Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 12
Naquele dia, em Sasan (Área 8), foi agendado um leilão na cúpula subterrânea Número Três.
Os leilões normalmente eram realizados no centro de convenções do Mistral Park (Área 3). Esse era um leilão secreto para os itens que não podiam ser vendidos em público. Patrocinado pelo mercado negro, o leilão foi coberto durante o período de preparação por um rígido cordão de segurança 24 horas por dia, com entrada restrita apenas ao pessoal autorizado.
Terminal número cinco, andar subterrâneo vinte. Os porões estavam quietos e silenciosos. Depois de transportar a remessa do sistema Delvia para o hangar de carga H-085 designado, Riki virou o rosto para o céu e suspirou profundamente.
A operação estava dentro do cronograma e funcionando perfeitamente até que eles pegaram a carga em Delvia. Uma tempestade magnética surgiu do nada, fechando o porto espacial por três dias e atrasando toda a operação.
Ele e Alec olharam para os rastros de plasma que se contorciam nos céus furiosos.
— isso só pode ser brincadeira!
— Caralho!
— É sério que isso está acontecendo?
— Se isso foi algum tipo de piada, eu não achei engraçado!
Eles cuspiam seus insultos inúteis meio atordoados. Quando uma perda de tempo imprevista era causada por uma das calamidades naturais comuns na fronteira e não por erro humano, não havia ninguém para culpar. Tudo o que podiam fazer era esperar que o tempo melhorasse.
Consequentemente, a remessa chegou no dia do leilão e por pouco não atrasou. Não era um de seus trabalhos mais bonitos. E se o local do leilão não tivesse sido em Sasan, onde o aeroporto turístico já estava totalmente concluído, ninguém poderia imaginar como as coisas teriam terminado.
Riki não queria nem imaginar se não tivesse chegado lá a tempo.
O estresse tinha muito a ver com um grande evento como o leilão secreto. Esse tipo de pressão era novidade para Riki. Tendo passado por isso muitas vezes antes, Alec o tranquilizou alegremente:
— Em momentos como esse, não adianta tentar apressar a Mãe Natureza.
Não fazer nada além de olhar pela janela com irritação crescente, desperdiçando horas preciosas — esse era o tipo de experiência que ele preferia não repetir.
Por enquanto, ele deixou os detalhes da auditoria do manifesto para Alec. No estande onde seria realizado o leilão propriamente dito, Katze estava fazendo arranjos de última hora. Por isso, Riki se apresentou usando seu videofone.
Katze percebeu o quão exausto Riki estava.
— Bom trabalho. — foi a primeira coisa que ele disse, comunicando seu agradecimento com sua típica expressão impassível. — Relaxe e divirta-se. Lembre-se apenas de que os passes que dei a você não dão acesso ao leilão.
Depois de dizer o que tinha a dizer a Riki, Katze desligou, sem deixar espaço para dizer uma palavra. Na verdade, Riki queria ver esse leilão secreto.
Tendo seu desejo descartado em pouco tempo, ele murmurou para si mesmo em frustração.
O que havia de tão diferente dos leilões normais realizados no Mistral Park? Apesar de sua curiosidade, isso era demais para um mensageiro subalterno.
Bem, é difícil para mim, ele decidiu. Não há necessidade de ficar chateado com isso. Ele tinha certeza de que muitas oportunidades surgiriam depois disso. De qualquer forma, era hora de encerrar o dia, e ele sentiu uma grande satisfação por ter finalmente encerrado esse trabalho.
A expressão ainda turva de Riki não era produto do clima imprevisto que atrapalhou seus horários, ou do estresse e da tensão acumulados induzidos pelo cansaço da viagem. Em vez disso, o simples trabalho de transporte de ida e volta que lhe foi confiado ultimamente o deixava insatisfeito por dentro.
Quando ele expressou essas reclamações, Alec lhe disse:
— Garoto, você é dez anos muito jovem para começar a reclamar desse tipo de coisa. Os lacaios reclamam de tudo o tempo todo. É a lei do universo.
Alec rapidamente o afastou, mas Riki ainda queria sair da rotação do transporte de fronteira. As naves paravam nos portos de escala ao longo de rotas fixas, recebiam a carga e a transportavam. Era um trabalho de rotina que até mesmo o Megisto conseguia realizar.
