Takara - Capítulo 1
A noite se encontrava pela metade, mas isso não o impedia de estar exausto. Tinha a impressão de que a única coisa que o mantinha de pé eram as drogas que havia ingerido. Estava tão acostumado a elas que nem mesmo produziam o efeito desejado.
Ele podia distinguir os tipos que estavam circulando pelo ar. Cocaína, heroína e maconha eram os principais. Também havia o cheiro de álcool e em qualquer lugar que se olhasse era possível ver garrafas jogadas.
Além é claro, do insuportável cheiro dos feromônios liberados pelos malditos alfas. Sempre vinham muitos, e todos tinham a mesma falta de senso. Era um milagre que os ômegas não enlouquecessem com tantos feromônios.
E essa era a principal razão pela qual Eiji odiava as noites de sexta-feira. Eram as noites em que a casa ficava aberta e os alfas iam a caça de um buraco pra foder. Era o dia em que eles, os betas, seus carcereiros, aumentavam a dosagem.
As drogas na comida e na água, junto aos químicos que os mantinham de pé e que os ajudavam na cura. Eram sempre muitos hematomas. Já estavam acostumados a tudo aquilo.
Mas nas noites de sexta, o objetivo era fazer-los dormir. Assim, não lembrariam dos nomes que os foderam, consequentemente os ômegas não poderiam cobrar a hora.
Isso sem contar as taxas. No geral, cinquenta por cento do que os ômegas ganhavam ia para os betas. Enquanto o restante era guardado para pagar a dívida.
O problema estava no fato de que, se os ômegas precisassem de qualquer coisa, teriam que pagar. Roupas, artigos de higiene, perfumes, coisas para passarem o tempo nos dias de folga que eles quase não tinham e até mesmo medicamentos.
O nível de irritação que Eiji sentia ao pensar no assunto era do mesmo nível de um desastre nuclear. Ele apenas não explodiria ainda.
Os olhos dourados percorreram o corredor iluminado por luzes roxas e piscantes. A música eletrônica de fundo que tocava era pontilhada por gemidos.
Seus pés descalços esbarravam nas camisinhas e lubrificantes jogados pelo chão. O roupão negro que usava teimava em ficar escorregando de seus ombros e em permanecer fechado.
Bem, não era como se nudez fosse algo incomum ali. Um cenário decadente, não?
— Você está bambo! — disse uma voz mais a frente do corredor. Quando a irritante luz roxa piscou mais uma vez, Eiji pode ver um brilho.
Era Konoha e seu cabelo prateado. A nova tintura havia realmente ajudado e também desviava a atenção dos olhos leitosos, cegos. Ela era como um floco de neve no meio do carvão, impossível não notar. E a pele pálida não ajudava.
— Acabei de ser fodido por dois, o que você esperava? — resmungou Eiji ao se jogar no chão ao lado da amiga.
— Quer bala? É de morango — ela já estava com o pacote na mão.
— Quero, to com gosto de porra na boca — ele pegou duas e as mastigou de vez. — E você errou, essas são de cereja.
— Acho que eu não li o que estava escrito no rótulo — apontou ela, ironicamente.
— Humor negro? Gosto — ambos riram. Um riso morto e quebrado.
Uma porta se abriu e um alfa saiu, terminando de abotoar a calça. Era em momentos assim que Eiji sentia inveja da deficiência de Konoha.
Ele a olhou melhor. Os cabelos bagunçados, o roupão lilás e curto, que pouco escondia do corpo da jovem; os suaves hematomas que começavam a aparecer e a exaustão que lhe pesava nos ombros.
— Você ta com o cabelo preso né? — questionou Konoha.
— Adivinhou — de fato, o longo cabelo negro e liso de Eiji estava preso em um coque frouxo. — Conto com você pra desfazer os nós dele. Ah, e ele também ta cheio de gozo.
— Usaram ele de novo? — era possível sentir o nojo em sua voz.
— Esse fetiche eu não consigo entender — suspirou ele. — Vai cuidar do meu cabelo?
— Apenas se você beijar meus machucados — negociou.
— Ta doendo muito? — e o ar cansado de Eiji se foi dando lugar a preocupação usual.
— Se acalme sua coruja, eu estou bem. Deveria se preocupar com você. E cortar esse cabelo, talvez?
— Preguiça. Ele fica lindo nos meus dias de folga.
— Ele é lindo! Quando não está cheio de esperma.
— É, você tem um ponto. Mas não vou cortar. Faz parte do meu charme.
— Certo, certo, Ōji-sama[1]
— Não pense que eu esqueci — seriedade voltou a face de Eiji. — Está doendo muito?
— Eu estou bem, Eiji. É sério. Faço isso a quase tanto tempo quanto você.
O que mais doía era saber que era verdade. Eiji havia iniciado na vida de ômega aos quatro anos, sendo que agora se encontrava com vinte. Konoha era dois anos mais nova, mas havia iniciado com seis anos.
