Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 11
O magnífico cabelo dourado do homem era a prova de sua classe privilegiada e de seu lugar nos mais altos escalões da elite. Seu rosto penetrante e divino gerava nele um senso de dignidade inacessível. A autoridade em seu olhar fazia os outros tremerem.
Sua voz baixa e fria estava repleta de crueldade e não teve a menor dificuldade em esmagar o orgulho de Riki. No que dizia respeito a Riki, ele havia sido moldado a partir da merda do próprio Satanás. Riki não sabia nada sobre ele, exceto que era um Louro de Tanagura. Nem mesmo seu nome.
É claro que, se ele realmente quisesse saber e dedicasse um tempo para investigar, provavelmente ficaria surpreso ao encontrar as informações tão facilmente. Mas, mesmo agora, ele não tinha certeza se queria saber.
E não era só porque estava chateado com a provação.
Saber mais — saber apenas seu nome — significava que ele cairia ainda mais sob o feitiço daquele homem. O fato é que pensar nele, mesmo que um pouco, já o irritava demais.
O mercado negro estava trazendo à tona o melhor dele, e para Riki a lembrança daquela noite era a única mancha humilhante em sua alma. Ele não queria pensar nisso novamente. Então, por que, quando podia relaxar entre um trabalho e outro, aquele semblante aguçado rondava as bordas de seus pensamentos? Aparecendo em sua mente como se estivesse impresso em seu cérebro?
A dor era quase tão leve que poderia ser ignorada, mas era um tipo de dor purulenta e o inchaço não desaparecia. Em momentos como esses, meio inconscientemente, Riki enfiava a mão no bolso da calça e agarrava um objeto, rangendo os dentes. O que tinha na ponta dos dedos era a moeda de ouro que o homem lhe atirou quando saiu naquele dia.
“E aqui está o seu troco. Pelo suborno.” Foi o que ele disse a Riki. Riki pensou em jogá-la no esgoto ou, melhor ainda, pedir a Zach que a trocasse por dinheiro vivo. Mas, por algum motivo, ele se apegou a ela; nunca tinha visto nada parecido antes e não tinha ideia de quanto ela realmente valia.
Além disso, ele não queria que suas origens fossem investigadas pelos olhos perspicazes de Zach. Com o tempo, ele perdeu o impulso de se livrar dela. Seria diferente se representasse os despojos de uma boa guerra travada. Por que ele mantinha esse símbolo de tamanha degradação em seu corpo era um mistério para ele.
Com o trabalho de mensageiro caindo em seu colo, conhecendo Katze, vendo com seus próprios olhos a vida que o Scarface havia criado para si mesmo — Riki não tinha conhecimento daquela moeda humilhante. Embora de vez em quando lhe ocorresse a ideia de que talvez ele a tivesse guardado como um aviso, uma lembrança do tipo de pirralho ignorante que ele tinha sido.
Mas, mesmo ali, ele tinha a sensação de que estava se agarrando a tudo que podia. “Isso é tão fodido!“, ele repreendeu a si mesmo, virando a moeda em seus dedos e segurando-a contra a luz. Não era tão incomum, exceto pelo design dourado deslumbrante com o qual ele nunca se acostumava. Deveria ser uma espécie de brasão, selo ou algo do gênero? Percebendo que estava olhando para ela como se nunca a tivesse visto antes, Riki suspirou pesadamente.
Ao fazer isso, seu parceiro de trabalho, Alec, sentou-se em uma cadeira.
— Ei, bela bugiganga que você tem aí. — Ele olhou para Riki, seus olhos escondidos pelos óculos escuros, sempre presentes. — Onde você colocou as mãos nisso?
Alec não perguntou porque realmente se importava com as preocupações de Riki. Dessa vez, era simplesmente porque estava curioso… ou assim Riki supôs pelo tom de sua voz, incapaz de ler a expressão de Alec por trás dos óculos escuros.
Para ser sincero, Riki achava repulsivo ser examinado por aquelas lentes embaçadas. Ele não podia dizer para onde Alec estava olhando e o que ele estava olhando. Sem mencionar que suas emoções eram facilmente lidas enquanto Alec estava atrás de um espelho unidirecional. Isso era irritante, já que ele era seu parceiro e tudo mais.
Quando Katze o colocou como companheiro de Alec, Riki não se importou com quem era seu parceiro. A única coisa que o irritava era a maneira como Alec o olhava através daqueles óculos escuros. Riki podia sentir os olhos de Alec sobre ele, mas não podia ver seus olhos. Isso o irritava muito.
Se ele tivesse algum tipo de deficiência física e tivesse que usar óculos escuros, isso era outro assunto. Mas por outro lado, ao encontrar alguém cara a cara, ele queria olhar aquela pessoa nos olhos enquanto falava com ela.
— Diga, Alec. Você usa esses óculos de sol por causa da aparência? Ou há algo errado com seus olhos?
Vendo como ele estava fazendo a sua parte até agora, Riki acreditava que ele deveria ser honesto sobre esclarecer quaisquer preocupações que os dois pudessem ter o mais diretamente possível.
— Por que você está me perguntando algo assim?
— Não gosto de não saber para onde você está olhando quando está usando essa coisa. Se eles são uma necessidade, então é isso, eu acho. Mas se não, gostaria de olhar nos seus olhos quando falo com você.
Alec não respondeu por um tempo. Ele mostrou um leve sorriso.
— Você sabia que eu sou karinês*?
