Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 17
A caminhada da Avenida Cuzco até a casa de Riki levou vinte minutos. O sol parecia estar se pondo mais cedo do que o normal para a estação. Quando voltaram, já havia anoitecido.
A primeira pergunta que saiu da boca de Riki quando eles entraram no quarto foi:
— Sobre o que você queria falar? Deixa pra lá o papo furado. Vai direto ao ponto.
Riki queria encerrar as coisas o mais rápido possível e fazer com que Katze saísse dali. Ser direto era uma forma de transmitir a mensagem.
Ele ofereceu uma cadeira a Katze, mas Katze não se sentou. Ele se encostou na parede e acendeu um cigarro.
— Esse garoto, Kirie… — disse Katze por fim. — Aquele com os olhos engraçados. Você o conhece?
O nome de Kirie sendo mencionado fez Riki franzir a testa, mesmo contra sua vontade. Depois de todo esse tempo, por que estava ouvindo aquele nome saindo da boca de Katze? Ele não podia acreditar que as notícias sobre o incidente com os Jeeks tinham chegado até os ouvidos de Katze — mas talvez não soubesse até onde os olhos e ouvidos de Katze iam nos becos. Katze não era o tipo de homem que ficava despreparado.
— O que quer que ele esteja tramando, não tem nada a ver comigo, — disse Riki, querendo evitar quaisquer suposições. Para Riki — e para todos os membros fundadores do Bison — Kirie era um incômodo e um azar. Qualquer que fosse a intenção de Katze, associar-se com Kirie não era um bom começo.
— Sério? Estranho, já que ele parece tão obcecado por você.
Riki não podia negar isso. Embora a obsessão de Kirie fosse mais pela fama do que por Riki; na verdade, ele culpava Riki por bloquear os raios de sua glória. Qualquer pessoa que os conhecesse sabia disso também. Se Kirie estava fazendo barulho por algo, era para chamar a atenção. Era óbvio que eles não se davam bem, considerando o quanto eram diferentes.
Mas Kirie não era um simples arruaceiro com um ego inflado. Se fosse, o problema teria se resolvido sem maiores problemas. Kirie tinha ideias e ambição, além de muito orgulho. A Sorte lhe sorriu, e agora sua arrogância não conhecia limites. Ele já era um idiota desde o início, e agora estava pior.
Riki não tinha a menor intenção de se dar bem com Kirie. E também não reagiria às tentativas de Kirie de atiçar a rivalidade deles. Riki não se importava nem um pouco com quantas vezes Kirie o encarava e zombava: Seu lugar não é aqui.
Mas agora Kirie estava vindo até ele de uma forma que poderia causar danos reais, e isso era uma questão completamente diferente. Riki queria dar um chute no traseiro de Kirie com tanta força que ele nunca mais mostraria o rosto.
— Ele anda fuçando por aí no Mercado das Rosas, fazendo perguntas sobre você.
Riki não havia percebido que a intromissão de Kirie tinha ido tão longe. Aparentemente, andar com seu carro aéreo pelas favelas e falar merda não era o suficiente; Kirie tinha começado a bisbilhotar a vida de Riki, provavelmente em busca de alguma sujeira.
Parecia que fazia muito tempo que Riki tinha sido um mensageiro, mas, por alguma razão, Robby e Kirie continuavam espalhando isso por aí. Mesmo assim, isso não preocupava Riki, pois ele não achava que faria muita diferença.
Tudo estava acontecendo de forma tão estranha. Riki entendia a animosidade de Robby; o homem era um inimigo natural. Com Robby, ele compartilhava um passado e, embora não fosse tão forte quanto sua conexão com Guy, os três não conseguiam escapar do tempo que passaram juntos no Guardian.
Mas Kirie era diferente. Kirie era um incômodo, um corpo estranho invadindo a rotina diária de Riki. O fato de Katze ter mencionado Kirie indicava que algo maior estava em jogo. Quando ele pensou nesses termos, o rosto de Riki se endureceu ainda mais.
— O fato de se espalhar a notícia de que eu costumava entregar recados para você não pode ser bom para nenhum de nós, não é?
— Relaxe. Uma pequena pesquisa não revelará tudo.
Ele tinha razão. Como um dos transportadores de Katze, Riki sempre respeitou estritamente a lei, mesmo ao contrabandear mercadorias através de canais clandestinos. Desde o início, quando Katze aceitava um trabalho, por mais duvidoso que fosse, ele nunca se expunha de uma maneira que Kirie pudesse descobrir.
Katze era um operador mais hábil, exigente e eficiente do que sua aparência deixava transparecer. Ninguém no mercado negro duvidava disso nem por um segundo. Se Kirie se queimasse enquanto mexia onde não devia, ele certamente estava merecendo.
— Se esse não é o problema, o que você quer? — perguntou Riki. Ele queria um aviso prévio se algo estivesse no horizonte.
— Você não saberia quem está apoiando o Kirie, por acaso?
— Não faço ideia. — Riki respondeu bruscamente, com mais força do que o necessário. — Não estou nem aí para o que ele está aprontando. — Ele encarou Katze, tentando entender o que o outro homem estava insinuando.
Riki sabia que Katze não tinha vindo apenas por causa do problema com Kirie. Katze entendia melhor do que ninguém onde aqueles três anos perdidos tinham ido, então Riki queria evitá-lo a todo custo. Não importavam os “bons tempos” que poderiam ter compartilhado no passado, Riki só queria agarrar Katze pelo colarinho, arrancar todas as informações dele e nunca mais vê-lo novamente.
