”
“Se fosse isso você já teria atrapalhado.”
Isaac: “Tem meia hora que tô lá fora esperando, sei que o ‘senhor pontualidade’ não esperaria esse tempo todo por alguém.”
“Sério que você ficou me stalkeando?”
Isaac: “Só queria ter certeza que não atrapalharia um encontro seu.”
“Ainda não disse como me encontrou.”
Isaac: “Mara passou aqui em frente, te viu sozinho e ficou toda empolgada achando que, palavras delas: ‘iria fazer pegação’. Eu liguei pra saber como estava indo o seu encontro, seu celular desligado, achei que estava acontecendo algo e vim aqui ver.”
“E ficou meia hora lá fora esperando?”
Isaac: “Sim, aí eu vi que não deu em nada e resolvi entrar…Por que nunca chamou a gente pra vir aqui?”
“Falando nisso, fiquei tão chocado com a sua chegada que nem te apresentei para o Sr. Antônio.”
Acenei para um garçom e pedi que o chamasse. Ele veio rapidamente.
“Sr. Antônio, me desculpe, acabei nem apresentando, esse é meu amigo Isaac… O Sr. Antônio é o dono do bar.”
Sr. Antônio: “Já estava na hora de trazer um amigo aqui, faz anos que vem aqui e está sempre sozinho.”
Isaac: “Satisfação Sr. Antônio.”
Sr. Antônio: “Não precisa me chamar de senhor, já desisti de repetir isso pro Iago.”
Acabei me arrependendo de tê-lo chamado na terceira frase que ele disse:
Sr. Antônio: “Se não me falha a memória, da última vez que esteve aqui acompanhado, tomou uma grade de cerveja, vai fazer essa façanha novamente?”
“Faz muitos anos isso, na época eu tinha essa disposição.”
Isaac: “Quer dizer então que você e sua companhia tomaram uma grade de cerveja aqui?”
“Na verdade, fui só eu, ele não bebia.”
Sr. Antônio: “O record da casa ainda é seu, não tivemos ninguém que tenha consumido essa quantidade de bebida sozinho.”
Isaac: “Bebeu uma grade de cerveja sozinho estando acompanhado?”
Sr. Antônio: “Acho que tô sentindo cheiro de ciúmes no seu amigo, Iago.”
“Ele deve estar querendo me pagar uma grade de cerveja também Sr. Antônio.”
Isaac: “E ainda não pagou pela cerveja?”
“Já tem anos que não bebo mais que três cervejas em uma noite, acho que não vou quebrar meu record hoje.”
Sr. Antônio: “Falando nisso, vai querer a porção de sempre?”
“Por favor.”
Sr. Antônio: “Vou providenciar pra você, fiquem à vontade. Qualquer coisa, é só me chamar.”
Desde a primeira vez que fui ao “Mesmo de Sempre” já me afeiçoei com o sr. Antônio, mas hoje, justo às vésperas do final de semana que um grupo inteiro iria me infernizar com a bendita Missão, ele tinha que desenterrar algo de 5 anos atrás, justo na presença do Isaac.
Isaac: “Conte-me mais sobre essa história da grade de cerveja.”
“História antiga, vamos falar de algo mais recente, como foi sua viagem?
Isaac: “A Júlia terminou comigo na segunda noite.”
“Oi?”
Isaac: “Mas voltamos.”
“Como isso aconteceu?”
Isaac: “Chegamos ao hotel e estava tudo muito bom, o local agradável, a comida maravilhosa, as praias não estavam lotadas, o valor do local não era uma facada, o humor dela estava radiante, mas não durou 24 horas.”
“O que você aprontou?”
Isaac: “Nada, por incrível que pareça. Íamos a um barzinho à noite, que um funcionário do hotel nos indicou e ela já estava meio estranha antes de começarmos a nos arrumar. Antes de sair ela disse que precisava conversar comigo e disse que era melhor terminarmos.”
