Ai No Kusabi - The Space Between - Capítulo 16
Ceres. Quatro e meia da tarde.
Nessa época do ano, os ventos frios varrendo a Avenida Cuzco cravavam pequenas agulhas na pele. O vento agitava a barra do sobretudo longo de um homem enquanto ele caminhava, um cigarro apertado entre os dentes.
Ele não tinha o andar reconhecível de um morador da favela. Na verdade, uma sensação de solidão e tensão parecia se agarrar à parte de trás de sua estrutura magra. Para aqueles que estavam acostumados com a atmosfera lamacenta e estagnada, a estranheza do homem era óbvia.
Ao passar, os espectadores abriram um pouco mais os olhos e então desviavam o olhar rapidamente. Algo nele era muito diferente. O mundo que ele habitava não era o deles. Relutantes em se envolver, eles deixaram o local o mais rápido possível… e, pelo andar inalterado, o homem não se importava.
Havia uma seção em Ceres onde os repetidos ataques aos prédios haviam destroçado suas fachadas de tijolos, revelando os ossos de seus esqueletos metálicos. Sem nada para obstruir a luz do sol, chamar esse quarteirão da cidade de “Blue Chip” era um tanto irônico.
Mas embora as estruturas acima do solo estivessem em tristes condições, as estruturas subterrâneas ainda estavam em bom estado de funcionamento. Como resultado, em algum momento, tornou-se o ponto de encontro e zona desmilitarizada para várias gangues. Até mesmo os membros das gangues estavam dispostos a admitir que brigar o tempo todo acabava se tornando cansativo. Eles precisavam de um oásis onde pudessem relaxar e baixar a guarda sem serem atacados. Qualquer idiota que não seguisse essa única regra não poderia mais mostrar a cara na favela.
Ninguém nunca acreditou que a regra manteria todos na linha, mas ano após ano, ninguém ousava dar o primeiro passo. Ninguém queria ser o primeiro desonrado, então um equilíbrio bem-sucedido, porém tênue, permanecia.
Despidos até a cintura, os drogados ficavam nos cantos dos prédios e se drogavam sob o céu de inverno. Absortos demais em suas preliminares para se importarem com quem estava assistindo, os namorados se pegavam com intensidade nos túneis de acesso. E, em outro lugar, um bando de desbocados discutia a ponto de quase se tornar violento.
A DMZ também era conhecida como a zona do “tanto faz”. A Cidade da Apatia. Todos vinham procurando algo, mas ninguém se importava com o que era — desde que ninguém fosse morto por causa disso.
O homem continuou seu caminho, e foi deixado sozinho.
Naquele mesmo dia. Terceiro nível subterrâneo de Blue Chip. Soraya Bar.
Ao contrário da maioria dos dias, um ar estranho e febril permeava o ambiente. As risadas vulgares habituais e as piadas grosseiras deram lugar a um silêncio incomumente pesado. O olhar coletivo se concentrou como uma respiração contida até o suor começar a brotar na pele.
Dentro do círculo de espectadores apertadamente reunidos, um jogo estava acontecendo.
Qualquer um poderia jogar — era apenas um jogo de cartas tradicional onde a vitória dependia da intuição e concentração. Mas não era o tipo de jogo jogado nos cassinos de Midas. As apostas feitas na mesa não envolviam dinheiro ou honra, mas virtude. Os jogadores arriscavam seus corpos a cada rodada.
“Gigolô” era o nome. E no centro de toda essa atenção no Soraya Bar, Riki e Luke estavam jogando.
Era um tipo de jogo sexual, semelhante a um show erótico. Os jogadores começavam com um beijo para aumentar as apostas. Conforme esta aumentava, também aumentavam as expectativas. O perdedor se entregava ali mesmo. Tanto os que seguravam as cartas quanto os espectadores compartilhavam da tensão.
