Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 7
Ao longo do tempo e do espaço, independentemente da idade, sexo e raça, o encontro de duas pessoas sempre provou ser uma aposta emocionante e dramática: seja por desígnio ou puramente por acidente, ou porque a sorte estava de bom humor naquela noite.
No momento em que se encontram, os deuses podem sorrir calorosamente ou friamente virar as costas e ir embora.
Eles os abençoam.
Ou eles atacam.
Dois uns ou setes, é um jogo totalmente novo com cada lance de dados, vitória ou desastre determinado pela virada de um único dado.
Mas há mais de um caminho para o futuro e uma infinidade de escolhas a serem feitas a cada passo. Que decisão, que direção será a certa? Nenhuma regra rígida e rápida entrega o jogo. Nenhuma teoria vai te fazer ganhar. Apenas um firme senso de vontade e falta de autoconsciência. Pegue o que é seu e, a partir desse momento, independentemente do que se espera ou do que se teme, tenha certeza de que o alvo à vista mudará constantemente.
Ninguém pode dizer o que pode acontecer com dois indivíduos que acabaram de se conhecer, mas existe a possibilidade de todas as emoções do coração humano – alegria, raiva, páthos, humor – e cada pedacinho de intimidade, de dar e receber entrelaçados nisso. Juntos, eles podem traçar linhas paralelas que nunca se cruzam, ou labirintos emaranhados que serpenteiam pelo campo.
Juventude e idade adulta. Existem tantas maneiras de descrever os limites que separam essas duas palavras quanto pessoas no mundo. Ninguém pode permanecer uma criança para sempre. É por isso que, com os olhos fixos no ponto final do que chamamos de “vida”, negociamos as voltas e reviravoltas do tempo, encontrando-nos e separando-nos repetidas vezes.
…Mesmo que isso marque o início de uma causa e efeito predestinados, da carnificina que se segue e tudo o que essas palavras podem implicar.
Uma noite cinco anos antes.
Riki conheceu Iason.
Riki veio do mundo selvagem das favelas, deformado e distorcido pela quase extinção do sexo feminino. Ele cresceu lutando contra uma coceira que não conseguia coçar, impotente, sem conseguir conter uma sensação sufocante de estagnação que escaldava sua alma. O peso dessa dura realidade envolveu seu próprio ser, deixando-o cego e embriagado, incapaz de destrancar a porta para a verdade.
“Um mestiço das favelas não tem mais nada a perder”, ele se vangloriava. E foi aí que aconteceu.
Uma noite como qualquer outra, Midas envolvia o calor de sua habitual obscenidade. Como uma imperatriz chamativa reinando sobre seu reino de trevas, ela era a brilhante e deslumbrante ditadora da noite. Sua voz sedutora e pretensiosa vibrava de todos os cantos e recantos, ricocheteando nas almas ludibriadas, devorando o silêncio natural da meia-noite.
Entre suas atrações estava o portão em forma de arco, brilhantemente iluminado e chamativo. Conduzindo diretamente do porto espacial totalmente operacional (construído de acordo com as especificações da indústria turística), ele estava localizado em Sasan (Área 8), no extremo leste de Midas.
As ninfas nuas que decoravam o friso foram derivadas dos mitos míticos encontrados nas histórias das Veela. Entregue as tradições da Nebulosa de Salinas e voltando às lendas de Midas, a sedutora Veela foi considerada a glorificação de Eros e Karma.
Tão realistas e belas eram elas que pareciam ser mais do que meras estátuas, e tão sedutoras fisicamente a ponto de enfeitiçar um homem em seu caminho e fazê-lo estender a mão para tocá-las. Eram elas que possuíam a pureza divina das virgens que não conheciam o pecado e, ao mesmo tempo, representavam prostitutas depravadas cujo doce veneno conduzia o coração de um homem ao inferno.
Como que atiçando o fogo de seus encantos sedutores, um arco-íris elétrico oscilante iluminou o friso em um caleidoscópio de cores. A pura magnificência arraigava as raízes daqueles desejos à espreita no fundo do coração humano e os atraía para dentro.
Naturalmente, ninguém poderia passar pelo portão carregando uma arma ou faca para proteção pessoal. Embora cada área tenha feito suas próprias regras de acordo com suas próprias exigências particulares, o principal ponto de controle de segurança conhecido como Portão de Midas englobava a grande metrópole, incluindo os Bairros do Prazer em sua totalidade.
