Sangue & Neve - 3. Culpa
Christopher prestou melhor a atenção na mulher ali presente, não precisando pensar muito para perceber que pertencia a uma família abastada, Solderine ela disse, já havia tocado para eles em um baile anteriormente. Porém o tom de acusação que ela utilizou em suas palavras havia deixado Chris um tanto irritado. Respirou fundo tentando manter a calma. Sabia que caso a mulher chamasse a polícia, quem acabaria tendo problemas seria si próprio, pois não teria como provar que não fora o responsável por causar aquele tipo de lesão ao pobre rapaz.
– Acho que a senhorita está tirando conclusões precipitadas -massageou a testa- Estou apenas ajudando esse rapaz, não fiz nada a ele.
Apesar de ser assolado com a notícia, Chris voltou-se para Amadeo, tentando manter a calma:
– Vamos encontrar ele , eu prometo- Disse no intuito de fazer o platinado se acalmar para então se virar para Bianca- Obrigado por ajudar ele, Srta. Solderini mas agora precisamos ir…Vamos amadeo.
Para Bianca, algumas pessoas passam tempo demais sendo maltratadas que acabam por não saber a diferença. Tirou do decote um cartão, com o próprio nome e um endereço e o direcionou a Amadeo.
– Amadeo? Esse é meu endereço se precisar de algo. No sábado, daqui uma semana, darei uma festa com leilão de artes para caridade. Você e o…Chris? Estão convidados.
O platinado pegou o cartão e olhou, estava um pouco apressado e preocupado demais com Lud para fazer mais pergunta à Bianca. No fim havia a achado bastante simpática.
– Está bem. – Concordou sem muito saber com o que concordava.
O ataque de pânico parecia ter acalmado, sendo substituído pelo medo de ser culpado se algo ruim acontecesse com Lud. O garoto logo grudou ao lado de Chris para saírem procurando pelo pequeno.
O pianista saiu logo chamando por Lud e perguntando as pessoas ao redor. Amadeo saiu e engoliu seco para conseguir voltar em meio as pessoas, por vezes segurava em Chris com medo de se perder ali novamente, ainda sentindo-se suando frio.
O olhar turquesa escaneava as pessoas, como se caçasse. Tinha bons instintos para caça, em um momento virou bruscamente para esquerda e puxou Chris junto. Se abaixou um pouco e apontou para um canto onde um homem parecia estar segurando Lud pelo pulso. Definitivamente não parecia que estava o ajudando a achar o pai. Chris identifocou uma tatuagem no pulso no homem, tatuagem que indicava que ele fazia parte de alguma gangue da máfia.
Mas Amadeo não conhecia nada disso, era somente um homem nojento colocando suas mãos em uma criança de sorriso inocente. Foi questão de um piscar de olhos e o pianista olhou para o lado e o platinado não estava mais ali.
Havia avançado em direção ao homem, ele era consideravelmente menor que o mafioso, mas o pegou de surpresa ao grudar-lhe às costas com as pernas presas nele, passou um braço ao redor do pescoço do homem o sufocando enquanto em um movimento rápido o mordeu fortemente na orelha e sangue escorria na roupa do mafioso que nem viu o que o atingiu enquanto perdia o ar com o menor grudado igual a um animal selvagem.
O mafioso grunhiu alto de dor levando as mãos fortes até os braço do rapaz para então bater suas costas com força contra o muro no intuito de fazer Amadeo o soltar.
Chris olhava aquela cena com os olhos arregalados, era simplesmente incrível a forma na qual um garoto magro e pequeno havia domado um brutamontes daquele tamanho. E a essa altura todos que estavam em volta haviam parado o que estavam fazendo para observar a situação.
Ao notar que o platinado podia ser machucado contra o muro, correu para ajudar o menor, puxando o mafioso pela gola antes de jogá-lo ao chão, e naquele momento descontou toda a sua raiva, socando seu rosto por diversas vezes sem se importar com o sangue que agora manchava seus punhos. Ao fundo podia-se escutar o menino chorando, assustado por ver seu pai agindo daquela forma.
O homem mafioso estava dominado no chão, então Amadeo, com o rosto manchado com o sangue procurou a origem do chorinho que ouviam e foi em direção a Lud.
– Homem mau, Lud.
Falou para ele, queria que entendesse que estavam livrando ele de algo pior, então abraçou o pequeno e o ergueu no colo para saírem dali. As pessoas começavam a aglomerar em volta da briga, e a essa altura alguém com certeza tinha chamado a polícia. Não seria nada bom a polícia encontrar Amadeo.
