4i - Capítulo 05





Abri os olhos com a certeza de que não havia dormido o suficiente.
Já tinha amanhecido, mas ainda nem podia considerar que havia acordado. Queria confirmar se a casa estava em condições de receber visitas. Precisava de um banho e café para terminar de despertar, só quando fui levantar percebi que algo me impedia, o braço de Isaac estava em cima do meu peito.
Isaac: “Bom dia.”
“Te acordei?”
Isaac: “Estava acordado, tentando voltar a dormir.”
“Estava com medo que eu fugisse, por isso dormiu me prendendo?”
Ele estava deitado ao meu lado, de barriga para baixo, somente com o braço direito em cima de mim. O punho apoiado no colchão, do outro lado do meu corpo. Era comum ele esbarrar em mim enquanto dormia, provavelmente isso aconteceu nessa noite, pela quantidade de cerveja que bebi não devo ter sentido. Mas era certo que ele não havia jogado o braço sobre mim.
Isaac: “Coloquei agora enquanto olhava você dormindo, não queria que levantasse antes de mim.”
“Por quê?”
Isaac: “Com certeza iria querer organizar algo pra receber a galera que vem hoje, já avisei que esse trabalho é nosso.”
“Você está visivelmente cansado, vou lá só dar uma olhada se tem algo que precisa ser feito enquanto você dorme mais um pouco.”
Isaac: “Não! Se você levantar eu levanto também.”
“Para de besteira.”
Isaac: “Não tem como me convencer do contrário, só fico na cama se você ficar quietinho aí também.”
“Pode dormir então, eu fico aqui mais um pouco. Mas não precisa ficar me segurando.”
Isaac: “Eu sei que você vai esperar eu dormir pra sair da cama, então, meu braço fica onde está.”
Algo que me desconcentra completamente é o contato físico. Em poucos casos fico completamente confortável, na maioria das vezes o desconforto é inexplicável, mesmo se seja apenas um aperto de mãos. No caso do Isaac eu evito ao máximo, não por me causar desconforto, pelo completo oposto.
Também estava com sono, apesar da vontade de adiantar o que pudesse, resolvi parar de discutir e deixá-lo dormir. Achei que quando entrasse em sono profundo conseguiria tirar o braço dele e sair, acabei adormecendo também.
Não sei quanto tempo passou, começava a acordar novamente. Ainda de olhos fechados senti que algo estava diferente de quando conversei com Isaac antes de adormecer.
Por mais que não me sinta confortável em ficar sem camiseta, mesmo entre amigos e conhecidos, tenho uma dificuldade muito grande em dormir de camiseta. Quando faço isso, normalmente na casa de outras pessoas que ainda não tenha intimidade, não durmo direito. Com os meninos eu fico tranquilo em dormir assim, mesmo com eles na minha cama.
Acontece que eu não estava mais coberto, Isaac colocou a mão diretamente sobre meu peito.
Isaac: “Tá acordado?”
O rosto dele estava virado para o outro lado, ele não tinha visto que já havia aberto os olhos.
“Sim.”
Isaac: “Pesadelo?”
“Oi?”
Isaac: “Estava tendo um pesadelo? Seu coração acelerou, parece que sua respiração também. Aconteceu algo?”
“Não, não. Nada de mais. Descansado?”
Isaac: “Sim, me sinto renovado!”
“Vai me deixar levantar agora.”
Isaac: “Agora sim! Vou arrumar a cama enquanto você toma banho. E fazer café pra gente.”
Banhos são algo quase sagrado na minha rotina, dois são obrigatórios, antes de dormir e após levantar, nem me considero acordado antes do banho. E normalmente, antes de sair de casa também tomo outro.
Abro a porta do banheiro e o cheiro do café me recebe, os olhos brilharam. Isaac veio do quarto logo em seguida, já estava quase me acostumando com ele desfilando de samba-canção pelo apartamento.
“Já viu suas fotos?”
Isaac: “Vou deixar pra olhar amanhã, se importa?”
“Sem problemas, só achei que estava ansioso para vê-las.”
Isaac: “E estou, mas quero olhar com calma e hoje o dia será corrido.”
“O que programaram para hoje?”
Isaac: “Nada de especial. Almoçaremos os quatro e o restante do pessoal chega à tarde, só jogar conversa fora mesmo.”
“Tenho a impressão que estão me escondendo algo.”
Isaac: “Dessa vez não… Vou tomar banho.”
Quanto mais pensava, mais me arrependia daquilo tudo. Preferi não pensar mais sobre isso.
Isaac saiu enrolado na toalha, foi se arrumar no quarto. Permaneci na cozinha, já na terceira caneca de café.
Isaac: “Vou encontrar com o Igor no supermercado, pra ele me ajudar a trazer as coisas.”
“Vai precisar de tanta coisa assim?”
Isaac: “É que vou a pé, pra não perder a vaga em que estacionei em frente do seu prédio.”
“Vai com meu carro, fica até melhor para trazer as coisas.”
Isaac: “Até esqueço que você tem carro, quase nunca sai com ele. Quanto tempo ele tá parado?”
“Essa semana tive que levar umas coisas para a faculdade, fui de carro. Apesar de preferir ir caminhando.”
Isaac: “Certo, vou no seu carro então.”
Depois que Isaac saiu não demorou muito para o Iuri chegar:
Iuri: “Gata, que saudades que eu tava da senhora!”
“Também estava com saudade.”
Iuri: “Culpa da Isaac, ela tá deixando a gente doida com essa história de arrumar um boy pra senhora.”
“Estou achando um exagero de vocês, mas acho que falar não vai adiantar mesmo.”
Iuri: “Num vai mesmo não.”
“Imaginei.”
Iuri: “Pensando bem, nem precisava ir tão longe pra isso.”
“Oi?”
Iuri: “Já falei pra senhora que vocês formam um casalzão de dar inveja?”
“Já ouvi algo parecido com isso.”