— Não.
— Aparentemente não. Ou você não teria deixado escapar um comentário tão estúpido.
Por um segundo, Riki prendeu a respiração, imaginando se, de alguma forma, o teria irritado. A essa altura, ele não tinha como voltar atrás com suas palavras, então sua única opção era seguir em frente mesmo assim.
— Então, o fato de você ser um karinês, ou o que quer que seja, é uma coisa ruim?
— Não. Só acho que você tem coragem de querer olhar nos meus olhos. — Alec se inclinou sobre a mesa enquanto falava, com seus narizes a poucos centímetros de distância. — Você realmente quer ver?
Uma súbita onda de curiosidade ofuscou seu nervosismo.
— Os olhos dos karineses têm algum segredo? — Os olhos de Alec permaneciam ocultos por trás do grosso par de lentes. — Merda, você não está me dizendo que vou me transformar em pedra ou algo assim, não é? — Riki parecia se lembrar de uma história da mitologia antiga a esse respeito. — Pare de ser arrogante e agir todo poderoso comigo e tire eles.
Alec parou de se inclinar sobre a mesa e endireitou as costas. Ele fungou pelo nariz, entediado.
— Huh. Parece uma criança. Em uma situação como essa, você deveria ficar tenso e trêmulo, mas eu estava errado ao esperar essa delicadeza tão feminina de gente como você.
Um momento se passou enquanto Riki olhava boquiaberto para ele em um silêncio atordoado. Quando ele não aguentou mais, ele gritou com seu parceiro.
— Alec! — Alec tirou os óculos escuros.
— Tudo bem, tudo bem. Desculpe fazer você esperar. — disse com um sorriso irônico. Ele fixou seu olhar em Riki.
O grito de surpresa de Riki ficou preso em sua garganta. As íris verticais dos olhos felinos de Alec irradiavam uma cor escarlate. Olhos vermelhos. Um par de jóias incrustadas com gotas condensadas de sangue carmesim. O rosto de Ghil, um companheiro dos velhos tempos, passou por sua mente e um tremor atingiu seu coração.
— Sinto muito, Riki. Dei o meu melhor. Dei o meu melhor. Eu sinto muito. — o homem repôs os óculos.
Como costumava fazer sempre que se lembrava daquela voz fina e fantasmagórica, Riki abriu bem os graves olhos escuros e olhou para Alec. Como pode ser isso? Apesar de sua aversão a ser visto por trás dos óculos escuros, ele percebeu que estava um pouco aliviado por Alec esconder seus olhos vermelhos atrás daquelas lentes coloridas. Ele lembrou a si mesmo que não tinha tempo para se entregar a emoções sentimentais que eram tão diferentes das suas.
Mas, neste momento em particular, o que estava realmente surpreendendo Riki era como o despreocupado e escorregadio Alec — que sempre se manteve fiel ao seu jeito brincalhão e descontraído — foi seriamente desarmado.
— Qual é o problema?
— Isso não é uma moeda Aurora?
— Aurora? — ecoou Riki, estreitando os olhos. Ele nunca tinha ouvido a palavra antes.
— O quê? Você está me dizendo que não sabe? — Por trás dos óculos escuros, seu olhar ia e voltava do rosto de Riki para a moeda. Ele ficou brevemente mudo. — E agora isso. Porra, isso é inacreditável. — Ele soltou um suspiro exagerado.
Por que ele está fazendo tanto alarde com isso? pensou Riki. É apenas uma moeda estúpida, não é?
— Bem, na verdade, é a primeira vez que eu vejo uma real também, então não estou em posição de te criticar por isso. Sem mencionar que se trata de um mundo completamente alheio a qualquer um de nós.
— Então, o que diabos é isso? — Riki exigiu. A insinuação que Alec estava fazendo e a maneira como ele falava sobre isso estavam começando a irritá-lo.
— Uma moeda Aurora é uma moeda de pet. Moeda para animais de estimação. Resumindo, é o dinheiro usado exclusivamente por animais de estimação.
Um longo segundo se passou durante o qual Riki digeriu essa informação. Seus olhos se arregalaram com uma resposta sem palavras. Moeda de pet? Isso foi mais do que apenas inesperado. Ele sentiu aquela palavra — que seu cérebro nunca havia encontrado antes — ricochetear em seu crânio como uma bola de pinball.
O mundo ficou branco, como uma luz estroboscópica explodindo diante de seus olhos. A expressão sempre insolente estampada em seu rosto desapareceu em um piscar de olhos, de modo que nem uma partícula de seu charme malandro permaneceu. A expressão em seu rosto dizia mais do que qualquer palavra poderia dizer.
Alec o encarou atônito. E então, talvez com um pensamento passando por sua mente, um leve sorriso surgiu em seus lábios.
— É assim que se chama, mas como seu uso é tão restrito – quem pode usá-la e onde – ela não tem muito valor de troca nos distritos comerciais. As moedas de animais de estimação são mais comumente conhecidas como tokens.
As explicações o atingiram como uma série de golpes fortes na cabeça. Aquele maldito bastardo… Riki sentiu o sangue escorrer de seu rosto. Moeda de animais de estimação. Ele nunca havia imaginado que algo assim existisse no mundo.
— Então, estamos falando de dinheiro falso? — Apesar de todo o seu autocontrole, sua voz ficou mais aguda.
— Não, não é isso.
