O fado de Ewan - Capítulo 1: Aventura no reino em ruínas
Há muitos séculos atrás, num local distante à beira da costa, havia um reino chamado Muirlainn. Mais conhecido como “a terra da água” por suas famosas nascentes que diziam terem propriedades curativas. Foi também, lar de um travesso príncipe que outrora quase causara a destruição do mundo.
— A-alteza! Não corra, p-por favor! Sua ferida… sua ferida irá reabrir! — Implorou quase sem fôlego, a babá real.
— Mesmo com um corte na perna ainda sou o mais rápido! — Exclamou o jovem príncipe, após se esquivar com sucesso da pobre mulher.
— V-volta aqui alteza! O soberano me mata se… se sua ferida infeccionar! — Clamou amedrontada, a aia.
— Você precisa se exercitar, Maria. Assim nunca vai me pegar! — Zombou enquanto corria gargalhando.
Ao virar numa alameda, foi surpreendido por pequenas mãos que o pegaram por trás cobrindo sua boca fazendo-o suar frio.
— Shhhhh… Sou eu.
— Emília! Quer me matar do coração, criatura?! — Indagou baixinho dando batidinhas no peito para acalmar o coração alarmado.
— Você pretende ser rei sendo um gatinho assustado? — Perguntou enquanto o fitava de soslaio.
— Ahem! — Pigarreou ruborizado. — C-como eu poderia imaginar que era você? Achei que tivessem te pegado na entrada do jardim.
— Ha! Até parece! Eu não sou uma amadora como sua alteza real!
Emília era uma menina estranha. Tinha um rosto angelical, contudo, era ardilosa como uma raposa. Toda vez que se dirigia ao príncipe herdeiro pelo seu título, soava como deboche. Todavia, era justamente isso que fazia dela a parceira ideal para as travessuras do infante. Às vezes, era difícil saber quem era o mestre e o escravo já que quase sempre, quem propunha as traquinagens, era a própria. E, graças à sua esperteza, conseguia se fingir de inocente muito bem, sempre se safando dos castigos e deixando toda a culpa recair apenas em sobre o herdeiro real.
— Você encontrou?
— Com quem você pensa que está falando? Era óbvio que eu encontraria. — Afirmou, a serva orgulhosa. — A pergunta é se você vai conseguir me acompanhar com a perna assim!
— Se você não tivesse me desafiado a lutar com uma espada de verdade, eu não teria me machucado!
— Se você fosse melhor na esgrima, eu não teria conseguido encostar em você!
— Você só me pegou de guarda baixa! — Ruborizou. — E isso aqui não é nada para o futuro rei. Vamos logo!
Depois de passarem alguns minutos se esgueirando pelas vielas do castelo entre discussões, chegaram a um beco sem saída.
— Ha! Parece que eu ganhei a aposta, hein, Emília?! — Comemorou. — Agora você vai ter que me respeitar como se deve! Ah, e massagear os meus pés pelo resto da sua vid-
A serva emitiu um sorriso maroto ao abrir caminho movendo algumas pedras na parede. Chocando totalmente o príncipe.
— Rabanetes…
Eles tinham apostado que ela não conseguiria encontrar uma saída sem vigias para fora do castelo.
— Acho que sua alteza, me deve o meu peso em ouro agora.
— Rabanetes!
— Vai ficar aí parado o dia todo com essa cara de besta?! Logo os guardas virão te procurar!
— Você não tem mesmo nem um pingo de respeito por mim, escrava?
— Quando você me vencer na esgrima, eu posso pensar em te tratar como se deve. — Respondeu Emília, com desdém.
— Tsc, tsc, tsc… Eu ainda vou te educar devidamente.
— Aguardo ansiosamente, vossa magnificência.
Após Emília fazer reverência totalmente exagerada, os dois fugiram para fora do castelo por entre as árvores.
N/A: Rabanetes é a forma do Eoin expressar surpresa.
Horas depois de terem se divertido à beça, tentaram voltar, mas, perceberam que estavam perdidos por adentrar demais à floresta.
— Já passamos duas vezes por essa árvore… Eu tô com sede, com fome, minhas pernas doem… — Choramingou ao olhar para a sua ferida aberta. — Eu quero ir pra casa! — Berrou.
O príncipe começou a fazer birra igual uma criança apesar de já ter completado treze anos. Seria cômico, em outro momento. Naquele instante, a exaustão falava mais alto do que o orgulho.
— Cala a boca, seu bebê chorão! Foi você quem quis vir brincar no bosque!
— Você disse que conseguiria memorizar o caminho de volta facilmente!
As trocas de farpas continuaram por alguns instantes até o rapaz gritar apontando para o leste.
— Olha! Uma luz!
— Onde? Não tô vendo nada… — Vasculhou visualmente o cenário à vista.
