Falhas Eternas - [Capítulo 45]. A escuridão tem mil maneiras de me envolver (III)
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- [Capítulo 45]. A escuridão tem mil maneiras de me envolver (III)
Chen Dewei ainda limpava o sangue no canto da boca, numa insistência magnânima em descer. Veja bem, mesmo uma pílula de cura, estava sendo inútil. A sua frente, Shen Zhengyi passou-lhe um lenço.
Os três homens se instalaram numa pousada na Cidade Rong, o segundo distrito da região com a maior população. A diária na pousada luxuosa, custava vinte ouros por pessoa. Tudo isso incluía conforto, luxo e serviços excelentes, o preço valia pelo serviço.
Cai Xing, como o mais pobre sentado à mesa, estava sentindo-se desconfortável com o preço disso. Mas, tudo pelo gege… Se Zhengyi queria, ele não questionaria.
— Ei rapaz, traga o que tiver de mais forte de suas bebidas. — Cai Xing gritou. — Vocês me acompanham?
— Eu agradeço. — Dewei recusou.
— Shizun? — Cai Xing, embora não parecesse, tinha decoro. Em público, para disfarce ele deveria chama-lo assim.
— Tudo bem. — Shen Zhengyi aceitou, talvez fosse o que mais precisasse. Desenterrar o passado que ele desejava esquecer não era bom.
— Jovem Mestre, isso não é adequado. — Chen Dewei falou e seguidamente, caiu na mira de Cai Xing. Se um olhar matasse, provavelmente o homem louro, não restaria cinzas para serem guardadas.
— Wei Ge, já lhe disse inúmeras vez, não sou mais seu jovem mestre. — Respondeu rispidamente. — Isso está se tornando cansativo…
— Oh, é isso mesmo ‘Wei Ge’… — Cai Xing sorriu, sua cabeça ligeiramente inclinada, encostada na mão e o cotovelo na mesa. — Deveria respeitar os desejos do Jovem Mestre. — A outra mão, usava o indicador para fazer movimentos circulares na mesa. — Então… o Jovem Mestre tem algo a dizer?
— Wei Ge já contou uma parte da história. — Shen Zhengyi iniciou. — Obrigado. — Agradeceu o garçom que trazia as bebidas. — Faz alguns anos que estamos investigando o território do Culto. Quando o encontrei na vila Long estava retornando de lá… — Desviou um pouco do assunto e pausou para se servir. — Achamos que Chen Jinhai estava tentando entrar em contato com o submundo a fim de trazê-lo à superfície.
— Isso é impossível. — Cai Xing retrucou.
De certa forma, Cai Xing estava certo. Em teoria, mais fácil encontrar um unicórnio colorido de três chifres a trazer o submundo ao mundo humano.
Embora, aqueles que são determinados, conseguem até mesmo modificar a roda da reencarnação. Todos eles estavam cientes desse fato e era por isso que suas costas se arrepiavam quando seus pensamentos guiavam a esta direção.
— Não, não é impossível. — Cai Xing se desmentiu e riu com raiva. — Devia ter refinados os ossos dele junto com o do velho! — Virou de uma vez o copo de álcool na boca.
Havia alguns arrependimentos ocasionais.
— Para alguém que interferiu no curso natural, não é difícil… — Chen Dewei completou.
— O que disse?
— Não é certeza Dewei. Acreditamos que foi Chen Jinhai a me trazer a vida. — Zhengyi falou. — Se não fosse por Dewei me salvar, — Ele torceu a boca. — Não sei o que poderia ter acontecido.
Cai Xing estacionou o olhar no louro, outro copo já estava na boca.
Chen Dewei sempre foi assim. Todas as vezes que o nome de seu gege estava na conversa, havia uma admiração sem precedentes por ele. Como se ele fosse um tipo de deus ou algo assim.
Então, descobrindo que ele, na verdade, era como um servo de Shen Zhengyi Cai Xing sorriu internamente e comemorou tanto que faltou pouco para explodir de tamanha felicidade.
— Quanto a você… — O par de olhos azuis encarou Cai Xing, havia muitos sentimentos cobertos pela indiferença e calma que podiam ser vistos pelo outro, mas sem uma autorização, nunca poderiam ser tocados. — Desde que encontrei ‘Luo Hang’, sabia que não era o garoto.