— Então o que é? Uma moeda sem valor de troca? O que diabos você faz com ela? — disse ele, meio furioso, olhando para Alec com um brilho perigoso nos olhos.
Alec deu de ombros.
— Não é usado da mesma forma que o dinheiro. — disse ele com franqueza. — Seu valor é como uma espécie de símbolo de status, prova de que você é tão rico que pode comprar um animal de estimação.
— Seu valor é como símbolo de status? — Riki repetiu para si mesmo com desgosto. Forçado contra sua vontade a se lembrar do rosto daquele homem, a personificação da riqueza e do poder, ele inconscientemente fez uma careta.
— Pelo que vale, eles são comercializados entre colecionadores fanáticos apenas pelo valor de seus designs. Dependendo do item, eles podem ofertar um bom preço.
— Sim, por idiotas. — cuspiu Riki em um tom venenoso. Ele não conseguia compreender o conceito de criar uma moeda especial sem valor monetário real, simplesmente para dar “gorjeta” aos animais de estimação. Ou de idiotas ansiosos para se desfazer de dinheiro de verdade para tê-las em suas mãos.
Como se Alec estivesse a par dos pensamentos íntimos de Riki, ele explicou melhor:
— Da forma como o sistema é montado, o dinheiro gira e gira e acaba voltando para as mãos dos ricos. Como se costuma dizer: “Se você não se deixa seduzir, é porque você não tem realmente dinheiro.” — Ele sorriu com a lateral da boca. — Essa moeda Aurora que você tem aí é para animais de estimação criados em Eos. Elas quase nunca aparecem em circulação. Os colecionadores matam por elas. Não sei onde você conseguiu uma, mas coloque essa coisa em um leilão na Internet e não faltarão compradores interessados. Você pode ganhar um bom dinheiro para cerveja.
— Eos… isso tem algo a ver com Tanagura?
— Você está brincando comigo. É o lugar em Tanagura onde vivem as elites. Torre do Palácio. Ei, o desenho gravado aí é o mesmo padrão do estandarte de Tanagura. E sem mencionar que a corrente parece ser de ouro 24 quilates. Ela iluminaria os olhos não apenas dos colecionadores mais exigentes.
Alec tagarelou com grande ar de autoridade sobre que tipo de valor algo como uma moeda Aurora poderia ter, mas nem metade do que ele estava dizendo chegou aos ouvidos do enfurecido Riki. Aquele filho da puta estava esfregando isso na minha cara!
Tratar uma pessoa como merda, um mero brinquedo e, no final, jogar-lhe uma moeda sabendo que esta não tinha valor algum como dinheiro, chamando-a de “troco pelo silêncio”. Até que ponto um homem tem que foder alguém para se sentir bem consigo mesmo? Merda! Riki sentiu a raiva aumentar.
“Estou tratando o lixo da favela da mesma forma que um animal de estimação de Tanagura. E você ainda não está feliz?” Aquelas palavras que haviam ficado presas em sua alma, junto a um riso frio e zombeteiro, brilharam diante de seus sentidos.
Merda!
Sentindo como se fosse vomitar, Riki apertou os lábios trêmulos.
Merda!!
Os xingamentos que subiam em sua garganta queimavam sua língua. Ele não conseguia nem imaginar a humilhação que seria se pedisse a Zach para vender aquela moeda.
Merda!!!
Seu cérebro quase ferveu em sua cabeça. Vou ser bem claro, seu merda. Na próxima vez que nos encontrarmos, não importa quando ou onde, sua bunda será minha. Embora fosse provável que o inferno congelasse antes que eles se encontrassem novamente.
Ainda assim, Riki não pôde deixar de sacudir o punho e gritar de raiva.
Alec não tinha ideia do que estava acontecendo. Riki havia se calado no meio da conversa e depois praticamente teve um ataque bem na sua frente, a ponto de explodir de raiva.
Ele respirou fundo. Calma, calma. Não perca a cabeça quando temos negócios a tratar. Ele guardou seu conselho para si mesmo e soltou a respiração lentamente, imaginando o que teria deixado Riki irritado. Afinal era o suficiente para provocar enxaqueca em um homem daquele.
O garoto havia saído das favelas e olhava para todos com o mesmo olhar duro e sem sentimentos. Foi há cerca de três meses que Katze os colocou juntos. Na época, Alec havia revirado os olhos de cobra. Ele soltou um longo suspiro.
De qualquer forma, do seu ponto de vista, ele finalmente teve sua chance, embora não tivesse imaginado que acabaria com esse garoto em particular. Ele não levou a sério o suficiente para acreditar que, mesmo por acidente, a responsabilidade recairia sobre ele.
Os fascistas que chamavam Riki de “lixo do esgoto” usariam os mesmos termos contra um imigrante do planeta Karin como Alec. Com suas habilidades telepáticas, os karineses eram conhecidos como uma raça de curandeiros. Mas por causa dessas habilidades, outros temiam que, se tocados por um deles, seus pensamentos e intenções fossem revelados.
Portanto, não era apenas uma pequena parte da população que os via com repulsa. Suas íris vermelhas, parecidas com as de gato, eram um segredo absoluto fora de sua vida privada. Alec nunca ia a lugar nenhum sem os olhos escondidos atrás de um par de óculos escuros.
Os motivos para disfarçar sua identidade incluíam o simples desejo de evitar os rumores que geravam muitos problemas inúteis. Folclore urbano como: Os olhos vermelhos dos karineses são presságios de má sorte. E: Só de olhar para você, um karinês pode drenar sua energia vital e matá-lo.