Consequentemente, no último ano, além de participar de um leilão em Mistral Park, ele não havia colocado os pés em Midas. Mas, quando esteve lá, teve o choque de um segundo encontro com Iason, e isso só reforçou sua inclinação para evitar qualquer coisa relacionada ao Blondy.
Mas, enquanto teimava em dar as costas a isso, os problemas apareceram de uma forma inesperada. O reaparecimento repentino de Katze foi a evidência mais óbvia disso. E ir tão longe a ponto de exigir uma reunião cara a cara só exacerbou as coisas.
Riki não podia deixar de estar ciente das falhas em seu relacionamento com Katze – havia rachaduras que não poderiam ser consertadas facilmente. Embora os instintos de Riki não o estivessem alertando sobre nada imediatamente perigoso, ele estava nervoso o suficiente para sentir dores nas juntas. A quantidade de experiência de Katze excedia em muito a sua. Se chegasse a hora, Katze poderia esmagar Riki em um instante. Isso era o que significava ter poder de verdade.
— Estou mais preocupado em deixar as coisas como estão com toda essa agitação acontecendo. Quando as pessoas começam a meter o nariz onde não devem, é difícil fazê-las recuar, — disse Katze.
— Você é realmente único. Veio até aqui só para me contar isso? Se essa história chegar aos ouvidos do Kirie, ele enlouqueceria. — Riki acompanhou a provocação com um encolher de ombros exagerado. Mesmo sabendo que Katze não era do tipo que se preocupava muito com seus ex-funcionários, a maneira como ele falava deixava Riki com uma impressão completamente diferente. Parecia que os últimos quatro anos nunca tinham acontecido.
— Se fosse por mim, preferiria não ser enganado por um amador. Assistir a um garoto que está tentando chegar ao topo ser derrubado novamente não me ajuda em nada, como você deve saber.
As farpas nas palavras de Katze doeram profundamente. As insinuações eram claras. Riki sentiu um aperto no estômago. Antes que sua mente pudesse dizer à sua boca para se calar, a pergunta escapou de seus lábios.
— Katze… aquele discurso que você me deu. Há quatro anos…
À medida que seus pensamentos se condensavam em palavras, as perguntas ficavam mais claras. Nos últimos quatro anos, ele nunca havia conseguido encontrar uma resposta satisfatória, e agora tinha Katze à sua frente. Um homem que devia saber mais do que ele.
Ele sabia por que Katze o havia escolhido para ser mensageiro. Aquilo era apenas um subterfúgio para atraí-lo. A verdadeira questão era por que Katze o havia vendido a Iason?
Riki sabia que provavelmente não valia a pena fazer essa pergunta. Ele não podia voltar atrás no tempo. Remexer em feridas antigas sem propósito não faria o passado desaparecer — apenas faria sangue fresco jorrar.
Por outro lado, assim que as palavras começaram a surgir em seus lábios, a raiva contida também veio à tona. Ele tinha prometido a si mesmo que nunca mais mencionaria aquele nome, mas a raiva borbulhante era incontrolável.
— Uma vez, Iason me disse a mesma coisa. “Katze não o alertou sobre ser curioso demais? O fato de vocês dois se darem tão bem me surpreendeu.”
— Você e Kirie, — Katze comentou: — Vocês estão em ligas completamente diferentes, destinados a propósitos completamente distintos. Isso já estava decidido há quatro anos atrás.
— Que diabos isso significa? — Riki rosnava baixo em sua garganta, mas a voz em sua cabeça gritava descontroladamente. Ele estreitou os olhos enquanto esperava que Katze falasse. Seu coração martelava de expectativa.
— Você deve saber que Tanagura tem uma face pública e seu próprio mundo privado, certo? — perguntou Katze.
Sim, isso é novidade para mim. Mas antes que Riki pudesse dizer isso, Katze continuou.
— Portanto, deve haver alguém mexendo os pauzinhos no mundo privado, certo?
Riki mordeu com força o lábio inferior, Katze estava lhe oferecendo algo, assuntos sobre os quais não se deveria falar. Ele não duvidava que, neste momento, estivesse cavando sua própria cova, mas Riki não podia se obrigar a expulsar Katze. Mesmo que se arrependesse depois, ele precisava saber a verdade.
Mas por que agora? Já fazia um ano desde que ele tinha voltado para a favela. Depois de todo esse tempo, o que teria inspirado Katze a revelar a verdade para ele agora? E por que usar Kirie como pretexto? Isso só levantava mais perguntas em sua mente. Para onde quer que isso estivesse indo, Riki sentia que não podia deixar isso sem resolver. Ele podia perceber que Katze também não deixaria isso de lado; Riki sentia que o homem precisava contar algo.
— Há quatro anos, Iason entrou em contato comigo por meio do leilão da Gauche e perguntou sobre um vira-lata de aparência estranha. Cabelos e olhos pretos, um garoto durão com uma personalidade à altura. Eu sabia que ele devia estar falando do Riki da Bison.
— Eu era o intermediário no mercado negro, e você era um vira-lata nas favelas. Éramos os homens certos na hora certa. — Riki fez uma pausa.
— Então foi você quem preparou a armadilha.
— Foi Iason quem disse que eu deveria usar você e ver o que acontecia. Eu simplesmente não disse não. Embora, não importa o que eu diga a esta altura, só vai parecer uma armadilha para você.
— Por que você fez isso? Você estava com medo dele?