“Entendi nada!”
Isaac: “Eu menos. Resumindo a conversa que levou horas: ela disse que quando me conheceu eu tinha um brilho nos olhos que chamou a atenção dela, e que ultimamente não estava assim. Ela até achou que tinha sido impressão dela, mas quando nos encontramos eu estava com esse brilho novamente, que não durou nem um dia inteiro com ela. E ela estava achando que o problema era com ela então.”
“Será que isso não aconteceu pelos questionamentos que vem fazendo sobre seus sentimentos por ela? Pensando demais sobre isso pode ter dado essa impressão para ela.”
Isaac: “Não consigo perceber essa diferença que ela me disse, mas prometi dar mais atenção a isso e pedi pra ela me dar outra chance e fizemos as pazes.”
“Melhor!”
Isaac: “Justo agora que estamos colocando em prática nossa Missão, não poderia acontecer isso comigo.”
“E volta o assunto da bendita Missão.”
Isaac: “Certo, não vamos falar isso hoje, já vai ser o assunto do sábado inteiro.”
Ficamos pouco mais de uma hora no “Mesmo de Sempre”. Me ocupei ao máximo para evitar dois assuntos, a bendita Missão e minha última visita acompanhado àquele lugar. Apesar de ter obtido sucesso naquela noite, já me preparava para os questionamentos aparecerem em breve.
Fomos para o meu apartamento depois, desta vez, Isaac tinha ido de carro. O equipamento fotográfico estava no banco de trás e também tinha uma mochila cheia. Ajudei a carregar tudo escada acima.
Fui tomar banho assim que cheguei e ele logo depois. Já estava deitado na cama quando ele entrou só de toalha e se encaminhou para sua gaveta na minha cômoda…. Respirei fundo três vezes… Até vê-lo tirar uma samba-canção da gaveta:
“Desde quando você tem samba-canção?”
Isaac: “Desde que roubei as suas que usei no final de semana passado.”
“Poderia ter pedido ou avisado.”
Isaac: “Não percebeu que elas não estavam no cesto de roupas?”
“Só lavo roupa nas sextas-feiras.”
Isaac: “Levei pra lavar e irão morar na minha gaveta a partir de agora.”
“Vai adiantar eu dizer que não?”
Isaac: “Não.”
“Imaginei.”
Foi uma madrugada normal: dois chutes, três cotoveladas e uma joelhada. Pelo menos ele não ronca. Até que dormi bem, já tive dias de levantar com hematomas no corpo.
Quando acordei, fiquei um pouco na cama olhando o celular até terminar de despertar. Isaac ainda dormia profundamente, não consegui resistir, tirei mais uma foto dele dormindo. Imediatamente enviei para o meu e-mail e apaguei do celular.
Minha mente ainda não se decidiu se deveria ou não fazer isso. Tenho várias fotos dele dormindo, mas não é sempre que tenho essa vontade, às vezes acordo e olho para a cena ao meu lado e tenho desejo de registrá-la. Logo depois, a consciência pesa. Apesar de ter todas as fotos salvas no meu e-mail, nunca abri os arquivos e nem entendo direito o motivo de ainda mantê-los lá.”
Isaac: “Bom dia.”
“Te acordei?”
Isaac: “Não.”
“Vou preparar algo para tomarmos café da manhã.”
Isaac: “Nem pensar!”
“Oi?”
Isaac: “Hoje o senhor está por conta do ensaio fotográfico, serei seu empregado doméstico por um dia.”
“Me acostumaria com isso todas as sextas-feiras.”
Isaac: “Já está querendo demais.”
“Não custa sonhar.”
Isaac: “Você se acostumaria mesmo, comigo aqui na sua casa todas as sextas?”
“Claro, sempre sinto falta de vocês, principalmente, quando demoram mais de uma semana para me visitar.”
Isaac: “E todos os dias, se acostumaria com a minha presença?”
