Entre Espadas - Capítulo 19
Depois dos eventos que ocorreram dentro da paisagem onírica criada pelo terceiro general, o jovem Ryo permaneceu em seu sono durante uma semana completa. Durante este meio tempo, o rapaz esteve sobre a vigilância constante de Masaru e Gonkuro. Por mais que os dois não aparentassem estar em bons termos no momento, eles trabalhavam estranhamente bem.
“O menino parece estar bem fisicamente, minha senhora.” Gonkuro falava enquanto colocava um pano molhado sobre a testa do garoto ainda adormecido no sofá.
“Ele estar bem fisicamente não interfere se ele irá continuar dormindo ou acordará. Sua mente está vazia após ter suas lembranças aprisionadas. Posso supor que ele ainda se mantém adormecido, pois não há uma motivação para despertar.” Ele concluiu enquanto se levantava e olhava mais uma vez para o garoto adormecido.
“Talvez ele acorde se tiver novas memórias implantadas em sua mente, memórias falsas, uma nova vida com novas lembranças… Se eu souber me aproveitar bem disso, posso até mesmo trazê-lo para nós sem sequer precisarmos convencê-lo disso. Isto seria de seu agrado?” O homem perguntava de maneira despreocupada e até mesmo relaxado; seus olhos pareciam somente duas orbes verdes vazias. Mesmo assim, ele ainda continuava estranhamente prestativo.
“De fato, seria. No entanto, me preocupo se simplesmente criar uma vida falsa para este garoto não seria uma medida extrema e arriscada demais. Afinal, nada poderia garantir que não haveria inconsistências.” A mulher dizia enquanto finalmente se afastava de sua varanda e se dirigia para ficar ao lado de Gonkuro
“Desde quando nos importamos com medidas extremas? Afinal, essa parece ser uma de suas especialidades como Xogum…” Ele dizia em um tom frio, sem ao menos se preocupar em olhar na direção de Masaru.
Masaru, por sua vez, havia ficado levemente incomodada com o comentário feito por Gonkuro, mas sabia que este não seria o momento ideal para começarem a discutir. Isso a fez apenas respirar fundo e responder de maneira direta: “Certo, então faremos isso. Apenas me diga como pretende fazê-lo se juntar a nós com memórias falsas?”
“Vou recriar todas as memórias dele como uma pessoa próxima a você e a mim, como se o mesmo fosse seu discípulo de maneira não oficial desde pequeno. Isso ocorrerá fora do conhecimento público do povo e dos outros generais. Agora que ele já é um adulto, você o convocou de volta. Quando, por fim, ele acordar, você deve realmente fazer deste garoto seu primeiro discípulo, minha senhora.” Explicava o general, mantendo o olhar direcionado ao jovem adormecido.
“Realmente é um bom plano, mas ainda há um porém em tudo isso”, apontou Masaru após Gonkuro terminar sua fala.
“E o que seria exatamente ?”
“Criar lembranças falsas é realmente uma boa ideia, mas devemos levar em conta que se somente ele possuir tais lembranças e decidir falar sobre elas conosco, correremos o risco de gerar inconsistências na maneira como ele se lembra.” Masaru explicou calmamente para o terceiro general.
Gonkuro, por sua vez, não parecia surpreso ao ouvir o que sua irmã falava e prontamente se apressou em respondê-la: “Realmente, isso é algo a se considerar, mas acredito já saber como lidar com esta complicação. Gostaria que eu explicasse a você, minha senhora?”
“Não será necessário. Você pretende colocar tais memórias não somente no garoto, mas em nós dois também, estou certa, Gonkuro?”
“Como sempre, está coberta de razão. Então me diga, Masaru, tem alguma objeção com esta condição? Espero que saiba que isto se estende não só a nós dois, mas também ao Seiryuu. Irá consultá-lo ou tomará sua decisão sem pensar nas consequências que poderá trazer para aqueles próximos novamente, minha irmã?” Masaru pôde claramente sentir a alfinetada por parte de seu irmão e somente suspirou em resposta.