Iuri: “Mas e aí, não rola?”
“Muita informação para assimilar, melhor não mexer com isso.”
Iuri: “Ele é um homão né?!”
“Sim sim.”
Iuri: “Claro que a senhora já quis dar uns pegas nele.”
“Mas nunca tentei, diferentemente, de alguém que conheço.”
Iuri: “Aquela safada te contou!”
“Acho que de vocês dois, não é bem ele que estaria mais para ‘safada’.”
Iuri: “Tentei mesmo! O não eu já tinha, só faltava passar pela humilhação.”
“Que bom que não atrapalhou a convivência de vocês.”
Iuri: “Gata, se ela não quer, tem quem queira. Ela que tá perdendo.”
“Estava sentindo falta dessa sua humildade.”
Iuri: “As primeiras vezes que a gente se encontrou depois disso, ela tava meio estranha, mas passou logo também. Enfim, viramos a página.”
“Não consigo imaginar vocês dois juntos.”
Iuri: “Gata, só queria uma noite de prazer e nada mais.”
“Iuri sendo Iuri.”
Iuri: “Ela pediu pra eu vir mais cedo pra ajudar com ‘as coisas’… Que coisas?”
“Estou completamente por fora do que vai acontecer aqui hoje.”
Iuri: “Vou me jogar no seu sofá e esperar ela chegar então. Posso colocar uma música, tá parecendo velório isso aqui.”
“Pode sim.”
Os gostos musicais dos meus amigos são completamente opostos e hoje seria o dia de ouvir um pouco de cada. Todas as vezes que os três estão no meu apartamento tem que tocar a playlist de cada um pelo menos uma vez. E hoje, começaríamos pelas divas pops.
Enquanto Iuri dublava e às vezes performava as músicas que tocavam, fui para o outro lado da sala organizar algumas coisas para aumentar mais o espaço já que receberia mais visitas do que estava acostumado, precisaria da área que uso para trabalhar.
Quase não consegui ouvir baterem na porta, achei até que os meninos já haviam voltado do supermercado, mas era Mara:
Mara: “Cadê Dona Bicha?”
“Bom dia para você também.”
Já sabia que seria ignorado, voltei para os meus afazeres.
Iuri: “Mulher, estava com saudades da senhora.”
Mara: “Deu pra ouvir a Beyonce lá do meu AP, sabia quem já tinha chegado.”
Iuri: “Vai ficar pra almoçar com a gente né.”
Mara: “Claro Dona Bicha! Fui intimada, mas ficaria se não tivessem me convidado também.”
Iuri: “Gosto assim.”
A conversa seguiu animada, em alguns momentos não sabia se estavam conversando, ou dublando, ou dançando, ou fazendo tudo ao mesmo tempo. Tanto Mara quanto Iuri elevam bastante o astral do ambiente, os dois juntos então, quase vira festa.
E Enfim, o grupo estava completo. Isaac e Igor acabavam de chegar cheios de sacolas. Mal entraram:
Igor: “Abaixa esse som bicha.”
Iuri: “Pronto, a velha chegou pra acabar com a festa.”
Isaac: “Já começaram?”
Iuri: “Ela que começou, eu só estava aqui sendo Diva.”
Até das discussões dos dois eu estava sentindo falta.
Iuri e Mara continuaram no sofá, conversando e gesticulando bastante, mas com o volume um pouco mais baixo. Fomos para a cozinha guardar as compras, dessa vez o Igor iria cozinhar.
Igor: “Nego, nem perguntei o que queria pro almoço, resolvemos fazer uma massa.”
“Sem problemas.”
Iuri: “A senhora quer acabar com a minha dieta?”
Igor: “Nem era com você que estava falando, come só salada pra manter a dieta então.”
Isaac: “Vou colocar o vinho pra gelar um pouco.”
Iuri: “Tá loca! Vinho tinto se bebe em temperatura ambiente gata!”
Isaac: “16° não é?”
Igor: “Hoje tá quase o dobro disso.”
Mara: “Ih, Dona Bicha, perdeu a chance de ficar calada.”
“Eu ainda não entendi muito bem o que vocês pretendem aqui hoje.”
Igor: “Nego, viemos almoçar com você, aproveitar pra colocar o papo em dia.”
“E…”
Isaac: “Faz tempo que a gente não se junta, tava na hora né.”
“E…”
Iuri: “Tentar te desencalhar garota.”
“Nem quero ouvir sobre isso antes do almoço para não perder o apetite.”
Iuri: “Então não entra no assunto gata.”
Isaac: “Então mudemos de assunto… A Júlia tá doida pra te conhecer!”
Igor: “Erika falou super bem de você, até reclamou de te deixarmos de fora quando saímos.”
“E ela como está?”
Igor: “Está bem, trabalhando e estudando bastante, mas a gente consegue se ver com frequência.”
Isaac: “Todas querendo que você arrume um namorado logo pra sair com a gente.”
“Acho que vou logo concordar em sair com vocês assim esquecem essa história de Missão.”
Iuri: “Já era gata, agora é questão honra desencalhar a senhora.”
Mara: “Amigo, você não contou pra eles do seu boy?”
“Oi?”
Iuri: “Espalha gata! Vai, conta!”
“Meu boy?”
Mara: “Sim amigo, aquele que você tem visto ultimamente.”
Mara jamais perderia a oportunidade de fazer hora com a minha cara com os meninos por perto, ainda mais sabendo que eles não entenderiam que ela estava falando do Isaac.
Igor: “Você conheceu a amiga imaginária?”
Mara: “Quem é essa?”
Iuri: “É uma amiga do Iago que a gente não conhece, nem sabe o nome, por isso chama de amiga imaginária. Mas, a gente desconfia que seja um boy dele.”
Isaac: “Ele nunca apresentou pra gente.”
Igor: “A gente nem tem certeza se ela existe.”
Iuri: “Mas ele já deixou de sair com a gente várias vezes pra ir lá visitar essa amiga imaginária dele.”
