Pena e Lágrimas de Pavão - Capítulo 4
Os três dias e três noites que se seguiram foram repletas de ansiedade sem fim; Malaquias que costumava dormir por longas horas a fim de descansar completamente seu corpo que demandava muita energia para funcionar, não pregou os olhos por mais de alguns minutos antes de acordar aos sustos.
Semelhante a uma mãe com seu filho recém nascido, seus olhos estavam constantemente presos no jovem inconsciente.
Não estando a par de nomes ou de origem, o ruivo se baseou somente naquele ditado que diz: “Não faça aos outros o que não quer que lhe façam, enquanto trata os outros da maneira que quer ser tratado.”, assim cuidou dele da maneira que gostaria de algum dia, ser cuidado.
E também, é claro, para não ser amaldiçoado.
A ideia de que a pessoa deitada em sua cama fosse na verdade algum tipo de entidade divina não saia de sua mente; alguém que simplesmente permanece vivo após o corpo aquecer como uma fornalha por três noites inteiras não poderia ser um mero mortal.
Suspirando com esse pensamento infeliz, continuou a debulhar os feijões que pegou como seu trabalho dessa semana.
Desde lavar roupas sujas e arear panelas, a massagens desajeitadas livre de técnicas, Malaquias aceitava tudo que lhe desse pelo menos o suficiente para manter a vidinha pacífica que conseguiu com muita dificuldade. Aos olhos de algumas pessoas, Malaquias vivia na pobreza extrema, enquanto aos seus, vivia luxuosamente.
Quando era mais jovem ele não possuía nada. Sequer roupa para cobrir sua nudez ter ele tinha; então aquela simples cabana que o protegia da chuva e do vento, seu chapéu de palha que o protegia do sol e, de vez em quando, alguns peixes, já era ótimo para se viver.
E como ele amava estar vivo nestes momentos.
Eram estes mesmos momentos de contemplação que o faziam esquecer sua situação de isolamento em relação a vila que ele mesmo adotou como seu lar.
De certo modo ele entendia sua situação e até chegou a aceitar como era tratado, assim, se adaptando de uma forma que, em algum momento, pudessem simplesmente esquecer sua existência. Pegando muitas vezes caminhos escondidos e desconhecidos pelo povo da vila por nunca se atreverem a atravessar a Grande Floresta.
Floresta que, por ser tão grande e envolta de mistérios era um grande perigo simplesmente se arriscar a atravessá-la. E se, caso quisessem por algum motivo se comunicar com outras vilas, era necessário pegar um barco e rodear a ilha pelo mar.
O que não acontecia com frequência, como dito, são um povo muito monótono e sem nenhum interesse em mudanças.
O que acabou se tornando vantajoso para Malaquias que se tornou um tipo de mediador, assim podemos dizer, entre todos.
De vila em vila, de tempos em tempos, uma figura estranha e imensa surgia de dentro da floresta carregando uma enorme carroça. Não falava, não se mexia e só ficava lá parada com a sua carroça. Inicialmente, o povo pensou se tratar de um espírito então mantinham distância, o que naturalmente fez Malaquias mudar sua estratégia passando a imitar os feirantes da capital. Com um pequeno pano à sua frente e produtos em cima, aos poucos as pessoas entenderam ” Ah. é trabalho.”
Com um pouquinho de esforço aqui e ali, ele montou um verdadeiro empreendimento suprindo as necessidades básicas que as pessoas realmente não sabiam que precisavam, como o de certos tipos de alimentos e ervas.
E era assim, envolto em uma grande e escura capa com uma máscara muito mal feita que Malaquias conseguia se aventurar por entre os povoados e divulgar seus serviços, enquanto mantinha sua identidade secreta. Não estando muito longe do que o inspirou a agir desse jeito, sua figura era envolta em especulações; certas pessoas diziam “esse aí deve ser deformado, por isso esconde o rosto!” e “Esse ai deve ser muito belo, por isso esconde o rosto!”, ambos estando errados.
𓆝 𓆟 𓆞 𓆝 𓆟
Rodeada de mistérios, a Grande Floresta se mantinha intocada de ações humanas, o que era bom. Os mais velhos com grande fé contavam como os céus os abençoaram com uma forma de proteção tão eficiente como ela, mas também advertiam que, mesmo sendo uma bênção, continuava sendo algo além de suas compreensões. As tempestades que viam além do mar, com fortes ventos que abalavam o litoral seriam de enorme preocupação para eles, em relação a grandes estragos, se não fosse pelo poder de auto regeneração que a própria floresta tinha.
Não importava o quão grande fosse a força dos ventos ou quantas árvores caíssem, elas sempre voltavam para seus lugares de origem em um passe de mágica. E todos se maravilhavam com isso, como eram abençoados!
Mas nunca sequer pensam: “…Isso é realmente para nós?”
Se não fossem um povo tão monótono e tão cheio de fé, talvez pensassem que esse padrão se tratava mais de uma forma de cura para a própria terra do que para seu povo. Mesmo que derrubada, a floresta se mantinha; ao contrário do homem, que ao ser derrubado permanecia assim para sempre. Morto. A se decompor.
𓆝 𓆟 𓆞 𓆝 𓆟
Depois de algum tempo sentado, começou a sentir desconforto em suas nádegas e aproveitou o momento para verificar a temperatura do rapaz.
Ao ser tratado com algumas ervas medicinais e chás, sua febre já havia baixado para um nível que não estivesse mais respirando tão sôfrego e pesadamente enquanto transpirava.