Dentro dos anéis gêmeos de Midas, bem no seu coração, as ruas grandes e pequenas irradiando do Casino Row criavam raios longos e ininterruptos de luz néon. E em todos os lugares, homens e mulheres resplandecentes, tanto jovens como velhos, reunidos com vozes calorosas e alto astral, como piscinas de água resplandecente.
As ondas de pedestres festivos eram diversas por si só. As multidões de turistas em excursões esbarravam e abriam caminho com imprudente pressa — indiferentes ao ambiente e ao resto da humanidade, e com pressa de satisfazer seus desejos pessoais.
Um jovem passou sua estrutura flexível através das ondas crescentes de corpos. Ainda não era maior de idade, para todos os olhos e de todas as perspectivas ele era tão imaturo como uma maçã no início do verão, que ainda está verde, no processo de amadurecer. Entretanto, sua presença não despertou nas pessoas ao seu redor nenhum instinto natural de proteção: ele parecia não precisar de nenhuma.
Longe disso, uma certa sensação de superioridade podia ser vista no balançar relaxado de seus membros (tão particular dos jovens) e nos olhares de desdém que lançava aos pedestres que usavam suas riquezas de maneira tão ostensiva.
Ele não possuía uma expressão que conquistava um estranho a primeira vista, mas se seu rosto preenchesse o campo de visão daquele estranho, o olhar penetrante do jovem cativaria com a aura única de sua presença.
Seus olhos escuros e insolentes desprezavam a intimidade com qualquer outra pessoa, brilhando com uma luz que desmentia sua idade. Ele sozinho se elevou acima da desordem, desequilibrando o clima alegre e excitado dos arredores.
Ele era uma presença ameaçadora que se chocava com o ambiente. Talvez seja melhor dizer que ele era familiarizado com o lugar, mas não se encaixava ali
Não era fácil acompanhar o fluxo. Não era fácil sair para um passeio.
Em meio às conversas vazias e às tagarelices sem sentido por parte dos turistas e curiosos, ele caminhou sozinho com os pés firmemente colados ao chão. Sua estrutura esbelta formada por ossos firmes, ele era uma rocha entre as ondas da humanidade.
Desde que houvesse dinheiro, neste mundo, a beleza e a juventude estavam disponíveis para todos, se não a própria vida eterna. No entanto, havia algo sobre ele que nenhuma quantia em dinheiro poderia comprar: um carisma entranhado em seu ser. Embora pequeno em estatura, o brilho único do jovem, junto com seu corpo ágil, afastava sem esforço os olhares de estranhos e os colocava em seu lugar.
Esse era Riki.
O pit bull do “Hot Crack”, a zona vermelha que fervilhava com as exuberantes paixões da juventude. Ele era o adolescente que detinha as rédeas da Bison, conhecido por todos nas favelas.
Os cidadãos de Midas e os residentes de Ceres (Área 9) se encaravam como cobras e escorpiões. Isso, no entanto, não era novidade para um mestiço das favelas como Riki, e ele não estava ali na noite insone de Midas dando um passeio prazeroso só para descontrair.
Ele era um homem com um trabalho a fazer.
Todas as noites, a via principal em direção ao Casino Row transbordava com todas as pessoas possíveis. Era incrivelmente fácil escolher na maré humana os grandes gastadores do Logos, os novos-ricos de Galaria.
Visitantes e turistas, porém, não costumavam andar pelas ruas de Midas com dinheiro na mão. Em vez disso, os bolsos dos paletós e as bolsas estavam cheios de plástico. E o plástico (cartão de crédito) também serviria, contanto que ele não fosse pego, é claro.
Além dos deveres cerimoniais da antiga cavalaria, os oficiais designados à Divisão de Segurança Pública de Midas eram tudo menos ornamentais. Em particular, a polícia dos Bairros do Prazer — os chamados “Darkmen” — eram famosos por sua brutalidade desnecessária.
Os turistas que passeavam pela noite de Midas não estavam necessariamente ali com os motivos mais puros em mente. Sempre haveria encrenqueiros, turistas que não sabiam quando encerrar a noite. Não é surpresa que, onde as ovelhas inofensivas se reuniam, os lobos também fossem atraídos.
Apesar de todas as campanhas publicitárias de lírios brancos no mundo, desde que as pessoas existissem, existiriam os locais de reprodução do pecado e do egoísmo. Esse era o preço de se nascer humano.
