A Maldição do Lobo Vermelho - Capítulo 08 - As brasas da liberdade - Parte III
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— Ílios! — gritaram Kardia e Dásos quases simultaneamente.
Assim que Ténebres pulou de encontro ao rival, os dois comandantes se ocuparam em abrir caminho em meio à torrente negra que vinha na direção oposta. Porém, a imensa besta que destroçou a parede de escudos se recusava a ceder passagem.
Apesar da força absurda de Dásos e das habilidades excepcionais de Kardia, a monstruosa fera permanecia firme em seu lugar, impedindo o avanço dos guerreiros.
Mediante a urgência da situação, Dásos gritou:
— Eu dou conta dela, ajude Ílios!
Kardia assentiu com um movimento de cabeça.
No instante seguinte, o guerreiro se transformou em um imenso lobo vermelho que, com os dentes à mostra, desafiava o inimigo. Caindo na armadilha, a grande pantera desviou sua atenção tempo o suficiente para que Kardia saísse da zona de ataque.
Correndo na direção de seu mestre, o comandante foi interrompido algumas vezes por garras e dentes afiados, mas, com uma velocidade acima da média, conseguiu esquivar e contra atacar sem grandes problemas.
— Ílios! Você consegue se levantar? — Kardia não obteve resposta.
Desesperado, o comandante olhou ao redor procurando por Ténebres, enquanto levantava o líder inerte. Mesmo sendo imensamente poderoso, com o golpe sofrido, o rei não deveria ser páreo para a sua haladie. Infelizmente, mesmo com o grave ferimento, o inimigo havia desaparecido em meio a confusão flamejante.
A gravidade do ferimento de Ílios era um pouco menor do que o recém chegado havia imaginado. Graças a um movimento de sorte, o ruivo conseguiu arquear um pouco o dorso, ao abrir a guarda, fazendo com que o golpe descendente perdesse profundidade antes que se tornasse fatal.
— Onde você estava com a cabeça? Podia ter morrido! — Kardia repreendeu exasperado.
Com um riso baixo Ílios respondeu:
— Era a única forma de fazer aquele monstro abaixar a guarda. Ademais… — Apertando os olhos e franzindo as sobrancelhas, uma expressão de dor tomou conta de seu rosto enquanto uma tosse rouca interrompeu sua voz.
— Não fale mais nada, eu preciso te tirar daqui!
— Não! Eu estou bem, me deixe aqui. — Com esforço, Ílios se colocou de pé. — Você e Dásos precisam cuidar do restante do plano.
— Me recuso. Fides pode terminar com isso sozinha. Eu ficarei aqui com você!
— NÃO! Isso é uma ordem! Tem algo de errado, já era para termos escutado o barulho da saída se fechando — Ílios segurou os ombros de Kardia enquanto o encarava firmemente. — Eu confio em você! Por favor, não me decepcione. Mantenha nosso povo a salvo, eu os encontrarei em breve!
Com um longo suspiro e um pouco de hesitação o comandante respondeu:
— Por favor, não morra.
— Não morrerei!
Com o pesar da difícil decisão, Kardia correu na direção das duas feras que se atracavam violentamente.
Os animais lutavam de igual para igual. Mesmo sendo maior e mais forte que o lobo, a pantera não possuía um bom treinamento tático, agindo única e exclusivamente por instinto, o que permitia que Dásos controlasse, de certa forma, a situação.
Prevendo a intenção de Kardia, o grande lobo recuou, se movimentando rapidamente para a esquerda. A besta, movida apenas pelo desejo de matar, não hesitou. Com a atenção focada apenas no animal a sua frente, abaixou completamente a guarda, deixando seu ponto fraco desprotegido.
Kardia não iria desperdiçar a oportunidade dada pelo companheiro e, com um salto preciso, enterrou sua haladie na nuca da fera. Com a dor excruciante, a pantera urrou enquanto se sacudia loucamente tentando alcançar o homem com a enorme boca. Porém, seus movimentos foram interrompidos.
Em um ataque feroz, o lobo abocanhou seu pescoço, impedindo que a besta movesse a cabeça.
Usando todo o peso de seu corpo, Dásos puxava a pantera para baixo, desequilibrando e frustrando as tentativas do animal de usar as longas garras. Ao mesmo tempo, Kardia forçava a espada na nuca da fera desesperada.
Um estalo seco acompanhado de um ruído agudo soaram simultaneamente enquanto a monstruosa pantera desabava inerte no chão.
Voltando a forma humana Dásos cuspiu:
— Eu disse que daria conta!
— Se eu não tivesse vindo te salvar ela teria te comido, seu idiota! — retrucou Kardia.