— Claro que sim, eu estava com medo, — disse Katze com apatia. — Cada vez que aqueles olhos frios se fixavam em mim, ainda sinto calafrios só de pensar nisso.
E com isso, Riki sabia que Katze estava dizendo a verdade. Ele próprio já havia sentido aquele olhar frio com muita frequência. Durante anos, ele sofreu a humilhação e o tormento daqueles olhos, submetendo-se a eles como um cordeiro.
Em pouco tempo, aquela humilhação tinha se transformado em um medo insondável. Levar um soco na cara teria sido preferível. Não havia fim para a dor contida no punho de ferro de Iason, e Riki não duvidava que Iason soubesse a dor que causava. Quando Riki lembrava dessas coisas sob essa luz, ele quase podia sentir essas sensações novamente. Meio inconscientemente, ele sacudiu a cabeça, dando um grande suspiro de ar.
Mas havia uma condição para que eu o empregasse no mercado. Ele gostava de seu orgulho, mas não precisava de um vira-lata simplório de favela. Nem eu. Portanto, você recebeu uma tarefa para fazer, em um tempo determinado, e foi isso que acabou acontecendo.
— Nosso primeiro encontro.
— Exatamente.
Riki queria acreditar que tudo começara com o cartão que Zach lhe dera — mas na verdade, era apenas um dominó derrubado por todos os outros. Iason tinha estado manipulando o jogo desde a noite em que se conheceram. Da mesma forma que Riki não conseguia superar a humilhação, Iason, ainda mais relutantemente, não tinha conseguido deixar para trás. A dolorosa realidade da situação fazia com que o corpo inteiro de Riki doesse.
— Para o seu próprio bem, eu esperava que você fosse apenas mais um vira-lata de cabeça dura da favela. Mas você tinha as qualidades superiores necessárias para sair deste inferno.
Riki franziu o cenho. Desejar ser estúpido não era o tipo de elogio que ele queria ouvir de Katze. Mas Riki não se sentia muito inteligente depois de ter caído na armadilha. As palavras de Katze tinham um duplo sentido, e as palavras “qualidades superiores” soaram como uma provocação para Riki.
— Ou talvez eu deva dizer que você tinha as matérias-primas de um tipo superior, Riki. Você tem orgulho e ambição e estava disposto a investir sangue e suor para fazer as coisas acontecerem. Iason ficou satisfeito com os resultados. Ele reconhecia uma coisa boa quando a via.
Os instintos de Iason devem ter sido errados, então; ele deveria ter continuado procurando no mercado negro. Teria sido uma ideia melhor do que tentar transformar um mestiço dos becos em um animal de estimação.
Katze lançou a Riki um olhar significativo, não querendo ser o único a fornecer informações.
— Tudo isso leva à pergunta que quero que você responda, Riki: o que há entre você e Iason?
Riki não conseguiu encontrar as palavras, apesar de o brilho agudo dos olhos de Katze ter cortado os tons geralmente quentes de sua voz. Quando Riki se recusou a responder, Katze deu de ombros e continuou.
— A primeira orientação que recebi de Iason foi para ficar de olho em uma moeda Aurora nas favelas. Eu me perguntava por que ele esperava que eu visse uma, já que as moedas Aurora são usadas apenas pelos animais de estimação em Eos. Se o Iason não tivesse feito o pedido, eu teria dado risada!
Riki lembrou-se da moeda Aurora. O símbolo de sua desgraça e orgulho ferido. Quando ele a pegou, Riki não percebeu o quanto em breve descobriria que era apenas uma criança perdida no mar.
— Mas eu observei e esperei, e a moeda nunca apareceu.
É claro que não tinha aparecido. Riki não ousou trocá-la ou descobrir de onde veio. Incapaz de se livrar dela, ele a carregava consigo como um talismã — um aviso para si mesmo. Ele não tinha ideia do que era até Alec vê-la e dizer que era “moeda de pet”. Essa descoberta o deixou furioso.
— Talvez Iason tenha feito um erro de cálculo quanto aquela moeda. Mas no final, não importava se ela aparecesse ou não. Ele ainda queria você.
Sem conhecer o motivo e sem entender a estratégia, Katze simplesmente fez o que lhe foi mandado. Riki sabia que essa era a dinâmica da relação entre Iason e Katze, e sempre seria.
Mas por que Katze estava lhe contando tudo isso agora? Ele estava simplesmente dando sua última chance? A pergunta ficou presa na garganta de Riki. Era o espinho em sua pata que ele não conseguia remover sozinho. Essa era a sua última e melhor chance.
— O que tudo isso tem a ver com Kirie? — finalmente perguntou Riki. — Seja lá o que você está procurando, não vai mudar nada. Curiosidade matou o gato, lembra? — A arrogância vazia de um garoto de rua sem noção e o desejo de satisfazer sua curiosidade lhe custaram caro. Ele pagou essa dívida sendo o pet de Iason por três anos.
Riki não tinha desejo de voltar a essa parte específica de seu passado. Ele tinha acabado com isso, de uma vez por todas.
— Paguei caro pelo meu orgulho com o nariz e algumas outras partes do corpo. Não vou me envolver com isso de novo por causa de um estranho. Especialmente não por causa de Kirie. — Com essas palavras, Riki deixou claro o que Kirie significava para ele.