Ficar preso no circuito de fronteira foi o suficiente para fazer Riki se perguntar se ele havia feito besteira em algum ponto do caminho. Graças a esse trabalho, ele e Guy estavam se afastando cada vez mais a cada dia.
Depois de não conhecer nada além do ar viciado e sufocante das favelas, a emoção e o estímulo de pilotar naves de carga pelo espaço galáctico estavam além de qualquer coisa que ele pudesse imaginar. Visitar planetas dos quais ele nunca tinha ouvido falar, conhecer uma variedade infinita de pessoas, ouvir idiomas desconhecidos, os portos de escala sempre repletos de coisas estranhas e inesperadas.
Mas a sensação de aventura passou rapidamente.
— O quê, você não tem mais charme adolescente em você? Você é algum tipo de figurão incrível? Você não sabe que os novatos devem ficar entusiasmados com a emoção de tudo isso, a ponto de não conseguirem se concentrar no trabalho?
Mas com uma velocidade incrível, Riki se acostumou com a rotina e quis mais.
Sua vida havia virado de cabeça para baixo e era exatamente como quando ele foi trazido para o Guardian, exceto que sua idade, seu estado de espírito e a consciência de seus objetivos eram completamente diferentes. Talvez fosse por isso que cada objetivo alcançado o deixava mais desejoso.
Aquilo que o restringia e o refreava havia desaparecido. Ou então o desejo de não desperdiçar seu tempo havia se tornado muito mais forte.
— Seus olhos são maiores que sua boca, rapaz. Tente comer o bolo inteiro de uma vez e você vai se arrepender. É fácil: aproveite o que vier, isso é o mais importante. — Ele falou com uma intensidade sincera. — Porque está chegando a hora, por mais que você não goste, em que você terá de correr o mais rápido que puder. E quando isso acontecer, esse tipo de coisa não lhe fará nenhum bem.
Riki entendeu o que Alec estava tentando lhe dizer. No momento, manter seu temperamento sob controle e acumular experiência eram prioridades. Mas ele queria trabalhos de transporte que envolvessem mais do que gastar horas movendo coisas do ponto A para o ponto B.
Não era como se ele estivesse ansiando pelos dias enervantes de quando era conectado a Bison, mas aquela época havia penetrado em sua pele e estava latejando em algum lugar dentro dele. Ele ainda pensava sobre isso quando recebeu um forte tapa nas costas.
— Riki, obrigado por esperar. Já é tarde, mas vamos comer alguma coisa.
Como se de repente tivesse acordado de um sono, o estômago de Riki roncou em resposta. Pensando bem, eles estavam tão sem tempo desde que chegaram ao aeroporto e foram para lá que ele nem sequer pegou algo para comer em uma máquina de venda automática.
Não importa o que acontecesse, eles tinham que fazer a entrega no prazo. Sem mais nada em mente, tenso como a corda de um arco, ele nem notou que estava com fome. Mas agora que notara seu estômago vazio, percebeu também o quão cansado estava.
Alec estava na mesma situação.
— Sim, essa até o portão foi um quebra-bolas. — disse Alec, que normalmente estava feliz. Só dessa vez a tensão estava começando a aparecer.
Quando tudo foi dito e feito, o cansaço era muito mais mental do que físico. Eles subiram na empilhadeira agora vazia. Sem uma palavra entre eles, Alec caminhou em direção aos elevadores de carga que atendiam o local.
Meu Deus, vou encher meu estômago e depois dormir por uma semana. Mas, depois de ter chegado até aqui, voltar para a favela para dormir na cama do Guy lhe pareceu uma grande dor de cabeça. Riki esticou languidamente os braços e as pernas, inclinou-se para trás e deixou sua mente e seu olhar vaguearem.
A silhueta de um homem passou pelos cantos de seus olhos.
De repente, ele voltou a prestar atenção, focalizando os olhos. Ele achava que eles tinham sido os últimos a sair e que não havia mais ninguém por perto. Mas esse não parecia ser o caso.
Três homens. Huh, pensou Riki. Então ele e Alec não eram os únicos mensageiros lutando para fazer suas entregas a tempo.
Ou não.
Um elegante caminhão plataforma* estava em frente à porta H-010. Não era o mesmo tipo de empilhadeira de serviço que ele e Alec estavam usando. Considerando o veículo, parecia razoável supor que esses caras estavam de alguma forma relacionados aos proprietários da carga, não aos entregadores.