Neutralizar esses predadores antes que eles agarrassem as suas vítimas era o trabalho dos Darkmen. Assim, desde o início, os moradores de Ceres — os mestiços da favela e toda a sua laia que haviam sido excluídos dos registros oficiais de Midas — não podiam esperar algo como direitos civis ou tratamento humano.
Ninguém jamais havia fugido dos Darkmen e havia saído inteiro. No entanto, como se estivessem jogando um jogo mortal, os garotos da favela percorriam as ruas de Midas noite após noite. De qualquer forma, o considerável valor de revenda de cartões de crédito roubados no mercado negro não poderia ser ignorado.
Mas era mais do que isso.
A adrenalina que acompanhava o enorme risco era natural no cotidiano dos favelados oprimidos. Era um rito de passagem importante para uma criança provar seu valor entre seus amigos.
Todas as crianças da favela foram criadas no sistema de adoção do Guardian. Aqueles biologicamente incapazes de dar à luz — em outras palavras, os homens — eram designados “adultos” aos treze anos de idade. E forçodamente se tornavam independentes. Não importava o modo de vida que eles escolhessem para si mesmos, eles eram donos de sua própria liberdade. Ninguém lhes dizia o que deviam fazer.
No entanto, a sensação agourenta de claustrofobia e o fedor do esgoto a céu aberto que eram as favelas fechavam qualquer porta que pudesse ter se aberto para eles, apesar de todos os seus esforços. Eles tinham mais chances de serem atingidos por um raio do que ganhar na loteria nesta vida.
Eles não tinham as carteiras de identidade que todos os cidadãos de Midas possuíam. A falta de uma carteira de identidade era o mesmo que uma sentença de prisão perpétua.
Um cheiro de indolência e lassidão impregnava os territórios dados a esses jovens, que eram “adultos” apenas no nome.
Apenas um mês respirando a atmosfera venenosa era mais do que suficiente para manchar a alma. Quem ele era e sua razão de estar na favela — um menino não tinha tempo nem espaço para sentar e dar uma boa olhada em seu lugar no mundo.
E por mais desagradável que fosse, ele não pôde deixar de notar que, quando se tratava de sua própria sobrevivência, era muito mais fácil seguir o fluxo. Ninguém chamou isso de fuga; ir para se dar bem era apenas a melhor maneira de permanecer vivo em um purgatório que não oferecia nenhuma esperança de salvação.
A ansiedade sufocante. A desesperança enterrada na negação. A forte chuva de realidade que cobria as favelas com sua película encardida. No que dizia respeito a Riki, reduzido ao mínimo, a lei das ruas poderia ser resumida da seguinte forma: você limpa a própria bunda.
Ninguém queria ser um mestiço desprezado e tratado como lixo pra sempre, mas, ao mesmo tempo, ninguém tinha os meios ou a força de vontade para rastejar para fora dali.
Nas favelas, a “dignidade” de um homem valia tanto quanto uma cerveja barata. Qualquer simpatia demonstrada por um estranho seria respondida na mesma moeda pela lei das favelas. Jogue fora o que lhe resta de orgulho pessoal e não passará de lixo velho. Esse era o dilema.
Riki ainda estava procurando por uma resposta. Como estar vivo era a única prova de vida que ele conhecia, ele montou sua antiga moto a jato e a conduziu como um homem que não se importava se vivia ou morria. Ele cortejou uma vida de extravagância de auto-indulgência entre seus amigos. E passava cada minuto acordado expandindo seu território.
E percorria os campos de caça de Midas todas as noites
Tudo significava praticamente a mesma coisa para ele. Ele alinhou sua presa em sua mira e furtou o cartão. A empolgação que preenchia o espaço entre a tensão de seus nervos e as batidas comedidas de seu coração não era nada em comparação a um barril de cerveja preta contrabandeada, que ele nunca poderia nem chegar perto em outras circunstâncias.
Todas as noites em Midas o deixava queimando por dentro.
Enquanto ele pudesse armazenar o calor e deixá-lo sair, ele poderia manter aquele paraíso ali diante de seus olhos.
A Senhora Sorte estava muito entusiasmada com ele naquela noite e Riki roubou várias vezes até que seus bolsos ficaram cheios de cartões de crédito.
Mas ainda faltava algo.
