Mais um Clichê de Omegaverse... SQN! - 9. Intervenção
9. Intervenção
Faziam duas semanas que estava morando naquela mansão enorme, luxuosa e solitária.
Trouxe algumas roupas, mas tinha deixado todos os seus pertences em sua casa fechada. Eventualmente fugia para seu espaço aconchegante e seguro, não pretendia abrir mão do seu espaço pessoal, se algo desse errado, tinha para onde ir.
No início, foi empolgante mudar, descobrir novos espaços, se ambientar e estar num novo lugar com belas paisagens, conforto e natureza revigorante.
Passado o frenesi da proposta e a novidade dos primeiros dias, lentamente aquele vazio que sentia antes de toda a reviravolta se reinstalou. E agora, adicionado a isso, havia um tempero sabor ‘angústia’ alimentado pelo silêncio reprovador de seu pai, desde que os visitou.
Com o passar das semanas, Solie se viu caindo em novo abismo de abstração. Seus dias eram como um filme em preto branco em constante pausa, aguardando que o personagem principal aparecesse para que a trama ganhasse cor e sentido.
Sua função como coadjuvante, era aguardar no sofá da sala enquanto observava o verde, as árvores e o tempo passar, até que o barulho do trinco da porta abrindo, o trouxesse de volta à realidade, a fim de desempenhar o papel pelo qual foi contratado: interagir com o protagonista.
Era o único momento colorido do seu dia. Um momento raro, escasso e passageiro.
A convivência com Ricardo era… Nenhuma. Ele chegava, cumprimentava, perguntava se estava tudo bem e entre sim’s, nãos, ok’s e tudo bem, subia para seu quarto e era isso, tinha chegado ao fim a interação do dia, ponto final, função cumprida. Mundo cinza modo ‘on’ novamente.
Era isso? Seriam três anos de uma relação interpessoal insípida?
Solie se perguntava se seria possível conviver dessa forma por tanto tempo. Ricardo levantava muros altos, muros esses, que não se sentia forte o bastante para escalar.
Era manhã de sábado e Ricardo já tinha saído para o trabalho ou sei lá para onde, sem que ele o tivesse visto.
Estava imerso e a mercê dessa nova situação, além de totalmente perdido sobre como se portar dentro dela.
Seu telefone tocou. Era Lissa.
– Alô!
– Onde você está?
– Na casa de Ricardo.
– Se arrume, daqui 30 minutos estarei passando aí.
– Ok.
A ideia de sair de casa com sua amiga soou como um bálsamo para os sentimentos angustiantes que persistiam em seu peito. Há muito tempo não interagia de forma íntima com seus amigos, então, sentia saudades de Lissa, da sua objetividade e energia vibrante de alpha, que mais o confortava que oprimia.
Se arrumou casualmente e foi encontrá-la na porta do condomínio de luxo. Mesmo que tenha se mudado há quase duas semanas, ainda não estava confortável o suficiente para receber pessoas na casa de Ricardo.
– Vamos a um café? – perguntou Lissa, abrindo a porta do carro e fazendo uma varredura nas expressões e aparência de Solie.
Desde que se encontraram há quase três semanas e soube desse contrato maluco, se sentia preocupada e impotente. Não podia interferir nas decisões de Solie, mas de alguma forma queria protegê-lo de qualquer possível infortúnio.
Instinto protetor Alpha? Talvez. Para ela, Solie era um ômega especial, vê-lo se rebaixar perante um alpha qualquer que não o conhecia, nem valorizava sua existência, fazia seu coração doer de preocupação.
Quem olhasse de fora, poderia achar que ela tinha uma queda, senão uma paixonite mal resolvida por Solie. Mas, não era esse o caso. Lissa, era uma ávida apreciadora das delicadas curvas e doçuras que só as lindas ômegas femininas têm.
Por mais que Solie fosse leve, lindo e apaixonante, tais qualidades só foram capazes de despertar na alpha de pavio curto, uma profunda empatia, admiração e um tipo de irmandade desconhecida entre ômegas e alphas.
Desde sempre, Solie a desafiou como uma Alpha. Ele, transparente, questionador e livre das amarras que normalmente envolvem os ômegas, a deixava escandalizada. Ela, sempre muito rígida e controladora como a maioria dos alphas, o rotulava e tentava enquadrá-lo em seus pobres conceitos, para em seguida, se sentir ultrajada quando Solie rejeitava suas titulações e agia fora dos padrões, por sua própria conta e risco.
A relação inicial deles era basicamente de atrito. Lissa o contestava e julgava, enquanto Solie sempre sorridente e educado, a rebatia com perguntas óbvias, lhe dando as costas e fazendo o que bem queria.
