Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 5
Naquela noite Riki se escondeu sozinho em um bar nos arredores para realmente beber. Não era um lugar que ele costumava frequentar, mas ele fora ali apenas para ficar bêbado. Ali, ninguém sabia o nome dele. Era como sentar-se no fundo do escuro oceano, em cima de uma aconchegante fonte termal.
Ele estava sentado no bar, bem atrás. Na taverna subterrânea, a única outra iluminação vinha do brilho azulado que saía do copo em sua mão. A luz fraca parecia traçar uma linha entre ele e as vozes guturais e sedutoras e as vaias e zombarias que borbulhavam das mesas de sinuca.
Ele rapidamente esvaziou cada um dos copos servidos, mas não sentia-se nem um pouco embriagado. A lembrança daquele encontro casual em Mistral Park ficou em sua cabeça como uma bala no cérebro: o olhar venenoso penetrando por entre a multidão, o semblante marcante e bem visível, a presença vividamente sentida.
E aquele sorriso frio que olhava através dele.
A imagem congelada daquele último momento foi suficiente para fazer seu sangue ferver, para fazer cada terminação nervosa formigar com um fogo eletrizante. No que diz respeito às coincidências, esse reencontro tinha sido muito real, muito abrupto. A náusea aumentou e seu batimento cardíaco disparou apenas com a mera lembrança.
Ainda assim, — por que — ele não conseguia esquecer nada. Nem as proporções perfeitas daquele homem incrivelmente belo, nem os olhos azuis cruéis escondidos atrás de lentes sombreadas. Como um talismã gravado em suas retinas, sozinhos os meros vestígios daquela imagem que roçava os limites de sua visão, poderiam acionar o interruptor, trazendo de volta à realidade aqueles três anos cheios de raiva e vergonha.
Sua voz retumbante e fria — uma voz cheia de confiança inabalável — estava inseparavelmente presa na câmara de eco de seus ouvidos.
Iason Mink. O nome na ponta de sua língua tinha gosto de uma dura e amarga pílula esmagada entre os dentes.
A fonte de toda aquela amargura ainda ocupava seus pensamentos. Daquele dia em diante, por mais que ele se afundasse na imundície das favelas, jamais conseguiria curar aquela ferida sozinho.
A formigante sede de sangue apareceu em suas sobrancelhas profundamente franzidas, no olhar furioso nos cantos de seus olhos, deixando clara sua natureza sobrenatural. O que estava voando sob o radar de sua consciência agora se tornava claro. O verdadeiro coração daquele estranho, tendo caído em um delírio denso, estagnado e febril, agora resplandecia de volta à vida.
— Eai, quem é o cara?
— Me pegou. Sou novo por aqui. — O burburinho percorreu o local de forma palpável.
— Nossa, o cara tá de mal humor.
— Sim. Por que não damos um jeito nessa sua cara?
— Ei, ei, antes de começar qualquer coisa, não é melhor mandarmos uma mensagem ao Jigg primeiro?
A agitação de interesse no bar era mais que apenas curiosidade, e de repente explodiu em uma fogueira quando um sujeito magricela com um corte de cabelo castanho escuro caminhou casualmente até Riki.
— Merda, esse é o Jango.
— Sim, você está certo. É o Jango.
— Você disse Jango?
— Veja por si mesmo. Jango, o próprio Ceifador de Deus.
— Sério?
Este era o cão selvagem que, segundo rumores, provocou o conflito atual entre Maddox e Jeeks, e sua aparição no bar lançou uma nova luz sobre tudo. Quanto a como um mero informante passou a ser chamado de “Ceifador de Deus”, ninguém realmente sabia os detalhes ou a verdade da situação. Apenas os tentáculos rodopiantes de boatos e insinuações.
— Este garoto está possuído.
— Um cara que tentou traí-lo acabou se dando muito mal. Você não vai querer saber.
— Dizem que se você o olhar nos olhos, seu sangue congela.
— Dizem que as gangues que entraram em seu caminho foram despedaçadas.
Os rumores levaram a boatos, e ficavam cada vez mais fantasiosos à medida que passava de boca em boca, despertando medo e repulsa que permaneciam a uma distância segura e baixa.
Indiferente como sempre às reações ao seu redor, Riki ergueu o copo vazio para o barman, que lhe entregou um novo sem objeção ou um pedido. Riki o encarou desconfiado.
— Seu amigo comprou um para você. — disse o barman, com um sorriso desdenhoso.
Pela primeira vez, Riki olhou para o homem que ocupava o assento ao lado dele e estalou a língua suavemente. Bebendo na mesa de um bar esquálido nas profundezas da cidade, uma pessoa que casualmente observasse, vendo todos os copos empilhados sem dúvida chegaria à mesma conclusão. Mas irritou Riki que um cara qualquer considerasse dar em cima dele em seu estado atual.
O corte de cabelo militar do homem era distinto e destacava seu perfil; como resultado, ele irradiava uma aura um tanto estranha. No entanto, não importa de quem fosse a perspectiva, ele não fazia o estilo de Riki. Longe disso. Olhando para o homem com os olhos voltados para cima, ele rosnou.
— Ei imbecil, se você está tentando me pegar, não vai rolar.
— Você acha que eu sou idiota o suficiente para tentar arrastá-lo para a minha cama só com algumas bebidas? — Ele riu de uma maneira estranhamente significativa. — Então, você sempre foi um cara durão assim?
O descaramento carnívoro em tal sorriso despertou momentaneamente em Riki uma curiosa sensação de déjà vu. Este cara, em algum lugar-
Aquele homem desconhecido percebeu seu olhar intenso e riu para si mesmo.
