Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 18
Riki sonhou. Ele não tinha experienciado sonhos tão vívidos há muito tempo. Talvez ver Katze depois de quatro anos tivesse despertado um senso de presságio que obscureceu seus pensamentos — ou talvez, sacudido por verdades que ele não conseguia contemplar conscientemente, memórias guardadas se soltaram do cofre de sua mente. De qualquer forma, ele sonhou com coisas que não queria lembrar.
Torre do Palácio, adornada com o nome da antiga deusa Eos. O quarto privado de Iason. Os aposentos luxuosos, que não poupavam despesas, condiziam com a pessoa mais poderosa de Tanagura. Embora Riki não apreciasse a qualidade dos móveis, ele entendia que eram produtos de alta classe que não ostentavam inutilmente sua existência. Era um tipo de esplendor casual, embora um pouco mais rico do que o gosto popular permitia. Riki não sabia como eram os quartos de outros membros da elite, mas o quarto de Iason não o incomodava.
Não é como se ele se sentisse em casa lá. Ele estava sendo alimentado e alojado em um lugar onde sua própria vontade era completamente ignorada. Era como uma águia com as asas cortadas. Não podendo fazer nada por conta própria, as condições entorpecedoras desgastavam seus nervos. Ser confinado no quarto de Iason o frustrava e irritava até que ele estivesse a ponto de explodir.
— Por que diabos essa porta não abre? — ele rosnou para si mesmo, em frustração. Bateu na porta com as duas mãos, mas nada aconteceu. Nos últimos meses, ele havia aprendido uma lição. Sabia que deveria se controlar, agir com calma e avaliar corretamente a situação, mas agia como uma criança teimosa incapaz de lidar com a situação. Ele sabia que era inútil o que estava fazendo, mas não conseguia parar.
— Não entendo, Daryl! — ele estalou. Sem mais ninguém para liberar suas emoções fervilhantes, Riki encarou a única criatura na sala. — Você não disse que depois da minha festa de apresentação, eu poderia ir ao centro de recreação ou ao salão sempre que quisesse? Por que a porta não abre?
— Eu acho que é porque você ainda não está usando um anel de animal de estimação.
O comportamento de Daryl — seu tom de voz calmo, contido e lógico — não mudava não importava se ele estava sendo xingado ou fazendo sexo oral em Riki.
Daryl respondia precisamente apenas às perguntas que Riki fazia, talvez porque lhe fosse proibido falar sobre qualquer coisa que não fosse mencionada.
— Um anel de animal de estimação?
— Sim. Um anel com o seu número de registro gravado nele. Você não pode sair deste quarto se não estiver usando.
Foi a primeira vez que Riki ouviu falar de algo assim. Já fazia quatro meses desde que ele fora interceptado na cúpula subterrânea em Sasan — Área 8 em Midas — e levado para Eos. Quatro meses desde que Iason lhe disse: “A partir de hoje, você é meu animal de estimação. Vamos enviá-lo para uma festa assim que eu tiver certeza de que você não vai me envergonhar. Eu pretendo descobrir as qualidades que você talvez tenha enterradas sob sua impertinência.”
Embora Iason tenha afirmado sua posse inegável sobre Riki, este último ainda não tinha ideia do que significava ser um animal de estimação criado em Eos. Seu “treinamento”, ao contrário, havia gravado na medula de seus ossos cada significado possível e humilhante da palavra.
— Todos os animais de estimação usam isso?
— Um colar, brinco ou pulseira. Há vários tipos e estilos de jóias, mas todo animal de estimação registrado sempre terá um. Eles são a única forma de identificação pessoal permitida para animais de estimação.
— Então, se você tem um anel, pode ir para onde quiser?
— Se o seu mestre permitir.
Iason tinha levado Riki a uma festa de apresentação realizada para novos animais de estimação. Ele o havia levado até lá com uma coleira presa a um colar em volta do pescoço. Quando Riki descobriu que esse era o “uniforme” no qual os animais de estimação faziam sua estreia, quase morreu de humilhação. Ele ainda deixou claro seu extremo desagrado na festa, separando-se dos outros animais de estimação sorridentes ali. Mas sem um anel próprio, Riki nem sequer era considerado um animal de estimação “oficial”.
