A Noite Em Questão - X
BERLIAC
Eu sonhei com ele, estava de pé diante dos meus olhos, naquele mesmo recanto olhava para o horizonte, estava sem camisa, olhava para cima, mal podia ver seu rosto, eu parecia estar encostado na parede, me sinto estranhamente bem, não sinto meus pés e nem minhas mãos, mesmo assim me forço a dar alguns passos para frente, noto que seus lábios se movimentam, ele sussurra algumas coisas, tais coisas que sou incapaz de ouvir.
Ouço seus múrmuros e gemidos, vejo seu corpo trêmulo, ele esta chorando, um choro baixo e abafado de quem tem medo de ser ouvido, chora para si, eternamente, não vejo seus olhos, sei que eles brilham como pérolas, ele chora, eu sei que chora, sei que de seus belos olhos escorrem lágrimas, são as lágrimas da culpa, da minha culpa.
“Me desculpe…” As palavras saíram da minha boca, vieram meio fracas, cheias de peso e tensão, cheias de dor, medo e culpa. “Por favor não chore…” Pedi. “Eu não deveria tê-lo feito.” Comecei a sentir o calor ao redor de meus olhos, as lágrimas saíram com facilidade, logo me dei conta de que estava chorando também, foi quando em meio ao silêncio que separava as minhas lágrimas das dele ouvi sua voz; “Eu estou perdido.” Sussurrou, em tua breve fala havia toda a tensão que me fazia querer cair de joelhos, queria poder arrancar meus cabelos, cortar minha garganta, queria poder sentir uma dor tão forte a ponto de me desfocar daquela situação, eu queria acordar.
“Eu tenho medo.” Disse, pela primeira vez meus sentimentos foram expostos em palavras, meu coração outrora frio começou a aquecer, batia com força como se fosse encher meu peito de pancadas internamente, eu cheguei mais perto, com cada passo fui tomando um pouco de coragem, dentro de mim senti uma paz após as palavras, como se me libertasse do peso de minhas ações. “Do quê tem medo?” Questionou o ômega, desta vez sua voz antes molhada e trêmula agora parecia mais leve, ainda sim afastada, como se sussurrasse para o vento.
“Eu tenho medo de você.” Foram estas as minhas palavras. “Eu quero saber o que você é.” Comecei a me sentir tão leve quanto a uma borboleta, meu coração já aquecido e aconchegado parou de bater, naquele instante eu já estava próximo aquele ser tão peculiar. “Como eu poso te ajuda?” Questionei, estendi a minha mão mas não o toquei, sabia que não era apropriado.
De repente ele se virou para mim, foi tão repentino que eu mal tive tempo de reagir, olhei em seus olhos, grandes, escuros e brilhantes, mesmo que tivesse me arrepiado eu não gritei e nem fugi, não deixei que os pensamentos ruins invadissem minha mente, eu me mantive são, aos poucos teu corpo escuro começou a se desfocar, não sobrou nada além de teu rosto e aqueles olhos profundos; “Me encontre.” Sussurrou o ômega e depois disso eu acordei.
Mesmo depois de desperto permaneci deitado sobre a cama, encarava o teto paralisado sem emitir um som se quer, olho para o lado, parada ao vão da porta esta o meu paletó, eu estava perdido mas agora acho que sei exatamente o que devo fazer.
___
Naquela manhã vivida de céu azul brilhoso eu decidi me aventurar saindo pela porta, parei no hall, não estava muito lotado dito que não passavam das oito, mesmo assim o café da manhã estava servido, havia uma variedade inimaginável de pães, bebidas lácteas e não lácteas, biscoitos, frutas e chás, montei para mim um sanduiche de pão de gergelim, queijo, peito de peru, alface, tomates e molho, era o suficiente para aguentar uma longa caminhada dito que levara comigo uma grande maça, gorda e vermelha, farta, cheia de suco e poupa.
Vesti uma de minhas melhores roupas, a camisa social branca, coleção de verão com a calça cinzenta, o cinto era escuro e os sapatos marrons, estes em questão eram presentes de meu Pai, fiz questão de pentear meus cabelos loiros, de certa forma depois de toda aquela temporada fria eu me sentia radiante em meio ao calor, respirei fundo e continuei andando, olhando agora eu parecia um daqueles verwöhnts que eu sempre julgava, tenho certeza de quê se por um acaso o meu irmão me visse neste exato momento já estaria jogado sobre o chão e eu por ventura teria que me afastar em fúria debaixo de uma terrível zombalheira por sua parte.