“Acho que você não se acostumaria com a minha presença todos os dias.”
Enquanto terminava os últimos ajustes na roupa do Isaac, ele cuidava de todo serviço doméstico ao som da playlist “músicas de faxina” dele. Finalizando a roupa, comecei a montar o set de iluminação, tive que afastar alguns móveis da sala para ter mais espaço, consegui terminar pouco antes do almoço.
Isaac: “Tô doido pra ver minha roupa.”
“Depois do almoço começaremos a hora que você quiser.”
Isaac: “Mas a roupa é como?”
“Vai saber quando for fotografar.”
Isaac: “Nunca fiquei tão nervoso com um ensaio fotográfico assim.”
“É que você sempre esteve do lado oposto da câmera.”
Isaac: “Você já foi fotografado?”
“Em ensaio assim nunca.”
Isaac: “Já vamos marcar isso.”
“Em ensaio assim, nunca!”
Isaac: “Eu vou fazer, por que você não iria?”
“Você só estará de modelo hoje, porque foi obrigado.”
Isaac: “Isso é certo.”
“Mudando de assunto… Essa massa está maravilhosa.”
Após o almoço ficamos um tempo jogados no sofá, comi mais que o costume, bateu aquela preguiça após a barriga estar cheia. Mas, logo começamos as fotos, como o Isaac tinha compromisso à noite, não queria atrapalhar.
Antes de começarmos o ensaio, deixei claro que ele estaria ali como modelo, não como fotógrafo, então, era para pegar leve comigo, já que estava me aventurando em uma área que ele tem conhecimento amplo.
Não foram tantas fotos, apenas um set de iluminação, apenas uma roupa, terminamos rápido e ao final das fotos, ele não se conteve.
Isaac: “Só tinha visto fotos suas espontâneas, não sabia que era tão bom em direção de modelos.”
“Tive que aprender, foto de moda é algo que tenho feito ultimamente.”
Isaac: “No início estava bem nervoso, mas passou rápido. Deveria investir mais nessa área, você tem potencial.”
“Você está acostumado com ensaios fotográficos, lógico que ficaria à vontade rápido, mesmo sendo fotografado.”
Isaac: “Irving Penn é sua referência?”
“Sim, gosto muito do trabalho dele em preto e branco.”
Isaac: “Vai fazer foto de moda em preto e branco?”
“Sebastião Salgado disse que retirar as cores colabora para reduzir as distrações e focar no assunto, gosto de pensar dessa forma, mesmo para moda.”
Isaac: “Se bem que essa roupa é toda branca, não vai fazer diferença.”
“Essa coleção não tem cor, só preto, branco e cinza.”
Isaac: “Tipo o seu guarda-roupa!”
“Exato.”
Isaac: “Mas você não acha que essa roupa ficou meio apertada?”
“Apertada ou justa?”
Isaac: “Qual a diferença?”
“Apertada incomoda.”
Isaac: “Então ficou justa.”
“Então ficou como eu queria.”
Isaac: “Estou me sentindo um noivo assim de calça e blazer branco.”
“A coleção foi inspirada no dandismo com uma pegada contemporânea, não poderia faltar um terno completo, e acho a cor branca a mais elegante.”
Isaac: “Dandismo?”
“Em resumo, o primeiro movimento de moda protagonizado por homens, que alguns consideram uma filosofia de vida, por ir além da estética.”
Isaac: “Interessante, vou dar uma pesquisada sobre o assunto.”
“Desde que fiz um trabalho sobre os Dandys, acabo encaixando em algo que produzo.”
Isaac: “Podemos fazer minhas fotos agora? Ainda temos um tempo considerável até a hora que preciso ir trabalhar.”
“A gente pode usar o set que já está montado para fazer seus retratos.”
Isaac: “Desisti de querer um retrato.”
“Que bom então, posso guardar o equipamento.”