— Oh!… — Cai Xing encontrou o par de olhos azuis. Seu coração bateu mais forte e, sutilmente, cruzou as pernas por debaixo da mesa. — Achei que fosse uma pessoa menos dócil, sua língua estupidamente coberta pelo mel quase me convenceu.
Os dedos de Cai Xing continuaram a contornar a borda do copo.
— É divertido mentir?
— Mentir nunca será uma forma de diversão. — Respondeu rapidamente, com uma nuance de desespero e logo, outro copo esvaziou por completo.
Depois de um sorriso perverso, o mais novo baixou a cabeça.
“Seria bom um cachimbo de ópio[1] agora…”
“No passado, o quanto poderia ter sido uma mentira?”
De repente, um som estrondoso ecoou. Um grasnado horrível e desafinado cobriu tudo abaixo dos céus.
O refeitório da pousada tornou-se caótico. A estutura da construção se abalou fazendo as pessoas correrem para fora.
Elas gritaram, mas o desespero foi coberto pela voz daquele presságio de caos. Era tão alto e grotesco que incomodava até mesmo os mestres mais poderosos e aqueles com audição mais sensíveis, tornaram-se mais miseráveis
Chen Dewei criou uma matriz de emergência ao redor da mesa em que estavam para amenizar o impacto. Era como se um mestre superior eclodisse sua raiva diante do mundo.
Cai Xing abraçou a pessoa ao seu lado sem perceber.
Houve um toque suave na cintura de Shen Zhengyi e ele pareceu surpreso por essa atitude. Ele então olhou para o outro e notou que a borda dos olhos dele estavam avermelhadas. O grão mestre percebeu que não o conhecia perfeitamente. No passado, nunca viu Cai Xing chorar e nesta vida, era tão emotivo que parecia desconhecer aquela pessoa do passado.
Cai Xing tinha mais dor em seu coração do que pensava.
Nesse momento de contemplação, ele reagiu ao abraço de Cai Xing, também o cobrindo pelos lados. Seu coração doía por ele.
— Não olhe para mim dessa forma, se for me afastar. — Cai Xing sussurrou para que ninguém ouvisse.
A estalagem estremeceu e ameaçou a cair no meio da confusão. Neste momento pequenas estrelas vermelhas flutuaram acima das pessoas, o ar tornou-se ligeiramente borrado e um sentimento ruim se abateu sobre Zhengyi e ele se virou para Chen Dewei.
Por leitura labial, o louro entendeu a mensagem que deveria ser passada por seu mestre.
— Um Avatar do Inferno.
Chen Dewei imediatamente quebrou a matriz, uma formação simples não iria fazer efeito. Uma sacola espacial foi jogada em sua frente. No instante em que a tocou ele percebeu que tudo dentro eram pílulas alquímicas de alto nível e já selecionou aquelas que o ajudariam.
Sem demora, ele fez um selo com as mãos e um círculo mágico cresceu ao redor da pousada, uma matriz de proteção. Uma vez que lançada, ela consumia energia do céu e da terra para se manter e não havia relação com o lançador. Ou seja, mesmo que ela fosse quebrada, não traria danos ao mestre. Para reforço, Chen Dewei cuspiu um gu amaldiçoado no centro da matriz.
Até aquele momento, as outras pessoas não estavam entendendo o que aquela pessoa bonita e assustadora estava fazendo, mas quando o viram tirar um gu de seu corpo todas se afastaram como se tivessem visto um demônio.
Mestres Gu eram ainda considerados piores que demônios. Mas, ele não se importou com a reação de outras pessoas e continuou com aquilo que deveria ser feito.
Chen Dewei vomitou mais sangue. Seus meridianos ligados à garganta estavam severamente danificados, então ele os acertou e os bloqueou por algum tempo.
Seguido daquele grasnado animal, uma enorme fonte de luz irradiou por todo lado. Foram apenas alguns segundos, mas cegou a todos e de repente, junto com essa luz, todo o som desapareceu.
Finalmente tudo retornou à normalidade, entretanto, lá fora, o dia tornou-se noite e a luz tornaram-se as trevas.
Foi como se tudo não passasse de uma ilusão.
Shen Zhengyi afastou Cai Xing e foi até o lado de fora. O ar estava pesado e úmido, ventos gélidos passavam por entre as casas. A atmosfera era sombria.