Caminhei por um bom tempo, passei pelas estradas, vi os restaurantes, internos e externos, vi as pequenas barracas, observei as piscinas, contara quatro até aquele momento, mas foi quando estava passando pela grande quadra de tênis que eu ouvi um voz; “Berliac!” O seu sotaque era gritando, dava ênfase no B e dizia o C bem assim; Quí.
Olhei para o lado, do campo podia ver algumas pessoas, dois homens e uma mulher, um deles veio até mim, encostando-se na cerca, era Petrus Koch, fazia um bom tempo que eu não via o sujeito, me cumprimentou com um sorriso no rosto; “Venha jogar conosco!” Exclamou, eu olhei ao redor, os outros dois permaneceram de pé com as raquetes na mão, me observando de longe, eram aqueles que mais tarde eu acabaria conhecendo pelos nomes de Francesco Bianchi e Charlotte Dankworth, esta última em especial eu sentia que seria bem próximo.
Charlotte Ava Dankworth, Alfa Dominante vinda de uma longa linhagem de Alfas originários da Inglaterra, estava perto de completar trinta e um anos, seus cabelos eram escuros e lisos, seus olhos claros e brilhantes, sua cara bonita e atraente escondia o que ela realmente era; Uma pervertida.
Haviam diversos escândalos envolvendo seu nome, todos eles relacionados a ômega, tinha a má fama de perder a cabeça com funcionários, especificamente ômegas, a última confusão que se meteu foi quando deu uma surra em uma funcionária que supostamente estava tendo um caso, acontece que como muitos de sua, ou melhor de nossa espécie, Charlotte Dankworth não era do tipo que aceitava facilmente uma rejeição, pelo que diziam os boatos ela estava mais do que simplesmente atraída pela jovem ômega cujo o nome não fora revelado pelas manchetes em respeito á sua identidade.
Raramente alfas dominantes demostram interesse em pessoas comuns, quando isso ocorre há controversas, eis a questão coo descrita na manchete principal do The Daily Telegraph; Outros funcionários relataram que a Sra. Dankworth vinha tendo acessos de fúria após ter sido rejeitada por uma de suas funcionárias, o fato foi que no dia 31 de dezembro enquanto era celebrado o ano novo no London Imperium, um dos hotéis pertencentes a mencionada ocorreu um terrível acidente, segundos os relatos em determinado momento da festa, após a queima de fogos Charlotte chamou a funcionária para dentro, ouve uma discussão abafada pelos sons dos fogos, minutos depois todos foram capazes de ouvir gritos de desespero vindo da área interna, ao chegar lá um dos seguranças relatou que encontrou a Sra. Dankworth encima da funcionária, ela deu tantos tapas que os hematomas eram todo roxos, isso sem contar os xingamentos.
Foram preciso três seguranças para separar e segundo o noticiário Charlotte era descrita como uma psicopata em potencial.
Eu me lembro das notícias, tudo ocorreu na época em que eu estava no exterior, nunca me senti tão incomodado em toda a minha vida.
———
Jogamos sobre o sol quente, eu e Koch perdemos por dois pontos, não era como se fizéssemos questão do jogo em si, revezavamos idas ao banco para beber água, aos poucos ao cansarmos daquela correria decidimos – Petrus e eu.- sentarmos sobre a bancada, no início conversávamos de modo descontraído, a todo tempo eu tentei não deixar claro que estava ocupado e preocupado com qualquer compromisso, tudo que eu menos queria no momento era companhia.
Foi enquanto eu pedia ao garçom um tônico sem álcool, ouvi passos, olhei para frente, era ela, Charlotte Ava Dankworth, veio como uma avalanche até mim com sua calça colada, sua camisa branca, seus seios redondos e seus olhos perfurantes.
Sorria como se tivesse acabado de ouvir uma piada de mal gosto, aquele era o jeito dela, e era este jeito — sua forma de andar, falar e até respirar — que tanto me incomodava, era como se a todo momento ela estivesse debochando de mim, desde quando entrei nesta quadra até agora naquele exato momento.
Como era de se esperar não demorou muito para que Francesco Bianchi e Charlotte Ava se sentassem junto a nós, o rapaz até fazia questão de parecer educado porém ela nem se dava ao respeito, enquanto conversávamos, ou tentávamos conversar dito que todos pareciam ter percebido a estranha atmosfera que nós contornava, aquela mulher me encarava dos pés a cabeça enquanto rodava a colher de prato dentro da xícara de chá que havia pedido.