Se alguém fosse desafiado para o jogo, não importava quão repugnante fosse o oponente, ele raramente recusava. “Estou com vontade de te foder” era como o jogo geralmente começava. “Estamos jogando gigolô,” seria anunciado na frente de todos, tornando ainda mais difícil recusar. E qualquer homem que se recusasse não era apenas chamado de covarde — a fofoca se espalharia de que ele não conseguia levantar, tanto fisicamente quanto metaforicamente, e um homem que não conseguia ficar duro não era considerado um verdadeiro homem. Em um ambiente onde transar com o mesmo sexo era normal, não ter a coragem ou a capacidade para participar do jogo representava o estigma mais profundo que qualquer homem poderia ter nas favelas.
Esses desafios repentinos se resumiam a jogos sexuais simples — e no final, rir da derrota do oponente era geralmente tudo o que o vencedor ganhava. Mas eles eram tratados com uma seriedade de intenção que aguçava os nervos de todos até o ponto de ruptura. Como era um jogo, esperava-se que se comportassem bem em público. Essa era a teoria, de qualquer forma. Mas, como acontece com qualquer atividade íntima, o que ocorria ali nunca ficava completamente ali.
Luke já estava observando Riki com olhos desejosos. Ou será que ele queria começar uma briga? Por isso, ninguém ficou surpreso quando Luke chamou Riki com o grito de “gigolô” — inclusive Riki. Também ninguém ficou surpreso com o fato de Luke ter escolhido um momento em que Guy não estava lá.
Riki não se importava com o que os outros pensavam dele. Mas sabia que precisava acertar as contas com Luke de uma vez por todas.
Entre o tempo em que ele abandonou a Bison para abrir seu próprio caminho, e o tempo desde que voltou depois de três anos em branco — a época, as circunstâncias e a natureza dos relacionamentos mudaram enormemente.
Riki havia voltado para as favelas sabendo que seria ridicularizado. Mas, ao contrário do que se esperava, as mudanças repentinas em seu ambiente não lhe concederam a humilhação silenciosa de um cachorro espancado, especialmente após o caso com os Jeeks. Talvez tenha sido um mero acidente, ou o destino inevitavelmente fechando o círculo mais uma vez. Mas isso e seu primeiro envolvimento inconsciente com a gangue dos Jeeks haviam, ainda que relutantemente, aprofundado as raízes do destino na alma de Riki.
Mesmo depois que a Bison desmoronou, uma certa parte da responsabilidade por perder o esconderijo de longa data ainda recaía sobre Riki. No entanto, o ataque à sede dos Jeeks com gás lacrimogêneo em retaliação foi feito sem o seu conhecimento.
E ainda assim, todos os espectadores sentiam que Bison estava de volta para mais.
A Bison está de pé novamente.
Riki está se vingando.
As vozes excitadas espalhavam os rumores. De um ouvido para o outro, eles se tornavam ainda mais acalorados e distorcidos a cada recontagem. Uma vez que os rumores ganhavam vida própria, não se podia esperar que refletissem a vontade ou os desejos das partes envolvidas. Nem Riki nem o restante da Bison queriam ser afetados por toda essa conversa, mas, infelizmente, as consequências da fofoca estavam além do controle deles.
Com aquele único incidente, os membros dos Jeeks viram suas reputações arruinadas e suas vidas tomarem um rumo pior. Com a perda de seu esconderijo, tornaram-se ainda mais selvagens, atacando qualquer um que cruzasse seu caminho. E isso não era apenas um problema para Riki e seus companheiros. Os problemas causados pelos Jeeks afetava a rotina diária em toda a favela.
Acertar as contas com os Jeeks era o fardo inevitável que Riki e seus companheiros tinham assumido. Todos estavam prendendo a respiração na antecipação da batalha. Com toda essa atenção, a reputação da Bison estava crescendo a cada dia, e seus membros estavam ficando tão ansiosos quanto os espectadores.
— Esses moleques me irritam! Vamos brigar com eles ou não?
— O que vamos fazer, Riki? Vamos dar uma surra neles?
Os olhos de Luke se estreitaram para um olhar penetrante. Estranhamente, Guy estava empolgado e falando alto. Norris fez questão de torcer os lábios em uma careta de desprezo. Sid cuspiu o que mastigava. E por último…
— Eles vão cair, — Riki disse pesadamente. — Todos eles. Se vamos fazer isso, vamos fazer em grande estilo. Temos que pagar de volta com juros.
