Missão Ágape - Capítulo 44
Tudo aconteceu muito rápido, James não conseguiu entender como aquilo aconteceu, mas também não iria parar para pensar.
A lança surgiu em suas costas, e como se tivesse poderes de um deus, desviou a flecha para outra direção, fazendo-a acertar a parede atrás de si.
— Você é um traíra James! Você não podia fazer isso comigo! — esbravejou o “deus”, abrindo suas duas asas e num sobrevoo, deu uma investida para cima do rapaz, que caiu para trás, não dando dessa vez tempo de desviar do ataque.
O deus então com o arco tentou sufocá-lo no chão, mas o outro se defendia como podia de ter sua cabeça decepada por aquilo, que é o que aconteceria se caso deixasse o deus seguir em frente.
Estranhava a própria força, não sabia que poderia aguentar um poder divino, principalmente em estado de ira, e ele sabia como aquele deus ficava quando estava nesse estado, claro, mesmo que estivesse com sua consciência quase sendo consumida quando dividiu o corpo com aquele deus, mesmo assim as lembranças do sentimento eram nítidas sobre o tamanho de seu poder.
Com uma joelhada no estômago, fez o deus cair pro lado, e assim, ter sua escapatória, que não durou muito já que o loiro mesmo ainda pegando em sua barriga, teve a resistência de conseguir pegá-lo pelo pulso e jogá-lo pra longe, fazendo-o bater com as costas na parede da cômoda, que se quebrou inteira pelo impacto.
Caído entre os entulhos de gavetas, roupas e até quadros que caíram em cima de seu corpo, James tossiu por sentir seu pulmão sem ar, e uma dor muito aguda em suas costas lhe atingiu, deixando-o tonto por um momento, este que o loiro não perdeu tempo para ir de novo pegá-lo, dessa vez pelo torso, e jogá-lo pra longe, lá pro outro lado da cama, passando por cima da deusa, que nem se moveu do lugar, sempre calma e com olhar sereno.
— Kýrios…! — chamou, mas o mesmo voou até ele e pousou bem ao seu lado, e com um pé, lhe chutou na barriga.
James já havia apanhado algumas vezes em suas brigas de rua ou de apostas naqueles rings clandestinos, mas levar um chute assim de um deus… Era incrivelmente doloroso. Se perguntava como ainda estava vivo depois daquele golpe.
— Você estava indo tão bem, James. — disse o deus, lhe dando mais um chute, dessa vez fazendo-o parar lá na varanda.
O golpe dessa vez pareceu quebrar alguma costela ou alguma mais grave em seu interior, e por isso cuspiu bastante sangue, parecia estar se consumindo pelas dores excruciantes.
— Pense bem… — começou James, sua voz saindo num fiapo de uma tentativa de falar — Você… e Psiquê podem ter outros…, mas Li-Hua não… Ela… não pode morrer… Eu tenho que cumprir… minha promessa… — mesmo que inutilmente, tentou empurrar o deus quando este novamente, montou em seu torso e começou a empurrar o arco contra seu pescoço.
— Era sua função trabalhar para o meu propósito! Nada além disso é valido! Eu confiei em você! Você sabe o quanto esse filho era importante para mim!!! O quanto tudo de minha amada é!
— Kýrios… Pare…. por favor… — implorou, sentindo seu ar ir embora, era impossível ir contra a fúria daquele um deus.
— Quem sabe, a próxima Pista de Parca seja mais eficiente. — Os olhos do deus estavam muito afetados, havia um brilho feroz que o fazia deixar totalmente para trás a lembrança de um deus gentil e inconveniente às vezes.
— Me perdoe, Kýrios… — disse, desistindo, e colocando uma mão no rosto do outro numa tentativa de fazê-lo sentir os seus sentimentos e ver que ele estava sendo muito sincero — Me perdoe…
— Diga isso ao seu Deus! — com uma mão, tirou uma flecha de sua aljava, e apontando como se fosse uma faca para o rosto do rapaz, a direcionou para sua garganta.
James estava já conformado por aquele destino, sabia que merecia toda aquela fúria e punição do deus, mas em seu coração, ele sabia que tinha feito o certo.
— Um dia você entenderá o que fiz… Kýrios… — a voz saiu rouca, com muita dificuldade, suas forças em tentar empurrar aquele arco de seu pescoço estava se esvaindo a cada segundo.
— Sim, vou entender que você foi o pior humano que apareceu em meu caminho. Mas isso acaba agora.
Fazendo um movimento de fincar aquela flecha em sua jugular, de repente muito sangue começou a escorrer de sua boca.
James arregalou os olhos muito assustado ao ver aquilo acontecer com o deus.
Ao descer seus olhos, viu uma ponta de lança atravessando bem do meio do peito do outro.
E no outro instante, o deus caiu pro lado, inerte.
— Deuses! Oh por todos deuses! James! Finalmente te encontrei!
Era Kýrios, o verdadeiro Kýrios.
James, que ainda estava tremendo e um pouco sufocado pela quase asfixia e seu corpo totalmente envolto em dor, não conseguiu se mover do lugar, estava paralisado demais para reagir a aquela surpreendente aparição.
— Você… — tossiu mais sangue sendo jogado em seu próprio peito, tentando se levantar, mas não conseguindo — … é realmente você?
— James… — o deus se abaixou, arrastando pro lado somente com um pé aquela versão falsa de si, e foi até o rapaz, e tentou limpar o sangue de sua boca com o pedaço de tecido de sua própria camisa a qual rasgou na hora muito preocupado — É claro que sou eu. Aguente firme James. Deuses, você precisa urgente de cura! Por favor, fique olhando para mim, mantenha-se acordado. Não feche os olhos, está me entendendo? E James, me desculpe por me atrasar… Eu estava num sonho… um pesadelo… E tentei procurar por todo nosso grupo… E… — Fechou os olhos, franzindo o cenho e balançando a cabeça em negativa parecendo tentar esquecer algo muito ruim — Bem… você foi o único que consegui encontrar… Mas para isso tive que apelar para ajudas externas… Temos que ser rápidos! Porque… — disparou o deus, muito aflito pelo estado do moreno — Vamos dizer que estamos abalando um pouquinho as coisas lá fora…
De repente uma sombra, uma nuvem cinzenta igual à quando Tânatos aparecia se aproximou, escurecendo o local aonde deus e rapaz estavam.