Igor: “Direto ele ia lá na casa dela.”
Isaac: “Mas nunca levou a gente.”
Mara: “Quanto mistério, deve ser um boy mesmo. Mas num conheci essa tal amiga imaginária não. Por que vocês não seguiram ele pra saber quem é?”
Iuri: “Mulher, você acha que eu não pensei nisso, mas nunca consegui. Ele sempre ia durante a semana.”
Igor: “Falando nisso tem tempo que você não fala dela.”
“Achei que vocês tinham esquecido que estou aqui ouvindo tudo isso.”
Iuri: “Mas a senhora não fez questão de negar nada.”
“Nem me dou ao trabalho mais.”
Iuri: “Terminou com a sua amiga imaginária?”
“Ela me proibiu de ir à casa dela até resolver um assunto meu, mas ligo para ela semanalmente.”
Iuri: “Viu Mulher! É pra desconfiar ou não é? O boy deve ter dado o ultimato: ou me assume ou nada de ter meu corpo nu.”
Mara: “História estranha a dessa amiga imaginária.”
Iuri: “O que no Iago não é estranho!?”
Igor: “Vamos comer?”
Iuri: “Lá se vai minha dieta.”
Em alguns momentos prefiro não alimentar o assunto, nem nego, nem justifico. Prefiro apenas ouvir e esperar o assunto acabar. Sempre funciona.
Consegui arrumar a mesa para almoçarmos, acho muito gratificante uma mesa cheia de amigos nas refeições, ainda mais no meu caso, que moro sozinho. As vezes só observo: as conversas, os hábitos, as implicâncias, os silêncios, as risadas, me alimenta mais que a comida.
Mara e Iuri ficaram por conta das vasilhas e da cozinha. Assim que terminamos, mesmo trabalhando participavam da conversa à mesa.
Isaac: “Amigo, você precisa nos ajudar pra gente conseguir um namorado pra você.”
Iuri: “Gata, te desencalhar nem é difícil, mas você não colabora.”
Igor: “Nego, você é um cara bonito, independente, inteligente, estiloso, consegue resolver isso sozinho.”
Mara: “E é gostoso também tá, tive oportunidade de ver esse corpão que ele insiste em esconder.”
“Eu já deixei claro que não vou ajudar vocês nisso.”
Igor: “Eu já falei pra eles que é besteira tentar te forçar a isso.”
Iuri: “A do contra!”
Igor: “Nem é isso, não sou contra ele namorar, só sou contra ficar forçando algo que ele não queira, tipo falar sobre esse assunto.”
Iuri: “A senhora só diz isso porque é do mesmo jeito, parece um coco de tão seca.”
“Agora vão brigar por causa disso também?”
Igor: “Eu só ignoro nego, se preocupa não. Mas já falei pra eles que você não fica forçando a gente a ser diferente do que nós somos e olha que aturar nós três não é fácil, principalmente aquelazinha ali.”
Iuri: “Falou a perfeição em pessoa… O Alecrim Dourado!”
Mara: “Amigo, a gente não quer forçar nada mas, você pode estar perdendo a oportunidade de ser mais feliz que já é.”
“Eu fico feliz que vocês pensem na minha felicidade, por isso estou deixando isso rolar, mas vocês estão exagerando.”
Iuri: “Gata, quanto tempo você não transa?”
“Não vou responder isso.”
Iuri: “Tá vendo, tá deixando de aproveitar a vida garota.”
Isaac: “Não é questão só de sexo.”
Iuri: “Mas sexo é uma questão também.”
Mara: “Acho necessária essa questão.”
“É sério que vocês vão ter esse tipo de conversa comigo?”
Igor: “Ok, vamos mudar o foco. Você se sente solitário?”
“Não.”
Isaac: “Carente?”
“Não.”
Mara: “Entediado?”
“Não.”
Iuri: “Nem olhem pra mim, não vou perguntar nada pra não voltar ao assunto anterior.”
Igor: “Melhor.”
Isaac: “Amigo, impossível que você não se lembre de como foi bom pra você seu último relacionamento.”
“Claro que eu me lembro.”
Isaac: “Então, por que esse tempo todo sozinho?”
Igor: “Falando nisso, você nunca comentou o motivo de terem terminado.”
Mara: “Amigo eu conheci ele?”
Iuri: “Ele aprontou com você? Foi chifre gata?”
Isaac: “Por que você não fala nada dessa época?”
Havia chegado ao meu limite.
“Vou ao supermercado, alguém quer alguma coisa?”
Igor: “Em outras palavras, exageramos.”
Iuri: “Em outras palavras, vamos ficar no vácuo.”
Isaac: “Amigo, trouxemos tudo que precisamos já, não precisa sair pra evitar a gente.”
Mara: “Dá um doce pra essa criança antes que o humor mude.”
Isaac: “Nunca o vi com outro humor.”
Iuri: “Mas vai querer ver isso logo hoje gata?”
Isaac: “Claro que não!”
Igor: “Vou colocar minha playlist pra gente relaxar um pouco.”
Iuri: “Pronto! Agora vai parecer encontro da terceira idade.”
Mal tinha começado a primeira música:
Mara: “Parece as músicas que tocaram no dia que tentei fazer Yoga.”
Iuri: “Mulher, você já fez Yoga?”
Mara: “Até tentei, mas não consegui ficar dez minutos. O instrutor falava tão calmo e pausado que foi me dando nos nervos.”
Iuri: “Mulher, o Iago fala do mesmo jeito.”
Isaac: “Não exagera.”
Igor: “Nem é pra tanto mesmo.”
Mara: “Eu sei que o Iago tem todo esse aspecto zen, mas não é pra tanto mesmo não.”
Iuri: “Um homem lindo desses, fica parecendo um nerd marcha lenta.”
“Vocês preferem que eu saia do meu apartamento para falarem mal de mim?”
Iuri: “Viu, até brigando com a gente ela mantém esse ar de calmaria… Mó jeito de professor universitário de uma matéria bem conceitual.”