Naquele momento, foi como se tudo dentro dele explodisse silenciosamente para fora. Ao seu lado, os outros membros da gangue estavam sorrindo uns para os outros. Eles queriam ver alguma ação.
Depois de relaxar por muito tempo, Riki se tornou uma pessoa completamente diferente. Com os Jeeks os incomodando a cada momento, Riki finalmente perdeu a paciência e deixou sua raiva guiar as coisas adiante. Eles teriam que destruir os Jeeks. Com isso resolvido, a conversa rapidamente avançou.
— Você quer dizer o Jango? O Ceifador de Deus? Ele não vai nos ajudar.
— Nós precisamos dele.
— Ele é caro demais.
— O preço depende de quem ele vai enfrentar.
Jango era um homem perigoso, tão ruim quanto o que diziam nas ruas. Riki havia sido companheiro de bloco dele quando Jango era conhecido como Robby. Ele ainda tinha algumas ligações com ele, mas Luke e os outros resolveram não mencionar isso.
Destruir os Jeeks rapidamente significava enfrentar o Ceifador de Deus e encarar Robby mais uma vez. Mas, por algum motivo, a expressão de Riki não mostrava nenhuma emoção.
Saber sobre a história compartilhada por Riki e Robby no Guardian e as raízes de seu antagonismo mútuo não trouxe paz de espírito a Guy. Mas o ataque dos Jeeks se tornou um problema muito grande. Sem informações precisas, eles não poderiam desferir o golpe decisivo. E ciente disso, Guy não disse mais do que o necessário.
Tudo o que Guy podia fazer naquele momento era seguir o exemplo de Riki. Essa compreensão implícita não era apenas um comportamento enraizado; estava entrelaçada com o orgulho de Guy sobre quem ele era… quem eles eram.
Riki e Guy entraram no bar e seguiram para a sala privada nos fundos. A primeira regra no comércio de informações era que as negociações fossem feitas discretamente, longe de olhares curiosos. Mesmo assim, a sala em que se encontravam era mais bem mobiliada do que qualquer um deles esperava.
Robby sentou-se em um sofá preto brilhante com as pernas esticadas à sua frente. Ele olhou para Riki e Guy e sorriu.
— Ainda estão se juntando, hein?
Havia implicações em sua saudação, e para Riki, elas eram difíceis de ignorar. Se não fosse necessário — e Riki tinha que se lembrar disso constantemente — ele nunca teria concordado em se encontrar com o homem novamente. O que havia acontecido entre eles, não importa quantos anos antes, nunca seria esquecido.
Tudo o que Guy sabia sobre Robby era o que Riki havia lhe contado. Os dois homens nunca haviam se encontrado antes, mas Riki sentiu as faíscas surgirem assim que eles trocaram olhares. Ao perceber isso, Riki voltou a concentrar sua atenção para garantir que nada desse errado.
Havia uma incógnita na equação, porém. Robby não estava sozinho. Ele dividia o sofá com um garoto de cabelos avermelhados como fogo.
“Quem diabos é esse?”
Riki lançou um olhar para o ruivo e rapidamente o desviou.
— Eai. — O garoto os cumprimentou rapidamente e se levantou. Ele parou no frigobar no canto do quarto, pegou uma coqueteleira e habilmente a girou no ar.
— Ele é o Thor.. — Robby deu uma tragada em um cigarro e não disse mais nada.
O ambiente estava tenso e silencioso. Ambos os grupos mostravam sua apatia como sinais de coragem.
Thor voltou com dois copos na mão. Ele os colocou calmamente diante de Riki e Guy. Riki franziu o cenho, incapaz de entender o significado dessa pequena apresentação abrupta.
— Chama-se Guinevere, — disse Tho. — É seco, mas é bom.
Thor tirou uma bala do bolso, colocou-a na boca e a mastigou ruidosamente. Ele continuou a falar sem ser afetado, mas sua atitude franca disse a Riki e Guy que eles deveriam aceitar a presença do garoto insolente ou reconhecer suas ações como um aviso e aumentar a guarda. Qualquer garoto disposto a trabalhar com um homem chamado Ceifador de Deus só podia ser problema. Se não fosse, não teria direito de sentar ao lado de Robby naquele quarto.
