Falhas Eternas - [Capítulo 44]. A escuridão tem mil maneiras de envolver (II)

AVISO DE GATILHO, LEIAM O CAPÍTULO COM CUIDADO!

[passado]

Shen Zhengyi sentiu-se doente. Aquela máscara era como o combustível para queimar sua razão e sua mente se aqueceu em fúria.

— Cai Xing, solte-me. — A beleza fria pareceu tão furiosa.

Nas suas mãos, a espada foi segurada com mais destreza.

A energia em torno de Zhengyi chamou atenção de todos na arena. Era tão poderosa que até mesmo Yan Yin, estranhou tal poder. Ele pensou conhecer todas as nuances de seu discípulo mais talentoso, mas parecia que ele tinha mais camadas do que o esperado. Uma pessoa muito ardilosa!

Shen Zhengyi se lembrava vivamente.

Havia se passado tantos anos e ele não podia esquecer, daquelas pessoas. E, com o passar dos anos, ele encontrou uma a uma. Assassino por assassino. Estuprador por estuprador. De como cada um deles usou o corpo dela para seu prazer, mesmo depois da morte.

Shen Zhengyi cresceu num templo budista, mas sua mãe era uma cortesã famosa nas planícies centrais, ou melhor dizendo, uma prostituta que se humilhava para sobreviver em prol de alimentar seu filho. Ela vivia uma vida de servidão e era tão submissa quanto um escravo sem nome. O nome de Shen Li era conhecido até pela corte imperial.

Mãe e filho não viviam juntos, porém. Durante o dia, Zhengyi passava seu tempo num templo budista e aprendia os sânscritos e canções. À tarde, Shen Li o visitava. E todas as vezes, a mulher tinha um hematoma novo e olhos profundos, como se nunca soubesse o que era descansar ou dormir.

Mas, Shen Li sempre mantinha um sorriso no rosto quando encontrava o filho. Ela trazia um pacote de doce de cenoura, o preferido de seu filho e brinquedos que deixavam o Xiao Yi, como ela o chamava, tão feliz que se tornou a única prioridade daquela mulher.

Ela também estava frequentemente, agradecendo aquele daozhang velho e simpático do templo e chorando em sua frente. Ela pedia para ser perdoada e pedia aos deuses para lhe darem força. Mas, Shen Li sabia que não demoraria para cair.

Embora o pequeno Shen Zhengyi não demonstrasse, ele entendia o que se passava ao seu redor. Para deixar a mãe mais tranquila, ele fingia não saber. E admirava a mãe por conseguir viver tão torto. Entendia que quanto mais tempo a mãe continuasse naquele lugar, mais triste ela ficaria. Uma vez, ele disse ao daozhang o que pensava:

— Tio Daozhang, eu quero crescer rápido para poder salvar a mamãe. Mas, não conta para ela. Mamãe vai ficar triste.

Dessa frase até o momento da queda de Shen Li não foram dois dias completos.

Isso aconteceu quando Zhengyi completou nove anos de idade. Shen Li decidiu fugir da casa dos prazeres ao qual trabalhava. Não, ela precisava sair daquele lugar pois não só ela, Xiao Yi ficaria em perigo.

No meio da noite, Shen Li chegou ao templo budista com um grande saco nas costas e um pacote de doces de cenoura.

— Xiao Yi, está na hora de ir embora. Mamãe conseguiu sair do trabalho. — Embora Shen Li chorasse, não era possível ver através da escuridão.

— É verdade mamãe? — O pequeno Shen Zhengyi se alegrou. Esperava por isso, há muito tempo! — Podemos ir embora?

Shen Li colocou o garoto sentado na cama de pedra e se ajoelhou, ajudando o garoto a calçar as botas.

— Xiao Yi está feliz?

— Sim mamãe. Xiao Yi está feliz. — Ele balançou a cabeça sorridente e os pés acompanharam ritmicamente. Ele olhou para a mãe, na escuridão, com um olhar brilhante.

— Se Xiao Yi está feliz, mamãe está feliz também. — A mulher abraçou seu filho e sentiu sua energia se recuperar. — Segure-se firme, Xiao Yi.

