O Renascimento Do Príncipe Esquecido

Shen Sheng adquiriu alguns hábitos depois
de se tornar o Grande Pai Celestial. Todos os dias, quando conseguia uma brecha em seus afazeres visitava o Salão Espelhado. Era um lugar encantador, onde cada espelho refletia um pedaço dos três reinos e suas camadas. Ele dizia a sua assistente, Meng Ling, que era sua parte preferida de ser o todo-poderoso: encantar-se com a beleza da vida. Meng Ling acreditava em suas palavras, os olhos dourados de Shen Sheng sempre brilhavam junto às estrelas, ao puxar um espelho e admirar o pequeno universo nele.

Naquele dia também foi o mesmo. Com seu corpo fraco, Shen Sheng sentiu sua vida se esvaindo e deteriorando. Seu fim estava próximo. O último desejo dele, era sentir mais uma vez a vida nos espelhos. Ele levantou de sua cama e arrastando-se pelas paredes, chegou ao seu destino. Cada passo e tosse dado por ele, o veneno agitava em seu corpo e provocava um lapso de dor.

Ele tossiu sangue assim que abriu a porta do salão espelhado e caiu no chão. Ele sorria satisfeito. Se era seu fim, deveria estar feliz. Passaram milhares de anos e ele nem se conhecia mais, não conhecia alguém. Pelo menos, por algum tempo, ele deveria não entrar na roda de encarnação. Talvez os dezoito infernos sejam bons e se trabalhasse duro, havia a possibilidade de se tornar um oficial do submundo.

No final do corredor, em frente ao salão, Meng Ling encarava a porta com um olhar de culpa. De cada lado da porta, um guarda ficava estacionado sem sequer se mexerem. Então, depois de tudo, era sua oficial quem o envenenava. Shen Sheng quis rir, mas não teve forças. Ele continuou seu trajeto sem se importar. Fadado a morrer a qualquer instante, qual sentido seria hesitar em encontrá-la mais rápido?

Ao se aproximar, Meng Ling notou a presença de seu Pai Celestial e se assustou, dando alguns passos para trás. Ela foi pega, o que fazer? Precisaria sujar as mãos? Shen Sheng não iria se acovardar e lutaria até o fim, era assim sua personalidade e ela o conhecia mais que qualquer um. Ambos cresceram juntos na corte. Ambos lutaram juntos na guerra contra os demônios quando Shen Sheng era um príncipe. Ascenderam juntos como deuses marciais naquela época. Ele a amava. Ela o amava. E se, não fosse por um aborto, naquele momento não seriam deuses, mas alguma encarnação comum entre os humanos. Eles teriam vivido uma vida feliz como rei e rainha e teriam muito mais filhos, netos…

Shen Sheng, no entanto, mudou após ascender. A fim de corresponder aos fiéis e alcançar seus maiores sonhos, Meng Ling fora ficando em segundo plano. Ele a amava profundamente, isso não era dúvida. E chegou um momento pelo qual Shen Sheng precisou fazer uma escolha. Seguiria em frente como um oficial da corte celestial e cresceria a partir dali ou se apegava ao amor com Meng Ling e seria rebaixado. E das duas, escolheu a primeira sem hesitar. Ambos eram deuses, foram escolhidos pelo Dao Celestial e fizeram ser escolhidos. Shen Sheng conseguiu alcançar o que mais desejava. Como poderia deixar essa chance desaparecer em suas mãos? A possibilidade de uma ascensão era menos que o mínimo. E a pessoa quem mais amava ascendeu com ele? Essa era a maior recompensa que ele poderia ter.

Meng Ling, por outro lado, não conseguiu aceitar sua decisão. No dia que seu amado lhe contou sobre suas aspirações, houve uma batalha sem precedentes na corte quase destruindo a Corte Inferior. A briga entre eles, atraiu os oficiais da Corte Superior e não houve quem conseguisse interromper a batalha deles, antes do Pai Celestial da época interferir.

Eles voltaram a ter contato na Corte Superior, quinhentos anos depois, quando Shen Sheng ficou como subordinado direto do Pai Celestial e precisava administrar as duas cortes. Eram como desconhecidos. Nesse tempo, Meng Ling subiu para a Corte Superior e se tornou uma das forças mais poderosas do céu. E quando o Pai Celestial faleceu, trezentos anos depois, Shen Sheng tomou seu posto e Meng Ling assumiu o cargo de Primeira Oficial e algumas centenas de anos foi necessário para que ela desistisse do campo e se tornasse assistente de Shen Sheng.

Foi quando isso começou. Shen Sheng não tinha inimigos por ser poderoso demais. Os três reinos haviam se estabilizado há muito tempo e uma era pacífica começava a dar sinais. Porém, isso começou a dar aos deuses um sentimento de medo. A paz culminava no enfraquecimento de todos eles. Os deuses mais influentes se uniram para dar um golpe.

No processo, centenas de deuses desapareceram ou caíram para o mundo humano ou se tornaram fantasmas depois de morrerem. O veneno que usaram não seria algo que fosse dar resultados imediatos. Shen Sheng foi o deus mais poderoso que existiu, não havia como matá-lo assim. Lentamente… vagaroso… foi tomando cada pedaço do seu corpo. Mas, esse homem nunca dava sinais de fraqueza. As doses do veneno aumentavam cada vez mais. Ele parecia ainda melhor!?

Não foi até vinte anos antes, até que esse Pai Celestial deu o primeiro sinal de fraqueza. Numa reunião de rotina, Shen Sheng cuspiu sangue na frente de todos e desde então, têm cuidado dos assuntos burocráticos de seu quarto.

Na mente do casal, as mesmas lembranças perpetuavam paralelamente. Meng Ling não suportando ver seu amado daquela forma, chorou. As lágrimas vieram como tempestade e fizeram neblina em seus olhos. Ela caiu de joelhos, pedindo perdão. “Perdoe-me Sheng’er”.

Meng Ling pensou que ele viria até ela, porém Shen Sheng a ignorou e passando pelas portas do Salão Espelhado, foi a última vez que ela vira seu amado com via. E ele lhe deu um olhar sem qualquer sentimento.

Sob aquele olhar Meng Ling conformou. Desde o início seu amado soubera de tudo. Ele soube de tudo, mas… por quê? Por que ele não questionou, se vingou?

A verdade era que Shen Sheng achava que não valia a pena. Ele apenas os desprezava, mas Meng Ling nunca soube disso.

Naquele dia o céu chorou por obrigação.

Naquele dia, os deuses fingiram chorar.

Naquele dia, os humanos ficaram indiferentes.

Naquele dia, demônios e fantasmas comemoraram sua morte.

Mas, em seu último suspiro Shen Sheng focou sua visão em um único espelho, que brilhava tão forte como o sol. Sua única estrela fiel. Aquela estrela que um dia, ele não hesitaria em proteger. Shen Sheng pôde morrer em paz…

Publicado por:

Xiao Yu

Apaixonando-se aos oito anos pelo fantástico mundo da literatura, Yu Ge, em busca de um sonho e apenas uma mente fértil, passou pela poesia indo para ao romance adolescente, chegando à fantasia medieval se encontrou nos danmeis (novels chinesas boys love) e na fantasia sombria aos recém-completos 23 anos. Do xianxia à dark fantasy, se diverte encontrando o caos e ambiguidade da natureza humana.

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