Mas, mesmo assim, ele não via mal algum em conferir.
Pensando dessa maneira, saiu de seu galpão e andou alguns metros até chegar em sua cabana, adentrando em seu único cômodo e se deparando com uma cama vazia e mal arrumada.
O homem ficou parado, incrédulo, por alguns instantes antes de soltar um sincero pensamento:
“Haha…não é possível…ele ficou invisível.”
Desde que o pensamento de que o rapaz não se tratasse de um mortal mas sim de alguma divindade surgiu em sua mente, Malaquias não ousou questionar mais nada.
São obras dos céus, e se ele é uma divindade, nada deve ser impossível. Nem mesmo se tornar invisível quando bem quisesse.
E antes mesmo que pudesse entrar em uma atividade inútil de procurar um ser possivelmente invisível naquele cômodo visivelmente vazio, um grito alto foi escutado do lado exterior da cabana:
“Onde estão as minhas roupas-??!!”
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Malaquias rapidamente correu para fora e viu o jovem rapaz em pé, de costas, envolto em seu lençol estampado. Malaquias sentiu um alívio imenso o vendo de pé e aparentemente bem. Histérico, mas bem. E antes que pudesse abrir a boca para se explicar, como se pudesse perceber sua presença com um simples liberar de ar de seus pulmões, o outro o encarava com olhos afiados como navalhas.
Com passos cambaleantes de receio, o jovem se aproximou do ruivo, balbuciando ofensas baixas: “…como..c-como ousa…como ousa…” seu punho se apertava cada vez mais, cravando suas unhas em sua carne macia.
O rapaz havia passado todos os três dias e três noites anteriores a esse sem dar qualquer sinal de que fosse acordar, deitado na cama, Malaquias foi quem proveu tudo o que era necessário para que:
A) Ele permanecesse vivo
e hidratado.
B) Bem e que, humanamente, mantivesse sua dignidade.
C) Não morresse de fome ou dolorosamente assado.
Então, estava ciente do porque o jovem estava tão enfurecido. Havia acordado nú, na cama de um estranho.
Provavelmente muitos pensamentos estranhos deviam estar passando em sua mente e criando certos tipos de preconceitos sobre a sua pessoa. Malaquias desejou fervorosamente que tivesse deduzido que isso aconteceria a partir de como o garoto tinha reagido antes de desmaiar, mas estava tão ocupado em se preocupar com a pessoa caída à sua frente que voltou toda a sua gama de pensamento em o ajudar.
Malaquias então notou o que o jovem estava prestes a fazer e assim que teve a simples menção de o acertar novamente com um soco, sua mão foi mais rápida o segurando a poucos centímetros de o acertar bem no meio da fuça.
Dessa vez não foi.
“Seu caipira de bosta-!!” Gritou o adolescente enquanto tentava se desconciliar do aperto do outro, ” Me solta seu, seu desgraçado de merda-!!” Ele usava toda a sua pouca força neste ato falho de se livrar de alguém muitas vezes comparado a uma montanha.
“E-ei garoto, não é nada do que você tá pensando, eu te ju-“
“Eu não quero saber o que você tem a falar maldito!!” Seu grito foi alto e prepotente.
Malaquias podia jurar que até mesmo um surdo escutaria o seu comando.
Os olhos de Malaquias lentamente se desvincularam do punho alheio e pousaram em seu rosto franzido pelo ardor da cólera e da vergonha. Pôde ver, enfim, pela primeira vez, os olhos de quem ajudará.
Eram de um tom âmbar vibrante…agora, banhados em lágrimas quentes.
Assim que viu seus olhos, foi como se tudo que estava consumindo o garoto, passasse para si mesmo e ele o entendeu.
Sua mão soltou o pulso do menino que sem exitar o golpeou com tudo o que tinha, acertando várias vezes seu rosto nú. A mão do mais jovem, doía tanto, mas não deixava se levar.
Esse caipira tem que ter o que merece! Pensava ele, por, tocar em mim…por f-fazer, arg-!!!
EU FUI EMBORA POR UM MOTIVO!!
E então, quando seu corpo se cansou, os golpes também foram perdendo sua força, gradativamente parando.
Nesse momento, o rapaz já tinha se posto a chorar. Sua boca não emitia nenhum som, mas seu corpo demonstrava isso. Seus ombros tremiam incessantemente, enquanto suas mãos fraquejadas seguravam, dolorosamente, a camisa amarrotada daquele nojento e desprezível homem.
“…como você pôde…” sussurrou baixo quando enfim tomou forças para falar, ” Como pôde fazer algo assim-?? Me responda!!”
Seus olhos se mantiveram estagnados no chão, então voltou a falar:
“…eu já devia ter imaginado…não devia ter me deixado levar pela raiva de terem me chutado, eu só devia ter ido embora…mas nããão, fui logo confrontar um estranho…fui tão idiota!”
Burro, burro, burro, burro, burro, burro, burro!!!!
Com uma coragem repentina, decidido a mostrar superioridade, levantou seu rosto; mas essa mesma face que com ódio mostrava suas lágrimas, sem nenhuma vergonha, na frente de um estranho, se espantou e precisou assimilar o que via.
“…por qual motivo você está chorando?”
Publicado por:
- L.Crow
-
Minha profissão é criar mundos e imaginar pessoas vivendo neles( especialmente vivendo romances hehe).☕
Mesmo que eu seja um total fracasso nesse quesito, eu ainda tento e rascunho várias situações.💦
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