E, sem dúvida, aquele cara alto ali é o líder.
Ele estava vestido com um terno azul-escuro que, mesmo à distância, parecia convincentemente feito sob medida, provavelmente o traje para o leilão que estava prestes a começar. Mesmo visto de trás, seu corpo esbelto e bem equilibrado eram mais do que suficientes para transmitir um senso particular de autoridade.
As pessoas com os bens, que se destacavam em uma multidão, podiam ser vistas em qualquer lugar. Não é preciso dizer que era raro um homem entre entre outros homens, cujas costas, por si só, transmitiam essa aura. Para fins bons ou ruins, uma qualidade diferente de ser o queridinho da mídia da época.
O “homem escolhido” realmente existia. O fato de ser um mensageiro havia dado a Riki muitas oportunidades de observar todos os tipos de pessoas. Ele já havia aprendido que esses “homens escolhidos” não eram invenções da mídia.
Como ele esperava, os outros dois homens se curvaram profundamente diante dele.
Hoh. Sem dúvida, um cara importante. Ele devia ser o próprio dono. E o fato de ele ter ido até ali devia significar que a mercadoria era bem cara.
Depois de concluir o que quer que fosse que ele tinha ido fazer ali, o homem alto se virou.
Naquele instante…
O corpo exausto e faminto de Riki estremeceu como se tivesse sido atingido por um fio elétrico.
De jeito nenhum…
Seus olhos se abriram com total espanto, focalizando como um laser o rosto do homem que subia no colchão. Depois de todos esses meses. O rosto que ele não poderia esquecer, mesmo que tentasse, estava bem ali na sua frente. Seu cabelo era cortado curto e tingido de um marrom onipresente, mas não havia dúvidas sobre o semblante frio e belo que emergia por baixo das viseiras azul-cobalto.
Por quê ? Por que aqui?
Deixando os porquês de lado, o choque inarticulado e ardente reuniu-se no âmago de seu ser e bateu contra o fundo de sua garganta. Aquele filho da puta! Reprimindo as palavras entre os dentes cerrados, ele estendeu a mão e agarrou o braço de Alec.
— O que é?
— Pare!
— Quê?
— Pare. Tenho que fazer uma coisa.
— Algo que você precisa fazer? — Alec franziu as sobrancelhas quando Riki pulou da empilhadeira antes que ele pudesse pará-lo.
— Ei, Riki! — Alec chamou com uma voz involuntariamente alta.
Mas Riki correu na frente, sem mostrar sinais de voltar atrás ou parar. Ele não poderia ter se detido, mesmo que quisesse. Ele corria com os olhos bem fixos à sua frente para não perder de vista o pequeno caminhão que agora estava a certa distância. A questão do que ele faria quando o alcançasse não havia lhe ocorrido. Em vez disso, todos os pensamentos estavam voltados para mover seu corpo para frente.
E ainda assim ele ainda não sabia o nome do homem. Só que ele abusou de seu corpo o quanto quis e, no final, jogou-lhe “dinheiro de pet” pelo privilégio, um tapa cruel na cara. Riki não tinha outra opção senão persegui-lo.
Mas se a oportunidade lhe fosse dada, ele também iria querer saber por que um Loiro de Tanagura se daria ao trabalho de esconder sua identidade para participar de um leilão no mercado negro. E onde diabos ele estava indo?
O caminhão de plataforma virou à direita e depois à esquerda na esquina, seguindo um caminho completamente diferente daquele até os compartimentos de carga. Ele parou na frente de um conjunto de portas em uma saída que não conhecia.
O homem desceu da plataforma, tirou um cartão-chave do bolso da camisa e passou-o pela abertura. Ele passou pela porta sem problemas e desapareceu lá dentro.
Riki murmurou frustrado. Ele se lançou em direção à porta, sem saber se sua chave de cartão funcionaria nesse sistema de segurança de alto nível. Não seria brincadeira de criança, isso era certo. E se a porta tivesse alarme? E se ele fosse detido no processo? E se, depois de todo o esforço que ele fez, acabasse perdendo o emprego como consequência?
Mas ele podia ficar ali sem fazer nada. Com toda a determinação que conseguiu reunir, Riki enfiou seu cartão-chave na fenda.