— Então esse é o tão famoso James Payne? Hm, pensei que fosse mais bonito… E mais forte. Imaginava ser até mais forte que Héracles. Vocês falam tanto de sua grandiosidade… Bem, não vou julgar… Como sempre, Kýrios, você aumentando as coisas. — disse um homem, sua pele era pálida, assim como a de Tânatos. Na verdade, era idêntico à ele quando o deus estava em sua forma original com aquela pele pálida e olhos negros, mas era estranho porque seu semblante e postura eram totalmente diferentes das do deus da morte, este parecia relaxado demais, até suas vestimentas era diferentes, tinham uma coloração mais dourada, e as asas eram em sua cabeça, que eram iguais às de Tânatos, mas eram bem menores. Como as de uma águia.
James intercalou o olhar de Kýrios para o outro, procurando por respostas.
— Como você pode dizer isso? Olha só para ele! Estava lutando contra um espectro astral sozinho! E ele é somente um humano! Um humano, bravo, corajoso, gentil, bondoso, e… e… em seu estado de boa saúde tem uma boa estampa. — defendeu o loiro.
— Aham, sei, sei… É de se esperar que você fique cego para algumas coisas, Kýrios. — Interrompeu o homem pálido, a cópia mais “entusiasmada” de Tânatos, que sorriu de canto em um tom malicioso.
— O que você quer dizer com isso? — questionou Kýrios.
— O que está… acontecendo…?! — questionou James, tentando se levantar, mas acabou ficando ainda mais tonto e quase desmaiando por conta da dor em suas costas, mas logo sendo ajudado pelo deus do amor que lhe pegou.
— James, por favor, me deixe passar um pouco de minha vitalidade pra você.
— Anda logo… — disse, tossindo mais sangue.
O deus do amor então beijou sua palma esquerda, e pegou a direita do rapaz, também beijando-a e a entrelaçando com a sua e sendo correspondido. No mesmo instante uma aura verde clara começou a sair de seu braço, envolvendo todo corpo do outro.
James sentiu como se uma dose de adrenalina o invadisse, tirando quase toda sua dor e com isso, se levantando bruscamente pela grande inquietação vibrando em seu corpo.
— Acho que você me deu mais do que necessário…
— Você precisa. — disse, segurando seus ombros por causa do cambaleio do rapaz, colocando-o em pé, o carregando de lado.
— Kýrios… eu fiz algo…
— Vamos primeiro sair daqui, depois vamos explicar tudo, está bem? — disse o deus, lhe segurando e dando um beijo em sua testa.
James ficou de olhos arregalados, e um rubor em suas bochechas apareceu acompanhado de um coração acelerado.
— Adrenalina, e agora ocitocina, é isso. Entendi. — Supôs James.
O deus assentiu, disfarçando seu semblante arteiro com um pequeno sorriso de canto, enquanto isso ali na frente deles o pálido deus deu um sorriso sem mostrar os dentes, intercalando seu olhar entre um e outro, achando gracioso aquele cuidado que o deus do amor estava com aquele humano.
— Está se sentindo melhor? Se não, me desculpe, eu poderia fazer melhor, mas este lugar está consumindo minhas energias divinas.
— Estou bem… — disse, se sentindo ainda quebrado, mas agora mais disposto para poder seguir em frente.
De repente o lugar começou a tremer.
— Não temos mais tempo! Por aqui! Há menos espectros astrais. — disse o pálido, encontrando uma brecha que percebeu no ar, pegando um fiapo tremeluzente que a toda hora mudava de forma — É uma saída! Temos que aproveitá-la logo! — disse, se direcionando para dentro do quarto e parando em frente a um armário.
— Ela… sumiu. — Constatou James esperando ver a deusa do Monte Fuji, mas a única coisa que havia no lugar era uma flor de cerejeira.
— Sim! Foi bem no momento em que exerci meu dom neste lugar, acho que ela não gostou muito… — disse o ser pálido estudando a porta, e quando achou o que queria pôs uma mão em cima do local, que brilhou em dourado revelando uma letra grega — Hora de entrar no armário pessoal. E se segurem, isso vai ser um pouco tenso. — Tocando a porta do móvel com a ponta de um chifre que parecia muito a aquela cornucópia que o loiro tinha mostrado na caverna, fez a madeira começar a se distorcer.
A porta mostrou resistência, mas o deus empurrou aquele chifre com mais força, e quando não adiantou, começou a bater a ponta do objeto contra aquela superfície amadeirada, que após várias e várias tentativas começou a trincar como se fosse vidro.
— Só mais um pouquinho, e já estaremos fora dessa camada. — Avisou o deus, se preparando, pegando impulso para quebrar aquilo.
E reunindo tudo que podia contra aquela força que a deusa da montanha deferia no ambiente, conseguiu quebrar a barreira, e logo todos foram sugados com uma força sobre-humana para fora daquela dimensão…
Parando em outra.
Havia muitas sombras passando por todos os lados, e também luzes, estas de várias cores e tamanhos, era uma louca e estranha paisagem, tudo estava um pouco borrado, e outras coisas estavam flutuando: cadeiras, roupas, utensílios domésticos e tudo o mais que se existia numa casa. No lugar do teto tinha um céu cinzento com nuvens escuras que se iluminavam por conta dos raios que passavam por elas.
— Que lugar é esse?! — perguntou James.
— No momento, ainda estamos na montanha, o Monte Fuji. A deusa está tentando conter a minha influência sobre este pedaço de domínio, e ao mesmo tempo, estou lutando contra esse Baku. Ele está tentando devorar todos os pesadelos de uma vez só, estes que estou jogando para distraí-lo. E… ah! Me lembrei de uma coisinha importante: Ícelos manda lembranças! Ele é um grande fã seu, James Payne. Pois desde sua aparição, Zeus não tem uma noite sequer de sonhos tranquilos. — Riu o pálido — Ah! Me desculpe pela minha falta de modos… Deixe-me apresentar, eu sou… — quando ia dizer seu nome bocejou, esfregando os olhos, e de repente dormiu.
— … — olhou para o deus do amor em busca de respostas.
— Este é…
— Ele mesmo, Hipnos. — disse Kýrios.
— Ele… é igual a Tânatos, só que…
— Shh… Não repita mais sobre “ser igual”, Tân odeia quando falam que ele e seu irmão são iguais. Até hoje não entendo o motivo…
— Entendo. E anotado…
O deus do sono de repente então tirou do bolso uma pequena bola colorida, mas suas cores eram escuras, não era bonitas.
E mesmo de olhos fechados e roncando, jogou o objeto para o alto, e como se fosse uma bomba de fumaça, se dispersou no ar, fazendo sons estranhos de gritos, rosnados e outras sonoridades não identificáveis.