Por que, esta noite em particular, ele não conseguia se sentir satisfeito? Não fazia sentido. Ele não estava imaginando coisas. Só não estava com a cabeça no lugar. Mesmo com a adrenalina correndo depois de fazer algumas corridas, Midas não estava lhe dando aquela velha excitação tão desejada. Era diferente da uforia de sempre, uma pulsação fraca em seu cérebro sobre a qual ele não podia fazer nada.
Talvez seja por isso que Guy falou:
— É melhor voltarmos antes que nossa sorte acabe. — Mas seu aviso entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
— Depois de mais uma rodada.
— Riki, está ficando estranho aqui fora.
Guy tinha certeza de que sua sequência de vitórias estava para acabar mais cedo ou mais tarde. Riki ao menos entendeu isso. O homem que não sabia quando desistir estava perdido em um mundo de problemas.
— Então vamos dar a noite por terminada. — Guy falou, como um homem que começa a sentir as dores no estômago de quem comeu demais. — E se eu estiver certo?
— Estou lhe dizendo, eu ficarei bem. Não vou estragar tudo.
O sinal de trânsito em sua cabeça ainda não estava vermelho. Ele provavelmente vai ficar bem, pensou Guy. Ele chegou até aqui.
Alguém de fora poderia ter tratado essa suposição como pouco mais que um palpite, mas Riki nunca jogou suas cartas erradas. Se ele tivesse, então como poderia um garoto com menos de dois anos que saiu do Guardian ter colocado a Hot Crack — a zona de guerra da favela — sob seu controle?
E assim, Riki entregou ao relutante Guy os cartões que ele tinha roubado e eles seguiram seus caminhos separados. É claro que Riki não tinha vontade de perder os dedos brigando, mas agora a fome cavando em seu estômago estava vencendo. Desistir agora e mergulhar na cama com Guy para uma foda comemorativa não diminuiria sua necessidade. O vazio palpitante dentro dele estava gritando para ser preenchido de maneiras que ele nunca havia experimentado.
Tornando-se consciente disso, Riki se repreendeu novamente. Ainda estava lá — a sede constante e sufocante e a sensação de irritação que nunca o abandonavam. Tinha se tornado tão familiar para ele, como um velho amigo que estava sempre ao seu lado.
Por que esses sentimentos o incomodavam tanto naquela noite em particular? Por alguma razão, eles incomodavam, e então lhe pareceu que o melhor a fazer era colocar seu motor para funcionar.
Ele se sairia bem.
O alvo em que seus olhos caíram parecia ser o típico turista: maravilha brilhava em seu rosto, suas bochechas coradas de emoção, olhos saltando para frente e para trás enquanto ele se apressava. Tocado por Midas, deslumbrado pelo ar venenoso, ele estava aberto a ataques de qualquer parte.
Eles tornam tudo tão fácil. Ele não dá a sensação de que está pedindo para ser o jantar de alguém?
Pensamentos despreocupados rapidamente se transformaram em ação. Riki acompanhou o alvo à sua frente, mantendo uma distância segura entre eles. Como sempre, em sua cabeça, ele manteve um ritmo fácil e mediu o tempo — Ele se aproximou do homem andando relaxado — E então aquele momento de alegria indescritível e inebriante preenchendo todos os cantos de sua alma — De repente, por trás, alguém agarrou seu pulso. Merda! Riki congelou no local.
— O que… que diabos…?
Sua visão ficou branca. Um momento de pânico indescritível. Não. Ele não podia. Ele não podia ter estragado tudo! Pela primeira vez ele experimentou o medo real.
— Zero pontos para o estilo. Não estou impressionado. — Uma voz gelada apunhalou seu cérebro, como se fosse a própria personificação do seu medo.
Merda!
Riki engoliu em seco instintivamente. Sua respiração enchendo sua garganta de espasmos. Cada pelo de seu corpo se arrepiou. Aquilo não era bom… Nada bom. Ele realmente havia estragado tudo. Palavras de autocensura ecoaram em sua mente. Sua visão tingida de vermelho. Os músculos de sua espinha enrijeceram. Ele não conseguia se mover.
Ele apenas ficou lá parado.
Como se estivesse com hipotermia, a ponta de sua língua tremeu. Ele não conseguia parar de bater os dentes.
Ele não conseguia parar de tremer.