— É a terceira vez, e você ainda fala assim comigo?
A terceira vez — Mais sentimentos de déjà vu queimaram no cérebro de Riki.
— Desculpe por não ter batido em você com força suficiente da última vez para deixar uma impressão maior. — Riki olhou para ele.
— Robby, não é?
O homem, Robby, bebeu o conteúdo do copo que tinha na mão.
— Bem, pelo menos você se lembrou. Estou muito feliz. Mas seria melhor se você não precisasse de um teste pra se lembrar de mim. Cara, você mudou, não mudou?
Riki deu uma boa e longa olhada em Robby, tão longa que se tornou consciente do passar do tempo.
— Então, o que você tem comido para ficar tão grande?
O sarcasmo era inteiramente irrelevante. Não via Robby há quase oito anos, por isso não sobrara muito dos fragmentos de memórias deixados em sua mente. O que ele lembrava era da discórdia e antagonismo do orfanato Guardian.
“É engraçado, você não acha? Desde que você tenha o Guy, você não precisa de mais ninguém, certo?” Falou com um sorriso descuidado que desenhava seus lábios franzidos. “Eu perdi a coisa mais importante da minha vida. Você ser feliz é o que eu não posso perdoar. Então você irá perder alguma coisa também!”
Um grito lancinante. E depois…
“Você está bem com isso? Você está realmente bem com isso?”
Por fim, um vislumbre de sua verdadeira fúria.
Parecia um pecado que de todas as memórias do Guardian presas em sua cabeça, apenas as que envolviam Robby permaneceram. Na verdade, era como esperar pela Esperança no fundo da Caixa de Pandora, tudo o que ele podia fazer era morder o lábio e suportar.
— Parece que você está indo bem.
— Valeu. Já você não mudou nada.
Um sorriso torto de escárnio momentaneamente torceu os lábios de Riki.
— O que isso deveria significar? — ele cuspiu, as palavras amargas em sua boca.
O quanto ele havia mudado nos últimos anos? O suficiente para escaldar sua alma.
— Significa que você não mudou. — Robby disse simplesmente, antes de acrescentar rapidamente — No Guardian ou nas favelas, seja o Sr. Carisma ou um perdedor, você sempre foi um estranho.
Uma batida.
Parecia que estava sendo chutado em uma ferida antiga e latejante. Riki estreitou os olhos em fendas. Sem nenhum sinal de medo, Robby pressionava o ponto com um ar quase indiferente, aparentemente com a intenção de empurrar Riki pelo caminho errado.
— Eu entendo agora, o que Schell realmente quis dizer naquela época quando ele disse que você era o mais forte e o mais bonito. Você é uma aberração da natureza, cara.
— O que exatamente você quer dizer?
O sussurro baixo e áspero de Riki saiu afiado. Mesmo a estagnada neblina saturada de álcool e a fumaça de cigarro parecia recuar, se afastando dele.
— Talvez o que eu esteja dizendo é que você nunca descobriu por si mesmo o que o torna tão malditamente assustador. E é por isso que você sugou a vida de todos.
Um segundo depois Riki tinha jogado o conteúdo de seu copo na cara de Robby. Absorvidos na cena, um suspiro audível surgiu da boca dos espectadores. Aquele era o Ceifador de Deus, e aquele filho da puta maluco estava realmente procurando briga. Ele devia estar fora de si.
Riki colocou o dinheiro da conta na bancada e ficou de pé. Agindo como se nada tivesse acontecido, e sem o menor contratempo em sua voz, Robby cuspiu a bebida de sua boca e olhou para ele.
— Assim que você deixou o Guardian, Schell começou a regredir a um estado infantil. Depois disso, ele não durou meio ano. Foi como se, assim que vocês dois se separassem, algo encolhesse dentro dele e as luzes se apagassem. Foi assim que terminou para ele.
Se Riki não pretendia ficar ali para não ter mais lembranças de Robby, com certeza não estava interessado em lamber velhas feridas juntos. Mas Robby segurou o melhor para o final e apontou seu tiro direto para o coração.
— Além disso, há o Junker também. Ele desapareceu do Guardian assim como Haruka.
Os pés de Riki ficaram presos no chão.
— Junker…?
Os olhos de sua mente voltaram-se para o jovem rosto de Junker, agora pouco mais que uma sombra.
— Mas eu acho que não é um assunto que você estaria interessado…
Estas foram palavras que mergulharam a faca mais uma vez em seu peito. Seu coração doía de maneira que ele achava difícil de articular. Como se para tentar colocar Guardian e tudo o que o envolvia no passado, Riki deu as costas a Robby sem olhar para trás.
Robby observou Riki sair, sem se mover um centímetro. Sua rispidez até então fora, ao contrário das aparências, impregnada de melancolia. Mesmo depois de Riki ter desaparecido das bordas de sua visão, a conexão entre eles ainda perdurou por mais algum tempo.
— Cara, o que você está fazendo aí, tão melancólico? Esse não é o tipo de rosto que o Ceifador de Deus quer que seja visto em público.
A voz repentina trouxe Robby de volta aos seus sentidos. Ele não ouviu nenhuma tensão particular de sarcasmo na voz. Como uma luz que se acendeu nas profundezas oceânicas de seus olhos casualmente erguidos, ele reconheceu um jovem ruivo e a tensão escorregou de seus ombros.
— Não só você está atrasado para o nosso compromisso, — o garoto fez beicinho — Mas encontro você com seus olhos em cima de um cara qualquer. — Ele se sentou no banco, ainda quente do calor do corpo de Riki. — E no final, ele joga a cerveja dele na sua cara e te manda embora. Não é isso que eles chamam de ser humilhantemente rejeitado?