— São pesadelos. — disse Kýrios, pegando o pulso do rapaz para tranquilizá-lo, mas o mesmo puxou de volta, fazendo o deus franzir o cenho — James?
— Kýrios, eu tenho que te contar uma coisa…
— Me conte depois que sairmos daqui.
— Não, tenho que contar agora. — disse, pois sabia que se aquilo se prologasse, com certeza só pioraria tudo.
— James! Cuidado! — gritou Kýrios, lhe puxando a tempo de um espectro astral lhe golpear por trás em sua cabeça.
O deus do amor tirou de suas costas o seu arco, e habilmente conseguiu acertar o espectro, que se dispersou.
Hipnos, começou a correr, era incrível e estranho como ele agia mesmo estando dormindo, era como se seu corpo estivesse possuído por algo que estivesse o controlando como marionete.
— Pegue, James. — Kýrios lhe entregou a lança — Sei que ainda está muito afetado com tudo. Mundo dos sonhos é realmente algo muito medonho. Mas não se foque nisso, ok? Seja o que tenha sonhado, nada é real, tudo bem?
James assentiu, mesmo que ainda estivesse trêmulo pelas coisas que viu e sentiu quando ainda não estava consciente de que aquilo tudo era somente projeções induzidas pela deusa da montanha.
Mas uma coisa ele sabia que não era mentira: suas dores e ferimentos, e sobre o fato de que aquelas coisas vieram de seu subconsciente, que a escolha que fez não tinha nada de projeções ou alguma influência externa.
Era fato, ele podia negar enquanto estava sóbrio, mas lá no fundo, bem no fundo de sua alma, ele realmente desejou que aquelas coisas que sonhou com o deus, que aquelas coisas tivessem acontecido e ido até o final.
E era por isso que não conseguia olhar direito para o outro. Era por esse motivo e… pela grande culpa.
Os espectros iam e vinham procurando, farejando-os, e quando os encontrava, atacavam tentando fazer o rapaz cair em inconsciência para ser mergulhado naqueles pesadelos que a deusa usava para atacá-los.
Hipnos caminhava, corria, desviava de objetos pontiagudos, destruía paredes somente com um toque delicado da ponta de seus dedos, construía outros somente com um estalar, e tudo isso dormindo.
Kýrios e James o seguiam logo atrás, sempre também se defendendo do cenário que parecia também estar lutando contra eles.
— Kýrios! — alertou o rapaz, ao ver que de um corredor surgiu uma mulher de cabelos dourados.
— Oh deuses…— os olhos do deus marejaram, e quase o mesmo ia até ela, mas o rapaz o abraçou pelo tronco, impedindo-o.
— Não é real! Você mesmo disse! A deusa da montanha está tentando nos enganar!
— Mas… E se não for? Ela pode estar tentando se comunicar comigo! Ela quer me dizer algo! — disse, se debatendo para se soltar dos braços do outro.
A projeção era de sua deusa, Psiquê, que chorava, parecia muito triste e lhe chamava, mesmo que sua voz não saísse, como se estivesse atrás de uma parede de vidro muito grossa.
— Eu tenho que tentar! Ela está me chamando! — disse, conseguindo se soltar e correndo pelo outro corredor onde estava a deusa.
Mas James não desistiu, correu atrás e tirou sua lança das costas, suas pernas estavam ainda tremendo, mas se esforçou para conseguir alcançar o loiro a sua frente.
Quando o deus estava prestes a pular para o outro corredor por causa do chão ter se quebrado por conta de uma rocha que caiu do céu de repente, James arremeçou sua lança naquela projeção, acertando em cheio o seu peito.
— Não!!! — gritou Kýrios, mas logo pegou seu arco quando acordou de seu torpor e ver que era um espectro distorcido e colorido prestes a atacá-lo com suas garras afiadas, atirando com sucesso, e dispersando-o em um monte de areia e fumaça.
— Obrigado… — disse o deus, um pouco abalado. James assentiu e se levantou.
Hipnos então sorriu e mudou de direção, ergueu de modo sonolento um braço e com um movimento circular criou outra passagem. Sua face era confusa, as vezes ria e depois chorava, e então roncava deixando seu semblante neutro de novo, e num sobressalto acordou, fazendo ao redor dele e dos dois que o acompanhava, uma barreira dourada que repelia qualquer espectro ou pesadelo que tentava transpassar.
— Não fui eu! — disse, voltando a si e olhando para tudo ao redor — Oh, ainda estamos na montanha… Eu ronquei? Tân sempre me faz uma piada sobre eu ronco… espero não ter os incomodado! — Kýrios e James fizeram que não quase ao mesmo tempo, e ficaram imaginando em estranhamento sobre o deus da morte fazendo alguma piada, seja lá qual fosse.
Hipnos então bocejou, e logo após deu-se nota de algo:
— Estamos perto de uma saída! Mas… hm… curioso… Venham! — disse, correndo para o corredor a sua frente que apareceu e foi se montando em blocos a cada passo dado.
Assim que os três passaram, Hipnos jogou mais uma bola de energia que continha pesadelos, e depois disso, fechou o corredor atrás de si com um simples estalo de dedos.
— Agora só temos que achar qual é o objeto que é a chave de nossa saída. — disse o deus do sono.
James arregalou os olhos se lembrando de algo, e olhou para o deus ao lado, que assentiu em alívio.
— Hipnos, nós temos a chave! — anunciou o deus do amor.
— Que bom! Isso acelera as coisas! Então só falta encontrarmos a fechadura e a chave-de-gatilho.
— Espera, o quê?! Chave-de-Gatilho? — perguntou James, ficando apreensivo.
— É! Estamos em um pesadelo e sonho ao mesmo tempo, esse local é a chave, tem várias fechaduras, mas a Chave-de-Gatilho fica por conta do sonhador. Que no caso são vocês dois! Ha ha, é uma raridade isso acontecer. São muito sortudos sabiam? Sonho compartilhado e consciente é algo incrível! — disse, sorrindo nervoso.
— Hip, você não sabe qual é a fechadura e nem a tal chave, não é? — indagou o deus do amor, percebendo o falatório nervoso do outro.
— Me desculpe.
James esfregou o rosto em cansaço pela resposta do deus do sono. E respirou fundo para não começar a se desesperar, ainda mais por ver que a sala era praticamente infinita em seus mais variados utensílios.
O lugar que tinham entrado era um grande salão, cheio de pilares jônicos posicionados em lugares aleatórios, e coisas penduradas num teto sem fim, a corda que os suspendia era de cor vermelha, e escorria um líquido de mesma cor que sumia ao pingar no chão.
— O que são tudo isso? — perguntou James.