O ritmo de seu batimento cardíaco estranhamente acelerado o manteve em algum tipo de feitiço. A força dos dedos cravados em seu pulso direito era um sinal claro de que Riki estava ferrado e não havia escapatória.
Merda. Ele cerrou os dentes de trás. Aquele “merda” , foi muito profundo e muito sério. E isso não era nem a metade. Tendo uma boa ideia do inferno que o futuro reservava para ele, a atenção de Riki foi atraída inexoravelmente para as batidas incessantes em suas têmporas.
Agora o que fazer?
Seu coração ameaçou explodir em sua caixa torácica. Ele olhou para seus sapatos e desejou que seus batimentos diminuíssem enquanto ele desesperadamente reunia seus pensamentos dispersos.
Fingir ignorância? Bancar o tolo brincalhão? Ele teve uma sorte danada — não tinha nenhum cartão consigo. Ele ainda poderia se esquivar disso. Não havia como soltar o braço, mas ele tinha que fazer alguma coisa, ou iria direto para o inferno.
Ele sobrecarregava cada neurônio de seu cérebro. Agora mesmo. Qual era a melhor ação a tomar agora?
Perdido em pensamentos, alguém atrás dele gritou em um tom de voz completamente diferente.
— Ei! O que você está fazendo? Ande ou vamos nos atrasar!
— Quem diabos é esse? — outra voz questionou desconfiada. Ele agarrou o lóbulo da orelha de Riki sem piedade, cuspindo ironicamente — Você não tem um MAP, mestiço?
Devia ser do Corpo de Vigilantes de Midas. Riki trancou a boca com mais força. Ali em Midas, no lugar de um cartão de identificação, cada cidadão tinha um biochip de cinco milímetros de Memória de Acesso Pessoal (MAP) embutido atrás do lóbulo da orelha. Os homens usavam o deles no lóbulo da orelha esquerda, as mulheres no direito.
Os dispositivos eram codificados por cores de acordo com a idade. As características físicas únicas de cada pessoa eram registradas no DNA. A criação de um sistema destinado a administrar toda a população resultou também em um sistema que controlava o comportamento de cada pessoa com uma precisão notável.
O trânsito entre as áreas e a circulação fora dos territórios estabelecidos eram proibidos por lei. Resumindo, o rígido sistema de classes conhecido como “Zein” havia se tornado uma camisa de força invisível.
Qualquer pessoa que infringisse as regras e tentasse escapar para fora sem permissão seria executada no local com um vírus personalizado embutido no dispositivo MAP. A polícia não se daria ao trabalho de se envolver.
Este foi sem dúvida um produto das lições aprendidas com o Incidente Ceres, e um exemplo dos absurdos nascidos no mundo por causa disso. Em comparação com as liberdades prejudicadas dos cidadãos de Midas — seu status legal definido pelo MAP — um mestiço como Riki e seus amigos se entregaram livremente ao paradoxo perverso de se pavonear por Midas sem restrições.
Pode parecer senso comum identificar qualquer pessoa que não possua um MAP não como um cidadão de Midas, mas como um visitante ou turista. No entanto, embora os cidadãos de Midas se vestissem mais ou menos da mesma forma, em uma cidade onde o dinheiro e a imagem faziam o homem, por mais favorável que fosse a luz em que fosse visto, Riki era claramente discernível como um vira-lata da cidade vizinha e não um turista em férias de luxo.
Sem dúvida, os mestiços da favela viam o Corpo de Vigilantes de Midas como seu verdadeiro inimigo. Quando o pior aconteceu entre os mestiços de Ceres e os cidadãos de Midas, eles ficaram mais temidos do que até mesmo os Darkmen. Não importava quão irrestritos fossem seus métodos de policiamento, contanto que não pegassem um vira-lata em flagrante, os Darkmen simplesmente o expulsariam da cidade.
O Corpo de Vigilantes era diferente. “Esses insetos que vêm a Midas para pegar as sobras de nossa mesa devem ser exterminados de uma vez por todas.” Com esse fanatismo como credo, eles tinham uma tenacidade grotesca e ardente para se envolver em um estilo de limpeza de rua grosseiramente conhecido como “caça vira-lata”. Apenas pelo crime de andar na rua, um vira-lata que deixasse escapar sua identidade poderia ser arrastado para fora de vista e espancado até virar polpa em um beco escuro.