“Irei falar com ele. Caso ele aprove, resolveremos como essas memórias serão distribuídas nesta semana e realizaremos o procedimento na próxima segunda. Além disso, Gonkuro, você deve fazer o mesmo. Fale com Uroborosu, a entidade à qual o garoto é pactuado. Ele é uma peça-chave para que isto funcione.” A mulher respondeu enquanto se virava para sair de seu quarto, pegando Seiryuu ainda como uma Kamayari que estava encostado ao lado da porta.
“Farei isso. Onde o guardou exatamente?” O homem perguntou à irmã que estava prestes a sair.
“Não o guardei. Ele ainda está na cintura do garoto, Gonkuro… Me estranha que não tenha percebido, sendo que cuidou dele durante esses dias.” Respondeu Masaru enquanto finalmente deixava o quarto.
Quando finalmente foi deixado sozinho no quarto com Ryo ainda desacordado e ouvindo a porta se fechar, Gonkuro, que antes mantinha uma postura dura e séria durante toda a conversa com Masaru, se viu com a visão embaçada e se sentou ao chão, colocando a mão sobre sua própria testa. “Tsk… é mais difícil do que pensei sustentar um corpo feito de energia espiritual do que imaginei… Se continuar assim… tenho medo de adoecer…”
Após permanecer sentado por alguns minutos até que sua visão finalmente voltasse ao normal, Gonkuro conseguiu se levantar. “Certo… preciso falar com Uroborosu. Assim poderei voltar a cuidar de Kishin… talvez devesse contatar a segunda general sobre a situação dele…”
[…]
Exatamente uma semana depois.
Gonkuro estava sentado em uma cadeira na frente de Ryo, com olheiras sob seus olhos. Ele estava claramente tendo problemas para conseguir dormir atualmente, o que era incomum para ele, já que muitas vezes passava até mesmo dias dormindo. Masaru, que estava sentada em uma poltrona ao seu lado, notou rapidamente o cansaço de seu irmão.
“Gonkuro, você está bem? Está parecendo fragilizado”, perguntou Masaru com preocupação em seu rosto.
“O que você acha, Masaru? É óbvio que estou fragilizado. Meu discípulo está morto. Não faça perguntas das quais já sabe a resposta”, respondeu ele com certa irritação em sua voz, enquanto se levantava e caminhava até o sofá onde Ryo continuava adormecido. Gonkuro se sentou no chão em frente ao rosto de Ryo.
“Eu apen—”
“Por favor, deixe suas explicações para quando eu estiver com cabeça para ouvi-las, irmã. Agora vamos fazer logo isto, já que todas as partes envolvidas concordaram. Saiba que após isso, essas memórias falsas serão reais para todos nós, inclusive os sentimentos que as envolvem.” O homem falava enquanto direcionava sua mão à testa de Ryo, e a mesma névoa dourada começava a sair de suas mãos até inundar o quarto, envolvendo todos ali.
Em algum momento, todos no quarto adormeceram em questão de segundos, e a névoa anteriormente dourada começava a ondular em diferentes cores: vermelho, azul, branco, dourado e, por fim, lilás. Cada uma das cores representava o verdadeiro eu de cada ser adormecido dentro daquela névoa, e cada vez mais essas cores se misturavam entre si, como uma pintura de aquarela que se desfaz sobre a chuva.
Aos poucos, as cores antes sem forma começavam a moldar uma nova imagem, como leves pinceladas de um pincel, até por fim formarem uma bela flor de lótus que se desfez em segundos. As cores, então, voltaram a cada um daqueles que adormeceram, e em questão de minutos, eles começaram a acordar.
Gonkuro foi o primeiro a acordar, como de costume nos últimos dias. Ele não conseguia permanecer muito tempo dormindo e estava ligeiramente cansado de toda ação tomada no momento. Aos poucos, ele se levantou, apoiando-se no sofá, e olhou ao redor, vendo Ryo e Masaru ainda adormecidos. Ficou ligeiramente confuso: “Por que estou aqui? Preciso voltar para meu quarto… Kishin ainda não está totalmente curado.”
Quando Gonkuro saiu desajeitadamente do quarto de Masaru e fechou a porta, quase como se tivesse sido acordado pelo barulho, Ryo finalmente abriu os olhos. Ainda confuso, ele se sentou no sofá onde havia dormido por tantos dias.