— O que foi isso? — Cai Xing perguntou ao cambalear para fora, o álcool começando a fazer efeito.
— Um avatar do inferno.
Cai Xing estreitou os olhos tentando focar, mas por algum motivo, havia três Shen Zhengyi na sua frente.
— Isso é mal… — Sua cabeça girou e ele se jogou em Shen Zhengyi, desmaiado.
— Sua tolerância a álcool piorou? — Dewei perguntou, zombando dele. — Quatro copos antes, era como água para ele…
— Vou levá-lo para o quarto.
— Deixe que eu o ajudo, jovem mestre. — O louro deu um passo para frente, a fim de pegar o bêbado, mas um par de mãos o interrompeu, assim como um olhar sinistro e perigoso vindo daquele homem bonito. — Tudo bem… — Ele se rendeu.
Mestre Shen o pegou no colo e Cai Xing se ajeitou como um coala no mais velho. E murmurava algumas coisas estranhas e indecifráveis, além de conteúdo erótico barato, o que fez o outro revirar os olhos inúmeras vezes antes de chegar no quarto.
Assim que Mestre Shen fechou as portas, o coala em seu corpo saltou rapidamente para a cama.
— Ele acreditou? — O preguiçoso na cama perguntou.
— Sim. — Mestre Shen atravessou o quarto até a janela, fechou-a junto das cortinas e sentou-se ao pé da cama.
— Se eu conheço bem aquele cara, ele se deixou ser aprisionado. — Soltou o grampo de cabelo e o guardou. — Havia algo sendo investigado nas masmorras do culto?
— Não sei dizer exatamente. — Franziu a testa, pensativo. — Desde que entrei em reclusão, não tivemos mais contato e, antes disso, foram seis ciclos lunares. Mas…
Cai Xing esperou por uma resposta.
— Wei Ge estava investigando a família imperial da última vez que nos falamos.
— Isso é ótimo. — Cruzou as pernas. — Sou um filho muito filial… será que devo prestar respeito aos meus ancestrais?
— Proíbo-o de fazê-lo. — Sua expressão dura, não dava margem para negociações. — Sou seu mestre, eu o proíbo. — Falou pausadamente.
Notando que havia algo a mais, Cai Xing sentou-se à cama e escorou a cabeça no ombro do outro.
— Sabe que odeio mentiras, então diga-me a verdade. — Sua voz sussurrante chegando aos ouvidos de Shen Zhengyi, deixaram-no como uma estátua. — Vou puni-lo se mentir…
— Como dito mais cedo, Shixiong Luo está colaborando com o Culto e não apenas ele, exceto por Luo Cao, não é certo confiar em ninguém.
— Luo Cao? Aquele que se torna um imbecil perto de você, certo? — Cai Xing pouco se lembrava desse irmão mais velho. Exceto por aquela ocasião na Seita Flor de Sangue, Luo Hang também não era próximo desse irmão. — Gege… uma vez ele me repreendeu e eu fiquei excitado. Pode ser considerado incesto?
Shen Zhengyi virou o rosto, ficando muito próximo do outro.
— Concentre-se. — Repreendeu e virou o rosto, encarando suas próprias mãos.
— Certo. Um motivo, apenas um motivo para que eu não vá. — Com um olhar questionador, Cai Xing o afrontou.
— Toda aquela confusão, a expulsão de Luo e a morte de Li Jie. Foi em parte, minha culpa, mas provavelmente foram ordens de alguém dentro da família imperial. Até mesmo o renascimento…
— Provavelmente? — O mais novo, começou a passar a mão pelos cabelos do outro com delicadeza.
— Provavelmente. — Ele deu uma risada amarga. — Isso está mais claro agora que descobri sobre você. Querem usá-lo para algo.
— Não deixarei isso acontecer, apenas gege pode usar meu corpo.
Mestre Shen suspirou.
— Este corpo, assim como a pessoa dentro dela, tem assuntos a tratar com a família Luo. Eu serei cuidadoso… — Ele largou os cabelos e segurou a cintura do outro, por trás, colocando o ouvido nas costas de Zhengyi. — Quanto ao avatar… bem, até um palito de incenso atrás, era uma lenda, mas apenas um dos cinco reis antigos poderia matá-lo.