É claro que os moradores das favelas não estavam dispostos a aceitar tal tratamento injusto sem fazer nada, e muitas vezes retribuíam tão bem quanto recebiam, chutando algum sangue próprio e depois correndo de volta para as favelas.
Nem o Corpo de Vigilantes nem a polícia perseguiriam sua presa através de uma área limite, apenas por causa das restrições invisíveis impostas por não possuírem dispositivos MAP. No que diz respeito aos residentes de Midas, era para o seu próprio bem. Se aqueles bastardos pisassem um pé dentro de Ceres aquela seria a última vez que alguém ouviria falar deles. Eles ficavam petrificados com a ideia do delicioso ar da favela penetrando em suas peles e apodrecendo seus cérebros.
Era falado com partes iguais de sarcasmo e autodeterminação. Não importava o quanto os cidadãos de Midas os insultassem e desprezassem, houve momentos em que a dura realidade de suas vidas foi empurrada em seus rostos e eles tiveram que reconhecer sua existência.
Naturalmente, no que dizia respeito a Riki, fosse o Corpo de Vigilantes ou os Darkmen, qualquer um deles faria com que ele se arrependesse daquele erro de ser pego.
— Você pode ir em frente sem mim.
— Por mim tanto faz, mas-
— Eu terminarei aqui em breve.
— Você não deve comer qualquer sucata estranha que acha na rua.
— Não tenho tempo para isso.
— Bem, é bom saber, mas-
Com desdém e arrogância, a conversa ia e vinha acima da cabeça de Riki, como se ele não estivesse ali. Sentimentos intensos de repulsa subitamente o dominaram, um violento latejar atrás dos olhos que o fez esquecer momentaneamente onde estava.
Ele ergueu os olhos. A sua frente estava uma onda luxuriante de lindos cabelos dourados adornando um rosto igualmente lindo. Assim que isso foi registrado em seu cérebro… Não pode ser. Um Loiro?
Riki ficou sem palavras, apesar de si mesmo. Ele engoliu em seco. Ele nunca tinha tido um encontro tão próximo com um Loiro, a elite da elite de Tanagura.
O que um Loiro está fazendo aqui?
Mas ali estava ele.
Por que um Loiro apareceria em um lugar como aquele? E ainda assim ali estava.
A situação evoluiu rapidamente além de sua capacidade de entender a situação, Riki ficou lá em silêncio atordoado. A presença arrogante do homem escultural de cabelos dourados indicava uma facilidade praticada em colocar os outros em seu lugar com um simples olhar. Ele viu a reação assustada de Riki com total indiferença.
Não, muito pelo contrário. O brilho em seus olhos implicava que ter aquele mestiço em sua linha de visão estava poluindo a vista.
— Estou indo então.
Riki assistiu, sem piscar, enquanto o Loiro se virava e desaparecia na multidão.
Riki exalou profundamente o ar armazenado em seus pulmões e sentiu os olhos ao redor perfurando a parte de trás de sua cabeça. Pela primeira vez ele realmente sabia. Ele sentiu a multidão de olhos sobre ele e sabia que isso era mais do que simples má sorte. Ele tinha feito a porra de um erro. Riki levantou o olhar para o homem, Loiro que havia conversado de uma maneira tão descontraída com outros — o homem que tinha os braços de Riki presos atrás dele.
Você está brincando comigo? Seus pensamentos sumiram no espaço vazio.
Seu captor era uma boa cabeça mais alto que ele, se não mais. Ele olhou para Riki de uma altura imponente. A beleza de seu rosto nada faltava em comparação com o Loiro que acabara de sair, uma perfeição estética que só as palavras eram insuficientes para descrever.
Sua atratividade excessiva despertou em Riki um medo quase instintivo. Um semblante tão impecável, implacável e sagaz que a palavra “elite” se encaixava perfeitamente nele. Havia um toque de insensibilidade — até crueldade — nele que percorreu Riki como um choque elétrico.
Juntamente com o cabelo dourado luxuriante que simbolizava sua autoridade suprema, ele era uma beleza que praticamente forçava os outros a se curvarem diante dele. Pois ali estava um Deus da Beleza que mantinha sobre si um inviolável senso de dignidade que desafiava a definição comum de arrogância.
Lá estava Iason Mink.
— Se você está jogando algum tipo de jogo, então é melhor dar um tempo. Isso vai te colocar em apuros algum dia.