Igor: “E suas lentes? Por que ainda tá usando óculos.”
“Ainda não me acostumei com elas.”
Mara: “Dona Bicha, a senhora perdeu ele de samba-canção, ia mudar completamente essa visão de professor zen que você tem dele.”
Iuri: “Espalha isso gata.”
Mara: “Gostosão, já falei com ele que pegava. Dá pra contar os gominhos todos e eu juro que existe uma bunda dentro dessas calças folgadas que ele usa. Isaac é prova disso.”
Isaac: “Sim, ele é todo gostosinho!”
Igor: “Isso é verdade, ele tem corpão mesmo. Quando ele fazia as aulas de ballet clássico dava pra perceber.”
Mara: “Amigo, você já usou aquela tanguinha de bailarino, que fica com um pacotão e uma tira atochada no rego.”
Igor: “O nome é suporte.”
“Não, eu nunca usei suporte, mas não teria problemas em usar se precisasse.”
Igor: “Ele esconde o jogo mesmo. Tinha gente na companhia que achava que seria engraçado ele fazendo aula com a gente, quando o coreógrafo convidou ele pra participar, deixou todo mundo de queixo caído, ele tem uma expressão corporal fantástica.”
Isaac: “Nunca o vi dançando.”
Igor: “Ele não quis entrar pra companhia, cansou de receber convite do coreógrafo. Mas as aulas de improvisação e de montagem do processo criativo ele mandava super bem. A gente até usou algumas sequências coreográficas que ele montou no espetáculo.”
Iuri: “Gata, já quero te ver dançando.”
Mara: “Nem precisa dançar só bota a tanguinha que já vou ficar emocionada.”
Igor: “Suporte.”
Mara: “Isso, suporte.”
“Vocês não se cansam de falar de mim?”
Iuri: “Eu não!”
“Imaginei.”
Iuri: “Vou buscar meu bebê , ele já deve estar chegando no supermercado.”
“Por que marcou com ele lá?”
Iuri: “Frescura dele, não queria chegar de mãos vazias.”
“Frescura mesmo.”
Mara: “Vou com você, preciso de vodca.”
Isaac: “Amigo, me empresta seu carro de novo, vou buscar a Júlia e a Erika.”
“Claro, pode ficar à vontade.”
Isaac: “Igor, você se importa de ficar com o Iago.”
Igor: “Queria mesmo conversar com ele.”
Mal eles saíram e o clima da casa já era outro. Ao som de música instrumental bem baixinha de fundo e Igor logo entrou no assunto:
Igor: “Nego, o que está achando disso tudo? Seja sincero.”
“Acho perda de tempo o que estão fazendo, mas fico feliz em estar com todos vocês de novo.”
Igor: “Te incomoda?”
“Não vou mentir, me sinto um pouco incomodado sim, mas é por não estar acostumado em ser o centro das atenções, acho que é a primeira vez que isso acontece com a gente.”
Igor: “Eu acho difícil que a gente consiga te convencer a namorar, sabendo que você não quer isso agora. Mas essa missão tem nos dado resultados interessantes.”
“Acho que não entendi.”
Igor: “A gente tem questionado mais o quanto de atenção damos a você, e realmente a gente tem deixado muito a desejar.”
“Ainda acho que estão exagerando.”
Igor: “Já perdi as contas de quantas vezes te liguei e pedi pra vir aqui pra gente não conversar.”
“No início eu achava muito estranho, mas já acostumei.”
Igor: “Eu chegava, não falava nada, você também não me perguntava. Não me forçava a nada e eu me sentia confortável pra conversar contigo o que estava acontecendo, depois desse tempo que me dava.”
“Nas primeiras vezes eu fiquei desesperado sem saber o que fazer, mas deu para perceber que você só queria companhia e não um interrogatório.”
Igor: “E ainda estou esperando o dia que você vai precisar da minha companhia nesse sentido.”
“Faço muita questão da sua companhia, mas espero não seja só nesses casos.”
Igor: “Se não quiser me responder, não vou me importar, mas o que você faz quando está mal? Prefere ficar sozinho? Prefere alguém pra não conversar? Prefere alguém tentando te fazer esquecer o que aconteceu? Prefere falar tudo que está passando?”
“Quando se passa muito tempo com alguns problemas na cabeça a gente aprende a conviver com eles durante a nossa rotina, e não deixar que eles causem outros problemas ao nosso redor. Algumas vezes a gente pensa menos, outras vezes a gente pensa mais e quando vai ver, já se acostumou com eles. Hoje eu não tenho mais preferência em estar sozinho ou acompanhado, falar ou ficar calado, beber ou ficar sóbrio, não faz mais diferença.”
Igor: “Como você consegue passar por tudo isso e ainda nos ajudar com nossos problemas?”
“Hábito.”
Igor: “E se um dos nossos problemas te envolver, será que você está preparado?”
“Oi?”
Igor: “Isaac era o que mais reclamava por você não estar saindo com a gente, quando surgiu a ideia de arrumar um namorado pra você voltar a sair com a gente, ele super se empolgou. Mas já deu pra perceber que a empolgação dele terminou. Acho que caiu a ficha de que não seria apenas a solução do que ele via como um problema, mas ele sente que isso vai gerar um distanciamento entre vocês.”
“Ele chegou a comentar algo, achando que quando eu começasse a namorar teria menos tempo para vocês.”
Igor “A preocupação maior dele é ter menos tempo pra ele. Tanto eu quanto Iuri já deixamos isso claro, a gente já se acostumou a te ver esporadicamente, ele ainda não.”
“Desde que a gente se conhece ele nunca me viu com ninguém, talvez imagine que vá mudar algo na relação que tenho com vocês por causa do meu relacionamento.”
Igor: “Nego, acho que é um pouco mais sério o pensamento dele. Posso estar enganado, mas acredito ele tá num dilema grande. Ajudar um amigo a encontrar um par e perder a oportunidade de ser o par do amigo ou tentar ser o par do amigo e perder o amigo.”