— Existe alguém… — Fez uma breve pausa. — Eventualmente tudo será revelado.
Cai Xing riu.
O cômodo ficou em silêncio. O refeitório da taverna lá embaixo atraía a atenção de ambos, colocando-os pensando em muitas situações, mas também em absolutamente nada.
Era também muito constrangedor ficar no escuro, abraçados e sedentos um pelo outro sem poder fazer nada.
— É a primeira vez que conversamos normalmente. Sempre estávamos brigando, discutindo e fugindo… — Mestre Shen quebrou o silêncio. — Isso, agora… é muito bom.
— Sem amarras… gosto muito disso.
Shen Zhengyi sentiu algo molhar suas costas e sorriu.
Foi essa pessoa a quem desejou conhecer no passado. Seu verdadeiro Cai Xing. E ele chorou também, felicidade e tristeza reunidos.
— Gege, seu coração está batendo tão forte. — Cai Xing sussurrou, a voz reprimida.
— Sim, eu sei. — Não consigo controlar isso.
— O meu também está, mas é a primeira vez que sinto calma. Cheng Xing não consegue me abalar como antes. Segui em frente, sei que fiz muitas coisas erradas no passado, estou bem com isso. Vou pagá-las no futuro, então queria me concentrar no presente. Até tentei tirá-lo de mim, mas não parece ser possível… É patético, eu sou patético.
— Você não é patético. Se fosse considerar alguém assim… — Essa pessoa seria eu.
— Então estou implorando para que não se afaste de mim.
O mais velho ficou em silêncio por algum tempo antes de lhe dar uma resposta adequada.
— Não vou. Então, não vá para longe também.
Mestre Shen olhou para trás, Cai Xing já havia dormido. Provavelmente não escutou as últimas palavras, era melhor assim, se arrependeu uma vez que as disse em voz alta.
Ele o ajudou a deitar-se e cobriu seu corpo com um cobertor macio. Protegeu o quarto dele antes de sair com alguns arranjos mágicos e barreiras e verificou mais uma vez.
Era realmente ele.
Cai Xing.
Naquela época que reencontrou Luo Hang não sabia como, mas sabia que não era a mesma pessoa. Com o tempo, ele percebeu que havia comportamentos muito diferentes daquele jovem cultivador imprudente.
Mas foi durante sua meditação, que se lembrou foi uma única frase. Por que ele não havia se lembrado antes?
Quando correu até o Vale da Fantasia, ele riu e chorou sozinho. Pediu aos céus que não fosse uma esperança falsa e perdida, mas quando viu Cai Xing com as mãos em Cheng Xing teve certeza. Aquela espada desgraçada só aceitaria Cai Xing ou algum descendente dele, era a maldição que a espada tinha além de corromper a alma. E, Cai Xing não teve descendentes. Só restava o óbvio.
Era realmente ele.
Assim que passou pela porta, alguém o esperava no final do corredor. Era ‘Chen Dewei’.
— Conversaram bastante. — Seu tom era ríspido.
— Não se intrometa, Wei Ge! Sei que deseja o melhor para mim, mas não preciso de todo esse cuidado… — Zhengyi estava exausto. — Quando se trata de Cai Xing e eu, porque me colocar contra ele?
— Não é…
— Suas justificativas são cada vez piores! — Respondeu irritado. — Parece outra pessoa quando fala assim… — Ele caminhou até o seu quarto. — Deveria ir descansar.
‘Chen Dewei’ o encarou.
— Desculpe.
Não houve uma segunda resposta e a porta do quarto foi fechada, restando apenas uma alma na escuridão com uma expressão transbordando raiva.
***
Notas da Autora: Curiosos sobre a frase? Quem sabe um dia poderá ser revelado…
Glossário
[1] Ópio: A papoula do ópio é a planta da qual o ópio é extraído, uma das drogas mais potentes, viciantes e difundidas de todo o planeta.
Publicado por:
- yuweihua
-
Às vezes, me perco em minha própria loucura e quando vejo estou escrevendo.
Espero que se divirtam lendo minhas histórias, assim como me divirto aos escrevê-las ^^
você vai me achar no link abaixo:
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minhas outras postagens:
#Comédia2023.05.25In Black and White
Música2023.02.10REBORN AS A ROCK STAR
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