A garota não via luz alguma, mas, resolveu seguir mesmo assim naquela direção. Em poucas horas o sol iria se pôr e eles não tinham tempo a perder.
— Me espera aqui seu manhoso. Vou tentar achar a trilha e volto para buscar a donzela.
Mais de uma hora se passou, e ainda não havia sinal da serva, então, o príncipe resolveu seguir na mesma direção pois temia que algo tivesse acontecido com sua amiga.
— Emília! Emília!
Andou, andou. Chamou e chamou, mas não obteve respostas. Felizmente, encontrou uma macieira carregada e pode saciar a sua fome. Quando o sol já estava quase se pondo, avistou construções não muito longe dali e seguiu em frente. Se tratava de um pequeno reino em ruínas.
— Rabanetes… Que lugar é esse?! Deve ser de alguma civilização muito antiga!
A curiosidade falou mais alto fazendo com que o jovem se distraísse enquanto explorava o local.
— Como eu nunca ouvi falar de um lugar assim tão perto do castelo?!
Um rugido alto vindo da floresta o fez acordar do transe e se apressar para encontrar abrigo, pois ao cair da noite, feras perigosas saem à caça e ele nem uma arma possuía.
— Rabanetes! Preciso me apressar!
O lugar estava cheio de símbolos místicos que o encantavam. Foi preciso muito esforço para se conter e seguir em frente. O tempo urgia e ele precisou correr para alcançar logo o antigo palácio, já que era provavelmente o local mais seguro dali.
O palácio sem dúvidas era o local mais bem preservado, porém, devido à passagem de tempo, foi difícil trancar a porta principal e encontrar móveis bons o suficiente para lacrar a entrada sozinho.
Após o trabalho árduo, acendeu a lareira. Não teve muita dificuldade com a tarefa já que havia aprendido noções de sobrevivência com seus mestres de guerra. O cansaço logo se alastrou por todo o seu corpo e o jovem príncipe caiu no sono rapidamente devido ao cansaço. Todavia, no meio da noite, foi acordado por uma bela canção antiga que lhe era familiar de alguma forma inexplicável.
— Música? — Se perguntou esfregando os olhos cansados. — Sinto que já ouvi essa melodia em algum lugar…
Ele subiu as escadas lentamente, guiado pelo som, até a torre mais alta do castelo. Lá, viu uma luz escapar pela fresta da porta e se apressou em abri-la quando a melodia cessou. Adentrou lentamente maravilhado com o quarto intacto, diferentemente de todo o resto naquele reino.
— Rabanetes…
Parecia uma estufa, considerando a quantidade enorme de flores e plantas que tinha ali. O Dossel da cama, dezenas de vezes mais ornamentado do que o dele, que pensava já ser o melhor.
— Que lugar é esse…?
Seus dedos percorreram antiguidades belíssimas no móvel próximo até reparar que no centro do cômodo, no chão abaixo de seus pés, havia um magnífico círculo mágico desenhado meticulosamente no chão. Certamente obra de um artista renomado. Mas antes que pudesse reparar em mais detalhes, foi retirado do transe por um pigarro.
— Ahem! Você sempre entra nos lugares sem bater? — Questionou uma pessoa sentada na poltrona no fundo do quarto.
— Ah desculpe, não foi minha intenção…
Suas palavras cessaram ao reparar melhor na aparência da beldade e pensou em voz alta:
— Que pessoa linda…
— Haha obrigado! Qual o seu nome, jovenzinho?
O príncipe estava verdadeiramente encantado com a beleza do rapaz. Ele deveria ter uns 18 anos. Era esbelto, não muito alto, uma pele imaculada como se fosse de porcelana e madeixas sedosas extremamente longas que davam uma volta aos seus pés. Perdido em pensamentos, teve que ser acordado novamente por outro raspar a garganta.
— Ahem!
Completamente ruborizado, não acreditava que tinha feito papel de bobo perante tal beleza rara.
— Perdoe a minha rudeza em não me apresentar adequadamente: Eoin. Príncipe Eoin da casa de Gradaigh, à sua disposição. Poderia me conceder a honra de saber o vosso nome? — Respondeu com uma reverência formal.
(Risos)
—Sou Ewan.
—Ewan…?
—Ewan.
Esperou por um tempo o jovem citar a qual casa pertencia mas, mudou de assunto para disfarçar o constrangimento por receber apenas o primeiro nome.
— Posso saber o que você faz sozinho em um lugar tão isolado?
Ewan apenas o encarou com curiosidade e diversão antes de responder.
— Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta.
