Regas - Capítulo 9
(ATENÇÃO: Este capitulo contém sangue e violência)
Silêncio. Ashler aproximou silenciosamente a orelha da porta, mas não conseguiu ouvir nenhum grito ou choro vindo de dentro. Se o Regas tivesse se aproximado do príncipe, definitivamente haveria sangue. Esse bandido é tão calmo assim? Talvez ele estivesse constrangido de ser visto chorando, já que entrou com confiança e praticamente pediu por isso.
Ashler deu um passo para longe da porta. Mesmo se o Regas fingisse calma, ele não aguentaria por muito tempo e logo fugiria. Ashler apoiou as costas na parede, perto da porta. O bandido parecia bastante surpreso quando soube que o príncipe estava acorrentado.
O Regas ficou sem reação e com a boca aberta como um idiota. Na verdade, Ashler franziu o cenho ao ouvir essa história pela primeira vez. Acorrentar uma criança de apenas oito anos parecia uma medida muito extrema. No entanto, os rumores ao seu redor eram constantes:
‘Ele é o diabo. Dá para perceber só de olhar em seus olhos‘.
Ashler já havia ouvido falar sobre os olhos do príncipe. Diziam que eram olhos de serpente, e eram simplesmente repugnantes, mas ele não confiava muito nos rumores. No entanto, no momento em que viu os olhos do príncipe, seu corpo se arrepiou completamente, paralisado pelo medo.
Ashler era muito jovem quando empunhou uma espada pela primeira vez. Já havia experimentando mais de uma vez o momento em que uma espada quase atravessou seu coração ou sua garganta. Mas agora, já acostumado com o frio que sentiu frente a morte, pensava que não haveria mais nada que pudesse temer ou que o surpreendesse.
Mas ele ficou paralisado somente ao olhar nos olhos da criança. Além disso, esses olhos simplesmente passaram por ele de relance, como se ele fosse ar. No entanto, o que mais o surpreendeu, foi que quando olhou intencionalmente nos olhos do príncipe pela segunda vez, não sentiu medo algum.
Mas a sensação que sentiu ao vê-lo pela primeira vez definitivamente não foi falsa. Apenas de não compreender direito, Ashler se recusava a levar os boatos a sério. Que diabos. Isso não pode ser possível. Talvez seja mais correto dizer que o dragão lendário tenha renascido.
No entanto, não seria possível atribuir o nome de um dragão sagrado a um príncipe enlouquecido e com desejo de sangue. Se o príncipe continuasse assim, seria apenas questão de tempo passar a ser rotulado como demônio e os rumores se espalhem por todo o país. Por outro lado, se o príncipe estiver estável, seria venerado como a encarnação do dragão.
Será que foi isso que o capitão da guarda estava falando? ‘Você tem que dar uma chance a esse Regas meliante’. Ashler continuou observando a porta. O bandido ficou surpreso ao saber que o príncipe estava acorrentado e exigiu:
“Por favor, me entregue as chaves!.”
Naquele momento, os olhos do bandido estavam tão determinados que Ashler se surpreendeu um pouco e lhe entregou a chave. Evidentemente, se o príncipe fosse libertado, ele fugiria sem que ninguém percebesse e se tornaria ainda mais selvagem e sangrento, mas Ashler deliberadamente não disse nada. Só mais um pouco, e a porta se abrirá e o cheiro de sangue se espalhará pelo ar.
As previsões de Ashler não estavam erradas. Depois de esperar mais alguns minutos, a porta se abriu e o bandido apareceu. Sangrava por ferimentos nas pernas, nos braços e até no rosto. Mas ele não estava sozinho.
***********
Trinta e dois. A trigésima segunda pessoa cumprimentou. Ao contrário das outras, era uma voz destemida. E em vez de falar à distância, sentou-se diante do menino. Na mãozinha infantil, havia um fragmento que tinha sido mantido em segredo.
Em algum momento, o sangue se tornou a única forma por qual a criança conseguia se expressar. Era o único grito de uma criança que não era permitido falar, ver, reagir ou fazer qualquer coisa para se expressar. Conforme o sangue vermelho se espalhava, as pessoas reagiam.
Isso continuou se repetindo, e agora a criança agarrou uma arma e rasgou a carne como se fosse um simples hábito. Então, as pessoas encaravam. Não importava se era um olhar de medo ou nojo. As pessoas sempre olhavam para a criança com esses olhos, e de qualquer forma, a criança não conhecia nada além disso.