De acordo com Daryl, um animal de estimação normalmente não fazia sua estreia até que o anel fosse colocado. Riki não tinha certeza de como interpretar isso. Será que isso significava que ele não era reconhecido como o animal de estimação de Iason? Significava que, se ele continuasse a desafiar Iason, acabaria sendo expulso de Eos?
Tais esperanças foram logo frustradas. Riki foi mantido no quarto de Iason por meio ano sem um anel de animal de estimação. Quanto mais Riki se recusava a se submeter, mais intenso se tornava o treinamento diário de Iason.
— Por quanto tempo você vai me manter preso aqui?
— Até você se cansar, eu acho.
— Não importa o que você faça, não vou me tornar o animal de estimação de um Mestre Loiro arrogante. — desafiou Riki, cuspindo o honorífico com desdém. — Até você deveria ter percebido isso na festa de estreia.
Riki rapidamente se envolveu em problemas naquela festa. Desfilando com uma atitude desafiadora, uma briga começou. Ela deixou os participantes convencidos de que os vira-latas das favelas eram animais rudes, ferozes e indomáveis.
Mas, por mais descarada e embaraçosa que fosse a exibição, Iason não se comoveu, nem mesmo em particular. Riki logo percebeu que se tratava de uma faceta do inabalável orgulho de um Loiro.
— Toda festa precisa de um pouco de entretenimento. Eu não esperava que um vira-lata da favela se apresentasse com modos cavalheirescos. De qualquer forma, sua estreia como animal de estimação está encerrada por enquanto. Isso faz de você meu animal de estimação oficial, Riki.
— Se é assim, — Riki rosnou, — então se apresse e entregue meu anel de estimação. — Iason deu um sorriso frio.
— Hum, hum. Pedindo pela coleira por conta própria. Este é um grande passo à frente.
Riki prendeu a respiração. Os jogos manipulativos — o sarcasmo e as risadas de deboche — eram parte de sua rotina diária, mas a ideia de se tornar um animal de estimação voluntariamente era abominável para ele.
— Não é isso. Ficar preso neste quarto o dia todo está me deixando completamente louco. Se eu tivesse um anel de animal de estimação, eu poderia ir para outro lugar, certo? Então pare de fazer drama e me entregue logo essa coisa maldita.
Riki ainda não podia sair do quarto sem que Iason o conduzisse com uma coleira. Ser privado de um anel de animal de estimação na altamente segura Eos, era claramente uma punição.
E os outros animais de estimação deixaram seus sentimentos perfeitamente claros. Eles se orgulhavam da liberdade que seus anéis lhes proporcionavam, e articulavam esse senso inato de superioridade. Embora fosse bárbaro transformar um vira-lata da favela em animal de estimação, pelo menos ele estava sendo tratado corretamente e mantido em seus aposentos. Eles encontravam conforto nesse pequeno detalhe.
Riki não se importava se eles o desprezassem. Tudo o que ele queria era sua liberdade também; não por orgulho, mas porque continuar sendo conduzido por coleira e colar não era algo que ele pudesse suportar por muito mais tempo. A sensação opressiva de estar preso o incomodava profundamente a cada minuto do dia. Com um anel de animal de estimação, pelo menos ele poderia perambular pelo interior de Eos.
— Se essa é a única maneira de sair desses quartos, então vou ter que aguentar. — Riki falou as palavras de maneira mais transparente do que pretendia. Ele mordeu a língua, mas já era tarde demais.
— Estou vendo… o vira-lata é tão teimoso quanto eu esperava. Tudo bem, então. Se você quer tanto um anel de estimação, eu lhe darei um.
Riki recuou instintivamente, sentindo algo ameaçador na voz de Iason — que estava vários graus mais fria do que o habitual. Iason tirou o casaco. Se aproximou despreocupadamente de Riki e segurou seu braço.