— Você não entende como eu me senti? — Riki continuou, com a voz aumentando de volume. Ele continuou em um longo e furioso fôlego, sem dar a Katze a chance de se intrometer. — Você belisca seu braço e ainda não sabe se realmente dói, então você quebra o braço só para ter certeza. Foi assim que aconteceu comigo naquela época. Está tentando me dizer que era assim para você?
Riki não conseguia fingir que aqueles três anos não tinham acontecido. Mas mesmo que ele não conseguisse se livrar completamente disso, ele pelo menos poderia seguir em frente. Ele não se importava se as pessoas o considerassem um covarde, desde que o passado estivesse preso às correntes daqueles três anos manchados de vergonha. Ele não queria que sua vida acabasse. Mesmo que esses pensamentos ocupassem sua mente, ele ainda sentia algum apego persistente à própria vida. Ele não conseguia jogá-la fora ou desistir. Isso era o que significava estar vivo.
— Essa é uma pergunta estranha. O que você ouviu sobre mim? — perguntou Katze.
— Nada. É só que qualquer um pode dizer que você ganhou na loteria da vida só de olhar para você.
Katze fez uma careta inesperadamente. Riki, de repente, percebeu que tinha pisado em uma mina terrestre.
— Você acha que ganhei na loteria da vida? — perguntou Katze de forma sarcástica, com a voz rouca e desanimada. — Talvez você esteja certo, mas não parece. — Ele respirou fundo. — Especialmente porque eu costumava ser um mero furniture de um Loiro.
— Você era o quê?
Riki levou vários momentos para entender o que tinha acabado de ouvir. E mesmo depois de entender, o impacto entorpecente do choque ainda dominava seu cérebro.
Katze era um vira-lata de favela, assim como Riki… mas ele já tinha sido um furniture de um Loiro? Que porra é essa? Como isso era possível? Como isso afetou o relacionamento de Iason e Katze? Riki não conseguia nem imaginar. Ele nem mesmo sabia que expressão fazer.
Furniture.
Em cada cômodo da torre palaciana de Eos que abrigava a elite de Tanagura vivia o jovem chamado furniture. “Viviam” não era nem mesmo uma palavra apropriada. Com cabelos cortados curtos e usando uniformes que enfatizavam as linhas magras de seus corpos, eles eram apenas itens de luxo mobiliando os cômodos como eletrodomésticos orgânicos.
É claro que eles não estavam lá para seu próprio prazer. Eles foram escolhidos por terem um físico que combinava com a decoração instalada e inteligência suficiente para que pudessem interagir com os equipamentos eletrônicos mais recentes. A vida privada da elite da Eos era separada para garantir o desempenho de suas funções com eficiência. De acordo com essa mentalidade, os móveis cuidavam dos animais de estimação. Para garantir que o contato entre os móveis e os animais de estimação não causasse problemas, os móveis eram castrados por questões óbvias.
Quando Riki descobriu até que ponto a elite iria — contornando os androides e castrando humanos para instalá-los como eletrodomésticos vivos — apenas para viver em conforto e facilidade, isso o deixou fisicamente doente. Mas naquela época, ele não tinha muita simpatia para dar.
Riki só conhecia Katze como a mão astuta que governava o mercado negro. Quando se encontraram, Katze já se tornara o meritocrata de coração frio que havia purgado seu corpo das últimas gotas de emoção humana. Riki havia se perguntado em mais de uma ocasião se Katze não era realmente humano, ou um androide. Aparentemente, ele não estava tão longe da verdade.
Mas ainda assim, ele não conseguia imaginar Katze como um furniture de Eos. Mas isso não era tudo. Como se para confundir ainda mais Riki, Katze soltou outra bomba.
— Você sabia que todos os furnitures em Eos são mestiços da favela, Riki?
Com essa pequena informação, o sangue fugiu do rosto de Riki.
Prazer em conhecê-lo, Daryl!
A mente de Riki de repente retrocedeu para o rosto delicado de um garoto de idade indeterminada. O furniture instalado nos aposentos de Iason.
Meu trabalho é cuidar de você, Mestre Riki. Se houver algo que você queira, por favor, me diga.
Naquela época, ele não havia percebido. O discurso e o comportamento de Daryl tinham sido incessantemente irritantes. Ele não se importava que fosse trabalho do furniture se inserir em todos os aspectos de sua vida.
Nas favelas, quando Riki estava com Guy, ele podia fazer o que quisesse, quando quisesse. A presença de Guy era como um bálsamo para sua alma. Ele nunca achou isso incômodo.
Daryl era diferente. Saber que Daryl estava sempre logo atrás dele deixava Riki constantemente nervoso. Não importava o quanto ele gritasse e abusasse verbalmente do garoto, Daryl permanecia lá.
“Eu faço as coisas do meu jeito.”
“Não me encha o saco, cara.”
“Me deixe em paz, porra!”
Mas não importava quantas vezes ele descontasse em Daryl, não importava o quanto ele reclamasse e gritasse, era sempre a mesma rotina repetida vezes sem conta.
— Você não pode fazer isso. Em Eos, apenas a palavra do seu mestre é absoluta. Meu dever é cuidar de você e zelar pela sua saúde. É algo que seu mestre determinou.
Daryl até tinha invadido o banheiro e tentado esfregar cada canto e fresta do corpo de Riki até ficar brilhando. Esse Daryl era um maldito incômodo. Mesmo bagunçando o quarto todo, Daryl não parava. E não importava o que Daryl fizesse, só deixava Riki mais furioso. Às vezes, por algum motivo, Daryl dizia exatamente a coisa errada ou olhava para Riki exatamente do jeito errado, o que fazia Riki entrar em um ataque de repulsa.