Ao perceber que estava no quarto de sua sensei e que ela estava adormecida no sofá à sua frente, Ryo se levantou e foi até Masaru, tocando seu ombro: “Sensei, a senhora está dormindo sentada. Não seria melhor ir para a cama? Acho que dormimos durante alguma reunião…”
Ao escutar Ryo chamá-la, Masaru acordou lentamente e bocejou. Ela realmente estava cansada, por mais que não soubesse o motivo. Estranhamente, não conseguia se lembrar sequer de ter ido para seu quarto. Enquanto despertava, olhou para Ryo com um sorriso gentil no rosto: “Não se preocupe, Ryo. A mestra só deve ter adormecido por cansaço em lidar com a papelada, como sempre. Além disso, não posso simplesmente ir dormir agora. O dia mal começou, e terei uma reunião importante.”
“Uma reunião importante? Algum dos treze chegará à capital hoje?” O jovem perguntou enquanto ficava ao lado de sua sensei, que se levantou rapidamente do sofá onde estava, pegou Seiryuu e saiu do quarto.
“Não, um youkai poderoso e influente busca uma reunião comigo. Acredito que seja para um acerto de contas ou algo assim…” Ela explicava enquanto andava pelos corredores do quarto em direção às escadas.
“Acerto de contas? Por que acerto de contas?”
“Bem, eu tomei as terras que pertenciam ao pai dele para o império e o matei. Claro, tive um bom motivo. O pai dele era um lorde youkai presunçoso que se considerava superior aos humanos e youkais da região, privando-os de muitas coisas. Tentei resolver de maneira pacífica primeiro.” Ela continuava a explicar enquanto descia as escadas.
“Mas acredito que não tenha adiantado, não é, sensei?”
“Exatamente. Quando fui confrontá-lo para tentarmos chegar a um acordo, ele achou que poderia me matar por ser uma humana. No entanto, para a infelicidade dele, assim que veio para cima de mim, arranquei sua cabeça com a lâmina de Seiryuu.” Masaru terminou de explicar quando desceu as escadas para o primeiro andar.
“Bem, então a senhora estava certa em matá-lo. Mas, sensei, se está indo para uma reunião, por que estamos indo para o primeiro andar? A Sala de Reuniões do castelo imperial não fica no último andar?” O garoto perguntou, com sua confusão estampada no rosto.
“Isso é verdade, de fato. Viemos aqui por outro motivo. Irei vestir minha armadura e, após isso, iremos para lá.” Ela continuou a dizer enquanto seguia até uma porta ao lado das escadas e parou em frente a ela. “Certo, me espere aqui.” Somente então, ela adentrou a sala e a fechou.
“Certifique-se de que ninguém entre.”
“Certo.”
“Além disso, sobre o que estava falando antes, sobre algum dos treze vir para a capital, isso de fato acontecerá. Daqui a três meses, a sétima e o oitavo virão para a capital juntamente com seus discípulos.” A mulher falava em voz alta, enquanto Ryo ouvia ao lado de fora o som do metal em movimento.
“Dois dos treze virão? Ao todo, contando com Gonkuro-sama e o primeiro general, teremos quatro dos treze na capital… É por alguma razão importante, sensei?” O jovem perguntava, enquanto tentava prender seu cabelo em um coque e fracassava miseravelmente.
“Claro que sim, já se esqueceu? Daqui a três meses, pretendo anunciá-lo como meu primeiro discípulo, caso isso seja de seu agrado, claro. Além disso, quero que faça amigos. Por isso, pedi para que trouxessem seus discípulos. Afinal, há muitos jovens da sua idade no castelo.” Masaru continuava a dizer quando o som de metal caindo ao chão soou em um pequeno estrondo, chamando a atenção de algumas das empregadas que passavam pelo local com cestos de roupas de cama e outros tecidos.
“Claro que é algo do meu agrado, sensei. Mas, se me permite perguntar, está tudo bem aí dentro? Houve o som de algo caindo…” O garoto perguntou com certa preocupação estampada em sua voz.
Assim que terminou de falar, em questão de míseros segundos, Masaru estava enfim saindo daquela sala. No entanto, agora não com seus clássicos quimonos, que Ryo se lembrava de estar acostumado a vê-la usando, mas sim com uma imponente armadura samurai vermelha.