— Bebam. Não está envenenado.
Robby não se intrometeu. Ele simplesmente observou o desenrolar da cena com um olhar curioso no rosto. Era assim que ele cumprimentava todos os seus convidados? A menos que os drinques fossem algum tipo de teste. De qualquer forma, até que Riki e Guy bebessem, nada mais aconteceria.
Riki pegou o copo e deu um gole. Não estava envenenado. Guy percebeu o que Riki esperava dele, então não bebeu do seu próprio copo. Apenas por precaução, caso fosse algo além de veneno — uma lombra ruim ou qualquer coisa assim —, Guy estaria lá para tirá-lo dali.
— Hmm. Então é o líder que está se aventurando no desconhecido? Normalmente não é o contrário? — Thor perguntou.
— Eu sou alérgico. — foi a simples desculpa de Guy.
Thor percebeu abertamente a evasiva de Guy. Mas o desdém de Thor não incomodava Guy nem um pouco. Riki agia; Guy esperava. Não importava qual fosse a situação, essa era a estratégia que eles sempre usaram.
O Guinevere tinha um sabor único. Era agradável ao paladar, mas tinha um gosto residual estranho. A sensação de formigamento deixada na língua de Riki atingiu um nervo adormecido. Sem pensar muito no que estava dizendo, ele perguntou:
— Balado? — Os olhos de Thor se arregalaram.
— Impressionante. — disse ele antes de dar uma risadinha. — Você é bom. Eu nunca teria acreditado que alguém das favelas conheceria o sabor do Balado.
Captando uma ponta de ironia no elogio, Riki lançou um olhar para Robby. Robby deu de ombros como quem diz: “Não me pergunte.”
Balado era uma especiaria especial produzida no planeta Aquos. Quando Riki trabalhava nas rotas de transporte, ele costumava conseguir essa especiaria com frequência. Balado recebia seu nome do local onde era produzida e podia ser dividido em cinco variedades. Cada uma tinha seu próprio sabor e aroma sutis, e Riki aprendeu a distinguir entre elas. Ele não estava disposto a pagar preços exorbitantes por uma marca inferior.
Thor havia dado a ele uma variedade popular de Balado chamada Merida. Mas mesmo uma variedade menos popular de Balado ainda era um produto de luxo, e não algo encontrado nas favelas. Usá-lo para facilitar as negociações comerciais era uma forma de informar sobre o valor de sua mercadoria. Por outro lado, considerando a história deles juntos, Riki sabia que essa era a maneira de Robby de dizer que isso custaria muito caro para Riki.
Thor riu e se inclinou para a frente. A onda de cabelos vermelhos preencheu o campo de visão de Riki. Conforme Thor se aproximava, Riki podia ver que seus olhos castanhos eram quase pretos.
— Você sabe de onde veio esse Balado? — perguntou Thor.
— Merida. — Thor sorriu, tanto para impressionar quanto por prazer.
— Parece que não te chamam de Riki, o Negro, à toa.
Ao lado de Riki, Guy respirou fundo e mudou de posição.
Mas mesmo ouvindo seu antigo apelido na favela, Riki não reagiu, pois Robby era um negociante de informações. Quando Riki o contatou, ele esperava que Robby soubesse sobre seu passado como mensageiro até certo ponto.
Não importava quanto tempo passasse para Riki e Robby, o antagonismo do tempo em que estudavam no Guardian nunca havia desaparecido. Mas Riki não imaginava que essas coisas seriam contadas a um garoto estranho. Talvez isso tenha sido um erro de cálculo de sua parte.
— Você foi recrutado por um figurão do mercado, não foi? — Os olhos de Thor permaneceram fixos em Riki, mostrando algo mais intenso do que mera curiosidade. — Bastante impressionante. Um vira-lata da favela se dando bem no mundo lá fora. Como você conseguiu uma oportunidade assim?
Riki não se importava se Thor era a “mulher protegida” de Robby. Desde que ele conseguisse colocar as mãos nas informações certas, todo o resto era irrelevante. Nem mesmo seu passado como mensageiro sendo exposto o incomodava tanto; eles estavam apenas desperdiçando seu tempo.