“Você não acha que está exagerando?”
Igor: “Desde que começamos a sair sem você ele está bastante diferente. Até o sorriso de sempre, tem dias que a gente não vê. Teve dias que o abraço mudou, mas ele se acostumou a desabafar com você, a gente até já tentou conversar com ele. Mas eu fui o que dei várias cantadas e o Iuri foi o que partiu pro ataque, ele não tem a mesma confiança na gente que tem em você.”
“Acho que só o tempo vai trazer essa resposta para nós.”
Igor: “Então aproveite esse tempo pra se preparar, caso ele chegue ao ponto de falar contigo sobre isso.”
“Acho que nem o tempo me faria preparado pra isso.”
Igor: “Nego, acho que a cerveja já gelou, chega de assunto sério né.”
Sentamos à bancada da cozinha, tomando cerveja e conversando sobre a companhia de dança e ele já me adiantando o próximo trabalho que irão fazer, torcendo para me chamarem novamente para produção dos figurinos. Já havia anoitecido, mas nem deu tempo de conversarmos tanto, Isaac estava a porta pedindo para Júlia tirar os calçados.
Apesar de achar beleza algo relativo, dificilmente alguém que conheça, não acharia a Júlia fisicamente linda. Acabei descobrindo que se tratava de uma pessoa maravilhosa também e de uma elegância de dar inveja.
Júlia: “Então você é o famoso Iago.”
“Espero que seja uma boa fama.”
Júlia: “Só ouvi elogios de você.”
Erika: “Quanto tempo!”
Erika é modelo de passarela, magra, alta, rosto simétrico, cabelos abaixo do ombro, muito bonita e de uma doçura enorme. Confesso que não imaginaria ela e Igor juntos, mas pelo tempo que já estão namorando, acredito que se dão muito bem.
Isaac: “Vou trocar essa música.”
Igor: “Acho melhor mesmo.”
Júlia: “Trouxe uns frios para gente e vinho branco, você gosta?”
“Gosto sim.”
Erika: “Trouxe frisante.”
“Gosto também, mas nem precisava, vou levar as coisas para a cozinha.”
Júlia: “Imagina, pode deixar que a gente se vira.”
Enquanto elas estavam na minha cozinha meio perdidas entre as gavetas e portas de armário procurando o que precisavam, Iuri, Mara e Wallace chegaram. Ainda aguardava o interfone e nem havia me tocado que Mara estava junto, chegariam direto à porta.
Mara: “Se não quiser levar uma surra de pano de chão é melhor tirar o calçado.”
Wallace: “O Iuri já havia me alertado.”
Wallace não passa de 1,60m de altura, rosto redondo, jeito meigo, cabeça raspada, aparentemente, bem mais novo que Iuri e o completo oposto em termos de personalidade: a timidez em pessoa.
Iuri: “Gata, trouxe tequila.”
Mara: “Eu trouxe vodca.”
Iuri: “Meu bebê: Wallace… Minha amiga Iago.”
Wallace: “Satisfação.”
“Igualmente, pode ficar à vontade.”
Wallace: “Perguntei ao Iuri o que você gostava de beber, ele disse que você gostava de cerveja, trouxe uma artesanal pra você.”
“Não precisava se incomodar, depois a gente experimenta ela.”
Iuri: “Ele não bebe não gata.”
“Tem suco e refrigerante na geladeira.”
Iuri: “Eu trouxe também, ou você acha que ia esquecer do meu bebê.”
Alguns no sofá, outros no chão, alguns no tapete outros nas almofadas e foi assim que nos acomodamos na sala. Já não sabia quem estava bebendo o quê, fora o Wallace que estava tomando refrigerante.
Além das playlists do Iuri, Igor e Isaac, já tínhamos ouvido da Júlia e da Erika também. À essa hora da noite já não sabíamos ao certo a de quem estava tocando.
Para minha sorte, com grupo todo reunido os assuntos foram diversos e a bendita Missão não entrou em questão em nenhum momento, mas fui surpreendido pela Júlia que conseguiu chamar atenção até do Iuri e Igor que estavam fumando na varanda e logo voltaram para a sala.
Júlia: “Espero que você não fique chateado com o comentário que vou falar.”
“Pode dizer.”
Júlia: “Quando seus amigos me contaram sobre você ser estilista, maquiador e fotógrafo, confesso que esperava alguém mais para o estilo do Iuri, não imaginava que o famoso Iago fosse assim.”
Iuri: “Mulher, eu sou exclusiva!”
“Espero que você não fique chateada com o comentário que vou fazer.”
Júlia: “De forma alguma, até por que quem começou fui eu.”
“É um pensamento bem heteronormativo, dá até para considerar um pensamento machista, mas eu entendo, é a imagem que a sociedade construiu da gente. E me incluo quando cito a sociedade.”
Júlia: “Sim, infelizmente. Mesmo a gente que convive com a comunidade LGBT ainda não conseguiu desconstruir esse pensamento.”
Igor: “Mesmo a gente da comunidade LGBT não conseguiu desconstruir esse pensamento.”
Erika: “Antes de conhecer o Iago eu tinha a mesma ideia da Júlia.”
Igor: “A galera da companhia achava que ele não era assumido, pensava que ele se comportava assim pra ninguém descobrir que ele era gay. Teve gente que achava que ele não era gay.”
“A gente tenta restringir os comportamentos aos extremos ou é o macho alfa ou é a bicha afetada.”
Iuri: “Eu sou a bicha afetada.”
Mara: “Isso é fato Dona Bicha!”
Erika: “Por que ‘Dona Bicha’?”
Mara: “A primeira vez que chamei essa doida de bicha, ela se virou para mim e disse pausadamente: ‘Mulher… pra senhora é Dona Bicha’. Desde então chamo ela assim.”
Isaac: “E isso não te incomoda amigo?”