Isaac: “Eu disse que desisti do retrato, quero outro tipo de ensaio.”
“Qual tipo então?”
Isaac: “Quero um ensaio sensual.”
“Oi?”
Isaac: “A agência que trabalho pretende aderir a esse nicho da fotografia, como nunca fiz, gostaria de ter noção de como é.”
“Mas eu também nunca fiz esse tipo de fotografia. Não é mais fácil você acompanhar algum fotógrafo da sua agência, como assistente, em um ensaio desses?”
Isaac: “Percebi que você tem uma facilidade imensa em deixar o modelo à vontade, como seus retratos são muito bons, imagino que não tenha dificuldade em fazer essas fotos. Fora que somos amigos, vou ficar mais tranquilo em ser clicado por você.”
“Adianta eu falar que não?”
Isaac: “Não.”
“Imaginei.”
Isaac: “Vou tirar essa roupa então.”
“Preciso te fazer uma pergunta antes de começarmos o ensaio. As fotos para o meu catálogo eu sabia exatamente o que e como queria, preciso saber como você quer as suas fotos.”
Isaac: “Pode perguntar.”
“Essa era a pergunta, como você quer as suas fotos?”
Isaac: “Gostaria de um ensaio sensual, sem apelo sexual e que retratasse o Isaac.”
“Não vejo o Isaac em um ensaio sensual.”
Isaac: “Então me mostra como seria um ensaio sensual do Isaac que você conhece.”
“O mais perto de sensual que conheço do Isaac é usando uma samba-canção desfilando pelo meu apartamento.”
Isaac: “Então já temos a roupa e a locação, vou lá escolher uma samba-canção sua.”
“Das três que você já pegou, nem é tão difícil assim para escolher.”
Isaac: “As que peguei eram cinza, preta e xadrez, de cinza e preto. Vou pegar uma branca, você disse que acha essa cor elegante.”
Não seria a primeira vez a ver o Isaac só de samba-canção no meu apartamento, mas seria a primeira vez que faria um ensaio sensual, primeira vez que precisava pensar no Isaac para retratá-lo de forma sexy. E, lembrando das aulas de fotografia, em que um dos meus professores disse que, em alguns ensaios, o fotógrafo exerce uma relação de domínio com a pessoa que vai fotografar. Minha mente não estava lidando bem com essa possibilidade de relação, mesmo se tratando de fotografia.
Precisei respirar fundo algumas vezes, principalmente depois que ele voltou do meu quarto com uma samba-canção de algodão branca. Que por sinal, era a minha preferida, mas tomou outra forma no corpo dele. Não seria nada difícil produzir uma foto sensual, era só apertar o botão da câmera.
Tive que exercitar minha concentração a todo instante, pensar como fotógrafo, respeitar o fotografado, produzir boas fotos e não deixar meu pensamento divagar.
Sofá, cozinha, cama, cortina, tapete, exploramos várias possibilidades ali no meu apartamento. Sempre que me pegava pensando “Um dos homens mais bonitos que conheço está posando só de samba-canção branca para mim”, respirava fundo e afastava isso da minha cabeça.
Não sabia ao certo quantas fotos ele queria, mas tínhamos um horário para o término do ensaio e, para minha sorte, havia chegado.
Isaac: “Deixa eu ver as fotos?”
“Você mostra as fotos para os seus clientes quando acaba o ensaio?”
Isaac: “Não sou seu cliente, sou seu amigo.”
“Mas é meu amigo fotógrafo, só vai ver as fotos depois da edição.”
Isaac: “Quando voltar hoje à noite, então?”
“Você termina a edição das fotos dos seus clientes no mesmo dia do ensaio?”
Isaac: “Já falei que não sou seu cliente. E é o mínimo que você pode fazer pra não me matar de curiosidade.”
“Vou tentar.”