— São Projeções-de-Subconscientes. Cada objeto está relacionado a algo. E como vocês cinco estão dentro dessa armadilha que a Tengen-Sama está os prendendo, tudo está misturado, não era para estar assim tão… extenso. Mas já que um deus foi ligado a isso… há uma infinidade! Então… — o deus franziu o cenho, e fungou — Oh! Isso só melhora… — e então se virou para o local, abrindo os braços, gritando alto — Tenham cuidado de escolher uma fechadura e chave-de-gatilho do subconsciente de todos vocês cinco! Tem que ser algo que todos compartilham juntos. Ou do contrário, estará apagando uma memória importante de alguém! Me entenderam? — orientou Hipnos.
James e Kýrios olharam entre si, franzindo o cenho para um detalhe daquela informação.
— Cinco? Então há um quinto ser aqui?
— Sim, e é bem poderoso. Mas a deusa desta montanha parece estar também lutando contra isto. Por isso essa dificuldade toda de repente… Hm… Isso é curioso… — respondeu Hipnos, olhando para todo o local, apesar de não dar para ver onde suas pupilas se direcionavam por conta do breu que eram seus olhos, podia se entender que o mesmo estava trabalhando em encontrar algo mais.
— Por deuses… Quem será? Um titã? Eu não me lembro de nenhuma informação sobre alguém mais poderoso ajudando Zeus. — Murmurou Kýrios, ficando apreensivo com a informação.
— Por favor, se preocupe em sair daqui. Um problema de cada vez e… Ah! Espera… Isso aqui deve segurar e dar tempo a vocês. — disse o deus do sono, jogando contra uma parede uma bola menor de pesadelos, e parece que esta era mais densa, pois sua coloração era bem mais escura, somente havendo alguns filetes de cores.
Olhando para todos aqueles objetos, havia tanta coisa que não dava as vezes para distinguir o que era. Havia desde armas e espadas à simples objetos como um anel ou brinquedo.
— Sejam rápidos. Não vou aguentar por muito mais tempo. Só tenho mais duas bolotas de pesadelos pra distrair aquele Baku e este outro ser que não queremos esperar para saber quem é, não é? E por favor, estejam em harmonia. Ou então ficaremos presos aqui. — alertou Hipnos, com uma mão erguida para onde tinham entrado.
— Certo, vamos começar… — disse o deus, se encaminhando junto do rapaz para perto daquelas coisas — James. Primeiro de tudo… — lhe chamou Kýrios — Me perdoe.
— Você não precisa me pedir perdão, pelo contrário… Eu é que…
— Não. Eu quase caí na ilusão daquele espectro… Eu… devia me focar em nós, mas faz tanto tempo que não via nem o vislumbre da imagem dela que…
— Isso porque você a ama. É isso. Não se culpe. — Rebateu, virando-se de costas para disfarçar seu incômodo de ainda olhar para o deus.
— Na verdade, James, eu tenho ficado um pouco perdido… Eu tenho me sentido estranho. Eu anseio vê-la, muito, mas… Eu não sei porque venho me sentido também com uma sensação de que…
— Kýrios, você a ama. É isso que importa. Foque-se nisso. — disse, se afastando do deus, indo logo procurar pela fechadura e o objeto chave para saírem dali e conseguirem chegar até a deusa e pegar de uma vez por todas a primeira Prova de Psiquê.
O deus quis dizer algo, mas se conteve e foi procurar também pelos objetos chave.
James passava pelas coisas penduradas, e outras que estavam amontoadas, observando sempre com muita cautela cada objeto. Havia urnas funerárias, ossos, e mantos cinza muito bonitos, além de joias das mais diversas cores e formas. Também havia peças de roupas e óculos, as vezes um montante deles preso em um só lugar, mas também havia pergaminhos, instrumentos musicais e taças ainda contendo vinho dentro. E nas coisas que James reconhecia como suas, tinham suas garrafas de bebidas, artefatos de arqueologia, e seus livros impudicos que adorava ler por curiosidade ou para seu auto prazer. Eram coisas bem supérfluas, e não entendia porque estavam ali como importantes.
— O que é isso? — perguntou Kýrios ao se deparar com partes de que seria uma estátua de mármore penduradas — Estão emanando um certo tipo de energia… É estranho.
James também começou a se deparar com tais objetos. Muitas coisas feitas em mármore branco: cabeça, pés, mãos, tronco, órgãos… havia até um coração e um cérebro unidos em uma só forma esculpida, parecia haver um rosto nele que James sentiu um arrepio muito ruim passar pelo seu corpo ao ver aquilo, mas decidiu não se focar nisso.
— Talvez partes do que achamos atraentes em alguém? Partes do corpo. — Sugeriu, num claro incômodo como se tentasse esconder algo que ele não sabia o que era para esconder.
— Quem de nós se atrai por um fígado? Ou um pé decepado? Você James? É algum tipo de canibal enrustido?
— Não. — disse, muito sério, cada vez mais sentindo algo ruim apertar no peito — Ok… Creio eu, quem sabe, são coisas que tiveram algum significado muito sombrio. — Continuou, ainda muito incomodado, tentando arranjar lógica pra esse sentimento, mas não conseguia — Por exemplo, alguém que você deixou de ajudar, por isso as mãos, e os lugares que deixou de ir por conta de algo, e isso explica os pés. Fígado é um órgão conhecido por se regenerar, então talvez signifique… renascer. Como o que aconteceu com Li-Hua… Estamos num sonho, e coisas ficam distorcidas, e somente simbolismos pairam para nos guiar ou confundir.
— Hm… Se é assim… Estou vendo muitas coisas que simbolizam renascimento… Como… essa flor de lótus! Isso foi uma coisa que me marcou quando fomos à Varanasi. E também tem essas… cruzes? Isso é relacionado ao seu domínio, não?
— Sim. — disse James, sentindo um mal estar e arrepio frio por sua pele. Talvez pelo significado do que já esperava quando fosse contar sobre o filho de Kýrios, e com certeza haveria um julgamento e punição por isso.
De repente, tudo tremeu.
Hipnos jogou sua penúltima bola de pesadelos.
— Só tenho mais uma chance, espero que já estejam perto de descobrir! — avisou o deus do sono, se esforçando ao máximo para conter aquele salão inteiro — A deusa está dando mais poder a Baku, ele está devorando com mais velocidade meus pesadelos! Quer dizer, os de Ícelos… o que quero dizer é que se apressem um pouquinho mais aí, sim?