Iuri: “Adoro quando ela me chama de Dona Bicha!”
Isaac: “Perguntei para o Iago.”
“Acharem que eu sou hétero?”
Iuri: “Deus me livre.”
Igor: “Ou bi.”
“Não me preocupo tanto em me enquadrar em determinado rótulo e cumprir o estereótipo construído para esse grupo não. Também não me incomoda acharem que sou bissexual ou hétero.”
Júlia: “Eu acho que você se passa por hétero tranquilamente.”
Erika: “Também acho.”
Mara: “Já falei que te pegaria amigo.”
Iuri: “Acho que não é bem assim não, tá no branco do olho dela que ela é uma mulher.”
Igor: “O que você acha Isaac?”
Isaac: “Acho que de nós, ele está mais próximo da figura do Dandy.”
Mara: “É ator de seriado esse aí?”
Erika: “É tipo um homem muito elegante.”
Iuri: “Mas uma bicha também pode ser muito elegante.”
Igor: “Se a gente for levar em consideração só as nossas opiniões cada um vai defender seu lado.”
Isaac: “E a sua qual é?”
Igor: “Às vezes que fomos na boate, alguns caras me perguntaram se ele era gay ou hétero. Então, me leva a acreditar que em um meio externo, ele esteja mais próximo do que se tem como referência de hétero.”
Isaac: “Tá, agora a sua opinião sem meio externo.”
Igor: “Hétero.”
Júlia: “Acho que é maioria.”
Mara: “Wallace não disse nada.”
Iuri: “Deixa meu bebê em paz.”
Wallace: “Acho que de todos os homens aqui, o que mais se parece hétero é o Iago.”
Iuri: “Bebê… Não se esqueça tem hétero entre a gente.”
Igor: “Mas ele disse parecer, não necessariamente ser. Em boate gay o Isaac leva mais cantada que o Iago.”
Iuri: “Gata, o Isaac é um homão também né, quem não cantaria ele.”
Júlia: “Mas o Iago também é muito bonito. Acho que faria sucesso entre as mulheres.”
Erika: “Concordo.”
Mara: “Isso porque vocês não viram ele de samba-canção.”
Júlia: “Por que a gente não tira a dúvida?”
Iuri: “Espalha a ideia gata.”
Júlia: “Vamos a uma boate hétero e a gente vê quantas mulheres chegam no Iago.”
“Oi?”
Júlia: “O que vocês acham?”
Erika: “Acho que é uma ótima oportunidade para sairmos juntos.”
Isaac: “O que você acha amigo?”
Iuri: “Garota, diz que sim.”
Igor: “A gente vai entender se você não quiser.”
Júlia: “Eu imagino que você já tenha passado por situação assim e conseguiu se sair tranquilo.”
Mara: “Se precisar agarrar alguma delas pelos cabelos pra te defender pode deixar comigo amigo.”
Erika: O que você acha Wallace?”
Wallace: “Acho que devemos ir”
“Vamos então.”
Júlia: “Vamos fazer uma aposta pra ficar mais divertido.”
Isaac: “Ele não gosta de apostas.”
“Não vou participar, mas não me incomoda em nada se quiserem fazer.”
Júlia: “Cada mulher que der uma cantada nele a gente toma um shot.”
Iuri: “Gosto das amigas alcoólatras.”
Júlia: “Como o Wallace não bebe, a gente pede na comanda dele, quem desistir, paga a conta.”
Igor: “Eu topo.”
Mara: “Onde eu assino?”
Isaac: “Tô dentro.”
Erika: “Gente, eu não aguento bebida quente, já estou até meio embriagada só de frisante, essa eu vou passar.”
Mara: “Você e Wallace vigiam a gente.”
“Por que estou sentindo que isso não vai prestar?”
Mara: “Vou escolher a roupa do Iago, porque se deixar ele se vestir sozinho não vai ajudar.”
Iuri: “Vou com você gata.”
“Realmente isso não vai prestar.”
Mara: “Erika, vem ajudar também, acho que só você sabe desse tal de Dandy aí.”
Iuri: “Gata, onde estão suas lentes, essa armação é igualzinha à do meu avô, a senhora num vai sair com isso hoje não.”
E assim fomos os oito para uma boate que a Júlia indicou, ela já havia ido algumas vezes lá e gostava do ambiente. Chegamos, praticamente juntos, precisamos chamar dois carros para todos irmos.
Mara já chegou bastante alcoolizada, tinha exagerado na vodca, e como o shot escolhido foi de tequila, na terceira ela já pediu a comanda do Wallace para pagar. Não deixou ninguém ir com ela, pois, queria que alguém contasse como terminou a história. Chamei um carro para ela e fiquei conversando pelo telefone até ela chegar em casa e confirmar pelo aplicativo que estava entregue.
Abriram outra comanda. Mas logo o Iuri e o Wallace foram, não sei se foi na sétima ou oitava dose. Além dos shots da aposta, ele estava tomando outras bebidas por conta própria. No caso dele, já nem estava tão preocupado, já que o Wallace não havia bebido e foram juntos.
Achei que já não havia mais sentido da aposta. Nem estavam mais fazendo os pedidos em uma comanda única, cada um pedia o shot na própria comanda. Parecia um hábito eles chegarem a esse ponto quando saíam juntos.
Permaneci bebendo apenas cerveja e tentando fazê-los beber água, mas os únicos que bebiam água eram Erika e eu. Já imaginava que misturar tequila com vinho não seria uma boa ideia e quem havia consumido mais vinho tinha sido a Júlia, que deixou toda elegância dela no banheiro quando passaram dos doze shots. Enquanto Erika foi ajudá-la Igor e Isaac completaram quinze shots e os dois sentaram num sofá próximo à saída.
Os dois são muito parecidos quando ficam bêbados, desmaiam. Por sorte, nenhum dos dois passava mal, por azar, apesar do Igor ser um pouco mais baixo, os dois tem quase a mesma estrutura física. Ainda não imaginava o que faríamos com os três bêbados. Deixei os dois no sofá e fui procurar saber como a Júlia estava.