Ainda tinha algumas coisas na casa a fazer, mas preferi resolver isso no domingo, após as visitas. Assim que o Isaac saiu, fui para o computador, descarregar as fotos e fazer uma pré edição do ensaio do meu trabalho da faculdade. Deixaria o restante com Isaac.
Não foi difícil, o foco foi total na roupa. Pensava no ensaio como quem a criou e o que queria mostrar nas fotos. Também tentava me colocar como consumidor e o que queria ver, praticamente ignorei o modelo.
Já o segundo ensaio foi complicado, como não tenho prática nesse tipo de foto acabei fazendo muito mais imagens que o necessário, por isso, mais trabalho na edição.
Depois de três cervejas consegui escolher as dez fotos que mais se encaixavam no que ele havia me pedido “um ensaio sensual do Isaac que conheço”. Não cheguei nem perto do que imaginei que seria, mas gostei do resultado. Apesar de não ser minha área, consegui colocar meu estilo fotográfico naquele ensaio.
Fiz um tratamento bem básico nas fotos enquanto tomava outra cerveja. Só então percebi que estava me embriagando para tentar afastar o pensamento lógico. Não queria assumir que, por mais que me esforçasse e me colocasse na posição de amigo ou, nesta situação, de fotógrafo, estava convivendo com um dos homens mais bonitos que conheço e, atualmente, o homem que mais desperta minha vontade de estar em sua companhia.
A essa hora, uma coisa era certa, a cerveja não estava ajudando. Quando percebi que já passava de meia-noite e não demoraria muito para o Isaac retornar, precisava me recompor.
Já havia deixado uma pasta com as fotos para o Isaac terminar de editar e tratar para o catálogo, e as fotos do ensaio dele quase finalizadas, que sabia ser a primeira coisa que perguntaria quando chegasse.
Até meu telefone vibrar e tirar esse assunto da minha cabeça, era o Iuri.
Iuri: “Hei gata, tudo bem?”
“Sim sim, e contigo?”
Iuri: “To morta, só liguei pra informar que chego as 10h amanhã. Esteja pronta e plena pra me receber.”
“Pode deixar. O Wallace vem contigo?”
Iuri: “Meu bebê só chegará à tarde. Vou mais cedo pra ajudar os meninos.”
“Igor vem nesse horário também.”
Iuri: “A bicha já deve tá dormindo pra conseguir chegar aí nesse horário.”
“Também já vou para a cama.”
Iuri: “Descansa a pele gata, beijinhos.”
“Tchau.”
Surgiu um grande arrependimento de não ter dado uma cópia das chaves do meu apartamento para o Isaac, precisava esperá-lo chegar. Assim que saí do banho, meu interfone tocou. Mais alguns minutos e ele estava à minha porta.
“Te deram uma canseira hoje no trabalho hein?!”
Isaac: “Aniversário de criança.”
“Que bom que sobreviveu.”
Isaac: “Não tenho energia suficiente pra acompanhar as crianças em dia de festa. E ainda aturar mãe, pai, avó e avô materno, avó e avô paterno, tios, tias, madrinhas tudo me falando a hora de fotografar, como fotografar, onde fotografar.”
“Admiro quem tem essa disposição.”
Isaac: “Ainda me pediram duas horas adicionais, nem tinha como recusar. Desculpe a demora.”
“Sem problemas. Iuri me ligou agora pouco…”
Isaac: “Se importa seu eu já for tomando banho enquanto a gente conversa.”
“Posso esperar você terminar.”
Isaac: “Vou deixar a porta aberta, pode ir falando.”
Ele não demorou muito no banho, fiquei da cozinha conversando com ele que hora reclamava do evento que havia trabalhado, hora se empolgava em juntar todos no meu apartamento.
Fomos para a cama.
Isaac: “Já te fiz me esperar até tarde, nem vou te atrapalhar mais dormir.”
“Sem problemas, estou acostumado a dormir tarde.”
Isaac: “Boa noite.”
“Boa noite.”
[…]