— Quando foi que os vira-latas das favelas se tornaram uma espécie em extinção? Pare de ficar me espreitando. Você é um pé no saco!
Tudo o que Daryl fazia o levava ao limite.
Mas aquele Daryl — todos os furnitures de Eos… eram todos vira-latas de favelas?
Katze tinha que estar mentindo. Era apenas uma piada, mais um golpe. Atordoado pelo segundo choque, Riki só pôde encarar Katze sem reação.
— O Guardian está sob o controle de Tanagura, — explicou Katze lentamente, para dissipar qualquer dúvida de Riki. — Um garoto com um rosto bom o suficiente e uma cabeça boa o suficiente, inocente dos caminhos do mundo, está destinado a ser instalado como móvel vivo feito sob medida em Eos.
Aquilo era tão absurdo que Riki sentia vontade de gritar. Mas sua garganta seca e tremendo, seu pulso acelerado, seu cérebro como uma caixa presa com uma tampa enferrujada — a dor tornava impossível fazer algum som. O que Katze estava lhe contando era mais do que impossível, mais do que inacreditável.
Não. Talvez… ele simplesmente não quisesse acreditar.
— Por que você acha que Ceres foi a única a perseverar na prática de parto natural? Você já parou para tentar descobrir isso?
Riki balançou a cabeça. Ele nunca tinha feito isso. Simplesmente não tinha importado para ele. Guardian não tinha sido nenhum tipo de paraíso para ele.
— Você realmente acredita que deveria ser um direito humano fazer isso da maneira como Deus pretendia?
Riki também não tinha pensado muito sobre isso, embora não pudesse dizer que realmente acreditava nisso. Mas ele também não conseguia negar completamente. A crença estava profundamente enraizada em seus ossos. Era assim que Ceres o tinha feito.
— Sem manipulação genética, os seres humanos nasceriam em proporções quase iguais entre homens e mulheres. A razão pela qual nascem menos mulheres é que alguém já vem ajustando os fatores biológicos básicos. Isso acontece há gerações.
Riki engoliu em seco. Ele encarou Katze.
— Tanagura está praticando o controle populacional. Ao tornar descartáveis os vira-latas das favelas, os cidadãos de Midas se sentem melhor do que o resto de nós. Somos uma lição sobre o que acontece com a escória que não se curva como deveria. Se todos estivessem vivendo uma vida boa, tudo ficaria desequilibrado. Eles não podem viver conosco, mas não podem matar todos nós, ou a balança penderá demais em uma direção. Mulheres tendo filhos sem parar seria um problema, então eles criaram um jogo. Agora, não importa para que lado a bola role, ela sempre acabará no esgoto.
Nas favelas, não importa para onde a bola role, sempre acabará no esgoto. O eco gélido dessas palavras foi suficiente para fazer Riki vacilar sobre os pés.
Uma expressão torta enrugou um lado do rosto de Katze.
— Quando descobri que fui escolhido para ser móvel em Eos —, ele cuspiu, — fiquei tão empolgado. Se eu tinha o rosto e o cérebro para isso, eu tinha que ser diferente dos outros. Estava deixando Guardian por algo melhor. Mas no final, lixo ainda é lixo, e eu era apenas mais um moleque ingênuo.
As palavras pesadas de Katze grudaram como cola grossa. Riki sabia perfeitamente do que ele estava falando.
— Na minha primeira noite em Tanagura, fomos levados a um centro médico e finalmente descobrimos o que ser um furniture realmente significava. Foi um choque. Eu simplesmente apaguei.
Na mente de Riki, os traços de Katze, refinados e semelhantes aos de um androide de repente se fundiram com os de Daryl. Riki não tinha ideia da idade real de Daryl, e nunca se esforçara para descobrir. Daryl seguia cada comando de Iason, o que o tornava um inimigo de Riki. Riki não podia simpatizar com um de seus torturadores, e não queria receber simpatia de volta. Isso revelaria suas fraquezas.
Por isso, Riki se mostrou teimoso, tapou os ouvidos e afastou qualquer mão que o alcançasse. Ele tinha que se manter em pé. Não havia como comprometer o orgulho que o tornava quem ele era. Não era exagero dizer que a identidade de Riki como um vira-lata da favela era essencial para a defesa de seu senso de identidade.
— Veremos o que acontece com esse seu orgulho, — Iason sussurrava zombeteiramente em seu ouvido. — Ele vai para o lixo, onde pertence.
A voz de Katze o tirou de seu devaneio.
— De qualquer forma, — continuou Katze, — eu achei que era melhor do que terminar minha vida miserável nas favelas. Fomos escolhidos e não podíamos exatamente recusar. Mas se tivéssemos escolha, acho que nenhum de nós teria recusado.
Se eu tivesse colocado uma visão tão positiva nas coisas, talvez pudesse ter vivido uma boa vida em Eos, Riki não pôde deixar de pensar. Ele lambeu desajeitadamente os lábios rachados. Mas a realidade de viver a “boa vida” em Eos era muito mais cruel e crua. Ele não poderia voltar a isso.
— Não se consegue uma folga sem abrir mão de algo. Então, eu cuidava de animais de estimação. Os furnitures são descartáveis. Você faz o que lhe mandam para sobreviver. Você suprime suas emoções e segue em frente, mesmo que tenha que punir alguém do mesmo lugar de onde você veio. Isso é o que é preciso para ser adequado a um Loiro. Você não era mais um homem, mas desde que não tentasse ser mais do que aquilo para o qual estava destinado, poderia ficar satisfeito.