“Claro que estou bem, Ryo. Venha, vamos para a reunião, e se prepare, Toyosaki. O senhor Hokori pode ser um pouco difícil de lidar.”
“É por isso que está vestida como se fosse para a guerra?” O jovem perguntou, enquanto se prontificava a seguir sua mestra até o terceiro andar do castelo imperial.
“Ryo, preste atenção no que vou dizer. Em uma reunião com mortais, o único perigo que poderíamos correr é a falta de argumentos a se apresentar à outra parte. No entanto, em uma reunião com youkai poderoso e hostil, sempre há o risco de um confronto.” A Xogum explicava ao seu discípulo com calma em sua voz, enquanto continuava a subir a extensa escadaria.
“Além disso, por que está vestido como uma sacerdotisa? Aproveite que estarei em reunião e, em vez de me acompanhar, peça ao Gonkuro para ajudá-lo a arrumar novas roupas…” O comentário de Masaru fez Ryo parar de andar, e ele então perguntou:
“O que há de errado com isso?”
“Meu caro discípulo, por favor, não se ofenda com o que direi. Mas, se não o conhecesse e não ouvisse sua voz ou estivesse a uma distância considerável e te visse vestido assim… pensaria se tratar de uma mulher.” Masaru disse com um pequeno sorriso em seu rosto, como se estivesse prestes a rir, principalmente quando notou que o jovem havia claramente se incomodado com o comentário.
“Mas olhe, quando começarmos seu treinamento físico, isso já não será mais um problema. Você ganhará mais massa muscular e, por mais que tenha um corpo esguio e magro, com um pouco mais de massa física, essas confusões não irão mais acontecer.” Ela ria enquanto falava e somente acariciou a cabeça do jovem, que estava dois degraus abaixo de onde estava. “Agora vá até o Gon. Lembre-se de verificar se ele está comendo. Sinto que ele não está dormindo bem devido… bem, você sabe.”
“Certo… irei fazer o que deseja, sensei. Nos vemos após a reunião, então.” Ryo enfim se despediu de Masaru, retornando ao segundo andar em direção ao quarto de Gonkuro.
[…]
Após isso, em frente ao salão de reuniões do castelo imperial.
Enfim, lá estava Masaru, parada na frente do grande portão que dava entrada à sala de reuniões do grande castelo imperial, onde muitas vezes já havia recebido diversos humanos de clãs influentes, tanto na capital quanto em vários outros distritos. No entanto, desta vez era diferente das outras, onde as reuniões se resolviam de maneira amistosa, sem que nenhuma das partes partisse com intenções maliciosas ou que houvesse a chance de que o que deveria ser apenas um acerto diplomático se tornasse um banho de sangue.
Desta vez era diferente. Afinal, o ser com quem iria se reunir não era um humano, muito menos um youkai pacífico, do qual ela pudesse acreditar que não faria mal às pessoas que residem neste castelo ou a qualquer outro morador de Iwasakiyama. Por isso, mais do que nunca, ela manteria sua postura firme como a líder militar que realmente é. Assim, após respirar por alguns poucos segundos, ela finalmente olhou para os dois guardas à porta e deu-lhes a ordem.
“Abram a porta.” E assim se fez. Assim que ouviram o comando de sua xogum, os dois guardas que guardavam a entrada daquele salão abriram a grande porta de madeira, possibilitando a visibilidade da pessoa que ali dentro estava aguardando.
Quando as portas se abriram, Masaru teve uma visão um tanto quanto interessante. Em frente às portas estava um pássaro, mas não qualquer tipo de pássaro: um pardal vestindo trajes de uma espécie de sacerdote, que por algum motivo a olhava da cabeça aos pés, como se estivesse prestes a repreendê-la.
E quase como se tivesse adivinhado o que a pequena ave faria, o pardal começou a repreendê-la assim que a grande porta de madeira se abriu. “Como uma figura tão importante como a Xogum de um império ousa deixar um ilustre convidado como meu mestre aguardando por tanto tempo?!” A ave gritava, soltando elogios ao seu tão falado mestre.