Dentro do processo dos dois de aceitação mútua, Lissa em suas várias fases de desaprendizado, se sentiu irritada, desrespeitada como alpha, ignorada e rejeitada até conseguir compreender que, sua dificuldade em aceitá-lo, não era sobre as regras de um “ômega respeitável”, mas, sobre que tipo de Alpha ela aprendeu que deveria ser, e mais do isso, se gostaria de se tornar aquela versão aprendida de si mesma ou não.
Sua rica família de Alphas, era embasada em antigos códigos de conduta e dinâmicas de alta performance. Cresceu sob grande pressão para que fosse a melhor em tudo.
Conhecer Solie, fez com que ela se sentisse chutada para fora de seu pedestal ancestral, lugar esse, aprendido ser seu por natureza e direito.
Diante de tamanha desconstrução, nos últimos anos, vem travando guerras internas com sua família, levantando questionamentos e acumulando desmandos.
Como herdeira, assumiu a liderança da empresa de Gestão de Seguros de seus pais, performando como uma excelente administradora, fazendo renovações no quadro de funcionários e abrindo espaço em diversas áreas para betas e ômegas, o que causou grande conflito com aqueles ainda apegados aos próprios preconceitos.
Tudo isso, por que um dia ela conheceu esse ômega alegre, estiloso, cheio de truques, criatividade e muita libido, com pais muito especiais que o criaram como uma alma livre, cheia de coragem e vitalidade.
Ah sim! Lissa ama de paixão os pais de Solie, como se fossem sua segunda família. Aliás, todo o grupo, Morgan e sua família, Alisson e sua namorada, todos no coração de Lissa, eram cada um à sua maneira, responsáveis por ajudá-la a perceber um tipo de realidade mais doce, conciliadora e com espaço para o respeito entre as diferenças e escolhas pessoais.
Não por acaso, nas duas últimas semanas, a mãe de Solie, ainda preocupada, procurava saber sobre as particularidades do tal ‘namoro-casamento-de-mentira’ por meio de Lissa, Morgan e Alisson, já que não conseguia obter mais do que um ‘está tudo bem’ de seu filho. Porém, seu instinto materno dizia que algo não ia tão bem.
Em off, Lissa, Morgan e Alisson se movimentaram e pesquisaram todo histórico e antecedentes de Ricardo. Após conseguirem seus dados, Lissa foi eleita para fazer contato. Já que era a Alpha do grupo e administradora, teria mais facilidade em lidar com Ricardo e entender os termos do contrato assinado.
Já avisado por Solie do que poderia acontecer, Ricardo foi cordial ao telefone e sem muitas explicações passou o contato de Carlos, seu amigo e advogado.
Na mesma semana, Lissa se reuniu com Carlos e ficou ciente de tudo o que havia sido acordado. Pôde respirar com mais tranquilidade, após conhecer todas as cláusulas e ter a certeza que seu amigo não tinha assinado um contrato cheio de letras miúdas que o prejudicasse.
Agora vinha a parte mais difícil: descobrir o que estava acontecendo com Solie.
Há meses, seu amigo sempre alegre e sorridente, tinha se tornado soturno e inacessível, e de repente, veio com essa história absurda. Agora, ela, Morgan e Alisson estavam preocupados que algo ruim estivesse acontecendo.
– Faz duas semanas que se mudou?
– Sim… – respondeu mexendo no café gelado sem muito ânimo.
– E o que tem feito?
– … – Solie não sabia como responder – Nada realmente, só me ambientando com a casa e esperando Ricardo chegar para conhecê-lo melhor.
– Hummmm… Então, quais seus planos agora?
– Ahn? Como assim? – com olhos vazios, Solie pela primeira vez levantou a cabeça olhando para Lissa com uma expressão questionadora.
– Sol, você não tem planos futuros? – ao observar aqueles olhos vazios e sem esperança, Lissa sentiu um aperto no peito ao constatar pela primeira vez, que seu amigo estava nitidamente perdido.
– Planos futuros? Que tipo de plano futuro eu poderia fazer agora?
– Sol… Por favor, me diga o que está acontecendo ou o que você está sentindo… – usando uma voz suave e tentando ser o máximo compreensiva e acolhedora possível, Lissa estava controladamente seguindo as instruções de Morgan, para não criar mais questionamentos ou fazer Solie se sentir inadequado. Caso contrário, poderia afastá-lo novamente.
– Não sei. Me sinto vazio. Sem ânsias ou expectativas. Meu único objetivo é que o dia passe para encontrar Ricardo e desenvolver alguma intimidade.
– Você passa o dia esperando? – Lissa estava assustada com aquela situação.
– Sim… – respondeu Solie envergonhado. Nem ele se reconhecia.
– E como Ricardo te trata?
– Bem. Mas é rápido. Ele chega, me cumprimenta, pergunta se estou bem, como foi o dia e se recolhe para o quarto.