James assentiu e se empenhou mais a procurar: taças, lençóis, lenços, mobílias, quadros… Era tanta bugiganga aleatória… Tanto objeto também que parecia estar ali somente para confundir a mente dos dois…
Mas havia uma, um objeto entre os entulhos que assim que seus olhos encontraram, seu peito deu uma pontada muito forte.
E seguindo a lógica daquele sentimento estranho que sentia e que começou quando pararam naquela sala, decidiu confiar em suas deduções sobre aquelas dores serem uma bússola.
E lá estava, entre flechas quebradas, travesseiros de penas e baldes de tinta vermelha vazias e secas, uma caixa com entalhes muito bonitos, detalhes tipicamente gregos,
— Kýrios. Acho que encontrei!
James correu até o deus, que estava parado diante do objeto.
— Uma caixa?
— Não é só uma caixa. Olhe o que está escrito.
“Πάθος, κακό για την αλήθεια./
Paixão, um mal da verdade.”
Se entreolharam intrigados.
— Isso tem alguma simbologia para você e todos nós cinco? — perguntou o deus.
— “Paixão, um mal da Verdade”… Para mim só consigo pensar que quando nos apaixonamos, ficamos cegos para muitas coisas, principalmente para os defeitos de outra pessoa, e além disso, não pensamos muito nas consequências. — respondeu o rapaz, sentindo seu peito se apertando cada vez mais.
— Hm, para mim isso é diferente, mais ou menos… “Paixão, um mal da Verdade”, só me faz lembrar de Aletheia. A personificação da verdade. Me lembro que uma vez discutimos. Ela me falava que o que eu sentia por minha amada nada mais era do que mentiras, que tudo um dia iria acabar. Mas eu sabia que só era alguns ciúmes, já que eu uma vez falei que sua irmã, apesar de ter pernas curtas, era mais bonita que ela. Creio que ela ficou muito ofendida, e então falou aquilo para mim.
James ficou pensando em o quão bobo aquela situação poderia ser, mas não era hora para julgamentos.
— Hm… Bom… Como estamos nós quatro, quer dizer, cinco, presos aqui nestas camadas de sonho… creio que temos que pensar nas coisas simbólicas deles… Tipo… Panoptes… Creio que seja por conta de sua antiga lealdade à Hera. Ele era apaixonado em servi-la, fazia de tudo para agradá-la e ser reconhecido como o seu melhor e mais fiel servo. E por isso, sofreu o que sofreu. Talvez essa paixão para ele tenha sido um mal para a verdade, que ele era somente um objeto descartável para Hera.
— E quanto à Tânatos?
— Eu não sei ao certo. Ele é muito discreto. Nunca o vi ser tão apaixonado por algo ou alguém. A não ser… Que ele tenha medo de dizer? É claro! Talvez alguma mortal? Bom, pode ser uma sina muito cruel, já que ele tem que levá-la sempre quando chegar a hora… Talvez esse seja o mal dele, mesmo que a verdade seja dele nunca ter realmente sua felicidade. — Supôs James enquanto observava a caixa e de repente, tendo uma tontura, tossiu tão forte que sentiu seus pulmões doerem, tanto que um gosto metálico veio à boca.
— James…! — preocupou-se, ao ver sangue escorrer da boca do moreno.
Cambaleando um pouco para trás, e mesmo tentando se apoiar, quase caiu, mas o deus foi logo lhe ajudar a mantê-lo em pé.
E como se o lugar estivesse os escutando, a caixa ganhou um lugar entre os objetos pendurados por uma linha grossa e vermelha, que se fincou, enraizando-se em seus lados.
— Kýrios… Essas cordas… Acho que estão… conectadas comigo… Vamos apostar nessa caixa… — disse, sentindo que se demorasse mais seu estado poderia piorar.
— Tem certeza? Há muitos outros objetos aqui que tem essa mesma energia e simbolismo.
— Vou seguir meus instintos. É essa caixa. Tenho noventa por cento de certeza.
— Tudo bem. Confio em você, James. Sei que todas suas decisões são certas. — disse, tirando uma chave de seu bolso, a mesma que acharam na casa da Ubume.
James sentiu uma pontada em seu peito, cada vez mais que o deus lhe dirigia palavras tão gentis e amorosas, mais se sentia menos merecedor de tanto esforço do outro para lhe ajudar.
Com sua lança, James a direcionou para a fina corda vermelha que segurava aquele cubo, e com um corte, caiu nas mãos do loiro, que a pegou com um pouco de dificuldades por causa do peso.
Todos os objetos da sala caíram, fazendo um barulho horrível de coisas se quebrando e torcendo.
— Finalmente a fechadura! Agora só falta a Chave-de-Gatilho! Mas isso não mas está aqui! Deuses, deuses! Que absurdo mover isso assim diante dos meus olhos! Que ousadia! — avisou Hipnos, parecendo ficar um pouco aborrecido, agindo estranhamente com as asas de suas têmporas batendo freneticamente. E por isso, começou a desenhar algo no ar, pela “mímica” formou uma espécie de retângulo, que cresceu de tamanho com seu estalo e fazendo uma porta no meio do nada aparecer — Vão!
— Mas e você, Hip?!
— Eu sei me virar! Vão agora! Estou perdendo forças… esse Baku vai nos consumir se continuarem aqui!
Sem escolhas, deus e rapaz correram por cima daqueles entulhos de coisas, desviando dos objetos cortantes e outros mais pesados que começaram a se mover avulsos por todos os lados.
— James! — avisou o deus, a tempo de um piano acertar pelas costas do rapaz, que se arremessou para frente mas logo em seguida sendo levantado e aos tropeços seguindo rumo até a saída.
Com tantos obstáculos a frente, mesmo assim conseguiram chegar a tempo de abrir a tal porta e entrar no momento em que tudo começou a se dissipar, alguns sumindo, outros virando areia e outros explodindo e destruindo outros objetos ao redor.
— Fique bem, Hipnos. — disse Kýrios, lá do outro lado da porta.
— Fale ao meu irmão que em breve nos veremos. E que tudo vai dar certo… que seu sofrimento terá um fim! — sorriu triste, e fechou a saída criando um muro de tijolos com um estalar de dedos.
O rapaz e o deus ficaram olhando para a porta, que tremeluziu, e desapareceu de repente de suas vistas.
— Hipnos… Ele…
— Não. Ele está bem. Com certeza acordou, assim como Tânatos e Panoptes. — respondeu o deus, respirando fundo em preocupação mas também um certo alívio. — Ele confia no irmão pra essas coisas. Por isso se aventura nos sonhos dos outros, pois sabe que não vai morrer enquanto seu irmão viver em morte.