— O que? Não seja estúpido, você não fez diferença nenhuma, estava tudo sob controle — rosnou o brutamontes.
— Controle? Se eu tivesse demorado um pouco mais para matá-la, ela teria te dilacerado.
— Você é louco, Mirrado? Eu que a matei, não ouviu o som do pescoço quebrando?
— Eu não sei porque ainda discuto com você! Olha a estupidez que está falando, é lógico que eu que a matei com a minha espada.
— Seu…
Mas Kardia o interrompeu:
— Não interessa, chore sobre isso depois. Temos que chegar rápido à “Saída leste”. Tem algo errado acontecendo.
— E o Ílios? Não podemos deixá-lo aqui! Vá na frente, eu te alcanço e…
— Não seja idiota! Você sabe que precisa de duas pessoas para fechar. Ílios está confiando em nós! Vamos logo.
Dásos hesitou por um instante, procurando pelo mestre no meio do campo flamejante. Sem sucesso, resolveu correr para alcançar o outro comandante que, brandindo sua arma, abria caminho por entre os inimigos ferais.
Estes, porém, estavam mais interessados nas grandes presas vermelhas que, mesmo em desvantagem, lutavam com tudo de si. Assim, em meio ao caos de fogo e sangue, rugidos e rosnados se desafiavam, ao passo que, dentes e garras perfuravam e dilaceraram sem fazer distinção.
No momento em que o som da derrocada ecoou sob o ominoso céu noturno, os mais fortes soldados de Ílios se transformaram em grandes animais castanho-avermelhados, chamando a atenção de todas as panteras ao redor.
Os pelos vermelhos funcionavam de forma quase hipnótica nos felinos. Assim, no momento em que os lobos terminaram a transformação, as bestas negras antes espalhadas pela muralha começaram a se reunir, selando o destino dos Guarás encurralados, mas também, dando mais tempo para que o restante do plano fosse concluído.
A guerra já estava perdida, mas os corajosos lobos iriam lutar até o final.
Quanto mais o tempo passava, mais feras se juntavam a matança, formando um sufocante redemoinho negro que estava prestes a engolir os últimos fios rubros quando Fides gritou sua ordem mais sombria:
— PREPAREM O ÓLEO!
Mesmo sendo a principal responsável por organizar toda a mecânica e sabendo que talvez fosse inevitável usá-la, nenhum argumento poderia amenizar as consequências lúgubres que a ordem que acabara de dar implicaria.
Presas em um frenesi assassino, dezenas de panteras se amontoavam umas sobre as outras, buscando tragar seu bocado de carne e sangue inimigos. Qualquer coisa além desse desejo lascivo era ignorado e assim, não se importaram com a movimentação que acontecia sobre suas cabeças.
Estrategicamente localizados no alto das torres, gigantescos vasos de barro guardavam o líquido escaldante. Aquecido durante toda a noite, o óleo borbulhava freneticamente, distorcendo o vago reflexo da lua que pairava em sua superfície.
Esse era, com toda certeza, o ardil que os participantes do Conselho menos gostariam de ter que recorrer. Mas, levando em consideração a gravidade da situação, não haveria outra maneira. A essa altura, se a Saída Leste não fosse fechada, o massacre do campo de batalha se estenderia também a todos os civis.
Não havia mais tempo a perder, os lobos não conseguiriam segurar mais o avanço das tropas inimigas, assim, com a voz embargada Fides deu o sinal:
— ACENDAM!
As tochas foram atiçadas no líquido fervilhante que, no mesmo instante, se inflamou. Altas línguas de fogo estalavam sobre os vasos que já estavam em posição.
Antes de proferir a sentença, a comandante fechou seus olhos. Ela esperava, talvez, que se o fatídico momento realmente tivesse de vir e a ordem precisasse mesmo ser dada, que ela ao menos estivesse com os que pereceriam. Mas essa honra lhe foi negada e nada mais poderia ser feito.
Com o sangue que fervia mais que óleo, Fides abriu os olhos antes de gritar:
— QUEIMEM ESSES DESGRAÇADOS!
Grossas lágrimas percorriam o rosto sujo da comandante enquanto seus subordinados vertiam o líquido incandescente sobre a turbulenta massa negra. Entorpecidas pelo sangue, as panteras urravam enquanto eram consumidas pelo fogo crescente.
Os valentes Guarás haviam caído, mas não antes de selar o destino de seus inimigos.
Fora do alcance das labaredas, o pelotão responsável por defender os civis durante a evacuação estava prestes a ruir. Geros ficou responsável por comandar a tropa que protegia a “Saída leste”, esses soldados deveriam manter a posição, segurando o avanço do inimigo até que os habitantes do reino atravessassem em segurança a passagem.