Não importava qual fosse o segredo, em algum momento ele se revelaria e viraria boato. Enquanto ele sentisse esses sentimentos agitados nos olhares que caíam sobre ele — para fins bons ou maus —, Alec não poderia se dar ao luxo de baixar a guarda. Embora adotasse uma postura cautelosa e deixasse o mundo de lado cinicamente, ele ainda tinha um carinho persistente pela humanidade.
Independentemente das opiniões das pessoas ao seu redor, ele usava mais do que apenas uma máscara protetora. Ele gostava da reputação que tinha de ser o tipo de pessoa que vem e vai fácil. “O que tiver de ser, será”, era seu lema.
Embora, pelo menos dessa vez, seu suspiro tivesse a força de um vendaval. Por quê? Qual o problema? Por que diabos tem que ser eu o parceiro desse garoto?
Sabendo que não haveria sentido em fingir, ele passou os dedos pelos cabelos dourado-acobreados, da cor da juba de um leão.
— Chefe. — disse ele, demonstrando casualmente sua insatisfação — Cuidar de crianças não é meu ponto forte. — Como era de se esperar, Katze ignorou sua opinião.
— Não se preocupe com isso. Ele não é um garoto comum. Está na hora de mudar um pouco da mesmice de sempre, não acha?
Então o garoto não era um pirralho chato. Mas isso não era apenas uma outra maneira de dizer que ele era um grande encrenqueiro?
Alec não estava tão entediado com a vida a ponto de se divertir se intrometendo nos assuntos alheios, mas seus colegas não resistiam a dar opiniões.
“Ei, boa sorte.”
“Inferno, eu sei que vou descansar essa noite.”
“Faça-o trabalhar até ficar com as mãos em carne viva, Alec.”
“Não pegue leve com ele, senão só vai piorar.”
Eles podiam estar falando demais, mas o que estavam realmente dizendo não se limitava a Riki. Afinal, não era o sonho de nenhum deles fazer uma parceria com Alec.
Alec não se considerava um guerreiro distante ou um lobo solitário, mas também não queria carregar aquela granada de mão com ele. As personalidades díspares dele e de Riki se anulavam, mas sempre que as coisas pioravam, todos os seus piores aspectos se duplicavam.
Embora Katze estivesse ciente disso, a decisão já havia sido tomada e ele não estava disposto a voltar atrás a essa altura. Mesmo assim, Alec ainda se agarrava ao direito de reclamar. Desde então, ele passou a admitir que sua leitura inicial da situação havia sido equivocada. Longe de ser um criador de problemas, Riki era o próprio olho do furacão.
Havia dois tipos de mensageiros no mercado negro. De acordo com o sistema de classes Midas, eles eram designados (de acordo com a linhagem sanguínea) para a Megisto ou eram empregados de forma independente pelo mercenário Athos.
Ridicularizados como os “cães devotados do Mercado”, os Megisto não poupavam esforços para seguir todas as ordens de seus superiores. Se lhes fosse pedido que caíssem sobre suas espadas, eles o fariam sem protestar. Nesse aspecto, porém, sua falta de flexibilidade quando as coisas não saíam como planejado era uma séria desvantagem.
O trabalho rotineiro e prático era o seu forte, mas, acostumados a receber ordens, não conseguiam pensar por si mesmos e improvisar no local quando necessário.
Athos era exatamente o oposto. Vinculados não por lealdade ou fidelidade, mas apenas por contrato, eles eram membros de pleno direito do Mercado. Eles eram de várias raças e origens e, em sua maioria, duplicavam seus dons naturais de inteligência e coragem com medidas iguais de bravata. Em outras palavras, todos eles eram lobos solitários de uma raça ou de outra.
Embora não mostrassem as suas garras àqueles que reconheciam como seus iguais, possuíam um orgulho profundo e teimoso na sua capacidade de realizar o trabalho. Inevitavelmente, seu chefe também restava os limites dessas habilidades.
Eles sabiam que seu chefe era um mestiço da favela que havia saído da fossa e, embora fossem curiosos por natureza, ao contrário do Megisto, que era preconceituoso e antiquado, não lançavam insultos sem sentido e sem justificativa.
Eles sabiam o quanto seu chefe era capaz e bem-sucedido. Não havia motivos para menosprezá-lo como o pessoal do Megisto fazia. Mais uma razão para não dar a mínima quando o chamavam de “ex-animal de estimação inútil” e “mestiço das favelas” pelas suas costas.
O cão inteligente não latia em vão, apenas afiava suas presas silenciosamente. Eles não precisavam descer ao nível dos cães de caça. Suas habilidades como mensageiros “caçadores” que, às vezes, também se encarregavam de assustar as aquisições, também eram muito superiores. Suas habilidades eram óbvias à primeira vista.
Consequentemente, o fato de Katze convidar Riki para o grupo como membro do Athos pareceu a todos uma espécie de piada. Depois de um momento de silêncio atordoado, eles trocaram olhares e então, com os mesmos sorrisos irônicos, encolheram os ombros.
Eles sabiam que não se tratava de um show ou de um capricho, mas ninguém imaginava que Katze traria para o ambiente de “não se deixar levar” do Mercado, o que, do ponto de vista de qualquer pessoa, não passava de um garoto punk novato.