Masaru, por sua vez, olhava para o pássaro com um sorriso no rosto, como se o achasse engraçado por ter a coragem de falar de tal forma com ela. “Um ilustre convidado? Ah, certo, peço perdão pelo meu atraso, mas aconselho que ensine seu servo a se comportar, Hokori Byakuya-sama”, disse Masaru em resposta ao que o pardal estava falando, enquanto direcionava seu olhar para a cadeira do outro lado da grande mesa de pedra.
Lá estava Hokori Byakuya, o grande youkai cachorro Okuri-Oni, filho do antigo senhor youkai das terras que agora se localizam no segundo distrito. Um homem de longos e lisos cabelos presos, com duas grandes orelhas peludas no alto de sua cabeça, pele pálida como a de alguém que nunca se mostrara ao sol, olhos vermelhos como o mais polido dos rubis e orelhas pontiagudas. Vestia um quimono branco, com entalhes de nuvens douradas nas mangas e ombreiras de uma armadura samurai nos ombros. O mesmo se repetia em seu abdômen, onde havia apenas parte de uma armadura preta, como se não precisasse de nada mais que isso. Ao notar o olhar de Masaru, olhou com desprezo para seu servo e, por fim, o comandou.
“Mayuzu, cale-se e sente-se, antes que eu decida cortar sua cabeça…” Ao ouvir o comando de seu mestre, Mayuzu, o pardal, tremeu da ponta de suas patas até a última pena de sua cabeça e correu para trás de onde Byakuya estava sentado.
Vendo, por fim, o pardal sair de sua frente, Masaru caminhou até a mesa e se sentou frente a frente com Byakuya, olhando-o com certa nostalgia. “Você cresceu muito, Hokori. Fico feliz que velhas mágoas não lhe impediram de vir ao meu encontro. Se me lembro bem, da última vez que o vi, você era apenas um filhote.”
Ouvindo a maneira como Masaru falava, Byakuya não pôde deixar de sentir que a mulher estava o provocando, o que fez alguns dos nervos de suas mãos saltarem. No entanto, ele manteve a compostura e a respondeu: “De fato, senhora, da última vez que nós vimos eu era um jovem filhote, como disse, e você tinha um cheiro mais humano… Agora devo dizer que seu cheiro está bem melhor.”
“Oh, você reparou? Então é verdade que cães de rua possuem um olfato elevado. Mas me diga, Hokori, por que solicitou me ver? Pelo que me lembro, sua família prefere distância dos humanos.” Enquanto o respondia, Masaru sabia onde atacar com suas palavras, de maneira que pudesse irritá-lo e, ao mesmo tempo, descobrir suas intenções.
“Tsk, por favor, não finja não ter ao menos uma ideia do porquê estou aqui e me poupe de ter que explicar à senhora o que ambos sabemos.” O jovem youkai respondeu de maneira calma, mas ao mesmo tempo desinteressada.
Ao ver o garoto falando de tal forma, Masaru não pôde deixar de soltar uma pequena risada abafada. Era impressionante para ela como os jovens não temem a morte, mesmo diante de alguém claramente superior. “Certo, se assim deseja, me diga, Byakuya, você está aqui para me pedir que lhe devolva as terras que agora são o segundo distrito?”
“Para uma humana, você com certeza entende rápido as coisas, Masaru-sama. De fato, é por este motivo que venho aqui.” O youkai respondeu com a voz coberta de desdém.
“Byakuya, nunca te ensinaram que, quando pretende pedir um favor a alguém, principalmente a alguém superior, você deveria demonstrar respeito? Seu pai não lhe ensinou tal coisa quando estava vivo, ex-príncipe das montanhas, ou você preferiria o título de príncipe de lugar nenhum?” O tom de Masaru ficou mais sério naquele ponto; ela não poderia tolerar a insolência de um jovem inconsequente e presunçoso.
Ouvindo ser tão desrespeitado por Masaru, o garoto se conteve, apertando os punhos até que suas grandes unhas perfurassem a pele. Por mais revoltante que fosse ouvir tais coisas, ele sabia que ela estava certa. “Perdoe-me pelo meu linguajar, Furukawa-sama. Admito ter falado de maneira inadequada, então peço que, por favor, não me dê tais títulos. Só venho aqui para lhe pedir o que é meu por nascença.”