Então, desta vez, ele esfaqueou o joelho da pessoa número trinta e dois com toda a força com um fragmento de porcelana. Logo, o sangue vermelho jorrou e um cheiro metálico se espalhou pelo quarto. Como o oponente não se moveu, foi mais fácil rasgar a carne e mover os pedaços da lâmina. Então, uma mão grande segurou a mão da criança com toda a sua força. Foi só então que a criança percebeu que o Trinta e Dois era muito maior do que os outros. E seus gritos eram diferentes também.
“Ugh! Sangue! Oh, príncipe, você machucou sua mão! Vai doer se você segurar algo assim.”
O grito era para o príncipe. E ao contrário da voz de pânico, a mão grande que segurava a mão da criança cuidadosamente removeu o fragmento de porcelana da mão pequena. Em seguida, tirou uma toalha velha do bolso e rapidamente enrolou a pequena e dilacerada mão em um pedaço de porcelana.
“Está doendo muito? Vou chamar alguém para tratar você agora mesmo… Não, eu mesmo vou buscar o remédio e aplicá-lo imediatamente.”
Ao ouvir a voz trêmula, a criança estendeu a outra mão e agarrou o pulso. As unhas, que já tinham arranhado muitos outros, diversas vezes, desta vez arrancaram facilmente a pele da pessoa número trinta e dois. Nesse ponto, aqueles que tinham sido atacados teriam recuado e estremecido como se estivessem tentando fugir. Mesmo que não fosse esse o caso, suas vozes ainda estariam cheias de medo. Mas não desta vez.
“Oh, é verdade! As correntes! Como sou bobo. Deixe-me resolver isso primeiro. Ah, que frustrante deve ter sido estar preso a algo assim.”
Trinta e dois se aproximou e começou a soltar as correntes das mãos e pés da criança. A criança cravou as unhas no corpo que não tentava fugir, nem parecia ter dor e nem medo, e usou a força para rasgar a pele dele.
“Oh Deus, você está cheio de machucados. Espere um momento, príncipe.”
O grito era de preocupação com o príncipe. E, contrário à voz apavorada, a mão grande que segurava a mão do menino tirou com cuidado o pedaço de porcelana da pequena mão. Depois, tirou uma toalha velha do bolso e rapidamente envolveu sua pequena e rasgada mão com um pedaço de porcelana.
Mesmo diante das unhas do menino que o atacavam, a pessoa número 32 apenas pronunciou palavras de preocupação. Então, uma mão grande rasgou a roupa com um barulho forte e envolveu suavemente um pano ao redor dos tornozelos do menino. O menino lutou para liberar o pé e arranhou as costas da grande mão com as unhas.
“Enquanto eu estiver ao seu lado, vou garantir que você nunca mais esteja preso a algo assim.”
A voz do trinta e dois estava tremendo. Mas era diferente dos que vieram antes. Não era por medo. Era algo que o menino nunca tinha ouvido antes. O desconhecido deixou o menino ansioso.
O menino não conseguia o vencer com sua força por mais que tentasse e arfava, mas não parava de ferir o próprio corpo. O sangue novo continuava a fluir e o cheiro de sangue se tornava mais forte, mas a pessoa número 32 continuava mostrando reações estranhas. Eram ações com as quais o menino não sabia o que fazer.
“Perdoe-me, Príncipe. Deixe-me tocar seu corpo por um momento.”
A pessoa número trinta e dois colocou a mão entre as axilas do menino e o levantou. Então, levantou-se com cuidado segurando o menino contra o peito. O menino que se agarrava a ele usou o último recurso que tinha. Foi muito simples. Tudo o que precisava fazer era levantar um pouco a cabeça. Depois disso, podia olhar para a outra pessoa através do cabelo.
Quando ficava tão perto, seus oponentes costumavam reagir de forma mais fervorosa e fugiam. Então, o ambiente se tornava silencioso novamente. Esta era uma verdade imutável. Era uma resposta tão familiar que se tornou um padrão. Então, o menino viu olhos verdes.
Ele tentou encontrar algo que claramente deveria estar lá: medo, nojo, assombro. Essa deveria ser a única emoção que se veria nos olhos de quem o olhava. Porque isso era tudo o que o príncipe sabia. Mas desta vez também foi diferente. Os olhos verdes estavam brilhando com um sorriso. Os olhos alegremente abertos estavam cheios apenas de calor.
“Vejam só, nossas olhares se cruzaram pela primeira vez. Saudações novamente. Meu nome é Abel, Vossa Alteza.”
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Ashler ficou boquiaberto quando viu o bandido abrir a porta. Toda a pele visível, incluindo o rosto, o dorso das mãos e o pescoço, estava coberta de feridas vermelhas ou sangue. Os joelhos estavam manchados de sangue suficiente para molhar suas roupas. Mas não foi os ferimentos que o surpreenderam mas sim que o bandido estava carregando o príncipe, que mordia o pescoço do Regas com tanta força que Ashler podia ver o sangue escorrendo.