Mas não se tratava de uma negociação. Katze havia anunciado sua decisão e dado a palavra final sobre o assunto. Incertos sobre como lidar com o jovem, Alec e os outros acharam que poderiam deixar as coisas por conta do chefe.
Se destacar demais nunca era um bom sinal. Isso era bom senso. Ninguém gostava de um superdotado, e se esse superdotado fosse um mestiço saído das favelas, a inveja se transformar em rancor não era algo difícil de se imaginar.
Não importava o quão severas fossem as restrições de um sistema de classes feudal, o próprio desejo humano não conhecia limites. Dada a motivação certa, brechas poderiam ser encontradas em todos os lugares — as pessoas que não conseguiam encontrá-las tinham de se tranquilizar pensando que simplesmente não tinham sorte o suficiente na vida.
Como prova de sua identidade, os cidadãos de Midas tinham um biochip embutido nos lóbulos das orelhas logo após nascerem. Dizia-se que, para conseguir se livrar dele, teriam que cortar a orelha fora. Uma criança como Riki não tinha esse dispositivo PAM.
Havia uma boa dose de curiosidade sobre a natureza exata das circunstâncias que envolviam o jovem, mas havia certa relutância em se meter nos assuntos privados daquela pessoa. A confiança mútua e o dinheiro eram essenciais para o contrato, assim como um certo grau de indiferença estudada: não ver, não dizer e não ouvir o que não deveriam.
Os membros do Athos, contratados por dinheiro, estavam, cada um a seu modo, familiarizados com a arte de fazer amigos conforme a situação exigia. No entanto, o fato de esse jovem intruso aparecer do nada, em um ambiente que até então era livre de problemas, deixou todos eles confusos.
Eles deveriam continuar como sempre e tratá-lo com desconfiança, ou apenas como o mais novo subalterno a se juntar ao Athos? Katze não disse para tratá-lo mal ou fazer bom uso dele. Tudo o que ele disse foi: “Este é o Riki. De agora em diante, ele é um de nós”.
Mesmo ao anunciar que se tornaria membro, a sensação era de que ele não estava ali para acumular experiências como mensageiro. Talvez Katze tivesse outros planos para ele. No início, o trabalho de um novato geralmente girava em torno do trabalho administrativo. Katze não designou ninguém para ajudar o garoto, e isso não era típico dele. Sua atitude em relação a Riki era: Só vou lhe ensinar isso uma vez.
Observando Riki pelos cantos dos olhos, a equipe teve que se perguntar como ele tinha ido parar ali. Resumindo, a ideia era que Katze o havia colocado na folha de pagamento como um favor a alguém. Nesse caso, ele só estava dando a Riki o tratamento que lhe era exigido.
No entanto, com um estado de espírito que beirava a arrogância, Riki quebrou suas expectativas. Sem dúvida, ele não era exatamente respeitoso com seus superiores, mas também não era um pirralho insuportável.
Independentemente dos planos de Katze, à sua maneira, Riki parecia determinado a aprender tudo o que havia para saber sobre o Mercado o mais rápido possível. Aceitar apenas o que lhe era dado não era suficiente. Seus olhos buscavam constantemente o próximo passo que saciaria o desejo de melhorar a si mesmo. O tipo de paixão pura e destemida que o resto deles havia perdido há muito tempo, aquele grau de juventude necessário para continuar avançando com os olhos firmemente fixos na estrada à frente.
Ele tinha um desejo positivo de aprender tudo o que não sabia. É muito melhor fazer uma pergunta e ser considerado um tolo por um momento do que ficar em silêncio e continuar sendo um tolo para sempre. Ele pegava qualquer colega que passasse e o perseguia com perguntas.
Ele usou tudo o que tinha à mão para aprender mais. Sua força de vontade era impressionante. No início, seus colegas acharam essa exuberância deprimente. Esse grau de desejo deixou claro que ele não estava de forma alguma gastando seu tempo ali até que algo melhor aparecesse.
Com o tempo, porém, eles ficaram maravilhados e agradavelmente surpresos. Ele não estava satisfeito com o status. Ele criou seu próprio futuro. Ninguém poderia encontrar falhas nesse tipo de espírito indomável.
Mesmo com alguns tropeços e erros ocasionais, ele não desistia. Um cara com esse tipo de espírito empreendedor nunca ficaria sem coisas para fazer. O fato de uma pessoa acabar ou não se tornando um aproveitador que apenas se deixa levar era uma decisão que deveria ser tomada, não por outras pessoas, mas pelo próprio homem.
Na época, não apenas Athos e Megisto, mas também o Mercado sabiam de onde Riki tinha vindo. Mas embora agora olhassem para Riki com novos olhos, Riki não havia mudado nada. Em um grau admirável, sua atitude falou por ele: Não tenho tempo para me preocupar com o que esses idiotas pensam de mim.
Isso não significa que ele evitava problemas desnecessários. Ele podia facilmente iniciar uma briga com aquele seu olhar ou com suas palavras.
Do ponto de vista de Alec, acostumado como estava com os costumes do mundo, o comportamento de Riki não era inteiramente produto de obstinação infantil. Mas quando ele considerou isso como o orgulho inegociável nascido das teias de preconceitos e discriminação a que Riki sempre foi exposto, então essa teimosia lhe pareceu o que ele deveria esperar de uma criança.