“Seu por nascença? Desculpe, mas o que quer já não pertence mais à sua família há um século. De norte a sul, de leste a oeste, as terras desta nação me pertencem, e eu escolhi a dedo a quem confiá-las. Então, me dê um motivo melhor do que nascença para sequer considerar lhe entregar um dos meus maiores distritos tão facilmente.” Masaru disse de maneira calma, mantendo sua postura a todo momento, olhando-o no fundo dos olhos.
“Um motivo melhor? Que motivo poderia ser melhor que este? Estas terras estiveram sob o comando de meu pai há séculos, até a senhora tomá-las, matar meu pai e infestar nossa preciosa casa com humanos.” Aquele ponto nem mesmo o próprio Byakuya acreditava ter chance de conseguir um acordo, mas ele sabia que deveria manter a calma.
“Certamente aquelas terras estiveram há séculos com sua família, mas em todos esses séculos, a guerra por aquisição de territórios nunca cessou, matando humanos e youkais sem ao menos uma distinção entre as raças. Então, me diga um bom motivo para tirar um dos meus melhores generais de seu distrito, que está em paz, e dá-lo para alguém tão presunçoso.”
À medida que falava, Masaru pôde sentir o ar dentro daquela sala se alterar. Aquilo… aquele jovem estava mesmo tentando intimidá-la com sua presença? Ela se perguntou enquanto olhava para o garoto que cerrava os dentes para ela, como se tentasse controlar seu ego que havia sido ferido pela Xogum.
“Byakuya, preste atenção, pois direi apenas uma vez: nunca tente impor sua presença contra alguém claramente superior.” Assim que Masaru terminou sua fala, o ar da sala pareceu mudar em questão de segundos, tornando-se praticamente rarefeito.
Juntamente com a mudança do ar, uma onda fria tomou a sala, fazendo o jovem youkai sentado do outro lado da mesa tremer da ponta dos pés até a ponta das orelhas. Quase por instinto, ele abaixou a cabeça, mas ainda podia sentir a mulher o olhando à sua frente.
“Parece que você entendeu agora o que eu quis dizer.” Masaru disse após se levantar de sua cadeira e então caminhou até Byakuya, colocando a mão em sua cabeça ainda abaixada.
“Faremos um acordo, criança. Lhe darei um século para derrotar cada um dos meus generais até o segundo.” À medida que Masaru falava, o ar da sala parecia voltar ao normal, permitindo que Byakuya respirasse normalmente. “Se conseguir, lhe permitirei ser o guardião daquele distrito. Além disso, devolverei pessoalmente seus títulos nobres.”
“M-Mas e se eu falhar?” disse o jovem, com certa dificuldade na voz devido à falta de ar.
“Se falhar, deverá renunciar a essa sua busca por poder e se tornar meu subordinado.” Após ouvir tal sugestão, Byakuya não pôde evitar olhar em direção ao Xogum, confuso, e perguntar-lhe sua dúvida.
“Por que não me matar? Não teme que eu possa me tornar um problema ou até mesmo traí-la?” O rosto de Byakuya, por mais que tentasse voltar a parecer sério, emanava a sensação de dúvida que possuía.
“Bem, eu poderia fazer tal coisa, claro. Mas o último desejo de seu pai, antes de matá-lo, foi que eu não machucasse seu filho. Pretendo cumprir sua vontade, por mais contraditório que pareça.” Tais palavras pareceram mexer com Byakuya. Masaru pôde ver sua pupila dilatar e, com isso, a mulher tirou a mão de sua cabeça e se dirigiu à porta.
E antes que saísse, ela olhou mais uma vez para ele. “Sabe, vim aqui hoje preparada para contê-lo, se necessário, mas vejo que sabe se controlar. Então, peço que mantenha tal controle enquanto estiver na capital. Até mais, Hokori Byakuya.”
Por fim, Masaru saiu de sua sala de reuniões, fechando a porta atrás de si e deixando apenas o jovem youkai sozinho na sala, juntamente com seu servo, que continuava em silêncio atrás de seu mestre. Este mantinha uma expressão séria no rosto, mas seus olhos pareciam afundados em lembranças.
“Hokori-dono… Jovem Príncipe… o senhor está bem? Devemos ir embora?” O pardal perguntava, tocando a manga do quimono de seu senhor.