Num instante, Shen Zhengyi sentiu a brisa bater em seu rosto. Eles estavam saltando entre as árvores. Em vez de ficar assustado, o garotinho estava feliz pela mamãe ser uma imortal. Se ela fosse uma imortal, a mulher não era tão frágil.

De repente, uma flecha atravessou a escuridão e passou muito próximo à orelha de Shen Li. Porém, em vez de diminuir a velocidade, ela, gradualmente, acelerou a corrida ao máximo.

Shen Li era uma mulher habilidosa e por quase dois palitos de incenso ela conseguiu manter distância dos inimigos. Infelizmente era apenas uma e carregava uma criança em seus braços. Hora ou outra, seria pega por eles. Mas, ao contrário do que aqueles perseguidores esperavam, Shen Li, ao se deparar com a abertura da floresta próxima a um rio, ela parou.

Logo em seguida, mãe e filho foram cercados.

— Shen Li, entregue-se! Do contrário, não podemos garantir que continuará viva! — Um homem mascarado se revelou das sombras, a máscara dividida entre o choro e o riso amedrontaram Zhengyi. — Sua criança não tem culpa da mãe ser uma vadia! — Ele zombou e todos os seus companheiros riram da piada.

Shen Li, ignorando todos ao seu redor, se agachou na frente do filho e sussurrou algumas palavras:

— Quando a mamãe der o sinal, Xiao Yi deve fugir. Mamãe vai distrair esses bandidos maus.

— Mas, mamã…

— Promete para a mamãe, Xiao Yi. Mamãe vai encontrá-lo mais tarde. Prometa, meu pequeno. — Sua voz era vacilante, ela tentava esconder o desespero de nunca mais poder ver o filho. — Não se preocupe com a mamãe, ela é muito poderosa. Seja um bom menino, Zhengyi.

— Tudo bem mamãe. Promete que vai me achar! — Os olhos brilhantes que imploravam a mãe puderam refletir o reflexo de uma mulher em seus últimos momentos de vida.

A inocência do filho quase fez Shen Li recuar e se entregar.

— Eu amo você, filho. — Ela beijou o topo da cabeça da criança e recebeu um sorriso tão puro, que recarregou suas forças.

“Meu menino se parece tanto com ele…”

Shen Li colocou o filho no chão e tirou o grande objeto de suas costas. Era uma linda cítara num tom tão azul quanto os olhos do filho. As flores de pessegueiro entalhadas no corpo do instrumento traziam um charme de requinte e suavidade, mas as longas cordas eram tão escuras quanto os rostos daqueles assassinos.

A cítara celestial. Uma das armas mais poderosas entre todas existentes. Diz-se que a cítara celestial foi usada pelo penúltimo Imperador de Jade depois da ascensão à divindade e quando sua existência se esvaiu, retornou à família Shen com todos os tipos de técnicas secretas.

Desde então, sua existência tem sido um segredo passado na família por gerações.

Mas, a notícia que a cítara havia aparecido novamente caiu nos ouvidos de Sua Majestade Imperial e, por sua ganância, ele ordenou que era de suma importância recuperar tal arma.

— Entregue a Cítara Celestial.

— Por que eu deveria?

Sem esperar mais, um grande poder irrompeu de seu pequeno corpo frágil.

Shen Li se sentou numa pedra à margem do rio e começou a tocar. Notas poderosas eclodiram instantaneamente. Os mais fracos se ajoelharam diante da melodia.

— Vamos ver por quanto tempo essa vadia irá aguentar. — O líder dos assassinos gritou. — Ataquem-na!

Dezenas de assassinos atacaram. A pequena clareira manchou-se pela escuridão e gritos.

Mas, o que esperava eles era uma barreira incrivelmente poderosa. Ela era cristalina, como a água que corria pelo riacho. Era o único brilho que chamava atenção de todos. Porém, tudo o que encostava nela, era ricocheteado com força máxima.

Shen Zhengyi olhava tudo admirado. Ele nunca esperou a mãe ser tão poderosa e tudo era bonito. Sua mãe parecia bonita e feroz enquanto se defendia daqueles homens.