— Com uma cerca como a do Zach, — continuou Thor. — Você tinha que dar algum tipo de garantia para conseguir aquele tipo de influência, né? Mas então você desistiu, com o anel de bronze na sua mão.
Parecia que Thor estava expondo todo o escandaloso caso de propósito na frente de Guy. Isso estava irritando Riki, então ele decidiu encerrar a conversa.
Riki esvaziou o conteúdo do seu copo e lançou um olhar para Thor.
— Você é um gravador? — ele perguntou.
Ele fez jus ao nome “Riki o Negro”. Com três palavras simples, ele silenciou completamente Thor. Os olhos de Thor se arregalaram abruptamente diante da pergunta direta. As sobrancelhas de Robby se contraíram sutilmente, como se um fio invisível estivesse puxando sua pele.
Riki disse em um tom contido:
— Eu não saberia dizer se você nasceu e foi criado em Midas ou se é apenas um garoto de rua.
Todo o autocontrole que Thor vinha demonstrando desapareceu. Ele imediatamente se tornou cauteloso e defensivo.
— Seus cabelos e seus olhos, — continuou Riki, mantendo seu olhar fixo nele. — Você mesmo os coloriu?
Thor rosnou como um gato de beco arqueando as costas para uma briga. Sua reação mal constituía uma prova sólida, mas ficou claro que a pergunta de Riki tinha acertado em cheio.
Riki deduziu de relance que o doce que Thor estava mastigando não era uma simples guloseima, mas um tipo de droga de pigmentação de melanina chamada Gazer. Como era apenas um “suplemento da moda” popular, consumido oralmente para mudar a cor do cabelo e dos olhos, não era muito caro. A maioria das marcas era legal e não tinha efeitos colaterais severos ou toxicidades a longo prazo.
Embora a droga estivesse disponível em todas as variedades, as marcas legais tinham seus pontos positivos e negativos. Em particular, havia a pigmentação marmorizada ou “impura” dos olhos, que era instantaneamente reconhecível e nunca desaparecia, e o fato de que sua potência tinha um período de tempo limitado.
Se usado apenas para fazer uma declaração de moda simples, independentemente da marca, os resultados eram praticamente os mesmos. Mas ao procurar no mercado negro, os clientes queriam marcas com desempenho garantido e durabilidade. Gazer era a escolha preferida.
Os doces que Thor estava mastigando não seriam de forma alguma drogas de venda livre para a população em geral. Os efeitos colaterais nocivos eram maiores e variavam de acordo com a constituição física de cada pessoa; problemas de visão, deformidades nos olhos e paralisia dos nervos eram todas possibilidades. Mas na maioria dos casos resultava em cegueira, ou os globos oculares se desidratavam em suas órbitas. No pior dos casos, o usuário colocava sua vida em risco. Como essas eram drogas ilegais, ninguém era responsável — e ninguém falaria sobre isso.
Gazer ainda era muito popular apesar dos riscos. Aqueles que o usavam habitualmente, atingindo uma dosagem de manutenção definida, afirmavam poder “ver o invisível”. Riki não sabia se isso era verdade ou apenas um slogan inventado para aumentar as vendas. Mas ele definitivamente não queria gastar dinheiro para possivelmente ver mais do que já via.
Se Thor era um usuário de Gazer, alguma circunstância urgente deve tê-lo obrigado a usar a droga. Após juntar alguns pontos, Riki percebeu que talvez Thor fosse um “refugiado”, se fosse esse o caso, então esse seria o principal motivo.
Para os cidadãos de Midas, os vira-latas das favelas eram objetos de desprezo e repulsa, mas os refugiados que ultrapassavam o prazo de seus vistos e se instalavam ali ilegalmente eram vistos apenas como insetos. Tanagura tinha a capacidade de expulsar todos os refugiados de Midas, mas tinha seus motivos para não fazer isso. Assim como os vira-latas, os refugiados não tinham dispositivos de identificação PAM. Consequentemente, sem traços ou características que indicassem o local de nascimento, não havia como diferenciá-los dos mestiços. Muitos refugiados se aproveitaram disso e se passaram por vira-latas da favela para se estabelecerem na colônia.