Limpando a bebida do rosto com a manga, Robby não se incomodou em perguntar se ele realmente queria saber, ou era apenas uma pergunta retórica.
— Então… Quem era ele? — O garoto chutou o banco de Robby em um súbito acesso de raiva. — Se você tem uma boa desculpa, vamos ouvir. Ou se você preferir, eu vou atrás do filho da puta e pergunto diretamente a ele.
— Cala a boca. Despertar o lado ruim daquele lá é o mesmo que pedir pra morrer.
— Huh. Então você está terminando comigo?
— Não. Só estou dizendo que ele é um cara muito perigoso, beleza.
— Quão perigoso? — ele insistiu, inclinando-se para frente.
Robby suspirou alto. Por que diabos ele estava tão apaixonado por aquele pirralho irritante que não se parecia em nada com Schell? Mas se ele tentasse se explicar, aquele garoto arrogante iria acabar com ele: “Que porra você está dizendo? Você acha que eu sou o único curioso pra saber como é ficar com o famoso Ceifador de Deus?”
— Ele era um colega quando estávamos juntos no Guardian. Não o vejo há muito tempo. — disse Robby num ar desinteressado, escolhendo cuidadosamente suas palavras.
Depois de oito anos, Riki realmente tinha sido a última pessoa na terra que ele esperava encontrar. No momento em que ele teve um vislumbre de Riki com os cantos dos olhos, seu sangue se agitou em suas veias e seu corpo inteiro começou a tremer. Seu coração e sua alma latejaram com uma terrível nostalgia. A sensação que ele teve ao inesperadamente ver Riki em um bar na periferia da cidade — o único lugar onde tal anomalia poderia escorregar entre as fendas — foi suficiente para fazer sua garganta queimar.
Movido por esses estranhos sentimentos de fome e sede, Robby não teve outra escolha senão aproximar-se de Riki. Mas enquanto conversavam, a febre o agarrava mais ferozmente, sacudindo seu corpo como a batida úmida de suas vísceras ou o tremor da hipotermia.
— Sim, mas qual é a sua desculpa?
Na verdade, esse incidente tinha sido o resultado do antagonismo que girava em torno de Riki no Guardian, e ele era a única testemunha ocular da verdade. Não, na época, a “verdade” estava entre a fronteira da realidade e fantasia, então o que exatamente ele havia visto? Robby ainda não sabia ao certo.
Só que a aura que envolveu Riki queimou todos os seus cinco sentidos. O medo e a admiração que escorriam dos poros de sua pele como suor frio havia queimado nas partes mais profundas de sua memória.
Schell, o motivo de seu coração continuar batendo, havia morrido. E até mesmo Junker, o instigador do incidente, em algum momento havia desaparecido do Guardian. Ainda assim, a sensação de disforia na boca do estômago tinha assombrado Robby durante todos esses oito anos, muitas vezes gritando de volta para ele em um pesadelo.
— Talvez ele tenha sido o primeiro com quem você transou?
— Eu não sou tão inrresponsável ou idiota.
— Não me diga! Então agora você está me dizendo que há um playboy lá fora que pode intimidar até mesmo o incrível Jango?
— Um playboy, huh? — Aquilo não estava necessariamente longe da verdade, e Robby respondeu com um meio-sorriso cínico. Se ele era o Ceifador e o inferno o seguia, então Riki era aquela rara besta vampírica que seduzia os homens e depois sugava suas almas. — Sim, talvez sim. Afinal de contas, ele era conhecido como Diamante.
— Diamante?
Robby gentilmente agarrou o jovem puxando levemente seu cabelo ruivo e sussurrou baixinho em seu ouvido.
— Esse cara era o Diamante das favelas. Riki da Bison.
Observando os olhos do garoto se arregalarem, Robby sufocou uma risada do fundo de seu peito.
Naquele dia, uma chuva estranha e fria nublou os céus desde o amanhecer. Como resultado, as ruas apodrecidas e cheias de lixo, os muros em ruínas da colônia e todos os outros lugares descansaram em paz e pareciam suspirar de alívio.
No entanto, as horas enferrujadas e corroídas se arrastavam na sombra da berrante noite de Midas, cobertas pelo véu escuro dos céus baixos. Gemendo profundamente para si mesmo enquanto arrastava seu corpo pesado, pela primeira vez em um tempo Riki fez seu caminho sozinho para o seu refúgio.
O rosto de Kirie não estava lá, assombrando cada passo seu. O fato de que aquele lugar em ruínas não estava à vista foi suficiente para drenar um pouco da tensão de seus ombros, mas ele ainda ficou com uma estranha sensação de mal-estar. Ele não pôde deixar de ficar impressionado com o fato de que a ausência de Kirie por si só sugaria tanta energia do lugar.
— Ei. — disse Guy, avistando Riki. Ele se levantou do sofá, passando um copo como se o convidasse a beber. — Mas inferno, cara. Onde diabos você esteve? Já estava pensando que você tinha achado uma cama diferente para dormir.
Riki saciou sua sede com um gole e ergueu os olhos. Guy encolheu os ombros.
— Sim, ele é um pirralho chorão, mas quando ele não está por perto, fica tudo muito quieto.
Riki apenas o encarou.
— Ele não tem sido muito sociável ultimamente.
— É melhor assim, não? — Riki disse sem rodeios. — Tenho certeza que um garoto como ele tem muitos amigos pra vadiar por aí.
— Ei, você sabe que isso não é verdade. — Guy respondeu. Seu tom de voz revelou um grau de preocupação e inquietude que era incapaz de aliviar. Ele olhou suavemente nos olhos de Riki.
— O quê?