Seus dedos corriam pelas cordas da cítara como se estivessem tocando a superfície da água. Seus olhos que eram totalmente escuros estavam fechados. Shen Li pareceu fazer uma apresentação de cítara, encantando o coração daqueles homens e controlando-os como cadáveres sombrios.

Um por um, eles pararam de atacar. Até mesmo o líder entre eles, estava atordoado por um momento.

— Zhengyi. — A mulher tirou um colar do pescoço e passou em volta da criança e lhe entregou um papel. — Corra sem hesitar. Quando estiver seguro, rasgue esse talismã. Você vai ser levado para um lugar seguro.

— Mamãe…

— Seja um bom menino, mamãe vai encontrá-lo.

Shen Zhengyi deu um abraço apertado na mãe e a obedeceu.

A intenção assassina que ele sentia daquelas pessoas o marcou por muito tempo. Todas elas o hostilizavam como se tivessem matado alguém. Seus grandes olhos azuis começaram a perder o brilho e ele começou a chorar.

O que ele e a mamãe tinham feito?

Aos poucos, a criança foi perdendo a força nas pernas. O choro e tudo o que ele sentia, de repente tomaram a dianteira em seu pequeno corpo e ele desabou.

Shen Zhengyi chorou até não conseguir escutar a própria voz e pegou o talismã em mãos, encarando-o. Não podia deixar a mãe para trás. Ela ficaria sozinha, ficaria triste.

Ele limpou as lágrimas do rosto e voltou. Tropeçando e correndo em meio aos arbustos espinhosos e cheios de perigo, marchou de onde nunca deveria ter saído.

E então ele escutou risadas. Risadas que perambulavam seus pesadelos por décadas.

— A vadia aguentou bem!

— Saia, é minha vez!

— Não se apresse, afinal ela já não pode resistir! — Aquela voz, aquela zombaria era aquele homem com a máscara horrível.

O pequeno Shen se aproximou cautelosamente e mexeu num arbusto. Se ele soubesse, ele preferia ter ficado na ignorância.

Havia muitos corpos mutilados, sangue pintava árvores, grama e as roupas daquelas pessoas. Os que haviam sobrevivido tinham retirado suas máscaras, suas calças estavam abaixadas e riam enquanto se revezavam dentro do corpo de uma mulher.

A mulher, já sem vida, manteve os olhos abertos mesmo após a morte, como se nunca descansasse.

Shen Zhengyi não conseguiu se mexer ou desviar seus olhos daquela cena nojenta. Ele não sentiu nojo ou repulsa, pelo contrário, algo pareceu quebrar dentro de si e ele se permitiu olhar cada um daqueles rostos friamente, sem emoção. E contou cada um deles, vinte e três deles.

Ele precisava crescer rápido.

Demorou muito para aqueles homens terminarem sua orgia. Zhengyi ainda esperou por uma noite inteira antes que eles partissem.

Ao meio dia, quando sentiu ser seguro se aproximar, foi até o corpo da mãe. Ela havia sido chutada à margem do riacho. Metade do seu corpo estava no rio, o rosto desfigurado e o maxilar deslocado. Toda sua parte inferior estava cheia de sangue. Os olhos ainda abertos, pareciam encarar o filho acima dela.

Ele se ajoelhou e chorou.

Ele não sabia quanto tempo se passou, mas foram seis dias completos até ele ser resgatado por um homem. Esse homem, que mais tarde, tornou-se o mestre que chegou a chamar de pai.

Infelizmente, esse pai também o traiu.

De qualquer forma, nenhum deles escapou de suas mãos. Cada um deles morreu por sua espada, mais cedo ou mais tarde.

— Se não me soltar, cairá primeiro do que aquele homem. — Zhengyi rosnou para Cai Xing.

— Não. — Retrucou. — Você vai ter um desvio de qi se continuar. —O aperto no braço daquela beleza tornou-se mais poderoso. Cai Xing reconheceria que era mais fraco que a outra pessoa, mas não o deixaria destruir a si mesmo por causa de um homem, a beleza deveria matá-lo antes que isso acontecesse. — Acalme-se primeiro, sua vingança não o irá satisfazê-lo se entrar numa luta sem nenhuma razão.

Ambos ficaram se encarando por muito tempo e Shen Zhengyi acabou por ceder.