— Ei, ai! Me solta!
Iason arrastou Riki para o quarto e o jogou casualmente na cama. As evidentes diferenças em sua força fizeram a cabeça de Riki girar.
— Eu já te disse! — Riki rosnou. — Eu não sou algum tipo de brinquedo! — Ele estava confuso e preocupado com as ações incomuns de Iason. Quando não estava atento e não mantinha um olho no Loiro, ele sabia que coisas ruins estavam prestes a acontecer.
— Tire suas roupas.
Riki mordeu o lábio. Com um ar de resignação, ele se despiu.
Não me faça repetir a ordem.
Se ele demorasse, reclamasse e gemesse, Iason lhe daria o dobro do tormento. Riki tinha aprendido isso muito bem. A humilhação de ter Daryl espremendo o esperma dele com a boca enquanto o dedo de Iason cavava fundo dentro dele era o castigo habitual. Decidido a não querer isso, Riki se despiu e se virou para Iason.
E olhou boquiaberto, maravilhado.
Até então, Iason nem mesmo havia afrouxado o colarinho de sua camisa. Agora, ele estava calmamente e elegantemente removendo suas roupas.
O que diabos está acontecendo?
Completamente confuso, Riki ficou olhando com espanto mudo. Iason, por sua vez, exibiu um sorriso sedutor.
— O que você acha tão surpreendente? O fato de o mestre querer dormir com seu próprio animal de estimação? O que poderia haver de errado nisso?
Naquele momento, Riki lamentou profundamente ter pedido o anel.
Z-107M.
O anel de estimação tipo D de Riki era uma unidade personalizada, diferente dos anéis usados por outros animais de estimação que normalmente eram transformados em jóias. O anel que Iason havia feito para Riki era, para sua eterna vergonha, um anel peniano.
“Olhe para o vira-lata. Veja essas marcas roxas que ele tem.”
“Dizem que Iason está dormindo com ele.”
“Impossível. Por que um mestre dormiria com seu animal de estimação?”
“Já se passou um ano desde sua estreia e ele não apareceu nenhuma vez em uma festa de sexo.”
“Por favor! A ideia de acasalar com esse vira-lata me dá nojo.”
“Então ele deve estar fazendo isso com os móveis.”
“Idiota. Eles sabem muito bem o que fazer.”
“Até mesmo um virgem fabricado pela Academia é treinado antes de acasalar. Ele não esteve com ninguém, certo?”
“Dizem que Iason o está mantendo só para ele.”
“Ah, mas não é como se essa coisa pudesse recusar o Iason Mink.”
A maledicência, o sarcasmo, o desprezo — tudo isso era exibido nos salões. O centro de lazer onde os animais de estimação passavam seu tempo livre transbordava de fofocas, trocadas entre os animais de estimação satisfeitos com seus admiradores e os que saciavam seus desejos em salas secretas nos fundos.
Mas quando Riki entrou, todos os pets pararam o que estavam fazendo. Eles o encararam, irradiando uma rejeição inegável.
Exceto um. Entre todos os animais de estimação do salão, havia um que não estava intimidado e escolheu falar com ele.
“Olá. Meu nome é Mimea, você se importa se eu sentar aqui?”
— Por aqui, Riki! Depressa!
Mimea segurou a mão de Riki. Sem hesitação, os dois entraram em uma das salas privadas do salão e fecharam a porta atrás deles. Mimea virou-se, colocou as mãos nas bochechas de Riki e suspirou aliviada.
— Que bom que não foi tão grave.
— O quê?
— Seu rosto não ficou machucado na briga de ontem?
— Aquilo? Não foi nada.
As reprimendas de Daryl por agir de forma imprudente não eram suficientes para manter Riki contido. Ainda assim, Riki sabia que precisava ser mais cuidadoso ou Iason o puniria. Mesmo que Riki arrumasse uma briga, ele garantia que a notícia não vazasse para fora do salão.
— Mas… você estava sangrando. Eu realmente temi que você não pudesse sair do seu quarto.