— O que você quer dizer com “o quê”? — Guy perguntou, enrolando. Quando percebeu, porém, que não conseguiria tirar a expressão impassível do rosto de Riki, ele suspirou. — Bem, tanto faz, eu acho.
Ele esvaziou o copo com um ar de resignação. Independentemente de como Guy se sentia, Riki honestamente não se importava com onde Kirie estava, com quem ele estava ou o que estava fazendo.
Não tem nada a ver comigo.
Descartando o assunto, Riki também tentava esquecer aquela sensação vívida da existência de lason enrolada em suas entranhas. Tentando empurrá-la à força para as periferias de seu cérebro, ele mudou de assunto.
— Guy…
— Sim? — com o clima menos pesado entre os dois, Riki continuou em um tom de voz desinteressado.
— Encontrei com o Robby.
Os olhos de Guy se arregalaram e Riki lançou-lhe um olhar cético, brincando com o copo em uma mão enquanto falava sobre não reconhecer o rosto de Robby depois de oito anos. A morte de Schell e o mistério do desaparecimento de Junker.
Enquanto Riki falava, Guy apenas respondia com ocasionais “Huh” e “Sério?” e outros ruídos de conversação sem sentido. Quando Riki chegou ao final de sua narrativa, Guy o avisou em tom abafado.
— Riki, Robby é problema. Melhor não se envolver com ele.
Por mais que odiasse admitir, Riki tinha percebido que mais do que a aparência das favelas havia mudado naqueles três anos perdidos, e não seria fácil preencher as lacunas.
— Que tipo de “problema”?
— Ele é um cachorro louco. Um informante. Um verdadeiro rebelde que as pessoas chamam de Ceifador de Deus.
No entanto, a expressão no rosto de Guy sugeria um grau de antipatia pessoal que era menor do que a intensidade que suas palavras sugeriam. Quando Riki olhou de volta para ele, o sorriso cínico no semblante completamente mudado de Robby veio à mente.
— Isso foi pesado, cara.
— Ande com Robby e as pessoas vão tirar conclusões erradas sobre você.
— Ele tem alguma ligação com os Jeeks?
— Exatamente. — confirmou Guy, de uma maneira estranhamente assertiva. — Para cada um de nós possuídos pelos fantasmas da Bison, há aqueles que atiçam as chamas do lado de fora, e oportunistas esperando a chance de nos derrubar.
Riki — ou melhor, Guy e os outros — haviam levado os restos soprados da Bison e continuado a queimar de uma forma diferente, seu sentimentalismo e suas expectativas colocadas em espera por tempo indeterminado. Sem mencionar que a gangue Jeeks agora não escondia de ninguém seu desejo em exterminar a Bison.
Retornando ao seu antigo refúgio depois de três anos, Riki involuntariamente fez com que um monte de brasas brilhantes voltassem a ser uma chama crepitante.
Os rumores sombrios de que a ressurreição da Bison poderia estar próxima eram pouco mais que especulações cômicas para Guy e os outros, mas não podiam simplesmente ser deixados de lado.
— Sim, mas é tudo besteira, certo? — Riki murmurou baixinho.
Tudo o que Guy podia fazer era dar um sorriso irônico. Não muito tempo depois, sua preocupação mais urgente se tornou realidade de uma só vez: o prédio em ruínas que eles usavam como sede e refúgio foi explodido em pedaços em um único e furioso incêndio.
Num piscar de olhos, os rumores correram pelas favelas.
“Ei, parece que finalmente começou.”
“Parece que sim.”
“Você também ouviu falar?”
“Sim. A base de Herma ficou em pedacinhos.”
“Quem ataca primeiro tem a vantagem, hein?”
O burburinho de choque e espanto.
“Os Jeeks estão tomando medidas drásticas.”
“Aqueles bastardos não conhecem o medo.”
“Isso é óbvio. Mas só porque eles não têm ideia de quão incrível a Bison era em seu auge.”
E mais fervoroso do que a aclamação cegamente entusiástica, a desvantagem da oposição.
“Até Maddox está correndo com medo agora.”
“Você acha que os Jeeks passaram na frente deles?”
“Se alguém passou, deve ser os Jeeks.” Um toque de ansiedade brotando.
“Maddox e seus companheiros devem estar batendo os pés de frustração.”
“Isso é apenas uma simulação, você não acha? Dizem que eles estão esperando a Bison e a Jeeks se destruírem para começar a matança.”
“E ficarem com a melhor parte?”
“Mas isso não significa que eles já tenham isso em mãos.”
“Sim. Afinal, a Bison acabou quando estavam no topo.”
Enquanto isso, o intenso interesse em cada fragmento de informação não diminuía nem um pouco.
“É apenas uma questão de tempo até que a guerra estoure completamente.”
“Você realmente acha?”
“Pode apostar. Serem atacados assim em plena luz do dia e não fazerem nada? o nome “Bison” não vale mais merda nenhuma.”
Antecipavam a desgraça iminente.
“Você acha que o Riki vai fazer alguma coisa?”
“Não! O que aquele perdedor pode fazer?”
“Certo. Talvez o antigo Riki sim, mas o Riki atual voltou com alguma coisa faltando.”
Os espectadores dos acontecimentos reais se queixavam amargamente entre si.
“Aqueles idiotas que a Jeeks tem recrutado também não são os mais brilhantes. Quando se trata do Riki, é melhor deixar a besta adormecida mesmo.”
“Se desrespeitar o Diamante das favelas bem na cara dele, ele não vai simplesmente ficar em pé sem fazer nada vai?”
“Ele é tão ruim assim, esse Riki?”