Erika ficou de levar Júlia para a casa dela, chamou um carro e ajudei a colocá-la nele. Me comprometi de levar o Igor para o meu apartamento, sem nem saber ao certo como faria isso.
Peguei a comanda deles e paguei junto da minha, ainda pensando o que fazer com os dois, meio mortos, ali ao lado. Até que ouvi chamar meu nome:
Maycon: “Iago?”
“Maycon?”
Maycon: “Quanto tempo!”
Pelo menos uma boa notícia: teria com quem passar o tempo conversando, até eles acordarem.
Maycon: “Aquilo é o Igor?”
Ele havia saído da companhia antes do Igor entrar, eu o havia conhecido antes de mudar para o apartamento que estou agora. Perdemos contato quando ele se mudou para outro estado para estudar, mas nas férias voltava para a casa dos pais e fazia as oficinas da cia nesse período, foi quando conheceu o Igor. Chegamos a trocar mensagens e telefonemas depois que ele mudou, mas não durou muito tempo, já tinha uns 3 anos que não nos falávamos.
“O que sobrou dele depois de várias doses de tequila.”
Maycon: “Você está tão diferente da última vez que te vi, estilo novo?”
“Mais uma aposta para a minha conta.”
Maycon: “Elas te perseguem né?”
“Sim, mas dessa vez foi muito além de conseguir meu telefone.”
Maycon: “Deu pra perceber pelo estado que ele está.”
“Eles, o outro também.”
Maycon: “Seu namorado?”
“Não, amigo também.”
Maycon: “Pena que eu volto hoje à tarde, queria ter mais tempo pra conversar contigo.”
“Estou de babá de bêbado hoje.”
Maycon: “Vai esperar eles acordarem?”
“Mesmo que eu consiga colocar os dois no carro, não vou conseguir colocá-los no meu apartamento.”
Maycon: “Está morando no mesmo lugar.”
“Sim, quase 4 anos já.”
Maycon: “Te ajudo a levar eles então, e a gente conversa lá, pode ser?”
“Não quero atrapalhar o restante da sua noite.”
Maycon: “Imagina, eu levo o Igor você leva o outro.”
Demorou um pouco para chegarmos ao meu apartamento e me custou alguns hematomas. Mas acho, que o Isaac e o Igor acordariam bem mais doloridos que eu.
Estava quase amanhecendo quando conseguimos colocar os dois na minha cama, nem tive como me preocupar com calçado ou a roupa que estavam, só queria me sentir despreocupado com eles.
“Prefere café ou voltar a beber.”
Maycon: “Acho que todo meu álcool evaporou carregando o Igor.”
“Tem frisante… vinho branco… vinho tinto… tequila… vodca… cerveja artesanal… cerveja comum… suco e refrigerante.”
Sentamos à bancada da cozinha e decidimos pela cerveja comum mesmo.
Maycon: “Me fala o que aconteceu nesse tempo que não nos vemos.”
“Acho que já tinha terminado o curso técnico quando você mudou, comecei a graduação em design de moda. Tenho trabalhado com maquiagem e feito alguns bicos de fotografia. Minha vida tem se resumido a essa rotina. A não ser quando meus amigos inventam algo, tipo hoje.”
Maycon: “Permanece em casa quase o tempo inteiro.”
“Já tinha um tempo que não tinha aqueles apagões que você presenciou, mas aconteceu semana passada. Ainda tenho receio disso acontecer, por isso, prefiro ficar mais tempo em casa mesmo.”
Maycon: “Mas você sabe que estando em casa ou na rua não vai fazer diferença.”
“Sim sim, mas me sinto mais tranquilo estando em casa.”
Maycon: “E a insônia?”
“Tem sido mais comum quando estou sozinho, durmo mais tranquilo quando tem alguém aqui comigo.”
Maycon: “Já pensou em dividir apartamento? Talvez ajude.”
“Já sim, mas acho que preciso do meu espaço.”
Maycon: “Nem sei se deveria estar desenterrando esse assunto.”
“Sem problemas, se me sentir desconfortável aviso. Só não estou preparado para falar abertamente sobre ele ainda.”
Maycon: “Certo, ainda é um assunto inacabado?”
“Sim.”
Maycon: “E com a mãe dele?”
“Me proibiu de ir na casa dela.”
Maycon: “Ela surtou de novo?”
“Não não, ela está bem. Vai casar, mas disse para eu só voltar à casa dela quando estiver bem em relação ao que aconteceu.”
Maycon: “Já faz tanto tempo, mas o pouco que acompanhei imaginava que seria um caminho grande até isso passar.”
“Confesso para você que a culpa é minha, ainda não me permiti superar isso. Ainda não me sinto pronto, mas também não sinto necessidade de apressar as coisas.”
Maycon: “Fiquei feliz em te ver na boate, o tempo te fez bem. Esse estilo também te cai bem. Mas ainda prefiro os óculos.”
“Me sinto um personagem usando figurino, mas a gente faz algumas loucuras com os amigos.”
Maycon: “Preciso ir, ainda tenho que me despedir da família. Vou fazer um curso nas férias, só consegui vir pra cá esse final de semana, volto agora só no final do ano.”
“Muito obrigado pela ajuda.”
Maycon: “Imagina, o papo valeu a pena. Está com o mesmo número?
“Sim sim.”
Maycon: “Não quero perder o contato contigo novamente.”
“Por favor!”
Fechei a porta do meu apartamento, sentindo que acabara de abrir uma porta para o passado, talvez fosse o momento de superar alguns fatos antigos, poder falar abertamente de algumas pessoas para algumas pessoas, resgatar histórias ainda não contadas, mas a dúvida ainda era as consequências que isso traria e se estava, realmente, preparado para elas.