“Oh, o senhor ainda está ai. Desculpe, mas posso te pedir um favor?”
Uma pergunta foi feita, mas Ashler não conseguiu responder rapidamente porque não podia acreditar no que estava diante de seus olhos. Olhando-o sob uma luz brilhante, o príncipe parecia um mendigo. Cabelo desarrumado e emaranhado, roupas manchadas de preto com sangue e fedorentas. E o bandido abraçava aquele pequeno corpo como se fosse realmente precioso. Apesar de o príncipe estar com os dentes fixados em sua nuca o tão forte quanto podia e respirar com dificuldade.
“…Sim, Regas. Por favor, fale.”
Quando finalmente Ashler respondeu, ouviu-se um pedido como se estivesse esperando.
“Primeiro, você poderia me mostrar um lugar onde eu possa tomar banho? Enquanto isso, se não se importa, agradeceria se limpasse o quarto. Todos os quadros que bloqueiam as janelas devem ser removidos. A propósito, o príncipe tem muitas feridas no corpo e precisa de algum medicamento para tratá-las imediatamente.”
Ashler assentiu e olhou para o fim do corredor. Lá estavam os servos que observavam com os olhos fixos nas duas pessoas desde que chegaram ali. Então, todos ficaram paralisados de surpresa quando viram Regas carregando o príncipe, mas quando fizeram contato visual com Ashler, todos se levantaram em estado de choque. Ashler chamou um deles com um olhar, indicou que preparasse um banho e depois voltou a cabeça. Falando com a maior calma possível.
“Você pode os acompanhar para tomar banho. Enquanto isso, vou limpar o interior. Também vamos remover todos os quadros que cubram as janelas.”
Ashler parou de falar e olhou por um momento para o corpo ferido de Regas.
“Prepararei o medicamento imediatamente para que possa receber tratamento, Sr. Regas.”
O último lugar onde os olhos de Ashler pousaram foi o pescoço do Regas, onde o sangue continuava a escorrer. O príncipe parecia ter perdido as forças e apenas fingia morder, mas muito sangue já havia escorrido da sua pele rasgada e ferida, encharcando suas roupas. Isso seria suficiente para fazê-lo franzir a testa, mas Regas sorriu.
“Ha ha, estou bem. Isso não é nada perto da vez que um javali me atingiu e quase fez um buraco no meu corpo.”
“Um javali… Te atingiu?”
“Sim. Ah, e doeu muito quando a pata de um urso me acertou, voei pelo céu e caí no chão.”
A surpresa de Ashler também caíu ao chão. Agora, enquanto olhava com olhos arregalados, ouviu a voz suave de Regas.
“Então, como poderia ser dolorosa uma ferida infligida por uma pessoa tão pequena e delicada?”
Sua voz não era alta, mas encheu o corredor estranhamente longo. Ashler olhou para ele com os olhos sérios e perguntou:
“Não seria inconveniente tomar banho assim?”
O que Ashler estava apontando era o príncipe que mordia seu pescoço. Regas olhou para o príncipe e levantou os cantos dos lábios em um sorriso.
“Ha ha, é ainda melhor porque podemos economizar água e tomar um banho juntos.”
Ashler sorriu pela primeira vez e indicou ao assistente que mostrasse o caminho. Então Regas se virou e acariciou suavemente a cabeça do príncipe com sua mão grande e áspera. Seguindo o assistente, ele abraçou o menino que ainda o mordia e cravava as unhas na sua carne, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Então, como se lembrasse de algo, voltou a cabeça para Ashler.
Ashler olhou para os olhos verdes que o encarou e inconscientemente lembrou-se das palavras do capitão da guarda: especial. Havia algo realmente especial no grande e comum Regas. Seus olhos eram calorosos. Tanto que era agradável. Sua voz áspera soou em meus ouvidos.
“Por favor, me chame de Abel.”
************
“Ele levou o príncipe para tomar banho. E também limpou a residência do príncipe, que diziam ser a covil do diabo?”
A voz de Trud ao formular a pergunta mostrou um tom de diversão. Talvez o sacerdote não estivesse contente com isso, pois não conseguiu dar uma resposta imediata.
“Além disso, ouvi dizer que, apesar de o príncipe estar machucando, mordendo e arranhando o corpo de Regas como sempre fazia, ele não gritou e continuou sorrindo?”
“Hmm, acho que a pele dele deve ser bastante grossa porque cresceu no campo.”
Como o sacerdote não conseguiu esconder seu sarcasmo, Trud sorriu.
“É verdade, não tenho certeza por que nenhum de nós tem a pele tão dura.”
“Bem, isso não é culpa minha.”