— Não foi o suficiente para me trancarem lá.
— Mas o Mestre Iason não gosta muito de você, Riki?
Riki não sabia o que poderia ter dado origem a tal mal-entendido. Ele ficou momentaneamente sem palavras.
— Não é nada disso, — disse ele, com veemência nas palavras.
— Claro que é, — afirmou Mimea enfaticamente. — Você é o único que permaneceu tão bonito todo esse tempo.
Riki juntou as sobrancelhas, lembrando-se das circunstâncias de sua vida que estavam longe de ser “belas”. Se alguém, além de Mimea, tivesse dito essa frase, o menor sopro de sarcasmo ou zombaria o teria deixado furioso.
— As festas são muito divertidas, mas, desde que meu mestre nunca diga não, não posso recusar nem mesmo o pior dos parceiros. Não posso fazer meu mestre parecer ruim, certo?
Ah, é disso que ela está falando. Finalmente entendendo o ponto dela, Riki deixou seu corpo cair no sofá. É porque Iason não me obriga a me juntar a ninguém.
A obediência e a lascívia eram os principais encantos de um pet, já que buscavam aumentar seu valor de revenda por meio de encontros sexuais repetidos. O exibicionismo e o narcisismo faziam a pele de Riki se arrepiar, mas aquilo era a definição de um pet adequado em Eos. Uma aparência formal como uma estreia significava que os pets eram as estrelas do show do início ao fim. Além da sua festa de estreia, Riki quase nunca fazia “aparições formais” — e ele não poderia ter causado uma pior impressão na sua estreia. Ele foi lembrado mais uma vez de quão desprezado e odiado um vira-lata da favela era, e ele compreendeu ainda mais o coração criminosamente desumano do Loiro que o tornara um pet.
Após sua estreia, houve um sarau de sexo, mas ele não podia aparecer sem um parceiro designado. Consequentemente, Riki nunca havia participado de uma festa de sexo. Ele não tinha certeza se queria. As únicas outras festas que Riki conhecia eram as raves de fantasias para as quais os animais de estimação se dirigiam depois. Ninguém fofocava sobre as festas na frente dele, então ele não tinha ideia do que acontecia. Ele não conseguia nem tentar imaginar como eram.
Até começar a conversar com Mimea, Riki não conseguia nem dizer o que era senso comum entre os animais de estimação de Eos. Não importava que tipo de festa estivesse sendo realizada, Riki era tratado como um estranho. Mas ele não tinha a menor vontade de fazer amizade com os outros animais de estimação. Por mais solitário que estivesse, tudo o que ele sentia em relação a eles era irritação. Em certo sentido, Riki era o solitário perfeito.
— Até eu não consigo deixar de sentir um pouco de inveja de você — disse-lhe Mimea. — Até você aparecer, ninguém se importava com a maneira como as coisas eram, porque era assim que as coisas eram. Um animal de estimação com um dono que realmente se importava com ele é…
Riki pensou: Iason não se importa comigo. Iason brincava com ele como um gato brinca com um rato. Mas Riki não expressou seus pensamentos; resmungar sobre isso para Mimea — uma garota que dava um valor bastante diferente ao sexo do que ele — não iria resolver nada.
— Ninguém ousa dizer isso, mas todos te invejam, Riki. Eu entendo como Luther e Stein se sentem, sempre jogando na sua cara sua origem na favela e tratando você como um inimigo.
— Quem são eles?
— Luther ainda está aqui, mas não Stein. Os rumores eram verdadeiros. Ele foi para o harém Jalan.
Jalan era um famoso bordel masculino em Midas — famoso o bastante para que até Riki soubesse sobre ele. Seus melhores trabalhadores eram reservados com um mês de antecedência.
— Como um Silureano de sangue puro, ele tem confiança de sobra. Mesmo se ele e o Mestre Aisha se separarem, ele diz que provavelmente ainda vai manter seus direitos de semente.
— Direitos de semente?