“O que você acha? Estamos falando do Riki da Bison. Então, sim!”
Falavam merda com nada além de seus próprios egos para guiá-los.
“Sim, vai ser olho por olho.”
“Dente por dente.”
E assim o boato só cresceu.
— O que você quer fazer? — perguntou Sid. Ele parou na frente das ruínas de seu antigo refúgio e ergueu-se com toda a sua confiança, seu rosto mais feroz do que nunca.
— O que eu quero fazer? — Norris ecoou com um suspiro desdenhoso. — Nos esmagaram em plena luz do dia, o que diabos eu devo fazer sobre isso?
Não era aquilo que Sid queria dizer, mas Norris não sabia como lidar com a questão real da qual foram confrontados.
— Talvez isso finalmente seja suficiente para motivar alguém. — Luke disse, como se lesse os pensamentos dos outros. Ele deu uma tragada em seu cigarro e chutou os escombros a seus pés.
Riki lançou-lhe um olhar de soslaio, uma linha vertical enrugando suas sobrancelhas. Não tinha como saber com certeza, mas a verdade parecia bastante óbvia: “Bater nos Jeeks pode não ter sido a melhor das ideias. Eu com certeza tenho mostrado meu verdadeiro eu por um longo tempo agora.”
Ele não era culpado de tudo, mas certamente deu o ímpeto, lançou a faísca que acendeu a chama.
— De qualquer forma, podemos ficar na casa de Laura — sugeriu Guy, e ninguém o contradisse.
O vitimismo e uma fome não correspondida. Contando aquele breve período de loucura e fúria, quando governaram o topo das favelas, os membros da Bison tinham aprendido a estupidez inútil de constantemente mostrar suas presas. Mas simplesmente não havia comparação daquela época para agora.
Então, eles poderiam aplacar suas emoções de sangue quente e calcular quando e onde se estressar, aumentando a quantidade exata de tensão até o ponto de ruptura.
Então, o suspiro do carismático Riki era suficiente. Suas palavras os intoxicavam. Eles compartilhavam aquela emoção igualmente em cada momento de seu zelo ardente. A tremenda sensação de exuberância que vinha de estar perto dele era mais que suficiente.
Mas agora Riki não tinha nada a dizer. O poder de seu carisma havia se extinguido e esse Diamante debilitado já não tinha mais o poder de guiá-los.
Eles deviam ter chegado àquela conclusão há muito tempo, mas a mortificação de ver aquilo bem diante de seus olhos estava muito além da lógica e da razão.
A favela estava inquieta e agitada, como se estivesse na ponta dos pés, pronta para fugir ao menor aviso. Tremendo, fora de equilíbrio, olhando para os próprios pés incertos e verificando o rosto de cada estranho.
Entre tudo aquilo, um novo boato circulou entre eles.
— Você está brincando? Ouvi dizer que o Kirie está arranjando parceiros para aqueles androides bastardos.
— Sim, eu ouvi dizer que é uma boa maneira de ganhar um pouco do outro lado.
— Dizem que a última grande coisa desses caras é fazer aquilo com um humano.
— É porque eles não conseguem nem mesmo pegar as prostitutas de Midas, então agora estão de olho em nós, mestiços?
— Idiota. Andróides não precisam de sexo assim. Tem que haver outro motivo para estarem atrás de nós.
— Provavelmente. Ei, você conhece o Tom de Creutz? Ele aceitou a oferta do Kirie, parte por curiosidade, tenho certeza. Mas parece que ficou realmente viciado. Agora ele passa o dia todo perambulando esperando ser apanhado.
— Você acha que talvez eles estejam nos usando como cobaias humanas para essa nova droga? Dizem que você enfia no cu e goza, tipo, instantaneamente. E não deixa rastros.
— Sim, mas se você está me dizendo que esse é meu único bilhete de entrada para o paraíso neste mundo, então, independentemente do preço, eu gostaria de tentar apenas uma vez.
— Sem chance. Estou lhe dizendo, estão aprontando com a gente só porque somos um bando de caras fodidos.
— Inferno, mesmo esses caras não podem ser muito exigentes. Enfim, são apenas crianças que estão recebendo as ofertas, pelo o que estou sabendo.
— Pois é, é bastante óbvio que eles estão focando em um alvo.
— Estou lhe dizendo, algo estranho está acontecendo.
— E o Kirie e os outros estão tendo algum tipo de lucro?
— Parece que sim. Os bastardos estão sendo acobertados.
— Pão duro, é o que eles são. Pensávamos que talvez eles quisessem trazer um pouco de melhora para o resto de nós, mas não.
Era difícil dizer quando Sid estava brincando ou quando estava falando sério, então o resto deles riu secamente e sem entusiasmo junto com ele. Mas uma vez terminada aquelas observações incômodas, o tedioso silêncio voltou novamente.
Incapaz de suportar a atmosfera tensa, Norris quebrou o gelo.
— Quando se trata de coisas assim, era o Riki quem fazia a reflexão. Ele foi quem nos trouxe um tipo de poder que as favelas nunca tinham visto.
Apenas relembrar o passado poderia superar as horas apáticas e perdidas.
— Eu me pergunto o que diabos ele fez… — Luke ponderou. Sabendo que isso não era suficiente, ele acrescentou — Não me surpreenderia se ele fizesse a mesma coisa que Kirie fez, sabe? — um riso abafado subiu em sua garganta. — Em vez de vender seus companheiros, e se alguém tiver tido vantagem sobre ele em vez disso? Ah, mas não é isso que o Kirie sempre diz…?
Ninguém riu. Depois de alguns momentos, os comentários provocativos de Luke simplesmente evaporaram sem mais comentários.