A porta se abriu tão rapidamente que Riki teve que rir de sua própria ansiedade. Ainda assim, não estava abrindo rápido o suficiente, então ele se abaixou por baixo da porta. Nesse ritmo, ele temia que o homem já tivesse partido há muito tempo. Felizmente, a passagem do outro lado da porta seguiu em linha reta por alguns caminhos.
Ao ver as costas do homem, que agora lhe eram familiares, ele espontaneamente deu um suspiro de alívio. O homem continuou a andar com passos ágeis e graciosos. Riki acelerou o passo para mantê-lo sob sua mira.
No entanto, com os sentidos concentrados apenas na figura do homem que se afastava, Riki não notou a cor do piso mudando gradualmente sob seus pés, nem as portas de venezianas que desciam silenciosamente e fechavam a rua atrás dele, nem as paredes que se abriam furtivamente em ambos os lados para criar passagens completamente diferentes.
Ele continuou caminhando, por quanto tempo ele não sabia dizer. Com passos sem pressa, o homem virou à direita na esquina e quase desapareceu no ar.
“Eh?” Estupefato, a sensação abrupta de perda fez com que Riki se sentisse completamente imóvel. Pra onde diabos ele foi? Ele sentiu como se um elástico muito apertado tivesse se quebrado de repente e batido em seus dedos.
Felizmente, ele não precisou ficar procurando por algo que não estava lá. Bem ali, no final de seu olhar, havia uma única porta, preta e pesada, aparentemente feita de aço.
Riki ficou olhando para ela, sem piscar.
Não havia outro lugar para onde o homem pudesse ter ido. No entanto, Riki não conseguia dar o próximo passo. Apesar da estranha presença da porta de aço, não era isso que o estava impedindo de prosseguir. Era como se algo ou alguém — um amigo ou conhecido — tivesse agarrado seu braço e gritado: Não vá até ali!
Nas favelas, quando liderava Bison, ele teve essa sensação inúmeras vezes. Uma espécie de premonição que ele não conseguia identificar. Não era bem um lampejo de percepção. Tampouco um sinal que o apontasse na direção certa. E ele também não a sentia o tempo todo. Ela surgia de forma imprevisível, do nada.
Em momentos como este, aquela mão se estendia para agarrar seu braço. Outras vezes, era apenas uma sensação elétrica na nuca. Não era o tipo de coisa que ele conseguia explicar com palavras. O tipo de coisa que ele não havia contado nem mesmo a Guy. O tipo de conhecimento que ele nem mesmo tinha certeza de que possuía desde o início, certamente não desde o nascimento.
Mas, ainda assim, Riki sabia que havia mais no mundo do que o que ele podia ver com seus próprios olhos. Durante seus anos no Guardian, havia um garoto no mesmo bloco, um ano mais novo que ele. Autista, com sua constituição doentia sobrecarregada de doenças físicas, ele parecia muito mais jovem do que era.
Talvez por isso ele parecesse capaz de ver coisas que não podiam ser vistas e de ouvir coisas que as outras crianças não conseguiam ouvir.
As “mães” adultas diziam que suas doenças provocavam as alucinações que ele via e ouvia. Mas essas explicações não eram suficientes, certamente não eram suficientes para lidar com as estranhas experiências que Riki havia conhecido em primeira mão.
Realidade e ilusão e caminhos para o céu. Os espaços entre a alucinação e o deslumbramento. As incertezas do dia a dia. Tempo e atemporalidade.
E a dor inapagável.
Em retrospecto, era possível que Aire — seu talismã e protetor, que não o abandonara nem por um instante — também tivesse a “visão”.
Então talvez houvesse algo na água ou no ar do Guardian, aquele único jardim nas favelas. Anjos da guarda ou demônios do inferno, Riki teria dificuldade em dizer quais. Ele tomou consciência desses sentimentos desde um certo incidente em que esteve envolvido, mas mesmo isto podia não passar de outra ilusão.
Um interruptor foi acionado em seu cérebro e uma porta foi aberta. Quando ele tentava articular tudo isso, Guy se preocupava como se fosse sua mãe a ponto de sufocá-lo, então Riki achava melhor simplesmente não dizer nada. Depois de sair do Guardian para as favelas, e mesmo depois de se tornar um mensageiro, ele nunca foi contra o que essa intuição lhe dizia.