A voz gelada contrastava fortemente com os dedos apertando os pulsos de Riki. Suas ações iam muito além de qualquer mera intenção de repreender ou censurar, o tom extremamente claro, sereno e lúcido irritou Riki de todas as maneiras possíveis.
— Sim, certo, agora me deixe ir, está bem?
Da parede de espectadores imediatamente veio uma enxurrada de críticas e risadas irônicas misturadas com choque.
“Quem é esse idiota?”
“Que tipo de idiota não reconhece um Loiro de Tanagura quando vê um?”
“O garoto tem coragem de arrumar briga com um Loiro assim.”
Ignorando a tagarelice ao seu redor, Riki olhou para Iason, uma onda provocante de determinação e insolência obstinada preenchendo seu olhar. Ele falou para se gabar de sua maldade, desgosto e desafio preenchendo as profundezas de sua voz:
— Se você tem tempo para me dar um sermão, eu preferiria ouvir isso dos policiais.
Por um breve momento, os olhos azuis do outrora imperturbável Loiro se estreitaram ligeiramente.
Era por causa de sua infame natureza mestiça que ele era incapaz de bajular um rico pomposo? Ou sua determinação inflexível como líder de Bison? Além de seu orgulho, um vira-lata da favela não tinha mais nada a perder. Riki sabia que não deveria desafiar esse cara, não deveria ser o garoto rebelde que era. Mas independentemente disso, ele o encarou.
Ele podia muito bem ser o senhor de tudo, mas se Riki cedesse à pressão e desviasse os olhos, ele mesmo se castraria. Nas favelas, se acovardar em uma situação como aquela não seria bem visto e o faria perder para sempre o respeito que havia conquistado.
Mesmo que esse tipo de antagonismo extremo não tivesse nada a ver com Midas, a sujeira que manchava sua alma não era algo facilmente lavado. Mesmo que seu oponente fosse um Loiro de Tanagura, Riki não iria se ajoelhar e lamber seus pés.
Orgulho sem fundamento, muitos chamariam assim. No entanto, ele não dava a mínima para o que os outros pensavam dele. Esta parte de seu orgulho era verdadeiramente inegociável.
E enquanto criticava a estupidez descarada de mostrar os dentes para qualquer um sem se importar com quem era, Iason não podia levar esse garoto levianamente, já que de forma tão imprudente mostrou os dentes e levantou a cabeça para um Loiro. Longe disso, ele falou com uma sobrancelha levantada.
— Cuidado. Não deixe isso acontecer novamente. — Com essa frase de despedida, ele se virou e foi embora.
— Que diabos?
Riki deixou escapar, dominado pela sensação inesperada de que o homem estava fugindo do desafio. A frieza com que ele estava sendo dispensado apenas irritou Riki ainda mais.
Riki olhou estupefato para as costas de Iason. Ao contrário do Loiro que havia saído alguns minutos antes, uma estranha humilhação e uma sede faminta ardia em sua garganta. Morder a língua e observar Iason se afastar — vestido com toda a sua indiferença cruel — transformou todo o incidente em uma diversão sem sentido. Acabaria não significando nada.
Tinha que haver uma razão para as coisas terem acontecido daquele jeito… Tinha que haver mais na história do que um golpe de sorte.
E, no entanto, aquele Loiro arrogante estava gentilmente dizendo a ele para cuidar de suas maneiras e ir para casa.
Sendo esse o caso, o caminho mais sensato seria dar as costas e sair dali antes que ele mudasse de ideia, mas não foi isso que Riki fez. Isso não era algo que ele pudesse fazer. O cabelo de Iason estava brilhando no escuro e desaparecendo de vista. Quase como se lutasse contra uma força invisível, Riki deu o primeiro passo, avançando.
Depois disso, seus pés não pararam de se mexer. Enfurecido, Riki mergulhou na escuridão. O único pensamento em sua mente era manter a figura de Iason em sua mira; ele não sabia que estava dando o primeiro passo em direção ao seu destino final, um labirinto sem saída, uma areia movediça de saudade e frustração e embriaguez e vergonha.
Riki perseguiu Iason. Ele mordeu o lábio inferior com força, seus olhos ardentes fixos no que estava diante dele. Não vou ficar em dívida com alguém da elite de Tanagura! Esse foi o único pensamento que passou por sua mente.