— Ei, qual é o problema? Ou estão me dizendo que eu acertei em cheio?
O escárnio era óbvio no tom de voz irritado de Luke. Apesar do que ele disse, Riki deixou tudo fluir sobre ele como água sobre mármore polido. Luke estreitou os olhos com mais intensidade, incapaz de aceitar aquela indiferença.
— Eu realmente não me importo se você pensa assim ou não. Você pode acreditar no que quiser. — disse Riki.
O fora sincero fez Luke estalar a língua em desdém.
— Sabe, Riki, ver esse seu lado me dá vontade de vomitar. — Ele cuspiu as palavras com uma voz tensa, como se estivesse torcendo o ar de sua traqueia. — Você me irrita tanto que quero te colocar de quatro e te foder até você chorar por misericórdia.
Ninguém achou que aquilo era apenas o senso de humor de Luke ficando fora de controle. O álcool havia revelado a verdadeira natureza de sua exasperação, agora brilhando por toda parte como suor no corpo de um corredor.
Talvez envenenado pela presença de Luke, ou talvez enredado pelos próprios sentimentos ferozes que se debatiam sob a superfície da água e querendo encurtar a conversa, Riki respondeu.
— Se é realmente isso o que você quer fazer, boa sorte. Mas não quero ouvir nenhum choromingo depois que eu te deixar sem conseguir usar seu pau.
Riki entregou a ameaça lenta e deliberadamente. Não havia reclamação ou raiva em sua voz, apenas fria indiferença. No entanto, o fogo ardente escondido em seus olhos negros, claro como uma espada embainhada, se revelou em sua estranha e intimidadora aura. Todos recuperaram o fôlego e acalmaram suas vozes. Eles haviam visto algo que não deviam ver e sentiram o chicote da punição prevista para esses delitos.
Seguiu-se um silêncio pesado e sufocante. Incapaz de aguentar mais, Norris desviou os olhos abruptamente. Sid susteve a respiração e a deixou sair, lambendo repetidamente os ardentes lábios. E Luke fez um grande espectáculo bebendo a garrafa inteira em um gole só.
Apenas Guy continuou a olhar para Riki com olhos preocupados.
Teria ele assumido uma posição submissa a fim de manter sua liberdade? Não. Não era esse o caso.
Ele era um prisioneiro dos fantasmas do passado, e seu pecado vinha para vê-lo e atormentá-lo por si mesmo. Encarar a verdade diretamente e ser teimoso demais para ser influenciado pela emoção era tudo fruto de seu ego?
Não, não era seu orgulho que o mantinha no banco dos réus. A parte acusada era a paixão que surgiu daquele período surpreendentemente ingênuo e ignorante em sua vida. Embora estas paixões já tivessem se dissipado há muito tempo, os olhos revolvidos, venerando tudo sobre ele, não tinham mudado.
Ele estava mais do que farto de tudo aquilo, a ponto de sua irritação crescente estar prestes a explodir. Ele não seria escravo de ninguém. Nenhuma algema prenderia suas mãos e pés. Ele estava livre, e ainda assim os grilhões do passado que ele desejava deixar de lado o prendiam firmemente, um peso invisível sobrecarregando cada passo seu.
O verão estava chegando ao fim. Tinha sido “verão” apenas no nome, já que o calor escaldante do sol não fora presente naquela estação fugaz que passou rapidamente, deixando para trás apenas redemoinhos tensos e turbulentos no ar.
— Quê? — Norris respondeu reflexivamente, como se pensasse que de alguma forma tinha ouvido errado
Embora fosse meio-dia, o esconderijo de Laura estava completamente escuro. Norris estava afiando sua faca borboleta de lembrança, para ele era mais um curioso artefato do passado do que uma antiguidade.
— Nós vamos confrontar o Riki hoje. — disse Luke em voz baixa.
— Isso não é engraçado. — Sid disse enquanto se fixava nele com olhos brilhantes. Mas Luke lambeu os lábios rachados e sorriu.
— Estou falando sério. — Norris bufou.
— Para de falar merda. Você sabe que o Guy vai ficar do lado dele.
— Essa história é coisa do passado. Aqueles dois se separaram há muito tempo, você deveria saber.
Perdendo as palavras, Norris voltou a ficar em silêncio.
— Desde o retorno do Riki, não ouvi nenhuma conversa sobre eles voltarem. Ou sobre o retorno de Yori.
Norris disse principalmente para si mesmo:
— Não significa nada. Você pode virar o céu e a terra de cabeça pra baixo, mas o Riki nunca vai ser sua vadia.
Se eles realmente tinham terminado ou se Guy ia trazer Yori de volta, não tinha importância. Riki e Guy estavam entrelaçados em um nível muito mais profundo, mais profundo que o sexo. Havia provas mais do que suficientes desse fato, o suficiente para deixá-lo absurdamente ciumento.
Luke deveria saber tudo isso também, então por que ele continuava batendo na mesma tecla? Norris não conseguia imaginar o que se passava pela cabeça de Luke.
— Qual é, Luke. Você ainda guarda rancor dele pelo outro dia? Esqueça isso. Eu acho que nem o Guy estava levando na brincadeira mais, de qualquer maneira. E também, o que Riki disse que faria com você era sério.
— Sim, interessante, não é? Todos vocês reagem desta maneira. Eu, francamente, estou ficando muito cansado de vocês, que seguem as regras deles sem questionarem nada.
Ele falou levianamente, mas se sua intenção era resolver o assunto entre seus companheiros de uma maneira brincalhona, isso não ajudou em nada.