Riki fechou a mão em punhos. As palavras de Katze colocaram o significado de ser um móvel de um Loiro sob uma luz completamente diferente.
Em Eos, a única lei é a do seu mestre.
Daryl fez sexo oral em Riki porque Iason pediu. “Pare com isso!” Riki gritava enquanto se debatia fisicamente, mas sem sucesso. Até que Iason desse a ordem contrária, Daryl continuaria estoicamente a fazê-lo, dobrando os joelhos, enterrando o rosto entre as coxas, deixando Riki duro sempre que ele se recusasse a se masturbar.
“Você ainda não sabe, Mestre Riki. O quanto ele pode ser assustador”.
Riki conhecia muito bem o quão implacável, orgulhoso e frio o poderoso Iason poderia ser. Mas para Riki, isso não era o pior. Ele reservava seu verdadeiro ódio para Daryl, o furniture que teimosamente o seguia apenas por ordem de Iason, mostrando nenhuma resistência aos comandos do Loiro. Era a existência de Daryl que ele não conseguia aceitar.
Mestre Riki.
A forma como Daryl se dirigia a ele feria seu orgulho. Riki sentia que o tratamento honorífico insultava suas origens como favelado.
Embora um animal de estimação e um furniture pudessem ser mantidos no mesmo quarto, seus valores eram completamente diferentes. Riki os considerava duas espécies diferentes.
Riki havia presumido incorretamente que os móveis eram criados e treinados em instalações especiais, como os animais de estimação, já que a maneira como Daryl o chupava era melhor do que a de Guy. Riki nunca havia sido penetrado por ninguém além de Guy, e a novidade da técnica de Daryl despertava sensações totalmente únicas. Mas, apesar do prazer físico, Riki odiava ser chupado por aquele eunuco. Mesmo se expondo docilmente a Iason para mostrar submissão, mesmo cerrando os dentes e se masturbando para Iason, era preferível às humilhantes ministrações orais de Daryl.
Mas mesmo quando Riki aprendeu a abrir bem as pernas na frente de Iason, o loiro não disse a Daryl para parar. Expor-se não foi suficiente. Foi um treinamento sexual em nome da “disciplina”. Totalmente nu, colocado no colo de Iason, com os braços do homem em volta do torso de Riki, prendendo seus joelhos bem separados, amarrando-o as mãos e pés. Iason acenou para Daryl e Daryl chupou Riki até sua bunda latejar e suas bolas tremerem.
Daryl atormentou a ponta melada do pênis de Riki com as pontas dos dedos e o lambeu com a ponta de sua língua afilada. Só isso levou Riki ao clímax, fazendo com que gemidos trêmulos saíssem de sua boca. Daryl chupou Riki até que ele se esvaziasse, engolindo cada gota que lhe era arrancada.
“Não tem mais nada pra sair!” Riki gritava, com a voz trêmula. E Daryl continuava a acariciá-lo e a lambê-lo.
“Seu corpo é muito mais honesto do que sua boca”, Iason ria friamente.
Mas a dor e o constrangimento não terminaram com isso. Antes de penetrar Riki com os dedos, Iason fazia Daryl soltar Riki com a língua. Iason assistia com prazer. Daryl aplicou-se em cada dobra carnuda, tocando os reservatórios inesgotáveis de prazer e nojo até que as regiões inferiores de Riki se elevassem de excitação.
Essa rotina continuou por seis meses. E então Iason começou a transar com ele, e Daryl não foi mais chamado para o quarto. Mesmo que ser abraçado por Iason e impiedosamente penetrado causasse um tipo de dor que ele temia que pudesse despedaçar seu corpo, ainda era melhor do que se expor a Daryl e ter a boca dele em cima de seu corpo.
Daryl ainda limpava Riki depois. Quando Riki era levado por Iason, reduzido a uma polpa paraplégica — precisando passar pomadas na bunda sangrando, inflamada por ter sido preenchido até seu limite — Daryl cuidou de um Riki acamado e aguentou em silêncio todos os xingamentos que Riki pudesse lançar.
Riki não tinha ideia de como Daryl se sentia sobre tudo, e ele particularmente não queria saber. O Daryl normal era obviamente tímido, embora não sexualmente. Era estranho que quando Riki foi exposto nu além de qualquer coisa que ele já havia experimentado, repetidamente apalpado até que todo o seu corpo tremesse, ele nunca viu em Daryl nada que se aproximasse do desejo sexual.
Ainda assim, Riki não considerava Daryl um móvel descartável. Se os fornitures eram um bem de consumo descartável, então os animais de estimação criados como brinquedos sexuais das elites dificilmente poderiam ser descritos de forma diferente. Desprezar Daryl não era diferente de desprezar a si mesmo.
Depois de ir para a cama com Iason, não importava quão abusivo Riki se tornasse, Daryl nunca perdia o controle. Após muitos meses difíceis, Riki começou a perceber que essa era a maneira de Daryl mostrar seu orgulho. Foi necessário uma força inabalável para aceitar honestamente uma pessoa pelo que ela era — não importando o quão violenta e agressiva. A percepção veio lentamente para Riki, mas veio. E embora ele nunca tenha desenvolvido simpatia por Daryl como um móvel, era melhor do que o que ele sentia pelos outros animais de estimação de Eos.