James não entendeu muito o sentido daquilo, mas assentiu como se entendesse.
— Certo… então… também acordamos? — perguntou ao deus, ao notar que agora estavam em um lago raso que submergia até suas panturrilhas.
Era de noite, e um lago brilhava lindamente por causa das pequenas lanternas em formatos de flor de lótus que flutuavam, seguindo seu rumo em várias direções.
James não conseguiu deixar de ficar admirado com tamanha beleza. Era um lugar realmente mágico, até o céu, que não tinha nenhuma lua mas estava todo estrelado, tinha uma atmosfera etérea e suave. O ar era fresco e com cheiro de grama cortada também ajudava no adorno daquele lugar.
— Acho que… — se interrompeu, e logo murchou quando avistou algo ao fundo a sete metros — Acho que ainda não acordamos.
— Conseguiram, meus parabéns. — disse uma mulher atrás deles, em pé, com postura imponente e olhar gentil.
De repente uma brisa se agitou, e exibiu todo o local ao redor que era escondido pelas nuvens.
Estavam fora da montanha, mais precisamente, no pico dela.
— Ah que bom, então isso significa que agora tem que nos dá a Prova de Psiquê. Não é isso? — exigiu James, cansado, sério, sua roupa toda suja de seu próprio sangue, e mesmo que estivesse cambaleando por causa das tonturas e pela dor em suas costas, mesmo assim apontou a lança para a deusa.
Tengen-sama inclinou a cabeça um pouco para a esquerda, como se indicasse algo.
E a única coisa que estava à sua esquerda era Kýrios segurando aquela caixa.
— Chega de truques! — disse James.
— Não há truques. — A deusa se aproximou em um piscar de olhos, mas James não abaixou sua lança, fazendo com que a ponta encostasse bem no meio de sua testa — Como eu disse antes, só estou tentando manter meu lar. Tentando limpar o que um dia, por causa de um ato de bondade de minha parte, agora estou pagando com ameaças e corrupção ao meu território.
— Psiquê lhe contatou. É isso? Ela pediu a você que escondesse a Prova dela aqui com você? E quem era o quinto ser que estava aqui? Quem você estava enfrentando antes de chegarmos aqui? E onde está a chave-de-gatilho? — questionou.
A deusa franziu um pouco o cenho, e respirou fundo.
— O ser você logo o verá. Já aquela deusa… Eu sinto muito por ela. Havia muita dor em seu coração. Culpa, principalmente. Mas também muita coragem. Nunca vi um olhar tão determinado como aquele. E agora, estou o vendo pela segunda vez. Tanta culpa… sinto muito. — disse, seus olhos de íris negras, fixas nos verdes esmeraldas do rapaz, que sentiu um pressentimento muito ruim daquilo.
— Como ele pode ter culpa de algo? Tudo o que James fez foi somente se defender! — defendeu Kýrios — Em todo esse tempo, ele quem está saindo machucado nisso tudo! Se há um culpado nisso, sou eu, e Psiquê. Mas cada um de nós temos nossos motivos. E eu entendo perfeitamente. Tudo é por uma causa!
— Kýrios. — lhe chamou James — Pare.
— Parar com o quê? — disse, deixando a caixa de lago, que flutuou no ar, brilhando por causa das flores de lotus brilhantes daquele lago. E indo até o rapaz, tomou suas mãos nas suas —James… — fungou, balançando a cabeça em negativa — Todo esse tempo eu só o vejo se esforçar e se sacrificar! Eu não posso admitir que fiquem lhe acusando de algo que não está fazendo! E eu confio em seus atos, se fez algo questionável, eu perdoo! Ninguém é perfeito. E é isso que amo nos humanos…
— Eu matei seu filho! — gritou James, e algo estranho aconteceu em seguida.
A caixa se abriu sozinha, e caiu no lago, apagando algumas flores que estavam por perto dos dois.
— “A Paixão, é o mal da Verdade.” — repetiu a deusa do Monte Fuji — Foi o que ela disse à mim antes de me pedir para encantar essa caixa com esses dizeres em sua língua. Eu senti sofrimento em cada caractere que ela esculpia com suas próprias unhas… sentia tanta culpa nela… — um lado dos olhos da deusa começou a marejar, logo transbordando, e uma lágrima caiu por sua bochecha.
— James… — o deus engoliu em seco — O que está dizendo?
A caixa caída então começou expulsar o conteúdo, um monte de folhas de pergaminhos, gotas de sangue e borboletas translucidas, que se moveram, se queimando no ar e evaporando, para em seguida todas as provas que haviam dentro se dissolverem se transformando numa nuvem de cinza e trovejante, que envolveu os dois…
“Era uma sala muito elegante, talvez fosse o palácio de algum rei ou rainha de algum lugar desconhecido que James não conhecia, mas Kýrios sim.
Haviam colunas brancas, cortinas em tons dourados que a toda hora a brisa as movia suavemente. Era um quarto de casal, perfeitamente decorado com mobílias em tons de dourado e branco. Se não fosse pelas flores e as penas de pavão que serviam de enfeite numa parede, tudo seria muito pálido e sem graça mesmo sendo exuberante como era.
Ambos, James e Kýrios não conseguiam se mover, a não ser mexer só os olhos para observar as cenas que se passavam na sua frente, como se eles fossem somente uma plateia vendo os atores se apresentarem em um palco.
— Eles estão planejando isso à milhares de anos. É por isso que seu esposo não pára de produzir crias. Pois ele sente que uma hora irá precisar de toda força possível de seus herdeiros de sangue. — disse o homem encapuzado, sua voz era tão grave que dava medo.
— Eu… realmente não sabia disso… — disse a deusa, seus olhos em choque e em lágrimas por causa daquela informação — Se eu soubesse que meu amado Zeus… Ele deveria ter me contado! E eu entenderia todas essas traições! Eu realmente entenderia! Mas não, parece que preferiu me fazer passar por amargurada, por uma deusa vingativa e odiada por quase todos. — disse Hera, jogando sua taça de néctar para longe. Se não fosse de ouro, com certeza se quebraria em centenas de cacos.
— Isso não é mais relevante. Você agora tem a missão de agir. De revelar a todos que Afrodite e todos seus apêndices e herdeiros estão em um plano muito maléfico contra esta casa e este reino. Você deve ajudar seu esposo. Deve apoiá-lo. Ele, por ser arrogante demais, ou por amá-la demais, tenta resolver isso sozinho. Mas nunca conseguirá êxito sem você. Ninguém, nem a prole que ele produziu e ainda produz irá ficar ao seu lado. Mas se você mostrar benevolência e acolhimento à eles, todos ficaram ao seu lado. Todos amarão a deusa que acolhe os frutos de uma traição. Verão beleza em seu coração e a grandiosidade de sua divindade.