– Chris, sair! – Chamou o pianista
Os punhos do moreno doíam pelo fato de bater com força nos ossos do rosto do mafioso, e mesmo que o homem claramente não estivesse em condições de se defender, o pianista continuou com seus golpes, sem se importar com os olhares horrorizados que o cercavam. Voltou a si quando ouviu o um sotaque peculiar o chamar. Se levantou rapidamente olhando com os olhos um tanto arregalados para a multidão que os cercava e o som de carros de polícia já era audível se aproximando.
– Por aqui, rápido!
Pegou a criança dos braços de Amadeo para que assim pudesse se locomover com facilidade, o guiando para entre a multidão e posteriormente por entre as ruas estreitas e pouco movimentadas cujo caminho, apesar de mais longo, acabaria por resultar na rua perto de casa.
Amadeo seguiu o outro pelas vielas. Aquela seria uma ótima chance de fugir. Chris preocupado nem notaria ou olharia para trás por um tempo. Mas o platinado sequer saberia para onde ir ou o que fazer. Tinha medo daquelas pessoas, e agora sentia culpa pelo que quase aconteceu com o filho do outro.
Martha se encontrava na casa, cantarolando baixo enquanto deixava o lugar o mais impecável possível para receber os rapazes, e é claro, para agradar Chris, pois a moça, de fato, cultivava sentimentos que iam além de uma simples relação de amizade ou de patrão e empregada. Escutou a porta da sala se abrir, e com isso um sorriso estampou sem rosto.
– Vocês demoraram, como estava a feira? Compraram o que eu pedi ?
Disse se dirigindo a sala, porém a cena que viu fez com que o jarro de porcelana que segurava caísse e se espatifasse ao chão.
– Amadeo? O que aconteceu com você? –disse enquanto se aproximava do rapaz com o olhar preocupado levando suas mãos em direção ao seu rosto procurando a origem do sangue- Me diga, aonde está machucado ?
O rapaz de alguns passos para trás como que para evitar que Martha lhe encostasse. Moveu a cabeça em negativo.
– Não é meu… Ver o Chris.
Falou ainda que um pouco errado por não ter pensado muito antes. Sabia que os punhos do outro deviam estar machucados por bater daquele jeito. Logo o garoto se abaixou e começou a colher os cacos de porcelana que se quebraram ali, juntando com cuidado e levando ao lixo. Por baixo da roupa que usava, ganhou sim alguns hematomas a mais pelo empurrão contra o muro, mas estava tão acostumado que sequer sentia ou reclamava.
Martha voltou-se para Chris com seus grandes olhos castanhos, vendo a forma com que as mãos do pintor tremiam assim como os machucados roxos e sangue seco que haviam nas mesmas.
– Chris, venha, me deixe cuidar de seus ferimentos.
– Eu estou bem, isso não vai ser necessário – Segurava o pequeno que, depois de toda agitação, havia adormecido em seus braços.
– Eu exijo! – Inflou as bochechas antes de pegar Lud do colo do pianista- Sente-se no sofá, vou levar Lud para o quarto e já venho.
Quando Martha retornou, trazia uma caixa de primeiros socorros e logo se ajoelhou na frente de Chris, olhando com cuidado suas mãos antes de começar a limpar os ferimentos, e após a moça insistir, o pianista lhe contou o que havia acontecido.
– Estou começando a me arrepender de ter o ajudado – Falou baixo – Esse garoto… Só vai me trazer problemas.
– Não diga isso !! – Olhou de forma séria para o pianista- Não foi culpa dele, não viu seu olhar quando chegou em casa ? É obvio que está se culpando. Você devia pegar mais leve com ele, não sabe pelo que passou.
Ficou alguns segundos em silêncio e desviou levemente o olhar diante a fala da outra. Sabia que Amadeo não tinha culpa de nada, e apesar de estar levemente irritado, não possuia sangue frio o bastante para abandonar alguem que claramente precisava de ajuda.
Amadeo podia os ouvir conversar, estava um pouco longe e baixo seus tons de vozes, mas podia dizer fácil que falavam de si enquanto terminava de limpar.
O rapaz foi até a cozinha e abriu a torneira, tomando um pouco de água dali, enchendo a mão em concha, acabou vendo o próprio reflexo: o rosto ainda manchado de rubro, bastante magro e os cabelos desgrenhados como que crescidos sem corte. Nem reconhecia a imagem que via. Quem era? De onde veio? Sentiu vontade de chorar, mas há um tempo não o fazia. Sua memória estava danificada, bloqueada pelo trauma.
Subiu em direção aos quartos e foi ao banheiro. Lavou o sangue que lhe manchava e procurou por uma tesoura. Aparou os fios tão claros, cortando mais curto, os deixando repicados e um pouco rebeldes. O rapaz não deixou nenhuma sujeira, limpou tudo. Se deixasse qualquer bagunça onde viveu com Francesco era passível de punição. Ergueu a blusa para checar os hematomas das costas, ficaram um tanto arroxeados na região da coluna, mas nada que não pudesse lidar.