No final, Riki afastava o tédio observando Daryl correr freneticamente em sua maneira animada de cuidar das coisas. Isso geralmente deixava Daryl cauteloso, pois Riki se comportando era como a calmaria antes da tempestade.
— Apenas como tudo o que você diz e faz reflete na honra de seu mestre —, dizia Daryl, — sua saúde reflete em meus deveres e responsabilidades. Eu vivo para garantir que você se sinta em casa aqui. — Um animal de estimação mal cuidado é a vergonha de seu dono e responsabilidade do furniture. Isso era conhecimento comum em Eos.
— Claro — Riki respondia, sua voz aumentando de raiva. — Você alimenta os animais de estimação, troca os animais de estimação, os limpa depois que o dono termina de foder ele. Eu não pensaria em fingir que sou um homem livre!
No final, não importa em que confusão Riki se metesse com outros pets, Iason dizia apenas uma coisa: “O salão é o único lugar onde os pets podem fazer o que quiserem. Em sua maioria, o que acontece lá é aprovado. Mas entenda, Riki: se houver um incêndio, não importa se você acendeu o fósforo ou não, quando a notícia se espalhar, você será o culpado. Não dê a eles essa oportunidade.”
Mas então o assunto com Mimea foi revelado. Para Riki e Iason, o escândalo que abalou Eos e ameaçou derrubar Iason de seu posto foi o ponto de virada de tudo. Riki foi a pessoa cujo corpo foi obrigado a aprender o verdadeiro significado das palavras “uma lição que você nunca esquecerá” e, depois daquele dia, a atitude de Iason endureceu. Quando Riki desobedecia em casa, Iason o maltratava até que ele não conseguisse ficar de pé. E quando Riki se colocava obedientemente aos pés de Iason, Iason zombava dele e perguntava que plano desonesto ele estava tramando. Em momentos como esse, Riki rosnava até ficar rouco.
O corpo que Iason castigou impiedosamente não conseguia nem se lembrar das atenções de Daryl depois disso. E o que havia acontecido com Daryl? Riki não sabia. Os dois haviam se separado muito repentinamente.
Um dia, as portas fechadas do saguão principal se abriram de repente diante de seus olhos. Por um momento, o mundo à sua frente era um clarão de luz branca. Riki estendeu a mão para fora da porta como se estivesse em um sonho. Meio em choque, Riki deu um passo à frente… e para fora de Eos.
“Pare aí mesmo!”, gritaram os seguranças.
Riki disparou sem pensar. Mas sua fuga foi interrompida; ele foi preso e detido. Ao escapar de Eos, Riki estava certo de que seria punido severamente.
Como era de se esperar, Iason permaneceu em silêncio. Mas em vez de enviar Riki para o centro de reciclagem e eliminação, Iason o devolveu as favelas. Foi um choque maior do que as portas de Eos se abrindo diante dele. Seu anel de pet foi removido e nada mais o segurava. Um êxtase selvagem tomou conta de seu corpo. Ele fugiu o mais rápido que pôde antes que Iason pudesse mudar de ideia.
Riki imaginou que Daryl estava apenas cuidando de outro animal de estimação de Iason naqueles dias. Quer Riki estivesse lá ou não, Eos não mudava. Ou assim Riki acreditava.
Mas saber que Daryl tinha vindo das mesmas favelas que ele mudou seus três anos em Eos. Por que diabos? Que porra é essa? Ele não queria saber, mas agora sabia. De repente, ele odiou Katze por ter cravado a verdade crua nele como uma lança, especialmente agora que ele não estava mais com Daryl.
— Quando eu era um furniture, — Katze explicou: — Eu não tinha uso para a fofoca e a difamação. Mas havia algo nisso para mim. Por cinco anos, eu olhei de cima para Midas. E foi bom. Era como se não houvesse nada neste mundo do qual eu tivesse medo.
Furniture de um Loiro. Muito provavelmente, seu mestre era o próprio Iason.
— Provavelmente foi por isso que fiz esse acordo com o demônio. Não ver o mal, não ouvir o mal, não falar o mal. Essa é a lei de ferro dos furniture. Devore o fruto proibido da curiosidade uma vez e você nunca mais conseguirá tirar o gosto do seu organismo.
O crânio de Riki apertou como um torno em torno de seu cérebro. As acusações de Katze pesavam seriamente sobre ele. Abrir os olhos para a verdade era doloroso, mas ele não podia desviar o olhar daquela realidade.
Para Riki, aqueles três anos tinham sido nada além de humilhação sufocante. Enquanto Katze continuava com suas revelações, Riki lutava para entendê-lo. As palavras de Katze eram como uma infecção purulenta.
— Eu sabia que o Guardian era um brinquedo nas mãos de Tanagura, — continuou Katze impiedosamente. — Mas eu estava curioso. Usando o terminal no meu quarto, passei meio ano vasculhando os bancos de dados. É bom que esses pequenos pets arrogantes sejam analfabetos; eu não precisava me preocupar se eles vissem alguma coisa. A segurança era boa, no entanto.
Isso fazia sentido. Nascidos, criados e morrendo em suas gaiolas, os pets viviam suas vidas inteiras sem qualquer conhecimento do mundo exterior. O salão onde os pets se reuniam era, na perspectiva de Riki, um playground distorcido para crianças enfeitadas. Tudo em seu ambiente era simplificado, e a segurança observava cada movimento que faziam. Sem um anel de pet que servisse como identificação pessoal, um pet nem mesmo podia sair seu quarto.