Hera ficava com uma postura determinada a cada palavra que aquele ser oculto dizia, e o mesmo ficava cada vez mais confiante, Hera não via isso, mas havia um sorriso muito discreto vindo do encapuzado que mostrava sentimento de vitória em sua postura.”
Kýrios queria gritar, dizer que era tudo uma grande e cruel mentira. Mas nada se podia fazer, já que eram somente lembranças de alguém, lembranças de Psiquê.
Claro que a primeira coisa que se passou pela mente de James foi: Como ela conseguiu ver essas coisas?
A conversa então continuou:
“— Aqui está a prova de que o que estou lhe relatando é uma verdade. — o homem, que com certeza não era humano, se provando isso quando sua mão veio a luz e se apresentou ser toda dourada e em linhas brancas e vermelhas e pretas, que se moviam a toda hora, entregou à deusa um pergaminho.
— Uma profecia?
— Algo que estava a séculos escondido com Zeus. Escondido em seu raio, a arma que ele tanto carrega com afinco. E que a criou para somente ele conseguir carregar.
Era verdade. Ninguém além de Zeus conseguia tocar naquela arma que poderia pulverizar qualquer um que ousasse manejá-la. E isso só confirmou o que o homem encapuzado dizia, observando Hera ligar os fatos e ficar convencida de suas palavras.
Convencida… de seus calculados futuros forjados.
— Como você conseguiu isso? — perguntou ao ser, que sorria de modo vitorioso, mas aos olhos de Hera aquilo nada mais era do que um sorriso vingativo, algo que ela conhecia muito bem.
— A resposta está nesse pergaminho. Leia-o, e depois o destrua. Afrodite é como uma cobra silenciosa, ela tem aliados por todas as partes, então não se arrisque em manter isso em algum lugar. Tudo pode ser corrompido. Menos a sua mente, pois você sabe agora da verdade. E a verdade nunca se corrompe depois de vir a luz.
Hera ficou lhe encarando, até que mudou de semblante para uma de entendimento.
— Obrigada pelos conselhos, Lorde…
— Não me agradeça. Não ainda. — disse, interrompendo a deusa, e desaparecendo em uma espiral de linhas douradas retorcidas.
Hera então abriu o pergaminho, e a cada frase lida, seus olhos ficavam mais aterrorizados.
— Tenho que encontrar Aleteia. Ela vai confirmar o que meus olhos viram… e for verdade… Afrodite pagará muito caro. Todos queimaram por isso.
Correndo para uma tocha, a deusa queimou o pergaminho, sentando em seguida no chão e contra a parede por conta do choque que teve em sua leitura.
Após isso a cena se desfez em sombras, e tudo mudou…
E de repente duas pessoas em um pôr do sol apareceram…
— Você tem que ser forte. Uma hora teremos que ser. Você sabe disso. — Era Psiquê.
— Eu não sei se consigo…! É demais para mim! — disse o rapaz, de cabelos castanhos e pele queimada pelo sol, mas por estar de costas não dava para ver seu rosto.
— Você irá primeiro. E depois eu. Enquanto isso falarei com Tân para me ajudar neste plano. Ele me deve uma.
— Isso é muito drástico!
— Ficar nessa perseguição como ratos correndo de leões é que é muito drástico! Eu não aguento mais isso! Uma hora eu e você sabíamos que teríamos que enfrentá-lo!
— Mas e o nosso filho? — disse o rapaz, que colocou ambas as mãos em sua própria barriga.
A deusa fungou triste.
— Eu darei um jeito. De toda forma conseguiremos salvá-lo, se tudo sair conforme nossos planos. Se não… é sinal que não nosso inimigo foi mais forte e conseguiu reverter, e nossa única escolha será ter que encaminhá-lo para outra vida. Mas, eu farei de tudo, tudo mesmo. Para nosso filho viver. — respondeu Psiquê.
— Mas… e quanto a Eros?
— Ele vai entender. Uma hora ele vai entender tudo isso. Mesmo que doa muito nele.
— E se eu falhar?
— Não tem como você falhar. — Sorriu a deusa, o abraçando de lado — Duas mentes pensam melhor que uma. E cá entre nós, você já foi muito bem recompensado por todos esses milênios. Então não me venha dizer que não aproveitou.
O tal rapaz se encolheu, parecendo ficar muito tímido pelo sorriso malicioso da deusa.
— Eu serei sempre grato por isso.
— E eu serei por toda eternidade também muito grata por ter encontrado você. Mas viver em mentiras nunca é bom, e uma hora tudo tem que acabar. E eu estou farta de fugir de tudo e todos. E sei que você também. Essa é a nossa chance de sermos livres dele e todos deuses que ele manipula! Chegou a nossa hora de realmente estarmos juntos. De amar e ser amados de verdade!
— Que os deuses primordiais nos guiem.
— Que os primordiais nos guiem, e viva a nossa nova vida! E que a liberdade e a verdade seja nosso caminho a partir de agora! A nossa verdadeira felicidade chegou!
— Psiquê, sei que somos capazes, mas creio que essa coisa de separar tudo em quatro pistas é… limitado e vulnerável demais. Uma hora eles vão perceber. Eros vai perceber.
— Às vezes é nas coisas óbvias onde encontramos os melhores esconderijos. Não tema. Sei que está assim porque está esperando esse menino.
O rapaz arregalou os olhos e soluçou.
— Deuses… então… será um… — respirou fundo, um tanto desanimado, tentando conter em vão as lágrimas que começaram a cair — Deuses… é um menino… nosso menino… — acarinhou sua própria barriga, soluçando em não aguentar segurar sua emoção, mas assentindo aos conselhos da deusa, que fez aparecer em sua mão uma garrafinha de néctar e duas taças, servindo a si e ele — Promete que meu pequeno brotinho ficará seguro?
— Prometo. Mas terá que confiar em mim. E nosso plano. Seja corajoso. Por mim, por Eros, e por esse filho. Ou então esta criança terá o mesmo caminho tortuoso que o nosso.
— Então… por nós. — disse o rapaz, mais uma vez soluçando — Eu não quero esquecer esse amor, Psiquê. Pensar nisso me dói.
— Eu também estou sofrendo muito… acha que eu não gostaria de revelar tudo para Eros, revelar sobre você e… Não. Não podemos colocar mais ninguém neste assunto. Temos que poupá-lo.
— Ele vai ficar muito triste… desolado.