—
Alguns dias se passaram. Amadeo se tornou bem mais comportado, movido pela culpa do que houve no dia da feira. O rapaz era bem organizado com as coisas, diferente do pianista, que era completamente desorganizado, tanto que a escrivaninha de seu quarto assim como o chão, era coberto de partituras não acabadas, papéis e roupas.
Também era possível notar que o Amadeo estava menos magro, as marcas de sua costela começavam a sumir, seu braço parecia mais forte, dava para notar quando erguia Lud. Christopher havia lhe comprado roupas, e por não saber muito bem as medias de Amadeo, acabou por comprar algumas que ficavam levemente folgadas, mas de toda forma não acabou sendo um problema, tendo em vista que o rapazote ganhou certo peso
Era sexta-feira quando o platinado empurrou o cartão de Bianca pela mesa do café da manhã, em direção a Chris.
– Chris, podemos ir amanhã?
– O que é isso ?
Perguntou para então o pegar, lendo com cuidado o que dizia. Havia se esquecido completamente de Bianca Solderini, e ver que o rapaz havia sido convidado pela moça a ir ao baile o deixava um tanto hesitante. Temia que o platinado pudesse ter outro ataque de pânico em meio à multidão, e por isso estava pronto para lhe dizer um Não, porém ver seus olhos esperançosos lhe encarando o fizeram suspirar e pensar um pouco antes de responder.
– Precisamos comprar um terno para você, vamos depois do almoço. – Tinha medo das consequências que essa decisão poderia trazer, porém encararia a compra do terno como um teste, caso Amadeo passasse o levaria ao baile.
– Certo, mas Lud fica com Martha.
Concluiu o rapaz, ao menos seria um risco a menos, se fizesse besteira que fosse apenas consigo e não com o filho dos outros, jamais iria querer ser culpado de algo ruim acontecer de novo. Terminou o café da manhã, recolhendo as coisas da mesa e lavando os copos e pratos que usavam, Amadeo acabava deixando menos trabalho para Martha do que o que ela teria normalmente.
Sem os ferimentos evidentes, com os cabelos cortados de forma socialmente aceitos, Amadeo não atrairia tanta atenção negativa.
Quando finalmente saíram, Amadeo se esforçou para ficar focado. Para chegar a loja sem grandes problemas, embora evitasse a todo custo deixar que esbarrassem em si, em um momento, chegou a segurar brevemente na mão de Chris, com receio de ficar para trás quando um grupo grande passou por eles. O pianista franziu o cenho ao sentir aquela mão gelada segurar a sua e por instinto olhou para ambas, e foi nesse momento que uma memória surgiu em sua mente. Uma memória de um tempo feliz em que segurava a mão de outra pessoa apaixonadamente.
Assim que chegaram na loja foi possível notar que as cores claras voltavam a chamar a atenção do rapaz, e após Chris o deixar escolher o modelo era hora de experimentar para que pudesse fazer alguns ajustes.
– Gostou desse ? – perguntou ao rapaz. Amadeo havia apontado um terno um tanto exótico e moderno para época e tom lilás que destacariam seus olhos, com camisa branca e detalhes na lapela.- Então vá ao provador e experimente, temos que ver como fica no seu corpo, eu te espero aqui.
Pegou o tamanho indicado pelo vendedor e foi até o provador. Se despiu, vestiu a calça, a camisa, e o paletó. Não demorou muito em colocar a cabeça para fora do provador e chamar pelo pianista, preferia que ele fosse checar do que o vendedor.
– Chris? Tá bom.
Amadeo havia gostado da cor, e estava bastante animado. Havia fechado a camisa um pouco errado, como os botões desalinhados de forma que o tecido sobrava embaixo. O garoto provavelmente nunca havia vestido algo assim, pelo menos não que sua memória danificada alcançasse, então para alguém que nunca tinha vestido, esse pequeno erro era o de menos.
– Podemos levar?
Quando o pianista foi chamado não hesitou em ir até o provador, observando o menor de cima a baixo. Aquelas cores pareciam combinar com ele, porém a forma com que havia se vestido fez com que deixasse escapar um leve sorrisinho de canto.
– Ficará melhor quando a vestir certo.
Publicado por:
minhas outras postagens:
COMENTÁRIOS
Sua Comunidade de Novels BL/GL Aberta para Autores e Tradutores!
AVISO: Novos cadastrados para leitores temporariamente fechados. Se vc for autor ou tradutor, clique aqui, que faremos seu cadastro manualmente.