No entanto, Riki olhava fixamente para aquela porta, como se quisesse finalmente se livrar daquela fraqueza e passividade pela primeira vez. Ele havia chegado até ali e agora não era hora de hesitar. Quanto mais ele discutia consigo mesmo, mais o homem se afastava dele.
Mas será que a porta realmente se abriria, simplesmente assim? A marca antiga e familiar da porta despertou suas suspeitas. No alto, uma cobra de duas cabeças, com a cabeça erguida, olhou para ele. Uma cobra dourada com olhos como grandes rubis.
Além disso, a porta tinha uma única maçaneta, mas não tinha espaço para uma chave-cartão. Ele não pôde deixar de pensar que talvez a porta usasse um sistema de reconhecimento visual de alta tecnologia e a cobra dourada fizesse parte desse sistema. Será que essa cobra vai me matar com um laser? Talvez essa fosse a fonte da sensação desagradável que ele estava sentindo nos últimos minutos.
Mas, após a análise final, sua curiosidade superou o medo, se ele recuasse agora, iria se arrepender pelo resto da vida.
Retirar-se e viver com esse fracasso, ou avançar e lamentar o dia mais tarde? Se ele pudesse desejar o contrário, independentemente do caminho que escolhesse, não importaria o resultado, era melhor se arrepender da investida na batalha do que se arrepender da retirada do campo.
Riki respirou fundo. Com toda a determinação de seu corpo, ele agarrou a maçaneta, girou e puxou.
Naquele momento, a lembrança da noite em que ele havia conhecido aquele homem passou abruptamente por seu cérebro. Naquela noite, Riki havia entrado pela porta do Minos cheio de arrogância imprudente. Exatamente como ele estava fazendo agora.
E seu orgulho recebeu a maior surra de sua vida.
Então, que aposta ele estava fazendo agora? As dúvidas que surgiram em seus pensamentos desapareceram como espuma na água no momento em que ele atravessou a soleira da porta.
Lá dentro havia uma escuridão estranhamente azulada. Sem céu e sem terra. Um mundo azul silencioso até onde a vista alcançava. Faltando até mesmo o brilho das estrelas, mais do que o céu noturno, parecia-lhe uma estranha dimensão no espaço impregnada de uma solidão insuportável.
que diabos é esse lugar? Por um longo minuto, Riki ficou paralisado ali, sua mente se afastando dele.
Ele não conseguia ver aquele homem alto em lugar nenhum. Ele tinha mesmo ido por ali? Naquele momento, algo pareceu surgir em sua visão periférica. Com um suspiro, Riki voltou a si. Quando lançou um rápido olhar naquela direção, não houve sequer uma ondulação na silenciosa extensão azulada.
— Será que estou imaginando coisas…? — ele se perguntou com uma respiração profunda. Ele não conseguia deixar de perceber o aumento de seus batimentos cardíacos. — Não parece que estou.
Talvez esses fossem os efeitos persistentes daquela sensação que ele vinha sentindo nos últimos minutos. Com toda a intenção de entrar ali, ele chegou até ali e agora estava se roendo de nervosismo. Ele sorriu para si mesmo em autocrítica. Por que estou tão nervoso? Aquele imbecil, sem dúvida, ainda está correndo atrás de mim.
Balançando a cabeça como se quisesse se livrar da sensação de desconforto, ele olhou para os pés. Parado ali como se estivesse às margens de um amplo mar azul escuro, ele sentiu seus olhos congelarem no local. Uma presença estranha o observava.
O que quer que fosse, seu olhar se fixou em Riki, passando por ele. Não era como se apenas o olhasse — era mais como se uma luz dourada e opaca saísse de suas órbitas oculares.
Isso não era uma ilusão. Riki não conseguia ter certeza do que estava vendo, mas os olhos dourados definitivamente o tinham na mira. O coração de Riki começou a bater forte em seu peito. Ele não conseguia desviar o olhar, como se seus olhos tivessem se entrelaçado e se fixado no local.
Não havia vento, mas seu cabelo verde-escuro balançava em lentas ondulações. A brancura de sua pele se misturava ao ambiente como uma auréola brilhante. Havia uma luz branca azulada e elétrica que cobria todo o seu corpo como escamas de prata. Finalmente, Riki percebeu que a sala inteira era um aquário gigante.