— A gente faz uma avaliação amanhã antes da rotina se isso for fazer você ficar mais calmo — ofereceu a ômega, sabendo o que se passava no coração de Eiji. Afinal, eles eram melhores amigos.
— Certo. Agora, que penso nisso, como será que estão as crianças? — e lá estava o lado de Eiji que era um pai coruja.
— Vão ficar todos bem. Não é a primeira sexta deles e mais Chika está com eles. Ficar preocupado no meio da noite só vai te fazer perder dinheiro.
— E Konoha segue sendo a voz da razão — apontou outra ômega, ao chegar e se abaixar.
Era Sakura. Os cabelos cacheados estavam sujos com esperma e a pele negra provavelmente devia estar grudenta.
— Bala? É de cereja — ofereceu a ômega platinada.
— Quero — ela mastigou. — Tem gosto de maça.
Eiji tirou o pacote de Konoha, se esforçando para ler no escuro. Era um pacote de sabores misto. Konoha sorriu sapeca ao sentir Eiji a encarando.
— O sabor não importa agora. Temos um problema — contou Sakura. — Uma das meninas, quinze, acabou de entrar no cio. É uma das transferidas.
— Vai resolver, você pode me pagar depois, Eiji — o deboche na voz de Konoha era quase palpável.
— Tudo eu, tudo eu! — foi o resmungou de Eiji ao se levantar.
— Alguma citação pra eu refletir no meio do trabalho? — perguntou Konoha.
— “Demasiada maquiagem e muito pouca roupa para vestir é sempre um sinal de desespero para a mulher. ” — soltou ele, fazendo graça.
— Vai se foder, Eiji — gritou a platinada conforme o ômega se afastava com Sakura ao lado.
— Também te amo, peste — gritou ele de volta, mandando beijo.
— De quem era essa frase? — perguntou Sakura, conforme eles passavam por ômegas trabalhando.
— Oscar Wilde. Ah, é ali? — Eiji não precisou de uma resposta para seguir até o local. Ele suspirou e soltou seus feromônios, as ômegas que haviam se reunido para observar se afastaram.
Havia um alfa prensando a garota na parede. O roupão estava aberto e o maldito passava a mão. Assim como todos os alfas quando sentem o cheiro de um ômega no cio, ele havia perdido o controle totalmente.
A ômega não se encontrava muito diferente. Provavelmente sua mente já havia sido nublada pelas dores do cio, mas apesar disso, ela ainda tentava empurrar o alfa que a beijava para longe.
Isso já era mais do que o suficiente para fazer Eiji intervir, mesmo sabendo que aquilo lhe custaria muito mais tarde.
— Nós não estamos vendendo cio’s! — disse Eiji ao agarrar o alfa pelo colarinho da blusa e o atirar na parede.
— Quem você pensa que é, seu filho da pita? — pelo jeito era pra ter sido ‘puta’ mas o desgraçado estava bêbado demais para falar direito.
— Saía! — mandou Eiji, sem se abalar.
— Você não manda em mim, seu ômega! — Eiji quase achava engraçado a forma como alfas os chamavam de ômegas para os ofender. Eram todos muito estúpidos.
Eiji não estava com paciência pra brincar. Ele liberou seus feromônios, os moldando. Logo, seu cheiro havia encoberto o de todos ali. Os que ainda não haviam sentido, se assustaram. Afinal, não era todo dia que um ômega liberava feromônios de alfa.
Mas Eiji era diferente. Ele tinha o porte, o corpo, os feromônios…. Se não fosse o útero que ele carregava Eiji seria um alfa definido como perfeito.
— Vou dizer apenas mais uma vez. Saía!
— Não.
— Eu avisei.
O ataque de Eiji foi rápido e eficaz. Um murro de direita mandou o babaca ao chão e depois o pé de Eiji acertou o rosto feio (na opinião de Eiji). O estalo do nariz quebrando foi ouvido.
— O cio dela. Não. Está. A. Venda! — disse ele, de forma pausada para que fosse bem ouvido. — Levem ela lá pra cima. Eu cuido dela depois.
Ele se retirou, sabendo que todos o obedeceriam. Os dois últimos andares da casa eram os quartos dos ômegas, enquanto o restante era para o trabalho.
Eiji sentia pela garota. O primeiro cio era o pior. A névoa que encobria a mente, o corpo fraco e desejoso. As dores. Era um verdadeiro inferno.
Por sorte havia uma forma de encurtar o cio para apenas um dia.
— Noite agitada não? — disse uma voz ao lado de Eiji. Ele conhecia bem a rouquidão que nela morava.
— Mitsuo! — exclamou Eiji. Ele não esperava a presença do alfa naquela noite.
— Surpresa? — o alfa abriu os braços, ao passo em que Eiji se encaixou neles. As mãos grandes de Mitsuo escorregaram para sua bunda e lá ficaram. — Acho que vou reivindicar você durante o resto da noite.
— Isso é crueldade — mas Eiji se contradizia, pois ergueu o rosto para cima, recebendo um beijo cálido nos lábios.