– Ahhh, entendi – “Esse filho da puta! Isso é quebra de contrato, já que ele não está se esforçando para cumprir a parte dele na interação pessoal!!!”, gritou internamente já irritada, porém, mantendo a calma externa – Sol, o que acha de mudar a dinâmica para ter mais resultados?
– Mudar o quê?
– Tudo!
– …
– Veja só… Você teve essa sorte única de receber uma proposta vantajosa de um cara muito rico por um tempo determinado, certo? – “Não acredito que estou falando isso!”, buscando uma forma sutil de persuadir Solie, Lissa estava admitindo verdades, que nem ela gostaria de afirmar.
– Hum..
– Então, ao invés de ficar à espera de uma interação com Ricardo, o que acha de criarmos um plano de ação, para que ao final desse contrato, você esteja completamente estabilizado em todos os aspectos?
– Mas durante esses três meses, o objetivo é desenvolvermos um certo nível de intimidade para saber se vamos conseguir administrar os três anos de casamento. Como vou fazer planos, se nem sei se vamos passar dessa fase?
– Sol, vamos pensar juntos alguns pontos. Primeiro, interação é um esforço de ambas as partes, mas pelo que está me falando, só você está se esforçando.
Lissa procurava palavra por palavra em seu vocabulário, para que as questões fossem as mais claras possíveis ao entendimento Solie.
– Mesmo eu não sendo uma expert em relacionamentos como o Morgan, até eu sei que vocês precisam sentar e conversar sobre isso para alinhar essa dinâmica. Logo, minha pergunta é: você se sente capaz de levar esse questionamento até ele?
– …- refletindo sobre as palavras de Lissa, foi difícil para Solie visualizar de que forma levaria tal questionamento àquele Alpha que julgava poderoso. Se sentia fraco, pequeno e impotente – Não sei… – respondeu timidamente.
– Sol… Sol, olhe para mim – respirou fundo e com delicadeza, Lissa alcançou o queixo de seu amigo, levantando seu olhar para que pudesse olhá-lo profundamente.
“Ah desculpe Morgan! Sei que prometi tentar ser a mais delicada possível e blábláblá, mas cheguei ao limite da minha tolerância ao gastar todo meu estoque de docilidade! Não aguento mais vê-lo como um rato acuado num canto escuro!”, depois tomar decisão de mudança de atitude, Lissa sutilmente direcionou seus feromônios a Solie como um estimulante natural, para fazê-lo sair do torpor no qual estava submerso.
– Sol, não sei o que aconteceu para você se refugiar nesse lugar triste, mas eu realmente, realmente sinto falta do meu amigo alegre, corajoso e destemido.
– … – com olhos lacrimejantes, Solie sentiu um leve tremor interno devido ao estímulo dos feromônios que tinham o doce objetivo de trazê-lo à tona.
– Sabe, na faculdade, tinha esse ômega pequeno e atrevido que me tirava do sério todos os dias porque não tinha medo de me desafiar, logo eu, uma alpha de primeira linha!!! Me pergunto onde ele foi parar? – com isso aumentou a emissão de feromônios, estimulando a circulação e os hormônios de Solie, o agitando inernamente – Esse ômega atrevido, já teria me mandado recolher os feromônios me chamando alpha desprezível, entre outros palavrões nada bonitos.
– Ah ah ah – Solie estava ofegante e tremendo, mas não excitado, era um tipo diferente de estímulo exercido por Lissa. Era uma forma de “sacode” emocional por meio de feromônios – Já entendi Lissa, pode recolher.
– Tem certeza? Eu acho que ainda não, hein…. Hum, devo ir mais um pouco mais fundo para fazê-lo sair desse lugar de merda onde se enfiou? – falou afiando os olhos enquanto buscava uma atitude mais reativa de Solie.
– Chega Lissa! – murmurou entre os dentes, a encarando desafiadoramente, demonstrando sua indignação.
Todo deserto e vazio tinham se esvaindo de seu olhar. Seu corpo, antes pesado e entorpecido, agora estava vibrando e em alerta.
– Toc toc, quem está aí? – brincou Lissa, batendo no ombro de Solie.
– Fala sério! Não acredito que jogou seus feromônios em mim!
– Ah! O que a gente não faz para trazer um amigo de volta à realidade, né? – falou sorrindo e piscando.
Sim, seu pequeno choque de feromônios tinha surtido efeito e uma ponta do Solie que conhecia estava de volta.
MENSAGEM AO GRUPO:
Lissa: Intervenção bem sucedida! 💪🏽🎉
Alisson: 👊🏼🎉
Morgan: 🙏🏼❤️
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Ah! Também quero um grupo amigos assim!!!! 🙋🏽♀️😍🤗
Por um Solie empoderado! 👊🏽
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