— Você não acha que talvez esteja bebendo demais e perdendo algumas células cerebrais no processo? — Norris esticou as pernas no sofá com desinteresse, como se dissesse que não havia sentido em continuar com aquilo. No entanto, Luke não se deixou intimidar.
— Eu não estou pedindo a ajuda de vocês. Por mim, você podem continuar bebendo até que tudo seja feito.
— Bem, eu passo!
— Pelos velhos tempos, vou fugir que isto foi uma brincadeira. Mas que não tenha uma segunda vez. — Luke sorriu.
— Mas Sid, você que é chamado de “Destruidor de Virgens”, por que está tão assustado? Riki não é mais o mesmo de quando era o líder do Bison. Não tem mais motivos para tratá-lo como superior.
— O que diabos você está tentando dizer? — Sid perguntou. Na maioria dos casos ele era bastante indiferente à maneira estranhamente indireta de Luke de forçar o assunto, mas desta vez ele estava realmente dando nos nervos.
— O Riki da Bison que você costumava admirar não existe mais. Você entendeu? Agora aquele cara é só a porra de um fracassado, é só que ele ainda tem o mesmo corpo gostoso de sempre. Por exemplo, aquela bunda dura como pedra… Só de imaginar ele pelado me deixa duro cara, sério… E não acontece a mesma coisa com você? Não é por isso que você deu em cima do Kirie? Porque ele é a cara do antigo Riki.
Por um longo segundo, Sid o encarou com o rosto pálido, como se todo o sangue tivesse sido drenado de seu rosto. Apenas seus olhos esbugalhados ardiam vermelhos, como se alguém tivesse espreitado dentro de seu coração e rido do que encontrou ali. O que Sid estava sentindo naquele momento não era apenas raiva, mas um desejo assassino e a mais pura sede de sangue.
Ao invés de apenas ignorá-los, Norris pigarreou ameaçadoramente.
— Olha, Sid, quando olho para o rosto presunçoso e indiferente do Riki, fico tão chateado que mal consigo suportar isso. — Luke falou de uma forma completamente diferente do tom cínico que usara até aquele momento. Na profundidade estrangulada de sua voz, suas verdadeiras intenções foram reveladas. — Com o antigo Riki, você tinha a sensação de que um toque queimaria seus dedos. Ele estava em chamas, cara, uma força da natureza. Ficar ao seu lado era como estar ao lado de um chama crepitante.
A memória estava sempre viva em suas lembranças. Até o calor do seu corpo.
“E Luke! Não brinque com o pirralho! É só o Barth! Solte o bastardo! Beleza? Não vamos estragar as coisas, galera!”
As conversas estimulantes de Riki rasgaram o ar como um doce elixir, dando-lhes uma adrenalina mais poderosa do que qualquer medicamento. Aqueles olhos negros como carvão. Aquela voz. A agradável sensação de formigamento quando ele os chamava pelo nome inspirava-os a acreditar que tudo era possível, por mais imprudente que fosse.
— Apesar daquele ar indiferente dele, quando estava a frente, ele era a porra de uma bola de fogo. Não importava o quão fodidos estávamos, não importava o quão loucas as coisas ficassem, ele estava pronto para o que quer que viesse em nosso caminho.
O rugido da moto a jato montada liderando o ataque. A rajada de ar quente e pungente em seus rostos. A verdadeira sensação de “unidade” que veio quando Riki estava liderando o bando era melhor do que o êxtase do sexo.
Quente. latejante. Ensurdecedor. Ardente. Entorpecente.
Com Riki liderando-os, estar em sua retaguarda era como estar atrás do pós-combustor incandescente de um um motor a jato. Quando Riki e Guy estavam juntos na moto, era prerrogativa de Guy fazer Riki ir na carona.
“Se tem dois lugares, você fica atrás, Riki. Eu não suporto você tratando esta valiosa peça de maquinaria como um brinquedo.”
Só neste caso o sempre reservado Guy não entregava as chaves. Não era que a moto fosse valiosa. E embora não fosse necessariamente uma crítica ao estilo de dirigir com o acelerador a toda de Riki, Guy não era o único a tampar os olhos. No que diz respeito a Guy, ter Riki sentado atrás dele era mil vezes melhor do que apenas observá-lo por trás dirigindo imprudentemente e morrer de ansiedade.
Não só Luke, mas também Norris e Sid (embora não o admitissem em tantas palavras) queriam reclamar. Por que somente Guy tem privilégios especiais como esse?
Se tais explosões de ciúme dominassem seus corações, com o tempo isso iria consumi-los por completo.
— Quando você estava com Riki, sentia o sangue pulsando em suas veias, como se pudesse fazer qualquer coisa, como se não tivesse medo de nada, sabe?
Sid e Norris não hesitaram em assentir vigorosamente em resposta a esta afirmação. Eles haviam sido igualmente enfeitiçados pelo carisma de Riki.
— Mas quando pensamos nisso agora, comparado ao que significava ser os pit bulls da Fenda Quente naquela época, não passamos de um bando de garotos com o nariz escorrendo. É por isso que, mesmo quando Riki disse que estava deixando a Bison e foi embora, ninguém o impediu ou o arrastou de volta pra cá.
Mas isso era chorar sobre o leite derramado. “Você vai nos deixar de lado?” Talvez se o tivessem repreendido, manipulado e não o deixado ir, as coisas teriam terminado de forma diferente.
Afinal de contas, eles estavam apenas de conversa fiada.
— Mas, por qualquer que seja a razão, isso não quer dizer que todos estamos interessados no Riki, de uma forma ou de outra?
Curiosamente, sem pretensão ou autoconsciência, aquela afirmação ganhou o dia. E assim foi lógico perguntar:
— Mas qual o problema dele agora? Ele está sempre bebendo cerveja com aquele olhar meio perdido nos olhos.