“Não quero criticá-lo. Se você quiser determinar a causa de algo, tem que responsabilizar outra pessoa.”
Estava claro, sem necessidade de perguntar, que a pessoa sobre a qual Trud falava era Nohox. No entanto, como o sacerdote estava encarregado de selecionar Regas tinha uma relação próxima com Nohox, teve que dirigir seu olhar desconfortável para o nada. Ele era quem recebia as ordens, de qualquer maneira.
“Tem alguma instrução especial para dar?”
Perguntou com cautela, mas Trud se perdeu em seus pensamentos por um momento e depois trouxe outro assunto à tona.
“Como Sua Majestade está se sentindo ultimamente?”
“Não há nada particularmente ruim. Enquanto Sua Majestade tiver Regas e álcool, poderá manter a calma e não causar nenhum problema…”
“Cuidado com suas palavras.”
O sacerdote rapidamente inclinou a cabeça em resposta à severa repreensão de Trud. O duque o olhou em silêncio e então abriu a boca.
“Acho que o sacerdote e o marquês Nohox às vezes se enganam. Não estamos aqui por Regas, mas pelo rei que pode ser controlado por Regas. Sem um rei, não importa quantos milhares de Regas primorosos existam, todos são lixo.”
“Me lembrarei se suas palavras Vossa Graça.”
“Então vou perguntar novamente, como Vossa Majestade está se sentindo ultimamente?”
Felizmente, o sacerdote era perspicaz. Trud rapidamente descobriu a resposta que queria e rapidamente a deu.
“Está bem. Parece que Vossa Majestade gosta dos seus novos Regas e não sai do seu quarto há uma semana. Agora que é hora de sair, tenho certeza de que poderá fazer qualquer coisa, desde que esteja de bom humor.”
Trud assentiu e foi direto ao ponto.
“Hoje será dado permissão aos novos Regas para ir à Floresta do Dragão.”
“Bem, se é a Floresta do Dragão, Vossa Graça, você realmente quer dar permissão? Não é um lugar onde apenas Regas e os herdeiros do sangue divino do dragão podem entrar? Não, mais do que isso, e se aquele Regas Abel e o príncipe entrarem lá sozinhos e acontecer alguma coisa…”
“A floresta protege o poder do dragão.”
Trud interrompeu o sacerdote e acrescentou depois de um momento:
“É uma história que a família real acredita sobre a Floresta do Dragão. Na verdade, mesmo que todos ao redor morressem, a família real que herdou o poder do dragão sempre sairá viva da floresta. Não importa o quão jovem você seja.”
“…Não há uma única pessoa que tenha morrido?”
“Ah, o rei que morreu na fonte da oração.”
Trud moveu o canto da boca ao se lembrar do rei lendário de centenas de anos atrás.
“Deve ter sido o que ele quis morrer. Essa floresta está encantada. Ninguém pode negar isso. Essa magia existe para proteger o poder do dragão. Então, não haverá nenhum problema se o príncipe for para a floresta.”
“Mas não seria um problema se o Regas, chamado Abel, voltasse são e salvo da floresta? E se alguém como ele for reconhecido como o verdadeiro Regas do príncipe?”
“Então isso é algo bom.”
“Sim?”
Quando o sacerdote perguntou surpreso, Trud sorriu.
“O único Regas verdadeiro na vida do rei. Houve reis que não conseguiram encontrá-lo, mas se o príncipe o encontrar, é uma bênção.”
“Mas então…”
“É melhor para o futuro. Se o príncipe tem um único Regas memorável, por mais louco que esteja, será sua rédea clara.”
Embora ele tenha sorrido levemente com a palavra ‘rédea’, os olhos de Trud brilharam de forma sombria.
“Mas você precisa de informações para manusear as rédeas. Se este Regas é realmente digno de entrar na Floresta do Dragão com o príncipe, então devemos saber o que ele faz lá.”
“Como ele fez…”
Ninguém iria para a floresta onde poderia perder a vida. Ao ver a expressão envergonhada do sacerdote, Trud voltou ao tema original.
“Sua Majestade está de bom humor esses dias, então sugiro que dê um longo passeio. Nem todos podem entrar na Floresta do Dragão, mas se o próprio rei te pegar pela mão e te guiar, as coisas serão diferentes. Tente persuadir o rei a ver o príncipe lá dentro. Inspire curiosidade com o novo Regas. Se a única pessoa que pode entrar na Floresta do Dragão e verificar é o rei, então a única maneira de fazer isso é usar o rei.”
Acrescentou Trud, torcendo a boca.
“Suponho que o rei, que passou a vida toda brincando como lixo, fará pelo menos uma coisa útil.”
Publicado por:
- Gardenia_Fairy
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