E não havia motivo para rir. Chame isso de teimosia ou qualquer outra coisa, uma pessoa que possuísse esse senso de identidade estava fadada a prosperar na adversidade. Um senso de convicção que não oscilava a cada brisa que passava. Nesses aspectos, Alec sentiu semelhanças estranhas entre Riki e Katze, que aparentemente não compartilhavam nada além de suas raízes nas favelas.
No entanto, sempre havia idiotas para dar opinião sobre isso. Quando os membros mais impertinentes da gangue Megisto foram derrubados, Alec e os outros não puderam deixar de ficar impressionados com o estilo de luta inesperadamente forte de Riki, o de uma pessoa que já havia derramado sangue algumas vezes antes.
A expressão em seu rosto logo antes de dar o primeiro soco. A maneira como ele fixou o oponente em sua mira. Seus olhos virados para cima nos cantos e cheios de sede de sangue — de onde vinha aquele tremor de apreensão?
Sua aura jovem e mal-humorada desapareceu e um aspecto completamente diferente de si mesmo foi exibido. Que tipo de criatura era essa? Alec não era o único que estava engolindo em seco, incrédulo.
Rápido.
Inteligentes.
Flexível.
Atacando, dançando e se aproximando para matar. Uma fera que geme, grunhe e uiva, escondendo suas presas brutais, hipnotizando seus inimigos com medo.
Xingamentos.
Conversa fiada.
Até mesmo os pedestres que paravam para assistir ao show, em algum momento, prendiam a respiração e ficavam em silêncio. A única pessoa que não parecia nem um pouco surpresa era Katze.
Foi então que Alec começou a perceber que Riki não tinha ido ao Mercado para fazê-los ser babá de um aproveitador. Como diz o ditado, “quem poupa a vara odeia o filho”. A fim de verificar completamente os limites das habilidades de Riki, Katze fez sua aposta e a deixou rolar, sem condições impostas.
Era até possível que Katze tivesse tirado Riki do mesmo ambiente e o estivesse preparando para ser seu futuro braço direito.
Foi isso que o fez começar a pensar na conversa que tiveram sobre Riki ser seu parceiro. Então é disso que se trata? Ele teve que se perguntar. O suspiro profundo que ele soltou estava repleto de significados ocultos.
A ideia de que, apesar de todo o ascetismo e abnegação aparentes de Katze, em algum lugar de seu coração ele poderia estar buscando uma alma gêmea o atingiu como uma espécie de traição. E pensar dessa forma o deixou em um estado de espírito melancólico incomum que, ao mesmo tempo, era muito diferente dele.
Sabendo que estava extrapolando sua posição, ele teve que perguntar:
— Então, você está me pedindo para explicar estritamente a ele o básico de ser um mensageiro e prepará-lo para jogar nas primeiras posições das cordas?
— Não. Isso não é necessário. Meu trabalho não é transformá-lo em uma espécie de mensageiro profissional.
Nesse caso, seu trabalho era?
O que Katze queria era que ele acumulasse uma ampla gama de experiências com o futuro em mente.
Katze não estava disposto a deixar que seu diamante bruto fosse fodido por estranhos antes de ser polido até brilhar. As expectativas de Katze com relação a isso eram tão transparentes quanto vidro. Alec se viu sorrindo, apesar de tudo.
— Então, isso significa ficar por perto, ficar de olho e se certificar de que ninguém o provoque?
Incapaz de ler a ironia na expressão de Alec por trás de suas sombras escuras, Katze não demonstrou nem um pingo de emoção.
— Não precisa ir tão longe. — disse ele de forma clara e distinta. — Veja, de uma forma ou de outra, ele é um Varja* nato.
— Varja? — Alec ecoou. Era uma palavra com a qual ele não estava familiarizado.
Katze acendeu um segundo cigarro. O único mau hábito deste homem exigente. E ninguém, a não ser um karines como Alec, teria detectado a quantidade mínima de ópio na fumaça. Ele não era um viciado. E, apesar da alta classe de seu estoque, ele não fumava na frente dos outros para se exibir. Mas Alec entendia por que Katze achava que precisava fumar: ser chefe de mensageiros dia após dia era um trabalho difícil.
Embora ambos fossem tratados como cães de guarda do Mercado, a hostilidade mútua de Megisto e Athos já os havia tornado quase inimigos naturais. E o fato de ter que lidar com a espada de dois gumes que era Riki já era motivo suficiente para essa pequena indulgência.
— Originalmente, ele era aquela fera negra da lenda das Veela, um ser mágico de beleza extraordinária que caçava as almas dos humanos. Supostamente, não há fim para as pessoas que foram desequilibradas e enfeitiçadas pelas brilhantes pérolas negras de seus olhos.
Alec pensou ter captado a essência do que Katze estava tentando dizer.
— Em outras palavras, no que diz respeito à pessoa em questão, mesmo que você não tenha o mínimo de senso, não há fim para os homens que perderiam tudo concentrando-se nos detalhes. É disso que você está falando?
Dizendo isso com tantas palavras, ele sentiu que estava sendo brutalmente honesto, mas, na verdade, aquelas esferas de obsidiana estavam infundidas com um poder curioso e encantador. Olhos brilhantes que traziam à mente não só o silêncio frio à beira do abismo, mas o magma negro fervente que gerava o desejo de posse pessoal, mesmo que o brilho naqueles olhos refletisse um desejo de sangue.
Para ser honesto, Alec também ficou fascinado pela confusão. Isso não significava necessariamente que ele passara a ver Riki sob uma luz totalmente nova, mas ele sentiu a necessidade de aumentar o autocontrole e bloquear os impulsos mais básicos.