— Eros é forte. E também inteligente. Vai superar.
O rapaz bebeu toda a taça de néctar enquanto chorava muito, sendo abraçado com cuidado pela deusa, que colocou uma mão em sua barriga e beijou sua testa.”
As imagens se dispersaram em uma nuvem de areia, que virou novamente papeis, e que novamente retornaram à caixa, que se lacrou para nunca mais ser aberta.
James e Kýrios voltaram a se mexer, mas ambos estavam demasiados cansados.
— Está na hora de vocês partirem. Minha promessa está cumprida. — disse Tengen-sama, muito séria.
Elevando uma mão, fez um sinal, erguendo os dois do chão, e os jogando para fora de sua montanha.
A velocidade com que caiam era assustador, pelo menos para James, que não aguentou estar em queda livre, e sentiu que sua pressão abaixou, fazendo suas vistas escurecerem por alguns segundos…
Quando voltou a si, viu que estava no chão, entre vários galhos de árvores quebrados.
E ali um pouco distante, estava Kýrios, caído também entre as folhagens.
— Kýrios…?! — lhe chamou, mas não obteve resposta — Kýrios! Você… está bem? — perguntou, se esforçando para falar o mais alto que podia para acordá-lo.
— Porquê… fez isso comigo…? — questionou, abrindo seu olhar, que ficou perdido em direção ao céu.
E pelo tom, James entendeu que o deus tinha caído em si sobre ele e seu pecado…
— Eu… Kýrios…
— Você sabia o quanto aquele filho era importante para mim, James. E era importante para… Psiquê e… aquele que estava com ela… — disse, muito confuso, parecendo estar enfeitiçado.
Era as mesmas palavras daquele falso Kýrios de seus pesadelos… Era o que temia… o sonho virando realidade.
— Kýrios… Eu tenho que explicar… Por favor… Deixe-me explicar!
— Tudo bem, isso foi sua recompensa não…? É o justo. Eu sei disso. — disse o deus, se levantando com dificuldades, e com duas coisas nas mãos: na mão esquerda, a caixa, e na direita, o ovo de fênix.
— Kýrios, não é isso… Eu fiz essa escolha porquê…
— Aqui está seu pagamento… Parabéns, não vai sair de mãos vazias. — disse, pondo com cuidado o ovo no chão bem em frente do rapaz assim como também a caixa.
— Porra, deixa eu explicar!
— Então explique! Porque o que estou vendo está claro pra mim! Eu… está tudo… minha cabeça… dói… — enterrou suas mãos entre seus cabelos, fechando os olhos e fazendo uma careta de dor.
E quando os abriu, seus olhos estavam avermelhados, seu semblante indicando estar muito afetado, tanto pelo o que havia visto dentro da caixa tanto pela notícia sobre seu filho tendo sua vida tirada pela pessoa que ele menos esperava.
Mas o deus não estava errado em se sentir decepcionado e confuso. Havia muita coisa em conflito dentro de si.
Até James não conseguia analisar, havia um aperto muito forte e um nó em sua garganta que insistia em ficar ali.
E o deus… ele poderia aguentar tudo, menos que alguém matasse seu filho. Mesmo que fosse ele, a Pista de Parca. Era pesado demais para suportar.
Principalmente também… aquela visão de sua amada e aquela possível traição. Parecia que tudo ao redor estava desmoronando em sua cabeça.
“Paixão, um mal da verdade”
— Kýrios…
— Eu… por todos deuses… — murmurou, atordoado demais pelas cenas vistas — Aquele rapaz… e Psiquê… os dois… e ele gestava… era meu filho…?
— O quê? — questionou, ainda mais confuso e começando a ficar tonto.
— Deuses… eu sinto… era sim… tinha meu sangue pulsando no ventre daquele rapaz… mas… eu não entendo, como…? — piscou, começando a deixar suas lágrimas caírem — Deuses… o que está acontecendo?!! Isso dói…! — disse, ainda com as mãos em sua cabeça.
— Eu… também não sei Kýrios… mas…
— Mas… — interrompeu, virando sua atenção no rapaz — Você não o escolheu… E sei o porquê… Mas você está certo… você tem uma promessa, proteger Li-Hua… mas… — colocou uma mão em seu próprio peito e sentiu uma imensa dor em seu coração, caindo de joelhos.
Aquele olhar foi como uma flechada de veneno, já esperava, mas tinha esperança de que não fosse ganhar isso. Mas um filho era um filho. E não tinha como ter perdão. E compreendia que houvesse uma reação assim do deus, do contrário seria estranho.
Queria confortá-lo.
O deus abriu a boca várias vezes para falar algo, parecia querer perguntar, mas seus olhos e seu corpo não se entendiam. Era visível que o que viu naquelas lembranças de Psiquê também o afetou. Houve algumas respostas, mas também surgiu outras dezenas de perguntas.
— Kýrios… por favor, me deixe explicar…
— Eu não posso…
Se virando de costas, tonto, chocado e muito atordoado, o deus abriu suas asas, e mesmo que tendo muita dificuldade, saiu voando aos tropeços, falhando por ainda estar muito depenado em alguns lugares.
— Kýrios…! — lhe chamou, mas não teve tempo de ser ouvido.
Silêncio, foi o que restou ao ficar sozinho ali no meio do mato.
Estava tremendo, seus olhos transbordaram, seu coração doía, e por mais esforço que fizesse, não paravam de desaguar.
— Não era isso… Me perdoe… eu tinha que escolher, Kýrios… Era a minha função. Não, eu… sim, eu tive que escolher. E escolhi. — sussurrou para si mesmo.
Caindo sobre os joelhos assim como o deus, começou a desaguar toda sua dor, não havia como sua mente raciocinar naquele momento, não havia espaço para deduções, somente culpa e uma imensa confusão pelas cenas que viu junto do deus naquelas provas da deusa da mente e da alma.
— O que você fez, Psiquê? — perguntou, deixando aquela dor transbordar em rios de seus olhos.
E após horas de solidão e lágrimas, notou uma quentura se aproximar de suas costas. Era o ovo de fênix queimando as folhas ao redor, buscando se aquecer.
E apesar de se sentir destruído por dentro, viu um rumo, uma obrigação a seguir e cumprir, algo, uma força que o puxava para se erguer e seguir em frente, então pegou o ovo de Li-Hua, a levando contra seu peito. Pegou também a caixa da prova de Psiquê, que magicamente diminuiu em sua mão ficando do tamanho de um dado, que foi logo colocado dentro do bolso de sua calça.
Publicado por:
- Brunna Lys Miran
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