Riki havia se familiarizado com os fatos da vida de refugiados durante seus dias como mensageiro com Katze. Mas saber e agir eram duas coisas diferentes. Ao contrário dos cidadãos de Midas, Riki nunca pensou em caçar os refugiados, espancá-los e expulsá-los da cidade. Eles não perdiam suas identidades e planetas natais apenas por excederem seus vistos. Com tudo isso ao seu redor, Riki desenvolveu um sexto sentido para refugiados que imitavam a vida dos mestiços para se estabelecerem em Ceres.
No entanto, também havia uma espécie de refugiados nascidos em Midas, escondidos por razões desconhecidas. Eles não pareciam tão diferentes dos vira-latas da favela, pois conheciam a colônia. Thor possivelmente mudava a cor de seus olhos e cabelo para esconder suas origens. Ele não estaria ingerindo Gazer apenas para ficar na moda.
Seja lá o que fosse, ao ser tão óbvio sobre isso, Thor tinha se esforçado para irritar Riki. Isso virou o jogo a favor de Riki.
— Idiota. Você não sai comendo Gazer na frente de qualquer um. Se você acha que nós, os favelados, somos só um bando de imbecis, você vai acabar levando uma surra.
Ao mencionar Gazer, o rosto de Thor ficou branco. Robby tinha estado observando pacientemente o tempo todo do lado de fora, mas finalmente interveio.
— Vamos lá, não provoque o garoto. Ele é meu parceiro por enquanto.
— Então vocês dois juntos formam o Ceifadores de Deus?
— Eu não chegaria a tanto.
— Então ele está apenas atrapalhando. Mande-o sair.
Com um estrondo alto, Thor bateu com o punho na mesa. Ele encarou com raiva e cerrando os dentes disse:
— Não teste sua sorte!
— O garoto não sabe se comportar, Robby — disse Riki abruptamente. — Diga a ele para ficar quieto.
Thor saltou de pé, mas Robby segurou seu braço, ignorando os rosnados dirigidos na sua direção.
— Por que está me segurando? — Thor disse abruptamente. Parecia um animal ferido; Riki tinha desferido seu golpe final com sua habitual precisão.
— Ninguém é melhor do que esse cara em encontrar a fraqueza de alguém; ele tem feito isso desde o Guardian. Deixa pra lá, tá bom? Se entrar no jogo dele e falar demais, você não terá uma segunda chance. — Robby olhou para Riki, um sorriso significativo marcando uma das bochechas. — Não acha?
Como um código trocado entre espiões, apenas Riki e Robby entendiam as nuances dessas palavras. Até mesmo Guy sentia-se de fora.
— Eu não estou aqui para cuidar de criança. Você quer negociar ou não?
— Tudo bem, — disse Robby. — Aqui estou eu com o infame Riki da Bison, intenso como sempre. Vamos considerar as apresentações encerradas.
Thor não conseguiu esconder a expressão de desagrado em seu rosto. Ele grunhiu audivelmente em sinal de insatisfação.
— Você ficou bem assustador, Riki — disse Robby. — Mesmo se arrastando por aí como um cão derrotado, ainda tem alguns trunfos na manga.
— Não vem me encher o saco. Desde quando você se juntou com esse moleque aí?
— Ele foi o único com coragem para aguentar o Ceifador de Deus como companheiro.
Companheiro? Essas eram as últimas palavras que Riki esperava ouvir da boca de Robby.
— Sério? — Riki confirmou. — Eu pensei que você tinha coisas melhores para fazer com seu tempo.
Riki sabia como Robby era apegado a Schell.
“Perdi o Schell por sua causa, e você está sorrindo. Deve haver algo errado com o mundo, não é? Tudo o que eu perdi, você vai perder também”
Riki conseguia lembrar do amontoado negro de emoções violentas que Robby tinha lançado contra ele naquele dia no Guardian. Mas, em vez de se sentir culpado, Riki tinha se sentido mais impetuoso e irritado com o desabafo de Robby. Desde então, ele e Robby nunca mais se entenderam bem.
