Takara - Prólogo
Estava ali a quanto tempo? Quantos já havia servido? Ela já não sabia. Tinha uma pequena noção de que haviam dois dentro dela, mas não sentia mais as estocadas. Talvez houvessem um em cada mão e outro em sua boca? Ela não sentia mais. Talvez algum daqueles alfas estivesse puxando seu cabelo.
Ela estava suja. Suja de esperma e suor. Provavelmente estava cheia de hematomas. Os feromônios a estavam enojando. E eles estavam por todo lugar.
Sentia-se pressionada. Instigada. Inebriada. Não conseguia mais distinguir formas e nem vozes. Nem mesmo sentia quantos residiam dentro dela. Estocando como animais. Ela provavelmente estava sangrando.
Sua única salvação, era pensar no quanto ganharia por aquele dia. Afinal, era uma ômega. Tudo que queria era pagar sua liberdade e então…. Acabar com tudo. E finalmente…. Ser livre.
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Depois de dezenove anos nascida naquele mundo, o pior finalmente acontecera. Estava grávida.
Ali, naquela casa, os ômegas se ajudavam. Eram como uma família. Quando um não queria um trabalho, o outro assumia. Era uma das pequenas regras deles.
Uma das regras era não engravidar. Todos ali concordavam que ninguém merecia a vida deles. Então, eles não teriam filhos. Não os sentenciariam a viver no inferno.
Mas também existiam as regras da casa, impostas pelos betas que tinham suas almas na coleira. Sim, os betas eram os donos das casas de prostituição de ômegas. Trabalhando em conjunto com o governo.
Uma dessas regras, era que cada ômega deveria engravidar pelo menos uma vez, afinal ômegas estavam em menor número…. Em extinção, diziam eles.
Depois que tivessem uma prole, poderiam fazer a operação de laqueadura ou vasectomia.
No entando, havia outra regra agregada a essa. Ômegas grávidos não podem fazer sexo, o que significava um ano sem trabalhar. O que significava pagar uma taxa.
Isso significava perder cerca de oitenta por cento das economias. O que significava mais tempo no inferno.
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A dor do parto havia sido insuportável. Mas ela se sentia recompensada ao segurar seu pequeno nos braços. Naquele pequeno momento, ela se permitiria esquecer da dor de uma vida de escravidão. De uma vida de lixo.
Da dor de se vender, dia após dia, para estranhos sem rosto. Os nomes sempre eram esquecidos. Eles existiam apenas para serem gemidos, para que os poderosos tivessem seu ego aumentado. Como se eles precisassem.
Ela também tinha um nome. Apesar de só o possuir para a diferenciar de outros ômegas. Ela nem mesmo sabia quem havia escolhido.
Será que havia sido sua mãe, quando a segurou nos braços após o doloroso parto? Ou havia sido escolhido aleatoriamente pelo beta que comandava sua casa? A ômega não sabia.
Mas apesar disso ela gostava de seu nome. Fumiko. Era um bom nome. Ela gostava. Ela desejava que sua mãe o tivesse escolhido, mas nunca saberia, afinal, nunca havia conhecido a mulher.
É por isso que ela escolheria o nome do bebê em seus braços. De seu menino.
— Olá, pequeno — sussurrou ela. Pequenos olhinhos se abriram, revelando íris douradas. Míseros fios de cabelo negro nasciam na delicada cabeça. E então, os cantos dos minúsculos lábios se elevaram em um sorriso banguela. Por fim, uma deliciosa gargalhada soou. — Eiji, meu pequeno tesouro.
A mãe abraçou o bebê mais forte, com seus instintos maternos aflorando. Em seu coração, ela desejou que a criança em seus braços fosse uma alfa. Que seu pequeno Eiji fosse um alfa.
Era a única forma de escapar desse inferno.
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Leoas são animais fantásticos. Elas caçam para seu bando e são as mães mais mortais da natureza. Capazes de matar para proteger suas crias.
Fumiko não era uma leoa.
Ela não tinha a força daqueles incríveis animais. Não tinha suas garras, nem sua velocidade e nem seus dentes. Mas tinha seu instinto de proteção.
Ela lutou, não deixaria que levassem Eiji. Ela não permitiria. Mas não tinha forças. Ela era apenas uma ômega, mulher ainda por cima. Não conhecia nada, exceto as maldições carnais.
Mas ela ainda assim tentou.
Quando acordou, horas depois, sabia que havia sido espancada, que estava sangrando e que não havia conseguido impedir de levarem Eiji.
Ela chorou no silêncio do quarto, culpando-se. Por que não havia notado? Como não havia notado?
Eiji era um ômega. E apesar de ser pequeno, tinha apenas quatro anos, ele já produzia feromônios.