— Apenas solte-me. Não irei fazer nada imprudente. — Ele baixou sua voz, assim como recuou a aura assassina.

Ainda que seu corpo tremesse por inteiro, Zhengyi manteve-se sob controle.

As pessoas haviam se afastado, com medo do que poderia acontecer. Zhengyi olhou em volta e murmurou alguns xingamentos que deixaram todos boquiabertos. A postura do Jovem Mestre de Jiu TianShan quebrou tudo o que conheciam sobre aquela pessoa.

A beleza fria parecia um demônio prestes a se destrancar de sua jaula.

Cai Xing olhou em volta, seu olhar com extrema crueldade.

— Hipócritas! — Cai Xing xingou.

“Não era vocês que lutavam por ele há pouco tempo?”

Qi Seyoung que observava aquela cena, o coração tomado pelo ciúme e pelo ódio.

— Cai Xing! — Com uma pressão direcionada para o discípulo, Mestre Qi tinha os olhos injetados de sangue, fazendo perder toda a beleza das íris roxas.

— Líder, não é o momento! — Liang Mei cerrou os dentes. — Podemos nos beneficiar com isso. — Inventou uma desculpa qualquer. — Podemos resolver isso mais tarde. Vamos nos manter neutros por enquanto. — Ela suspirou. — Dewei você tamb… Onde ele..!

Qi Seyoung sinalizou para o centro da arena.

Chen Dewei, Cai Xing e Shen Zhengyi eram os únicos no meio da arena, destacando-se atrás de Yan Yin e outros anciãos.

A pessoa da máscara encarou a criança raivosa e teve um insight.

— Oh, então você sobreviveu criança. — Ele sorriu por debaixo da máscara. — Faz quantos anos? — Riu. — Você quer vingança por aquela puta barata?

— Não fale assim da minha mãe, seu desgraçado! Alguém como você não deveria nem ter o direito de viver. — Shen Zhengyi replicou.

— Então parece que hoje tenho mais compromissos do que o esperado. — Os olhos debaixo daquela máscara estava vermelho sangue. — Venham todos.

Ninguém soube exatamente ao certo o que dizer sobre aquela conferência de artes marciais.

Muitos tiveram pesadelos daquela noite, outros relatam que foi o vislumbre de um massacre, mas havia algo em comum em todos os relatos, ou melhor, um título.

Hei Lian.

Um discípulo que havia liberado toda sua fúria. Ele teve presença em cada morte, sua espada percorreu todo o campo de batalha por dias seguidos, incansavelmente. Diz-se que aquele inimigo que usava máscara foi torturado e exposto ao público.

Quando a batalha terminou, havia poucos sobreviventes. A lista de mortos era muito grande.

Liang Mei, do Culto Demoníaco, morreu a fim de proteger seu discípulo.

Yan Yin, foi morto pelas mãos de seu próprio discípulo, após descobrir que, naquela época, sua mãe havia morrido sob as ordens dele, que na época, estava no palácio imperial. Também foi exposto seu caso com seus discípulos.

Chen Dewei foi dado como desaparecido.

Vários anciãos estavam feridos quase fatalmente.

Todos os discípulos estavam feridos.

Huo LiangYi demonstrou poder excepcional e tornou-se amplamente conhecido como um Grão Mestre. As chamas em seu controle, deram-lhe o título de Fênix Dourada.

Qi Seyoung havia fugido para quem sabe onde.

Cai Xing se feriu tentando manter Shen Zhengyi sob controle.

E, por fim, aquele que tomou o título de Lótus Negra. Shen Zhengyi estava coberto de sangue. O líquido escarlate escorria pelo seu rosto e estava sem fôlego, mas a expressão em seu rosto, era indiferente.

Para os outros, ele não sentia nada. Contudo, Shen Zhengyi estava tão cansado e vazio por dentro. E sentiu um alívio tão grande quando aquilo acabou. Shen Zhengyi estava sozinho, parado, confirmando que tudo havia acabado.

“Cansativo…”

Seus olhos se fecharam gradualmente. Finalmente o corpo havia desabado.

Shen Zhengyi, no entanto, nunca caiu no chão. Havia alguém para segurá-lo antes da queda. Ele só nunca soube disso.