— Isso ocorre porque as favelas são um mundo estranho, distorcido pela superabundância de homens. Qualquer um que não se encaixe tem de decidir se quer se destacar ou ser caçado. — disse Katze.
— E se não for nenhuma das opções, então é uma luta até o fim?
— Vá em busca de uma briga e espere ser pago com juros. Olho por olho. Essa é a lei das favelas.
Alec soltou um suspiro profundo, pensando em como a resistência inerente de Riki, uma aparente incompatibilidade com seu físico, havia sido cultivada para esses fins. Num mundo onde a lei comum era a lei da selva, ou você endurecia o coração e a mente ou não sobrevivia.
E ele sabia, olhando para Katze, que o homem não era apenas conversa. Ostentar um rosto que poderia ser comparado à beleza da elite de qualquer clube de Midas devia ter sido um fardo amargo na vida. Em um mundo onde a lógica do poder não era desafiada, a beleza não fazia nada além de transformar uma pessoa em uma presa.
Lutar, bajular ou ser pisoteado, essa era a questão.
Ele não sabia exatamente como Katze havia se tornado corretor. Havia rumores de que a cicatriz em sua bochecha era um vestígio desse passado. Mas usar sua cicatriz como um distintivo de honra e assumir o apelido de “Scarface” representava — mais do que seu desejo de não ser ridicularizado como um novato — uma postura ameaçadora para os que o cercavam.
Como o próprio Katze não disse nada, qualquer que seja a verdade, os boatos nunca se solidificaram.
Estritamente em termos de beleza, não faltavam rostos mais bonitos do que o de Riki, que ainda carregava aquela aura de imaturidade e infantilidade. Mas da perspectiva de Alec, Katze comparando Riki ao lendário Varja definitivamente não era exagero.
Mesmo sabendo o quão repugnante isso era para Riki, o fascínio de seu cabelo preto despenteado fez Alec querer tocá-lo e ver por si mesmo. Os raios irradiados por seus olhos negros refletiam uma preciosidade mais valiosa do que joias de obsidiana.
A fluidez inteligente de seus membros era excepcional, e a severidade de seu temperamento, contrastada com sua cintura esbelta, tinha o efeito involuntário de deslumbrar os olhos de seus companheiros mais depravados.
Mas o que as pessoas achavam mais fascinante era a sensação única do todo, e não a qualidade — boa ou ruim – das partes individuais..
— Mesmo que mudasse de local, esses feromônios seriam espalhados por todo o lugar do mesmo jeito.
— Como uma pessoa que não tem ideia do que está espalhando, isso o torna o exemplo perfeito de relutância inocente. — disse Katze, com a voz ficando amarga ao ouvir a palavra “feromônios”.
O fato de ele não ser apenas mais um cara bonito era tranquilizador. Mas Riki deixava os caras todos animados, independentemente da orientação. Se ele fosse uma mulher, aquele tipo de apelo glamouroso o faria ser uma mulher fatal.
Mas, para Riki, um gato de rua que se irritava com todo mundo, comparações como essa eram totalmente inadequadas. Não havia nada de especial em um mestiço da favela.No caso de Riki, aquela forte presença de “estou aqui” atraía as pessoas e, para o bem ou para o mal, fazia com que seus corações ficassem entusiasmados.
Para Alec também foi um pouco assustador se ver tão impiedosamente atraído por desejos que, de outra forma, nunca lhe teriam ocorrido. Só quando Riki apareceu em sua vida ele experimentou algo assim bem diante de seus olhos.
Até certo ponto, a gangue da Athos manteve Riki uniformemente à distância, provavelmente porque eles sentiam a mesma coisa e andavam com cuidado perto dele.
Todos se consideravam os mais desejáveis. Se não tivessem a coragem de insistir no assunto e por seu autocontrole à prova, sempre ficariam de fora.
Alec não foi o único a chegar a essa conclusão.
— Não é o sonho eterno de você e de todos os outros homens do universo colocar uma coleira no pescoço de um animal selvagem e domar a dita fera indomável? — Katze disse, expondo casualmente a mentalidade distorcida que estava em jogo.
Não inesperadamente, os olhos de Alec se arregalaram momentaneamente em reação. Talvez trabalhar como parceiro de Riki funcionasse como uma espécie de restrição. Embora não fosse o tipo de coisa em que ele desejasse ler significados mais profundos.
— Bem, o desejo de controle sempre foi mais do que apenas ambição, é uma qualidade essencial do homem humano. Mas, na minha opinião, não importa o quanto a criatura seja atraente, avistar um predador à distância e saber que ele morde deve fazer você pensar duas vezes antes de estender a mão, não acha?
Katze provavelmente não estava esperando uma resposta tão inofensiva, mas era assim que Alec se sentia em relação ao assunto, especialmente se Katze quisesse fazer de Riki seu braço direito no futuro. Na verdade, se Katze estivesse disposta a aceitar um não como resposta, Alec teria preferido deixar de lado toda essa questão dos parceiros.
Se seus parceiros anteriores pudessem vê-lo agora, sem dúvida lamentariam que ele tivesse se transformado em um perdedor que perdeu a coragem para a luta. Mas Alec, pessoalmente, não sentia nenhuma insatisfação com sua atual associação com Athos. Desde que tivesse respeito próprio, acreditava ele, não importava o que os outros pensavam dele.