— Mas todo sistema tem suas falhas. Pressione-as da maneira certa e o sistema pode ser comprometido, mesmo sem as senhas adequadas.
— Eu sei disso, — Riki zombou. Ele não era um vira-lata tão burro assim. — Alec disse que um computador é pior do que uma mulher — se você tentar um ataque frontal forte, levará um tapa. Se você for um cavalheiro e for pelo lado, logo conseguirá o que quer.
Katze ficou paralisado por um momento. O silêncio repentino, Riki presumiu, foi devido à menção de Alec. Referir-se ao seu antigo parceiro foi incidental, mas a reação de Katze foi interessante.
Riki decidiu não perguntar se Alec ainda era um dos mensageiros de Katze. Katze não disse nada.
Riki não disse mais nada sobre o assunto e, em vez disso, voltou à sua confissão.
— Como o acesso aos bancos de dados era limitado no tempo, eu não podia obter tudo o que precisava de uma só vez. Mas a emoção de interromper a conexão um passo à frente da segurança entusiasmou minhas partes perdidas. As respostas não eram aparentes de uma só vez, mas eu não resistia àquela sensação de formigamento. Você sabe do que estou falando, Riki.
Riki realmente sabia do que ele estava falando. Aquela emoção. Aquela excitação. Há muito tempo, ele perambulava pelas noites de Midas em busca desses mesmos momentos de êxtase.
— Um vira-lata das favelas instalado como móvel havia roubado os segredos de Tanagura — e sem que ninguém percebesse. Eu não pude conter a emoção para mim mesmo, então deixei outros entrarem no segredo. Mas você pode ver no que isso resultou para mim, — disse Katze, acariciando a longa cicatriz em seu rosto. — Iason apenas me disse que eu merecia isso com aquele sorriso fino dele. Como se visse aquele sorriso e aquela voz cruel e zombeteira, Katze tremeu um pouco enquanto seus olhos escureciam.
— Ele sabia desde o início — ele só estava esperando pelo dia em que eu vacilasse. Era tudo parte da diversão. É assim que eles fazem as coisas lá, Riki. Me considero sortudo por ter escapado com o rosto cortado. A alternativa seria uma vida inteira como carne nos mercados.
Não havia arrogância em suas palavras, nem paixões engolidas. Ele falava de seu próprio passado com a mesma impassibilidade com que poderia falar do passado de um estranho. Quanta amargura ele havia engolido? As perguntas ficaram no fundo da mente de Riki. No final, ele apenas baixou os olhos de forma desajeitada.
Mas os pensamentos ainda incomodavam. O que Katze estava tramando? Por que ele tinha confessado o passado agora? Longe, em outro mundo, alguém uma vez lhe disse: “Uma alegria compartilhada se duplica. Uma miséria compartilhada se reduz pela metade.” Parecia incrível demais, mas seria essa a motivação de Katze?
De jeito nenhum.
Ele não queria perguntar. Ele não queria saber. Não ouvir o mal, não ver o mal, não falar o mal. Mas, independentemente do que ele queria, Riki sabia que precisava começar a lidar com a verdade. Se não o fizesse, tinha a sensação de que nunca se livraria da maldição que Katze havia colocado sobre ele.
— Eu ainda não entendo o que isso tem a ver com Kirie, — Riki cuspiu lentamente, — mas realmente não me importo. Eu não vou me envolver com ele, mesmo que você esteja tentando dizer que ele se meteu em encrenca. Além disso, se você é tão próximo de Iason, deve ter mais influência do que eu. Salve Kirie você mesmo.
Não havia dúvida de que Kirie fora quem bombardeou a sede da Jeeks. Por causa disso, mesmo que Riki não quisesse nada com Kirie, ainda havia muito a limpar por causa dele. A última coisa que ele queria era mais um trabalho além de tudo o mais que já tinha.
— Três anos, Katze. Se você fosse um furniture naquela época, teria alguma ideia — Riki interrompeu-se quando Katze apenas o encarou. Riki tomou um momento, então endureceu seu olhar de volta. — Se você não quer que Kirie cometa o mesmo erro que eu, Katze, então convença ele. Eu não quero ter nada a ver com o Iason. Consegui minha liberdade e estou deixando o passado para trás.
Katze soltou um suspiro profundo. Ele acendeu outro cigarro. Como o silêncio coletivo que não tinha lugar para ir, a névoa roxa que emanava do cigarro flutuava melancolicamente no ar antes de se dissolver em nada.
Em algum momento, começou a chover, encharcando a noite fria. Riki se jogou em sua cama estreita e ficou olhando para cima, para o teto manchado. Para onde quer que seus olhos se voltassem, não era a realidade presente que ele estava vendo.
No fundo de sua mente, ecoavam as palavras de Katze. E não as que tinham a ver com Kirie.
“Lembre-se, Riki,” disse Katze antes de sair de sua casa. “Só porque Iason removeu seu anel de pet não significa que ele tenha terminado com você. Ele nunca seria tão generoso.”
Ele tinha falado sem efeito, quase como se estivesse falando consigo mesmo. Seus olhos refletiam um significado que arrepiou Riki.
O que diabos ele realmente estava tentando me dizer?
Novamente, Riki se viu desesperadamente sem querer saber. Ele não queria se envolver na briga de outra pessoa. E ainda assim, apesar de seu desgosto, os significados mais profundos das palavras de Katze se enraizaram em seu cérebro.
Ele não dormiu bem naquela noite.
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