Entrei em modo automático novamente, não sei ao certo quanto tempo foi, me perguntava inclusive se havia ficado apenas na cozinha. Quando “abri os olhos” Igor estava do outro lado da bancada e Isaac tentando tirar o copo da minha mão. Ambos visivelmente assustados.
Fui entender o espanto deles ao olhar para a bancada, todas as garrafas de bebida que estavam na geladeira se encontravam ali, ao meu lado, vazias.
Isaac: “Amigo, você não ouviu a gente te chamando?”
Igor: “Nego, você não dormiu?”
Isaac: “Estava bebendo até agora?”
“Acho que perdi o sono.”
Isaac: “Você está bem? Nunca te vi beber tanto assim.”
“Estou bem sim, embriagado, mas bem.”
Igor: “Nós acordamos com o barulho do interfone, o Iuri está subindo. Você não ouviu?”
“Acho que não.”
Isaac: “Aconteceu alguma coisa?”
“Acho que preciso de um banho e um café.”
Iuri acabara de passar pela porta.
Iuri: “As senhoras estão de parabéns! Ainda aguentaram beber isso tudo depois da boate.”
Igor: “Não foi a gente que bebeu.”
Iuri: “Garota, a senhora calçada dentro da própria casa, quem te viu quem te vê hein.”
Isaac: “Iuri, calma aí.”
O ambiente ficou em completo silêncio, só era possível ouvir meus passos da cozinha ao quarto e do quarto ao banheiro. Precisava de um banho demorado e queria muito a companhia deles nesse momento, mas sabia que isso significava falar sobre o que aconteceu e isso me fazia duvidar se realmente seria tão bom assim eles estarem por perto.
Saí do banheiro e já senti o cheiro do café, a bancada estava arrumada, até as vasilhas da pia eles tinham lavado. Os três, com a mesma expressão de espanto, me esperavam na cozinha. Isaac e Igor com a mesma roupa de ontem, provavelmente comentaram com Iuri o que presenciaram antes dele chegar.
Ainda no silêncio peguei a caneca de café da mão do Isaac e me sentei à bancada à espera do interrogatório.
Iuri: “Gata, vai deitar um pouquinho, a senhora tá acabada.”
“Estou sem sono.”
Igor: “Mas você não dormiu nada.”
Isaac: “Você está bem?”
“Estou sim, só cansado e meio bêbado.”
Igor: “Erika me mandou mensagem perguntando se chagamos bem.”
“E a Júlia, como está?”
Isaac: “Só de ressaca mesmo.”
Iuri: “O que aconteceu na minha ausência?”
Isaac: “Você se lembra de ontem à noite?”
“Sim, lembro.”
Iuri: “Espalha então gata.”
“Coloquei Mara num carro e fiquei conversando no celular com ela até chegar. Depois Wallace levou o Iuri embora. Júlia passou mal e ajudei a Erika a colocá-la num carro, foram para a casa da Júlia. Isaac e Igor desmaiaram no sofá perto da saída da boate.”
Iuri: “Acho que só aguentei até o décimo.”
“Nas minhas contas foi no oitavo.”
Isaac: “E Júlia?”
“Doze ou treze.”
Igor: “Deu empate então?”
Isaac: “Acho que chegamos nos quinze.”
“Sim, vocês desmaiaram nos quinze.”
Iuri: “Gata, quinze cantadas a senhora levou, tudo de mulher?”
“Na verdade foram dezoito, as últimas três eles já estava desmaiados.”
Igor: “E o que aconteceu depois disso.”
“Paguei a comanda de vocês e ia ficar esperando pelo menos um melhorar para voltarmos para cá.”
Isaac: “Tô te devendo quanto?”
“Nem sei, paguei a de vocês junto com a minha.”
Igor: “Depois fala quanto deu pra gente te pagar.”
“Tranquilo.”
Isaac: “Só me lembro de acordar aqui.”
Igor: “Eu também.”
Iuri: “O que a senhora arrumou pra trazer esses dois trogloditas?”
“Lembra do Maycon, lá da companhia de dança.”
Igor: “Lembro sim, início do ano ele estava lá fazendo as aulas de férias de novo.”
“Ele me encontrou quando vocês estavam desmaiados e me ajudou a trazer vocês para cá.”
Iuri: “Eu largaria lá.”
Igor: “Só tá falando isso por que seu namorado estava junto e te levou, se não seriamos os três desmaiados naquele sofá.”
Iuri: “Não posso fazer nada se escolheram namorar com quem não aguenta carregar as senhoras bêbadas.”
Isaac: “Vocês subiram três andares arrastando a gente?”
“Sim, vocês bateram um pouco nas paredes e tropeçaram em alguns degraus deve aparecer alguns hematomas.”
Iuri: “Eu largaria lá!”
Igor: “Então as garrafas vazias vocês dois que tomaram?”
“Não, ele só tomou umas duas cervejas, veio passar o final de semana com a família, volta hoje para a casa dele. Parece que vai estudar nessas férias, só retorna no final do ano.”
Isaac: “Amigo, você bebeu tudo o que sobrou na geladeira depois que esse cara foi embora?”
“Sim.”
Iuri: “Tô pasma.”
Isaac: “E você tá bem?”
Iuri: “Bem bêbada né gata.”
Igor: “Tá com os olhos vermelhos.”
“É que eu ainda estava com as lentes, tirei agora no banheiro.”
Isaac: “Posso te fazer uma pergunta?”
“Sim sim.”
Isaac: “Qual o motivo de ter bebido tanto assim?”
“Não sei ao certo, nem tinha noção do quanto havia bebido, quando percebi vocês estavam aqui na cozinha.”
Igor: “Foi algo que o Maycon disse?”
“Acho que eu preciso deitar um pouco, vocês se importam?”
Igor: “Imagina, pode ir.”
Isaac: “Já trocamos a roupa de cama, pode dormir tranquilo.”
Iuri: “Vou fazer o almoço pra gente, quando estiver pronto a gente te chama.”
“Fiquem à vontade.”
[…]