— Sim. Quando você obtém direitos de semente, seus gametas são registrados. Você pode transferir esses direitos para a Academia mais tarde.
Em outras palavras, a autoridade para se tornar um reprodutor.
Riki não sabia como isso diferia do acasalamento que ocorria em Eos. Mas ele compreendia que, em geral, mesmo quando postos para procriar, alguns pets ainda mantinham uma escolha no assunto. Em certo sentido, esse era o último e definitivo refúgio seguro para um de sangue puro, especialmente porque as mulheres sempre seriam mais valorizadas devido à sua capacidade de gerar filhos.
Mas Riki ficou surpreso por razões completamente diferentes. A ignorância e a ingenuidade eram os principais pontos de venda de um pet de Eos. Sua ninfomania focava todo o seu interesse apenas no sexo; eles não conheciam outra forma de aumentar sua autoestima além de ridicularizar uns aos outros. Riki considerava todos eles tolos com vocabulários limitados para combinar.
Então ele nunca teria imaginado palavras como “direitos de semente” e “registro de gametas” saindo tão facilmente dos lábios de Mimea. Talvez se fossem educados adequadamente, até os pets pudessem viver suas vidas de maneira diferente.
No entanto, assim que esse pensamento surgiu em sua mente, ele teve que rir de si mesmo. Se misturarmos muita inteligência, os dilemas só aumentam, assim como aconteceu com Riki. Nesse sentido, para os animais de estimação em Eos, a ignorância provavelmente era uma bênção.
— Ele já fez sexo com um homem?
— Claro que não, Riki! Ele é um sangue puro. Suas únicas parceiras de acasalamento são mulheres, e ele só acasala com as melhores. Por que você perguntaria uma coisa dessas?
Um homem de sangue puro que nunca havia tido um encontro entre pessoas do mesmo sexo. Essa era provavelmente a atração característica de Jalan. Para Stein, sem dúvida orgulhoso de sua posição como número um em acasalar, o sexo com um homem seria uma humilhação intolerável.
Riki hesitou. — Você tem certeza de que está bem em sair com um cara como eu, Mimea? — ele perguntou. — Seu mestre me odeia profundamente. Se ele descobrir, estaremos com problemas.
O dono de Mimea era Raoul Hamm. De certa forma, ele era ainda mais parecido com alguém da elite do que Iason. Seus olhos frios e severos diziam mais do que qualquer palavra cáustica.
— Está tudo bem. Ninguém vai falar nada. Se alguém disser alguma coisa, eles também vão se dar mal. Mas… você me ama, Riki?
Naquele instante, Riki não fazia ideia de como responder. Ele tinha ouvido certo? Suas bochechas tremiam nervosamente. Mimea provavelmente era a única pessoa em toda a sua vida capaz de fazer uma pergunta tão direta com tanta facilidade. Ele não sabia ao certo se ela realmente entendia o que estava dizendo.
— Vocês, os fabricados pela Academia, são mesmo estranhos.
Mimea riu. Foi um riso doce, suave e bonito. Encantado pelo sorriso dela, por um breve momento ele foi seduzido por seus encantos. Antes que percebesse, o corpo dela estava pressionado contra o dele..
— Me beije.
— O quê?
— Me beije.
Riki ficou visivelmente tenso.
— Eu estou apaixonada por você, Riki. Eu sempre fico feliz quando estou com você.
Por que Mimea dizia essas coisas para ele? Uma boneca de amor fabricada pela Academia e um vira-lata da favela. Era quase risível; eles não tinham nada em comum.
— Eu te amo, Riki.
Não, ele queria dizer a ela. Você está em algum tipo de sonho. Não somos livres, Mimea. De jeito nenhum.
— Ficarei noiva a qualquer momento agora. Assim que o acasalamento começar, nunca mais poderemos nos encontrar assim. Não suporto essa ideia. Por favor, Riki…
Os beijos que trocaram tornaram-se mais do que meras brincadeiras. Uma vez que ele dormisse com ela, não haveria como voltar atrás. Se Iason descobrisse, Riki e Mimea pagariam caro. Na melhor das hipóteses, seriam enviados para algum bordel de baixo nível em Midas — na pior das hipóteses, aquilo seria o fim deles.