E essa pessoa que não era bem uma pessoa estava dentro dele. Uma quimera* metade humana, metade peixe. A seus pés estava a empolgante e lendária sereia. A boca dividia o rosto de orelha a orelha e tinha dentes afiados como navalhas. As garras de três pontas que se estendiam das extremidades de suas nadadeiras davam uma aparência altamente grotesca que Riki achou difícil de engolir.
Nenhuma palavra chegou aos seus lábios trêmulos. Congelado desajeitadamente no lugar, seus pés começaram a tremer. O suor frio escorria de sua testa. As palmas de suas mãos ficaram úmidas. Finalmente, Riki se libertou das correntes sufocantes e se lançou para a frente correndo dali.
Mas, por mais que procurasse, ele não conseguia encontrar a saída. Que merda! Isso não pode estar acontecendo. Que diabos está acontecendo?
O latejar impiedoso em suas têmporas era a batida de seu próprio coração. Os lábios de Riki empalideceram enquanto seu rosto perdia a cor. Correndo sem parar, o meio-homem o perseguiu por cima da parede transparente como um predador atrás de uma caça.
Chegando à conclusão de que a porta pela qual ele entrou havia desaparecido em algum momento, um choque frio atingiu Riki no âmago de seu ser. Ele congelou em espanto.
Uma risada baixa e abafada ecoou aparentemente do nada. Riki mal reprimiu o grito que veio à sua garganta quando uma mão gelada apertou seu coração. A metade inferior de seu corpo começou a ter espasmos.
O som constante de passos se aproximava cada vez mais, aproximando-se ao ritmo de seu coração batendo forte, como se fosse pisoteá-lo. Ao se aproximar, com a tensão se fechando em sua garganta, aquela coisa que perturbava a escuridão azul inesperadamente exibiu seu sorriso frio e encantador nos olhos arregalados de Riki.
Riki ficou surpreso demais para formular uma resposta articulada, mas por razões que não entendia, sentiu-se aliviado. Por causa dessas duas emoções emaranhadas sacudindo seus pensamentos de um lado para outro, ele engoliu o grito sem palavras que veio aos seus lábios.
No momento seguinte, suas pernas falharam e ele caiu de joelhos.
Tomando essa reação física como uma espécie de sinal, a sala se encheu de uma luz suave, o que provocou uma resposta na criatura que o perseguia também. Ela se virou e deslizou, desaparecendo de vista em um piscar de olhos.
— Posso lhe dar uma mão? — perguntou uma voz suave e fria que Riki não conseguiria esquecer, mesmo que quisesse. Ele falou de uma maneira que sugeria que ele estava sufocando o riso e, aos olhos venenosos de Riki, mais uma vez o homem estava claramente tremendo de humor. — Oh sim. Você não gosta de estar em dívida com ninguém.
Filho da puta maldito!
Rangendo os dentes de trás, sufocando a bile, Riki ficou de quatro e começou a se levantar.
Merda…!
Em um momento como esse, ser forçado a uma postura tão humilhante na frente desse homem… Sua garganta ardia. A postura desajeitada já era bastante embaraçosa, mas ele não conseguia reunir energia para ficar de pé. Mesmo que ele conseguisse firmar os pés no chão, seus joelhos não paravam de tremer.
— Que encontro inesperado é esse. Eu nunca teria esperado encontrá-lo aqui. — Ele falou sem rodeios e sem adornos, sorrindo friamente com um canto da boca. — Qual é o problema? Está tão emocionado de me ver depois de tanto tempo que não consegue encontrar palavras?
— Que porra foi essa?
Tendo chegado até ali, ele iria engolir seu orgulho e resistir. Esse homem já tinha visto de tudo — cada grama de vergonha, mortificação e fraqueza. Portanto, era hora de fazer da necessidade uma virtude e deixar o acerto de contas para depois.
— Um protótipo experimental. A preparação da versão aprimorada para uso militar levará algum tempo.
— Parece ótimo, mas você acha que pode se safar se eu vazar isso para os figurões da Comunidade? Aposto que eles teriam algo a dizer sobre isso. — Confrontado com tal bravata, o homem mal piscou.
— Meu Deus, você se recompõe muito rápido. Eu não esperava esse tipo de resposta de um homem prestes a se mijar.
Suas palavras foram tão boas quanto um tapa desdenhoso no rosto. A humilhação apenas focou o olhar de Riki e ele respondeu com um olhar afiado.
— Não me olhe com esses seus olhos rebeldes. Eles me fazem querer ouvi-lo choramingar novamente.