Porém, essa parte do plano não foi executada. Mesmo com o uivo que marcou o início da invasão do reino e, consecutivamente, o fechamento da saída, os mecanismos que selariam o túnel não foram ativados.
Os civis já haviam sido evacuados, mas a entrada da galeria permanecia aberta, o que impossibilitava que os soldados saíssem da posição. Se os inimigos passassem pela última barreira, alcançariam rapidamente os habitantes indefesos.
— Geros! — gritou Kardia ofegante.
O velho guerreiro lutava penosamente contra dois soldados inimigos diante da entrada da caverna.
Os dois comandantes forçaram caminho, empurrando e cortando até alcançarem o túnel.
— Geros! O que aconteceu aqui? — perguntou Dásos enquanto partia o pescoço de um dos soldados inimigos com o machado — Porque a saída ainda está aberta?
O velho aproveitou a deixa para cortar o outro soldado com quem lutava, fazendo com que mais sangue salpicasse para todos os lados.
A voz de Geros estava mais rouca que de costume:
— Dásos, Kardia! Pelos céus, que bom que estão vivos!
Após saudar os aliados, o soldado apertou a própria barriga enquanto se curvava à frente.
— O que houve? Você está bem? — Kardia correu para ajudá-lo.
— Não se preocupem comigo. Vão atrás de Fides. Ela nos traiu.
— O que? — a voz de Dásos demonstrava seu espanto — Isso não é possível.
— Geros, o que exatamente aconteceu aqui? — Kardia olhava fixamente para o velho comandante à procura de respostas.
Enquanto os recém chegados giravam suas armas, dilacerando os inimigos cansados que ousavam se aproximar, com um grande esforço o velho comandante explicou:
— Após a ordem de evacuação, corri para acionar a primeira alavanca, mas, me deparei com Fides sabotando o dispositivo. Quando a questionei, ela me atacou. Fiquei tão surpreso que não consegui impedir que ela atacasse também o soldado que acionaria a segunda alavanca.
— Você deve ter se enganado, ela jamais faria tal coisa — retrucou Dásos após acertar um soco no soldado que o atacava.
— Ele tem razão. — Kardia girou em volta de seu próprio corpo, cortando dois inimigos quase simultaneamente. — Ela planejou toda essa coisa, para que se daria ao trabalho de sabotá-la na última hora? Não seria mais fácil apenas ter escondido um erro ou coisa do tipo no meio do projeto?
— Ílios estava monitorando tudo de perto, ela não teve essa chance, e — Geros apontou para o Mirrado enquanto se levantava. — com as suas suspeitas sobre o plano, teve que deixar as coisas encaminhadas até o final
— Eu, mais do que ninguém acredito nas suas habilidades de percepção, mas alguma coisa não bate. — Dásos empurrou com um chute a pantera que estava próxima ao velho soldado. — A Fides que conheço jamais trairia o nosso povo.
Gerou continuou de forma cansada, apontando para o grande corte que transpassava toda a barriga:
— Eu também não teria acreditado se não tivesse presenciado tudo isso meu amigo, mas temo que não haja outra explicação.
— Podemos pensar nisso depois, agora precisamos dar um jeito de fechar o túnel. Ílios está contando conosco — gritou Kardia.
— E onde ele está? — indagou o velho.
— Ele está lutando contra Ténebris, mas não aguentará sozinho por muito tempo — respondeu o comandante após puxar a haladie enterrada na nuca de um dos guerreiros ferais.
A situação estava saindo do controle. Mais inimigos estavam chegando e eles não faziam ideia de como fechar a entrada da caverna. Assim, recuando até a boca do túnel, os soldados se prepararam para proteger a passagem até a morte.
A horda crescente de inimigos espreitava de perto as presas encurraladas e, com um alto rosnado, o bando iniciou o ataque. Porém, antes que alguma das feras chegasse à entrada da caverna, um estrondoso barulho acompanhado de muita poeira e destroços fez com que a terra abaixo dos pés de todos tremesse. Em questão de segundos, o ar dentro do túnel ficou pesado e uma completa escuridão tomou conta da passagem.
— Pelos céus, o que está acontecendo? — Kardia perguntou enquanto tossia.
Geros falou sem acreditar no ocorrido:
— Alguém fechou o túnel! Como isso é possível?
— Só pode ter sido Ílios! — respondeu Dásos.
No meio da nuvem de poeira não se podia ver muita coisa, mas uma coisa era certa, eles estavam salvos.
Publicado por:
- GSK
-
Escrevendo, desenhando, editando e fazendo mais algumas artes por ai.
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