Por outro lado, e se Iason descobrisse? Riki imaginava que se dormisse com Mimea, Iason se tornaria o motivo de chacota em Eos. Um vira-lata da favela nunca poderia ter sucesso com uma boneca de amor fabricada pela Academia — o escândalo abalaria profundamente Eos. Ao permitir que Riki brincasse e até acasalasse com ela — o vira-lata da favela que não apareceu uma vez sequer em uma festa de sexo — ele estaria traindo seu mestre. Isso poderia quebrar o orgulho de Iason e diminuiria seu poder como Loiro.
Por alguma razão, o riso reprimido não parava. Riki não tinha nada a perder. Nada mesmo. Enquanto o anel de estimação se cravava em suas entranhas, os pensamentos distorcidos de Riki convulsionavam seu rosto com risadas silenciosas. O cabeça da Bison havia se afundado mais do que a de um traficante de rua comum. Ele estava se transformando em um mero animal de estimação.
Mimea gritou de prazer, sua voz penetrando-o como um grito primitivo. Para o centro do seu cérebro… para o centro do seu coração.
“Vocês todos estão se juntando contra nós, tentando destruir nosso relacionamento!”
“Você é diferente das outras pessoas, não é? Você ama somente a mim, não é?”
O afeto dilacerante dela era tão doloroso. Desculpe. Desculpe.
“Covarde!”
Com isso, ele teve uma sensação de rasgo e dilaceração nas costas, como se estivesse sendo açoitado com um chicote cravejado de pregos.
Mas o verdadeiro medo ainda estava por vir.
— Você desfrutou do prazer de Mimea sem minha permissão. Você realmente acreditou que poderia resolver tudo tão facilmente depois que isso fosse descoberto, assim, sem mais nem menos? Você é meu pet. Entenda disso até a medula dos seus ossos.
O prazer pulsante deixava cada fio de cabelo em pé, levava cada nervo além dos limites da razão. Cada centímetro dele foi engolido pelo arrebatamento maduro e palpitante. Seu corpo convulsionou, com paroxismos de dormência elétrica causando espasmos em seus músculos. Seu cérebro se agitava em seu crânio. Um choque narcótico percorreu a parte interna de suas pálpebras. Seu corpo queimou e derreteu em uma poça de carne.
— Chega… chega… não vou… fazer… isso… de novo… misericórdia!
Incandescente.
Dores incandescentes…
Medo incandescente…
No final, ele não tinha ideia do que estava dizendo.
Riki foi acordado do pesadelo por seus próprios gritos.
Ele se sentia péssimo. Sua garganta estava seca como areia, suas juntas rangiam dolorosamente como dobradiças enferrujadas, sua cabeça latejava e doía. Ele estava à beira de vomitar.
O pesadelo de três anos tinha acabado, e ele tinha voltado para a favela. Ele pretendia finalmente se reinventar.
Aquela parte da minha vida acabou, lembrou a si mesmo. Não havia mais nada para restringi-lo agora. E ainda assim… por quê?
Riki limpou o suor que encharcava seu rosto e cerrou os dentes.
Naquele dia, correndo pela vida, ele tinha chegado até Prage. Depois de gastar toda sua vontade e energia, os guardas de segurança o pegaram antes que ele pudesse ir para o subsolo.
“Finalmente! Ele pode ter alguns arranhões e hematomas, mas não exagere.”
“Esses vira-latas das favelas são teimosos como o inferno!”
“Com aquele rastreador nele, não tinha como ele ter escapado.”
Eles o espancaram brutalmente, o arrastaram de volta para uma cela, o jogaram lá dentro e o injetaram sedativos. Seus pensamentos ficaram confusos e turvos. O interior de sua cabeça esvaziou-se como um balão furado até que ele finalmente perdesse a consciência.
Quando ele abriu os olhos novamente, Iason estava lá.