“Sim, vamos embora, Mayuzu. Tenho uma missão a cumprir.” Ele então se levantou e saiu da sala, sendo seguido por Mayuzu, que corria atrás dele com suas pequenas patas.
[…]
Três semanas depois, nas planícies longe a capital.
Era por volta das sete da manhã daquele dia. A imagem era de um grande terreno de grama molhada pelo orvalho da manhã, sem nenhum sinal de civilização humana por quilômetros de terra. A única presença humana ali era a de Ryo e Masaru, que chegavam ao local após uma longa caminhada.
Ryo estava utilizando vestes azuladas com gravuras de um dragão oriental e tinha o cabelo preso em um coque, sustentado por dois palitos de cabelo. Ao seu lado, estava sua mestra, usando vestes que seguiam o mesmo padrão de seu discípulo, com o cabelo preso em um rabo de cavalo. Como de costume, Seiryuu estava sendo carregado em suas mãos.
Quando finalmente parou de andar, Masaru olhou em volta como se tentasse ter certeza de algo, o que chamou a atenção de Ryo, que olhou para sua mestra e, por fim, perguntou:
“Sensei, o que houve? A senhora nem ao menos me explicou por que tivemos de sair da capital tão cedo…” O garoto parecia realmente curioso sobre o motivo de ela ter tomado tal decisão.
Após ouvir a pergunta de Ryo e ter certeza de que estavam longe o bastante da cidade, a mulher finalmente pôs-se a respondê-lo: “Ah, é mesmo, eu não disse o porquê. Bem, saímos da cidade para podermos iniciar seu treinamento de uma maneira que seja segura para o povo e que me permita não precisar pegar tão leve com você.”
“Mas, sensei, eu já sou excelente na arte da espada e sou bom em diversas artes marciais, então não vejo por que precisamos… sabe, sair para treinar.” O jovem realmente parecia ter uma enorme confiança em suas habilidades, e sua mestre sorriu para ele em concordância.
“Está se esquecendo de algo, Ryo. Você até hoje não sabe utilizar sua própria energia espiritual, não sabe liberá-la. Além disso, sempre que empunha Uroborosu, você desmaia logo em seguida.” Masaru havia começado a listar nos dedos as falhas e o que Ryo ainda precisava aprender, o que o deixou levemente constrangido.
“Tá bom, tá bom… eu já entendi. Mas como a senhora pretende me ajudar a aprender a fazer essas coisas?” Ryo perguntou com certa curiosidade, misturada com sua vergonha por não saber coisas consideradas básicas, como controlar a própria energia espiritual.
“Bem, Seiryuu me ensinou como se faz, então pretendo lhe ensinar da mesma maneira que ele me ensinou. Este primeiro treino durará pelos próximos dois meses, e voltaremos à capital um dia antes da chegada do sexto e do sétimo general.” Explicava a mestra a seu discípulo.
“Sensei, apenas me tire uma dúvida, por favor. Do que se constitui esse treinamento? É físico? Mental? Eu posso utilizar o Uroborosu?” O garoto fazia perguntas de forma quase ininterrupta, o que quase deixou Masaru confusa.
“Ryo, acalme-se. Eu vou explicar.” Masaru disse, rindo, e colocando sua mão livre no ombro do garoto, que se calou rapidamente.
“Certo, deixe-me explicar. Seu treinamento será tanto físico quanto mental. Neste primeiro mês, lhe darei uma tarefa básica para desenvolver enquanto treinamos seu físico. Iremos lutar sem armas por enquanto e, enquanto lutamos, quero que pense na sua energia como algo maleável, que possa moldar da forma que melhor lhe beneficiaria em um combate. Depois, deve fazer do que moldou algo real. Este será o seu primeiro mês de treino.” A mulher explicou com calma para o jovem, que se manteve em silêncio enquanto a ouvia.
“Hmmm, certo, então vamos fazer isso no primeiro mês… Mas, sensei, quando eu conseguir fazer isso, o que faremos depois?” Ryo perguntou, confuso.
“Bem, no segundo mês, vou ensiná-lo a lutar utilizando Uroborosu sem desmaiar.” Masaru riu após respondê-lo e, enfim, virou-se de costas para ele e se afastou, deixando Seiryuu fincado no chão.
“Certo, prepare-se, Ryo. Vamos começar!”
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