— Vou pagar o quanto quiser. E mais… Só to tomando conta do que é meu.
— Jun vai ficar com ciúmes se o vir falando assim.
Eiji gemeu manhoso quando teve o couro cabeludo acariciado. Sentiu quando o cabelo longo de Mitsuo caiu em rosto, quando este lhe deu um beijo no topo da cabeça.
Mitsuo era um dos poucos alfas que Eiji considerava bonito. A pele morena, os cabelos castanhos escuros que iam até os ombros, os olhos cor de chocolate.
Eiji amava descansar sua cabeça no peito largo, correr os dedos pelo abdômen definido e arranhar as costas fortes do moreno.
Eiji se sentia seguro com o alfa. E logicamente todos estranhavam o fato. Alfas e ômegas não trocavam carinhos assim. Ômegas não beijavam.
Mitsuo era cliente de Eiji e de Jun, um ômega com que Eiji tinha amizade. E uma profunda e única ligação.
— Ele entende — respondeu Mitsuo. — Vou pedir por ele na próxima. Mas hoje vai ser você. Precisa ser você.
— Bem, fazer o que né? Será que pode me amarrar mais fraco hoje? Eu to quebrado — Eiji sentia o sono vindo.
— Seu desejo é uma ordem, majestade! — sim, a relação deles transpassava o dilema “alfa e ômega”. Eles eram amigos, além é claro de possuírem uma outra conexão. — Ah, eu trouxe presentes. Mando deixarem no seu quarto depois.
— As meninas vão adorar — Eiji se sentia feliz ao pensar em como seus tesouros amavam ganhar coisas.
— Tem pra você também.
— Se é o que diz.
Com certeza não havia uma relação como a deles. Além de uma das conexões de ambos serem o de sadomasoquismo.
— Socou alguém? — perguntou Mitsuo, levantando a mão direita de Eiji e a beijando.
— Do jeito que você ensinou — Eiji sorriu.
Eles chegaram a um quarto desocupado. E lá ficaram até a noite acabar.
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Estava mais cansado do que o normal. Havia trabalhado praticamente a noite e a madrugada inteira e ainda havia lidado com o cio daquela ômega.
Mas o que Eiji queria afinal de contas? Era um ômega dominante. Ele ainda sentia o gosto de sangue da ômega, de quando a mordeu; a marcando de forma temporária.
Se fosse um alfa as marcas iriam durar. Havia sido problemático quando o beta que comandava aquela casa havia descoberto o que Eiji fazia.
Mas ele não podia o impedir. Eiji continuaria se deitando com outros ômegas. Não o agradava, mas ninguém merecia passar a dor do cio sozinho, principalmente quando Eiji podia acabar com ele com a marca temporária.
Benefícios de possuir feromônios de alfa. E de ser dominante.
Ele se jogou em sua cama, exausto, mas antes beijou o rosto de suas pequenas jóias. Suas filhas.
Kaori, sua menina mais velha, Hana, sua do meio e Gina, a mais nova. E ainda havia seu menino, Atsushi, mas ele estava dormindo com a mãe, Chika.
Jun devia estar muito cansado para não ter vindo buscar Gina, mas pelo menos isso significava que Eiji poderia dormir com suas três meninas.
Estava quase dormindo, o calor do corpo das meninas o acalentava, quando sentiu mais alguém no quarto. Ele reconheceu os feromônios que cheiravam a cerejeira.
— O que foi, Sakura? — perguntou ele em um fio de voz. Lutava para se manter acordado, pois sabia que sua amiga não viria a seu quarto se não fosse urgente.
— Desculpa, sei que está cansado. Mas a ansiedade está me matando — Eiji não precisava olhar para saber que ela mordia os lábios grossos e que os olhos cor de amêndoa estávamos marejados. — Eu só não podia mais esconder. Eu…
— Você tá grávida. É, eu sei.
— Como…?
— É minha cria, Sakura. Eu senti.
— Você está bravo?
— Não. O fato de você estar grávida apenas significa que eu vou ser pai mais uma vez.
— Desculpe — mesmo inebriado pelo sono e cansado, Eiji ainda foi capaz de secar as lágrimas da mais nova.
— Não peça desculpas. Agora, venha deitar — sempre tinha espaço na cama de Eiji, pois sempre tinha alguém indo dormir com ele, além é claro de suas meninas e de seu menino, que as vezes exigia a presença e os feromônios do pai. — Amanhã conversamos.
Ele se ajeitou para que pudesse abraçar suas filhas e Sakura. Uma pequena parte de seu coração ficou feliz com a notícia de mais um filho. Seria o quinto.
Mas a outra parte ficou em prantos. Afinal, eram seus filhotes, seus tesouros.
E ele não queria que eles conhecessem o inferno do mesmo modo como ele.
Com essa convicção em mente, ele por fim adormeceu.
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[1] — Ōji-sama significa príncipe.
Publicado por:
- AlluEblys
- Escritora de BL/LGBTQIA+ original. Ela/Dela/A. Me acompanhem nas redes sociais, interação por lá.
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