— Bem, você certamente apanhou bastante. E eu ainda disse para não danificarem a mercadoria. — Iason segurou Riki pelo queixo e o encarou diretamente nos olhos.
Riki afastou a mão dele com um tapa. — Não me toque!
Mas o olhar gélido de Iason não vacilou. — Já faz algum tempo desde que vi essa luta em seus olhos, Riki. Brigar com os seguranças fez seu sangue adormecido de vira-lata da favela fluir novamente? — Seu tom de voz era assustadoramente calmo e suave.
— Cale a boca e vá em frente.
Um sorriso frio apareceu nos cantos da boca de Iason. — Então você está resignado ao seu destino? Que admirável. Mas não deveria reconhecer primeiro seus erros?
Naquele instante, uma dor lancinante atingiu sua virilha. Riki gemeu e contorceu seu corpo, mas seus braços só podiam se dobrar desajeitadamente nas algemas, deixando-o suportar as flechas penetrantes. Era uma pureza de dor que não o consumia há muito tempo. Com todo prazer mantido à distância, essa agonia intensa e contorcida era um mundo à parte. Enfrentando novamente a sensação que ele havia completamente afastado de sua mente, Riki contorceu o rosto enquanto os gemidos escapavam de sua garganta.
— Você lembra agora, Riki? Enquanto você usar meu anel de pet, não há lugar para onde você possa fugir, nenhum lugar onde você possa se esconder. Então por que se comportar de maneira tão tola?
O apelo frio de Iason à racionalidade enfureceu Riki. Ele abriu os olhos e cuspiu uma resposta, com a respiração ofegante saindo dos pulmões.
— A vida do animal de estimação não vale nada!
Um momento depois, tudo o que saiu de sua boca foi um grito que chegou a um falsete trêmulo enquanto os tortuosos choques elétricos atacavam seu corpo.
— Você odeia tanto ser um pet?
— Me deixa… doente…
Iason agarrou Riki pela gola.
— Você tem uma boca e tanto. Não imaginava que você poderia chegar tão longe e ainda encontrar palavras.
A dor elétrica diminuiu um pouco. Riki ofegou, agarrando-se desesperadamente à nova sensação. Ele franziu as sobrancelhas, apertou os lábios trêmulos e conseguiu acalmar seu pulso acelerado.
A voz de Iason ecoou em seu ouvido.
— O anel pode proporcionar muito mais do que dor. Devo apresentar algo diferente a você?
Naquele momento, um tipo único de formigamento e dormência emergiu entre os espaços da dor que diminuía. Riki sentiu os dedos de Iason se enrolarem em torno da parte terrivelmente atormentada de seu corpo, os membros de Riki se travaram, mas por uma razão inteiramente nova.
— O que foi, não tem nada de atrevido para dizer? — Não era uma pergunta que precisasse ser feita, mas Iason foi implacável. Riki gemeu e se contorceu. — Ou você gosta mais daqui?
Algo pareceu se romper e sair correndo dentro de Riki. Seu choro se transformou em um grito. A pulsação quente encheu seu corpo com um calor abrasador.
— Sem drogas ou afrodisíacos, isso por si só pode estimular sexualmente qualquer parte de seu corpo. Ainda insiste que você não é um animal de estimação?
— Maldito… maldito… maldito… — Mas não importava como ele lutasse, os prazeres que estavam sendo aplicados em seu sistema nervoso subiam por sua espinha. Riki conteve as lágrimas..
— Quem é seu mestre?
— Eu… Não sou a vadia… De ninguém… — Riki cuspiu. Tudo o que restara fora seu orgulho.
Riki não se importava em lembrar do passado. Mas os pesadelos não se alimentavam de razão. Memórias apenas se repetiam. Mesmo as palavras de Iason naquela época — “Você deveria voltar para onde pertence, de volta para suas favelas” — eram como um sonho para ele agora. Se soubesse naquela época onde acabaria agora…
Riki recuperou o fôlego, como se de repente tivesse perdido completamente o rumo.
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