Ele errou gravemente, dolorosamente. E ficou grato, aliviado do fundo do coração, por não ter acabado nos braços da polícia. Mas não era isso que ocupava sua mente.
Um dos Loiros da elite que governava Tanagura tinha feito uma boa ação a um mestiço da favela — sem compromisso — e ainda pior, como se fosse parte de uma piada cínica. Mas Riki não estava rindo. Seus lábios apenas se contraíram em uma careta.
Você limpa sua própria bunda.
Morar nas favelas depravadas era o único motivo de orgulho pessoal de Riki. E então, de repente, esse ato de boa vontade veio completamente sem ser solicitado. De certa forma, aceitá-lo a preço de nada era pedir demais da mentalidade deturpada de: “cachorro comendo cachorro”, das favelas.
Não, mesmo quando confinado na jaula que era o Guardian, um mundo à parte da realidade, Riki já havia testado os limites de seu orgulho e descoberto que esse aspecto de si mesmo era a única coisa que ele não podia renunciar. Mas por quê? Como tal convicção se fixou tão firmemente dentro de sua cabeça?
O próprio Riki não conseguia entender os motivos. Ele só sabia que era jovem demais para aceitar estupidamente essas humilhações casuais. E assim seguia seu extraordinário senso de auto-respeito também.
Talvez mais importante, ele não tinha ideia do que um “Loiro de Tanagura” deveria significar para uma pessoa como ele. Não havia a menor pista em sua cabeça quente do preço futuro que teria de pagar por suas ações atuais, dos arrependimentos que viria a assumir.
Tudo o que ele podia ver diante de si era aquele vislumbre de ouro. Os cabelos dourados de Iason poderiam ter simbolizado um tipo de poder que Riki não conseguia compreender, mas segui-lo era fácil. O mar de pessoas se dividia onde quer que Iason passava. Todos eram cativados pela beleza de seu rosto.
Parando momentaneamente em seus caminhos, eles ficavam em transe enquanto olhavam para trás por cima dos ombros. Então, percebendo que era um famoso Loiro de Tanagura, eles prendiam a respiração mais uma vez. A intensidade do ser de Iason, envolta em uma aura de feroz graça e dignidade, era como estar na presença de um deus, de modo que os espectadores quase cediam à vontade de se ajoelhar diante dele.
Diante do olhar da multidão festiva, Riki não desistiu nem um pouco. Ele estendeu a mão e agarrou o braço do Loiro e falou sem fôlego.
— Ei, espere.
Imediatamente surgiu um coro de objeções carregadas de inveja e escárnio.
“O que há com esse garoto?”
“Quem diabos é ele?”
“Sim, quem esse pirralho pensa que é, falando com um Loiro assim?”
Iason não parecia nem um pouco perturbado pela comoção ao seu redor. Ele também não criticou Riki por causa de sua insolência. Ele não falou. Apenas o olhar gelado em seus olhos — vários graus mais frio do que antes — perguntou: O quê?
Sem medo, Riki disparou direto para o rosto dele.
— Qual é o problema, me deixando assim? — O tom de voz frio e plácido de Iason não vacilou nem um pouco.
— Um mero capricho.
Mas a atitude de Iason irritou Riki. Ele franziu a testa em desagrado. A pena caridosa, mais do que o desdém óbvio, isso o deixou enjoado. Não havia lógica em sua reação. Foi a resposta instintiva de um garoto indisciplinado da favela.
— Não devo nada a ninguém. Especialmente um figurão da elite como você. Não vai rolar.
— Oh? Então encontrar falhas em favores é um hobby seu?
Filho da puta! Inconscientemente, Riki apertou os dentes de trás em pura fúria enquanto olhava para Iason.
— Eu tenho algo a dizer para você. — ele se comunicou com um presunçoso empurrão lateral de sua mandíbula.
Iason não deu nenhuma resposta verbal, mas quando Riki começou a ficar de mau humor, inacreditavelmente, e ainda sem dizer nada, começou a andar ao lado dele. Meio desesperado, Riki fez uma proposta a uma elite de Tanagura e ele aceitou.
Ele está falando sério?
***
Riki tinha feito a oferta, e agora com o Loiro o seguindo, ele teve que engolir seus xingamentos e endurecer sua expressão. Talvez — apenas talvez — ele estivesse indo longe demais, mas simplesmente não conseguia se conter.
O espaço vazio entre eles engolia qualquer coisa que quisessem dizer.
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