Fumiko nunca teria imaginado que um pedófilo faria um pedido. Nunca teria imaginado que o dono da casa escolheria Eiji para o atender.
Em meio ao seu lamento, abriram a porta e jogaram algo ali dentro. Era um corpo. Um corpo de criança. Ela se arrastou até ele.
Estava nú, machucado e sangrando. Estava violado.
Em apenas poucas horas, do dia para a noite, Eiji havia perdido toda e qualquer alegria de criança que, talvez um dia, tivesse possuído.
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Ela observava conforme a luz do por do sol refletia nos olhos dourados de Eiji. Faziam dois dias desde aquele maldito dia. E desde então Eiji não sorria.
Estava com o rosto machucado e andava torto. Ele não permitiu que sua mãe o carregasse.
Fumiko havia acabado de explicar o que eles eram e qual papel o mundo deu a eles.
Ela esperava lágrimas, gritos e acusações. Como todos geralmente reagiam ao saber da verdade, mas não havia. Não em Eiji. Em Eiji…. Havia apenas silêncio.
— “Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor lembre-se: se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele você conquistará o mundo.” — recitou Eiji. — Qual você escolheu, Mama?
— Eu não escolhi — confidenciou a mãe.
— Essa frase é cruel — brigou a criança.
— Por que, querido?
— Ela tenta nos dar esperança, quando não há nenhuma.
As lágrimas por fim escorreram pelo rosto marcado por hematomas de Eiji. Silenciosas como o sol que se punha no horizonte.
— Mama, sente aqui — pediu a criança, batendo na mureta de pedra que os separava da queda de seis andares. Estavam no telhado da casa.
Fumiko se sentou, estava machucada de mais para negar qualquer coisa. Ela observou em silêncio seu pequeno na mureta e ficar de pé.
Sentiu vontade de chorar quando a pequena mãozinha repousou no topo de sua cabeça. Fazendo carinho nos cabelos castanhos.
— Mama, você me ama? — perguntou Eiji, fazendo carinho no rosto de Fumiko. As silenciosas lágrimas presas entre os cílios longos e negros, reluzindos com as íris douradas.
— Sim….
— Mama, eu sou seu tesouro? — Eiji agora abraçava a mãe.
— Sim….
— Então, Mama, é por minha causa que você não pode ser livre?
— O quê?
— Como aqueles pássaros no céu! — Eiji desfez o abraço e apontou. Havia apenas um borrão negro da ave que voava em meio ao entardecer.
— Eiji…
— Está tudo bem. Você pode voar, Mama. Eu vou ficar aqui — o sorriso brilhante estava ali.
— Mas, Eiji…
— Apenas vá…. Eu vou te encontrar depois.
— Eiji….
— Mama, eu prometo. Vou ter meu próprio tesouro — o sorriso de Eiji se alargou mais e suas lágrimas secaram. Ele fez força com os pequenos bracinhos para empurrar sua mãe. Para a queda. Para a liberdade que ela tanto almejava. — Por isso, vá, seja livre.
Fumiko, que estava tão machucada, tão magoada e tão quebrada, deixou-se cair.
— Adeus, Eiji.
— Adeus, Mama.
Eiji continuou sorrindo. E foi esse sorriso que libertou Fumiko.
Ela não sentiu o impacto do chão. Não sentiu seu crânio se partindo e seu sangue manchando o concreto na entrada. Não sentiu seus ossos sendo comprimidos pela queda. Não sentiu a morte em si.
Apenas sentir, pelos breves segundos em que caía, a liberdade pela qual tanto ansiara.
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Eiji manteve o sorriso até que o sol tivesse se posto. Até que todo o laranja, o amarelo, o dourado e o vermelho tivessem desaparecido completamente do céu claro, este que se tornou azul escuro.
Foi apenas quando o sol já não residia ali, apenas quando as cores que sua mãe tanto amava observar em seus olhos dourados haviam desaparecido completamente, que Eiji se permitiu chorar.
Ele chorou até que a lua desse lugar novamente ao astro rei. E quando isso aconteceu, ele secou suas lágrimas e colocou um sorriso no rosto.
Seria com esse sorriso e com esses olhos, que ele lapidaria.
Ele pegaria as pedras que a vida jogasse em sua vida e as transformaria em opalas, diamantes, rubis, safiras, ametistas e esmeraldas.
Ele, com suas próprias mãos e com seu corpo, lapidaria, caçaria, lutaria e formaria seu próprio tesouro.
Publicado por:
- AlluEblys
- Escritora de BL/LGBTQIA+ original. Ela/Dela/A. Me acompanhem nas redes sociais, interação por lá.
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