— Desculpa, eu tenho apenas cometido gafes desde que cheguei. Certo, deixa eu explicar primeiro. Eu me perdi na floresta durante uma de minhas aventuras e acabei vindo me abrigar aqui para fugir do frio e das feras noturnas. Na verdade, vim nessa direção à procura da Minha serva, mas, não me preocupo com ela, são as feras que devem temê-la. Sabe, ela é durona mesmo! Mesmo que seja difícil de acreditar, eu realmente não pretendia te incomodar. Na verdade, eu nem fazia ideia de que este lugar existia, ou que ainda houvesse alguém morando aqui, já que tudo está em ruínas, apesar de que este cômodo inexplicavelmente ainda está intacto e muito bem decorado…
— Hahahahahaha…
O jovem gargalhou tão alto com o garoto que mal respirava enquanto cuspia um monte de justificativas.
— Você realmente é barulhento! — Afirmou limpando as lágrimas de alegria de seus olhos.
— D-desculpa…
Eoin ficou mais vermelho do que um morango naquele momento. Sempre reclamaram por ele falar demais, mas, foi a primeira vez que se sentiu constrangido de fato.
— Tudo bem. O seu alvoroço é divertido. — Ewan gentilmente respondeu enquanto retirava o lenço que prendia as suas madeixas.
— Você não se sente solitário? Não parece que você recebe muitas visitas… Já pensou em ir embora desse lugar?
Melancolia apagou sua expressão alegre momentaneamente, mas logo, Ewan sorriu novamente. Falar sobre isso deveria ser doloroso. Não foi uma boa pergunta a se fazer.
— Tenho laços aqui que não podem ser desfeitos por uma mera força de vontade… Me dê a sua perna.
— Pra quê?! Ah… — O infante havia se esquecido completamente do corte em sua panturrilha.
Ambos permaneceram em silêncio enquanto o jovem enfaixava a ferida do príncipe que se segurava para não esboçar nenhuma reação de dor.
— Você é durão. — Sorriu lindamente.
— Você quer ser meu amor? Amigo! — Corrigiu alarmado. — Digo, se você quiser ser seu amigo, posso vir te ver sempre que possível. Você seria bem-vindo no meu castelo também! — Corou ainda mais.
Por um momento, o moço parecia pensativo, mas, quando percebeu que o céu começava a clarear, mudou de assunto.
— Creio que você deva descansar. A jornada de volta é um pouco longa e você vai precisar de toda a sua energia.
— Rabanetes! É… é verdade! V-vou indo então… — Disse triste ao imaginar que havia estragado tudo.
— Foi realmente um prazer te conhecer, Príncipe Eoin da casa de Gradaigh.
— O prazer foi todo meu. Se me permitir… posso voltar aqui outro dia? Prometo te trazer algo para você não se sentir tão solitário.
O sorriso nos lábios carnudos do rapaz ao acenar com a cabeça em concordância, iluminou as feições do príncipe.
— É uma promessa então! — O príncipe estendeu seu dedo mindinho na direção do rapaz para concretizar o juramento.
— Conto com isso. — Falou Ewan ao aceitar o juramento entrelaçando seu mindinho no dele. — Boa noite.
—Boa noite, Ewan.
Ao encontrar facilmente o caminho de volta, Eoin ficou muito surpreso e emocionado. Contudo, a sua alegria durou pouco. A aventura lhe rendeu várias palmadas e muitos dias de isolamento nos aposentos reais. Demorou um tempo para os ânimos se acalmarem e ele perceber que sua ferida estava quase completamente curada, mas que não havia sinais do lenço de Ewan em lugar algum.
Ao final do castigo, se alegrou em saber que sua amiga havia voltado em segurança naquela mesma tarde. Mas, apesar de seus esforços, não conseguia fazer com que ninguém acreditasse na sua história já que não haviam ruínas registradas naquela região. Levou algum tempo até finalmente conseguir aprovação para procurar o tal lugar. Todavia, nada foi encontrado. Pareciam sempre que eles andavam em círculos e não chegavam a lugar algum.
— Será que tudo não passou de um sonho mesmo…? — Suspirou, contemplando o horizonte da sua janela, após mais uma busca infrutífera.
Depois de meses se questionando sobre sua saúde mental, em um estado lamentável, ele já não via mais o mundo com as mesmas cores. Era perceptível que aquela aventura havia mexido profundamente com o príncipe herdeiro. Apesar disso, ele ainda tinha suas obrigações como o futuro rei daquela nação.
— Já é hora de crescer e deixar o faz de contas para trás.
Publicado por:
- @autorayani
-
Ilustradora, escritora e fujoshi de carteirinha 💋
Estive muito doente nos últimos meses devido a uma anemia severa, por isso as obras andavam paradas. Mil desculpas mesmo! Estou me tratando direitinho e tenho melhorado cada vez mais. Estou me reorganizando e pondo em prática alguns planos que eu tinha para o futuro. Tenham um pouquinho mais de paciência comigo. Aos poucos irei finalizar cada uma das minhas obras e postar outras novas também.
Obrigada a todos que não desistiram e continuam comigo. Amo vocês! ❤️
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