Olhava para mim, olhava no fundo de meus olhos, era um olhar estranho, não podia saber se estava rindo para mim ou rindo de mim, deste modo tentei demostrar neutralidade em meio a essa situação, olhando fixamente para Koch, pensei que isso poderia apaziguar a situação e também o coração selvagem e rude daquela mulher, foi no exato momento em que toquei no sanduíche de salmão defumado que pode ouvir as suas palavras; “Este cheiro estranho é seu?” Questionou ela, o tom de sua voz era de falsa cortesia, abriu um leve sorriso aí dizer, no momento todos nos calamos, pensei que ela estava dizendo aquilo apenas para me envergonhar, pensei que queria ensinuar que eu fedia à algo, quem me dera que fosse isso pois antes que eu pudesse pensar em uma resposta ela me interrompeu bruscamente;
“Um cheiro estranho de terra doce e molhada, um cheiro peculiar até para um ômega.”
Um ômega?! Então todo esse momento em que eu pensava que ela estava apenas me destratando era por pura diversão, agora ela me diz que sente o cheiro de um ômega?
Terra doce e molhada, levemente ácida, quente e fria, dependendo de onde está, eram essas as palavras que podiam definir os feromônios dele, os feromônios do ômega que sem que eu tivesse me dado conta haviam impregnado em mim, olhei ao redor, tanto Petrus Koch quanto Francesco Bianchi também estavam sentindo o cheiro, mas estes eram educados demais para me questionarem, diferente da brilhante Charlotte que só precisou de pouco mais de alguns minutos para me por contra a parede.
Eles haviam sentido o cheiro dele em mim, e poderiam pensar qualquer coisa sobre isso, no mesmo momento vi o olhar vago de meu colega de trabalho e também amigo, ele olhou para baixo envergonhado, quase engasgou, depois respirou fundo e abriu aquele sorriso de sempre, fechou os olhos brevemente e se virou para mim; “Cédric deve ter ficado muito tempo fora durante a última chuva.” Disse ele tentando acalmar os ânimos, meus e da mulher, tentando formar uma laço e criando uma desculpa por mim, que até então estava em choque ao ponto de não saber exatamente como responder.
“Esse não é o cheiro de uma chuva comum.” Interrompeu Ava novamente. “Eu saberia se fosse.” Tinha um jeito grosseiro e agressivo de responder aqueles que a rodeavam, meu desprezo por aquela mulher começou a crescer ainda mais.
“Esse cheiro é de um ômega.” Disse ela, vi seu sorriso crescendo cada vez mais, naquele momento me sentia tão envergonhado que queria poder sair correndo de perto deles. “Mesmo assim não é um cheiro comum.” A maldita continuava a falar em meio ao eco que estava ao nosso redor fechando aquele cubo aonde cabiam somente quatro pessoas.
“Eu me pergunto quem teria esse cheiro…” Quando tais palavras saíram de sua boca eu comecei a sentir aquela sensação, a garganta queimando com algo instalado lá dentro, a vontade de gritar, xingar e praguejar, porém eu me contive, mesmo sentindo vontade de chorar, sentindo uma ardência nos olhos que no primeiro movimento brusco podia fazer com que lágrimas escorreasem por todo o meu rosto, eu me contive, respirei fundo pensando no motivo de eu ter saído do quarto, no motivo de eu ter me arrumando tanto, lembrei do sonho, e ao lembrar daquele ômega eu pude me concentrar no meu verdadeiro foco.
“Como Petrus disse eu fiquei muito tempo fora durante a última chuva, devo ter molhado demais os cabelos, ou talvez sujado os pés, de toda forma é cheiro de terra molhada, cheiro de chuva, não existem ômegas com cheiro de chuva.” Abri um sorriso, Petrus me olhou levemente chocado, ele abriu um sorriso incrédulo e se aprumou batendo as mãos. “Tenho certeza que deve ter sido um engano.” Disse. “Acredito que tomamos bastante tempo de Cédric, creio que tinha um compromisso sério com alguns colegas hoje.” Olhou para mim e sorriu, eu me despedi educadamente e aquela foi a minha deixa, no fim não passava de uma mentira que havia colado muito bem. “Não existem ômegas com cheiro de chuva.” Pensei sorrindo internamente, existia um e eu estava a sua procura naquele exato momento.
Publicado por:

- Ambroise Houd
-
𝙉𝙊𝙑𝙀𝙇 𝙋𝙇𝘼𝙔𝙇𝙄𝙎𝙏
• Closer from close theme.
• The middle of the world from moonlight theme.
• Mindnight muse.
• Funeral Canticle from the tree of life theme.
minhas outras postagens:
COMENTÁRIOS
Sua Comunidade de Novels BL/GL Aberta para Autores e Tradutores!
AVISO: Novos cadastrados para leitores temporariamente fechados. Se vc for autor ou tradutor, clique aqui, que faremos seu cadastro manualmente.