O ar de desapontamento foi duplamente o mesmo. Mesmo plenamente consciente de que esta era uma reação irracional, os sentimentos apodreceram como veneno lentamente jogando seus corações em escuridão.
— Sempre nos dando esses olhares de que não somos mais bem-vindos.
Aquelas eram para ser as palavras finais, mas o sabor amargo de arrependimento era tanto que eles pareciam um bando de sacos tristes, sempre arrastando a âncora do passado com eles.
— Sendo assim, continuaremos a provocá-lo até que ele não possa mais nos ignorar.
Sendo esse o caso, eles deveriam desafiá-lo para provar suas alegações, irritá-lo, e manter isso até o fim. Isso é o que Luke estava dizendo. Tal abordagem era muito mais atraente do que arrastar as coisas de forma inconclusiva para sempre.
Sid e Norris encararam Luke sem piscar.
Eles haviam ficado tão surpresos com seu discurso arrogante que perderam qualquer vontade de baixar sua bola? Não. Os dois simplesmente não tinham nada a dizer. Expressando sua raiva incompreensível em relação a Riki, Luke parecia estar falando por todos eles, então eles não sentiram necessidade de acrescentar mais nada naquele momento.
Os sentimentos de superioridade e auto-satisfação que eles haviam compartilhado com Riki foram substituídos por um sentimento muito repentino de perda. Uma fome e sede inefáveis substituíram o que eles deveriam ter em comum após quatro anos. Ainda assim, eles sabiam que não poderiam ir aos mesmos extremos que Luke. Desoladamente mudos, com racionalidades distorcidas e refratadas, o silêncio estagnou e o tempo passou para eles como prisioneiros definhando na solitária. Na pesada escuridão tornou-se difícil até mesmo respirar.
O som familiar da porta abrindo e fechando de repente perturbou o ar.
Todos engoliram em seco, encolhendo os ombros. Como se pelo som de um tiro, seus olhos foram atraídos para a porta.
— O quê? O que está acontecendo? — Riki perguntou, parando no local com uma expressão perplexa no rosto.
Mas ninguém abriu a boca, cada um do seu jeito desviando os olhos desajeitadamente.
— Cadê o Guy?
Luke respondeu secamente.
— Ele não estava com você hoje? Ele disse algo sobre ter um compromisso com alguém.
Sid deu a Luke um olhar ameaçador. Norris estalou a língua para si mesmo também, finalmente entendendo porque Luke tinha falado para eles seus planos para hoje à noite.
Ignorando a vibração ruim com a qual o resto deles estava preenchendo o silêncio, Riki não disse nada enquanto se sentava em seu lugar habitual. Luke estendeu uma garrafa de cerveja preta.
— Quer uma?
Riki respondeu com um aceno de cabeça. Ele mastigou um pouco de comida sem gosto, mas sólida e engoliu, depois levou a cerveja aos lábios lentamente. Rolando a cerveja para trás em sua língua, ele sentiu o amargor particularmente penetrante apunhalando como pequenas agulhas, pouco a pouco indo em direção ao fundo de sua garganta.
Ele já tinha se acostumado a isso. Riki respirou fundo e soltou o ar, e então passou a garrafa de volta. Norris balançou a cabeça. Bem, sendo assim… O olhar de Riki se deslocou encorajadoramente para Sid.
— Não, obrigado. Não estou de bom humor esta noite.
Luke sorriu levemente. Se um sorriso amargo ou irônico, era difícil dizer. Riki apenas ignorou. Deu de ombros e tomou outro gole da cerveja. Em pouco tempo, seus olhos começaram a inclinar para uma névoa aquosa e inebriante. Esticando seus membros lânguidos, um leve sorriso surgiu em seus lábios. Norris engoliu em seco, com os olhos arregalados. O suspiro que saiu dos lábios de Riki parecia ter um ar de melancolia quase desanimada. O devaneio que Norris teve foi tão fascinante que fez sua garganta tremer.
Riki tinha exposto a seus olhos seu semblante franco e desprotegido.
Normalmente, tomados pelas ondas de prazer juntos, eles teriam ignorado esse lado oculto dele. Isso, juntamente com a ausência de Guy — a única pessoa que poderia atuar como uma válvula de retenção para Riki nestas situações — gravou inesperadamente a imagem vívida na parte de trás de suas retinas.
Sid apertou os lábios e colou os olhos em Riki, como se quisesse devorar todo o seu ser. Um momento em que ele ficou hesitante até mesmo em tomar a próxima respiração. Um momento em que o desejo eufórico de tomá-lo e penetrá-lo-
Dentro do silêncio tenso, cada uma de suas respirações sincronizando com o pulso de Riki, empurrando-os cada vez mais alto em direção à beira do abismo.
Mas nada aconteceu naquela noite.
Diante da demonstração incomum de galanteria de Sid e Norris, Luke foi forçado a exercer um pouco de prudência. Ou talvez mais importante, nunca lhe foi dada uma abertura para agir.
Mesmo com os dois desajeitadamente correndo alternadamente para o banheiro, oprimidos pela aura de Riki, Luke não se incomodou em dar o mais fino dos sorrisos irônicos. Mas a fome agitando em seu peito era muito pior do que ele imaginava, e essa percepção queimou o mais profundo de seu ser.
Publicado por:

minhas outras postagens:
COMENTÁRIOS
Sua Comunidade de Novels BL/GL Aberta para Autores e Tradutores!
AVISO: Novos cadastrados para leitores temporariamente fechados. Se vc for autor ou tradutor, clique aqui, que faremos seu cadastro manualmente.