Mais uma razão para Alec não ter entendido o que Katze estava fazendo.
Foi quando, depois de tudo o que foi dito e feito, Katze disse o seguinte:
— Ninguém por aqui sabe exatamente como incluir Riki na equação, mas não estou esperando que ele passe por grandes mudanças.
— E com isso você quer dizer…?
— Com isso quero dizer que ele é do tipo que domina os obstáculos à sua frente e leva isso para o próximo nível. Se suas diferenças não são aceitas, que assim seja. Por isso não há necessidade de você demorar.
As palavras de Katze tiveram o efeito de anular completamente a imagem que Alec havia formado em sua cabeça até então. Inconscientemente, ele endireitou a postura.
— Então você não está treinando Riki com planos futuros em mente? — Em resposta, Katze torceu a bochecha em uma espécie de careta rara.
—Pode ser que o garoto seja esperto demais para seu próprio bem. Se for esse o caso, eu também gostaria de vê-lo passar pelo espremedor. Mas, no caso de Riki, se isso for suficiente para mudar muito quem ele é, então, francamente, as repercussões podem ser assustadoras.
“Com que tipo de quebra-cabeça ele está me confundindo?”, pensou Alec.
— Então, de agora em diante, peço que você mantenha as mãos nas rédeas.
Mesmo depois de tirar Riki das profundezas das favelas e deixá-lo à solta no Mercado, Katze não estava esperando que ele colocasse o mundo em chamas imediatamente. Basicamente, ele estava pedindo a Alec que fosse um contrapeso para evitar que Riki passasse do ponto. Alec não sabia o que dizer.
Então, agora ele se dirigia ao navio de carga, com Riki alguns passos à sua frente. Ele olhou para as costas de Riki através de seus óculos de sol. Mesmo que ele quisesse tirar os óculos de sol na frente de Riki, desde aquele dia não havia como fazê-lo. Mesmo como telepata, mesmo como um curandeiro, ele simplesmente não possuía poderes tão grandes.
O que significava que, no caso de Alec, suas habilidades como karines eram um tanto fora do comum, até pouco ortodoxas. E não apenas nas máquinas, mas nas inteligências artificiais típicas dos computadores.
Suas habilidades telepáticas não se concentravam nos seres humanos, mas eram exercidas mais plenamente pelas máquinas. Essa era a razão pela qual Alec era um mensageiro que pilotava navios de carga como se fosse um capricho, e também o hacker mais proeminente do mercado.
É por isso que ele ficou honestamente surpreso naquele dia em que Riki — que parecia não saber nada sobre os dons especiais dos karineses — lhe mandou tirar os óculos escuros, e ele não pensou em fingir teimosia. Para Alec, seus óculos escuros não passavam de uma forma de evitar um sofrimento desnecessário.
Ele não achava que estava tentando consolidar qualquer tipo de amizade com Riki de propósito. Em vez disso, ele queria criar um relacionamento de confiança com seu parceiro. Exceto que Riki abordou a coisa toda com uma atitude tão sem humor que não conseguiu reprimir um pouco de contradição travessa.
E assim, um telepático que não deveria ter nenhuma habilidade especial para emoções humanas acabou “lendo” as de Riki. A tal ponto que ele se viu sugado pelas memórias do garoto.
Um par de olhos carmesim…
Um garoto magro…
Uma cama de hospital…
E as palavras que ele não deveria ser capaz de ouvir, os gemidos ásperos reverberavam em seu cérebro. A sensação incandescente de ter sensações orgânicas repentinamente lançadas em seu mundo inorgânico. A dor dos grandes olhos, negros e imóveis de Riki se fixou nele.
Alec virou a cabeça para o lado, desviando o olhar, para quebrar os fios entrelaçados do olhar de Riki. Ele recolocou os óculos escuros com as mãos trêmulas, o mundo novamente desaparecendo naquela tonalidade eterna. A batida incessante de seu coração sacudiu todo o seu corpo. Ele lambeu os lábios rachados várias vezes, sentindo o profundo alívio de voltar ao seu mundo “normal” e bem acostumado.
Um erro inesperado. Uma indiscrição imprevista. E sentimentos de ansiedade que ele nunca sentiu antes. Se recompondo, ele lançou um olhar na direção de Riki, avaliando-o e examinando-o.
Riki olhava distraidamente para o céu. Sem enxugar os olhos úmidos, havia um olhar assombrado em seu rosto que Alec nunca tinha visto antes. Atormentado por estranhos sentimentos de descontentamento e sem sair do lugar, ele não disse mais nada.
Depois disso, ele só teve consciência de estar na frente de Riki e olhar para ele através das lentes dos óculos escuros.
Virando na direção que Katze pretendia desde o início, embora de forma inesperada, Alec acabou realizando seu trabalho como “contrapeso”, o regulador da roda giratória de Riki, ao máximo. Seus gemidos silenciosos eram carregados de desdém e autocontrole.
NOTAS:
- Um vajra (no alfabeto devanágari: वज्र) ou Dorje é uma palavra sânscrita que significa tanto “diamante” quanto “relâmpago”. Como diamante, remete à indestrutibilidade da essência espiritual. Enquanto relâmpago, como aquilo que ilumina velozmente.
- Karin (カリン, Karin) é um planeta cujos habitantes são conhecidos como uma raça de curandeiros.
- Karinês: Quem nasce em Karin. Alec é um karinês.
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