O sorriso frio do homem ficou ainda mais frio. Lembrar-se de como ele havia sido enganado e desonrado fez a alma de Riki arder. Dessa vez, porém, foi diferente — e com fins diferentes.
— E você é o mesmo pirralho.
— Onde fica a saída?
— Não existe saída.
Os olhos de Riki se arregalaram de surpresa. De uma só vez, o tormento unilateral que ele havia sofrido naquela noite em Minos e toda a melancolia que isso gerou voltaram à vida. Ele conseguiu manter a raiva e o ressentimento sob controle.
Perdê-los ali e agora só daria ao homem mais munição para usar contra ele.
— Eu não vim aqui para ficar de papo furado com você. Onde está a maldita saída?
— Me ameaçar não mudará a situação, Riki.
A maneira sugestiva com que o homem disse seu nome fez Riki prender a respiração. Como diabos ele sabe meu nome?
Vendo a confusão de Riki, o homem acrescentou em voz baixa:
— Katze não o advertiu sobre ser curioso demais?
Katze? Um jato de água gelada apagou sua raiva crescente. O que estava acontecendo? O que foi isso? Por que ele deveria ouvir o nome de Katze vindo dos lábios deste homem também?
— Ainda bem para ele que chegamos a um acordo sem que as coisas ficassem mais feias do que o necessário.
Riki ficou olhando sem entender. Ele nunca havia se dado conta de que a cicatriz na bochecha de Katze poderia, de alguma forma, estar ligada a esse homem.
— Para um mestiço da favela, ele não era estúpido. Ele até que me divertiu bastante. No entanto, eu tinha um uso melhor para ele do que como um experimento médico. E quanto a você? — Um acorde de crueldade desenfreada ressaltou seu tom de voz arrogante.
— Quem diabos é você? — Riki percebeu que seus lábios estavam tremendo.
— Iason Mink. Um mero Loiro agarrando aquele anel de bronze para sempre fora do alcance do homem comum.
Ele deve estar mentindo! Riki reprimiu a vontade de gritar. Ele se afastou lentamente. Ele é o quê? Ele é quem? Um mero Loiro? Isso não poderia significar nada além de problemas para Riki.
Ele recuou um passo. E mais um.
O terceiro nunca aconteceu.
Iason o pegou pelo braço e puxou Riki para ele. Não apenas seu rosto, mas todo o corpo de Riki ficou tenso com o choque. Iason agarrou sua mandíbula e virou-a para si.
— Você mudou desde a última vez que nos encontramos. — Iason fixou o olhar nele. — Dizem que você é conhecido no Mercado como “Riki, o Negro”. As feridas antigas devem ser tão insuportáveis quando ele olha para você. Não é de se admirar que Katze tenha sido tão fácil de lidar.
Quando Riki processou essas palavras em sua mente, ele ficou sem palavras. Para um mestiço que tentava recuperar o fôlego na atmosfera sufocante e opressiva das favelas, um emprego de mensageiro caído do céu era uma oportunidade única na vida.
Mas e se não fosse assim por sorte? E se houvesse uma razão para isso? Riki sentiu os fios frios de pavor em suas costas, considerando a possibilidade de Katze ter armado para ele o tempo todo.
Mas por que diabos? O que um corretor que havia saído das favelas e um Loiro de Tanagura tinham a ver um com o outro? Ele não conseguia descobrir, por mais que pensasse.
Eles haviam preparado uma armadilha. Mas por quê? Ele estava sempre procurando encrenca e geralmente conseguia, então achava que era justo. Mas agora isso? Do que se tratava? Alguma coisa estava acontecendo. Algo que ele não tinha percebido…
Quando ele pensou nisso sob esses termos, sua raiva transbordou. Ele sentiu como se tudo o que tornava sua vida agradável estivesse desmoronando. Por um segundo, o mundo diante de seus olhos ficou escuro como breu.
— O que você vai fazer comigo?
— O que você quer que eu faça com você? Iason riu para os olhos arregalados de Riki.
Nesse momento, Riki não pôde ignorar o arrepio que subiu por sua espinha.
NOTAS:
- Caminhão plataforma: é um veículo que tem uma plataforma na parte traseira e tem como função principal transportar cargas de grande proporção.
- Quimera: indivíduos que possuem um ou mais tipos distintos de DNA.
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