No Guardian, os apegos se tornavam obsessões. Emoções intratáveis se tornavam anormalmente puras. E a realidade de que o próprio amor não podia realizar nada se tornou dolorosamente verdadeira. A única felicidade possível vinha de infligir dor aos outros. As crianças no Guardian aprendiam a não ficarem sozinhas e a não serem excluídas, mas também a não confundir dependência com confiança. Esta atmosfera sufocante e inescapável impregnava o “paraíso” que era o Guardian. Tudo o que foi ganho e perdido lá criou uma parte de suas personalidades que não podia ser comprometida, não importando o custo.
Riki, Guy e Robby todos sabiam disso. Eles eram as crianças no Guardian que sabiam o que realmente importava. Os adultos costumavam chamar crianças assim de “preciosas”. Por isso, Riki não acreditava na ideia de que Robby não podia amar ninguém além de Schell. Mas ele também não queria contradizê-lo. Sendo quem era, Riki tinha pensado que Robby era capaz de superar a morte de Schell.
Como se entendesse os pensamentos que passavam pela mente de Riki, um pequeno sorriso surgiu no canto da boca de Robby.
Thor continuou a resmungar enquanto pegava um terminal de computador debaixo da mesa. Ele o ligou e começou a digitar com a facilidade de alguém experiente.
— OK. — disse Robby abruptamente. — O que você quer saber sobre os Jeeks?
— Você veio preparado, — comentou Riki.
— Essa é a única razão pela qual você veio me ver, certo?
Riki não disse nada, apesar de seu desejo de perguntar por que Robby tinha desperdiçado seu tempo com apresentações.
— Precisamos de toda a informação que você tem sobre o que os Jeeks tem feito ultimamente — disse Guy, levantando-se para lidar com os assuntos reais. — Especialmente quem realmente está no comando e o que ele está pensando atualmente.
— Posso fornecer perfis de todos os membros atuais e uma confirmação do número de pessoas. Salvo em disco.
— Certo.
Robby conduziu a negociação, enquanto Thor mal pronunciava uma sílaba enquanto trabalhava rapidamente no teclado. Eles pareciam formar uma combinação eficaz.
— Então vocês finalmente estão prestes a almoçar o Jeeks de jeito. Quase sinto pena deles.
— Estamos cuidando da nossa dieta.
— De qualquer forma, você é Riki o Negro das favelas.
Riki franziu a testa claramente desgostoso. “Por que você diria algo assim?” pensou. Em vez disso, disse:
— Você está passando informações falsas, Robby.
Isso foi o suficiente para fazer Robby parar. Mais do que qualquer detalhe sobre seu passado ou seu núcleo podre, quando se tratava de vender informações, ele era o melhor. A reputação de Robby era sussurrada em todas as favelas.
— Você acha que eu faria algo tão estúpido quanto falsificar informações? Eu não tenho desejo de morrer. — Longe de seu sarcasmo habitual, ele falou com um tom estranhamente contido.
Thor de repente parou de digitar.
— O que foi agora?
Thor olhou para Riki por baixo das sobrancelhas e finalmente falou:
Ouvi dizer que você e o Robby eram colegas de cela no Guardian. — ele disse. — Você realmente foi o primeiro dele?
Riki ficou perplexo que Thor pudesse fazer essa pergunta com seriedade. De onde aquilo tinha surgido? Não importava o quão perversa fosse a perspectiva, a pergunta não fazia sentido. Riki e Robby involuntariamente encontraram seus olhares se cruzando; eles fizeram uma careta e desviaram o olhar.
A expressão em seus rostos deve ter despertado algo em Guy. Ele abafou uma risada.
— Tem coisas que nem eu comeria, — Riki exclamou.
— Eu que o diga. — Robby rebateu.
Mesmo como uma piada, a ideia de terem sido a primeira vez do outro era tão grotesca que nenhum dos dois conseguia imaginar. Ainda assim, Thor os forçou a considerar isso.
Pronto para voltar a um assunto menos nauseante, Robby perguntou,
— Você aproveitará esta oportunidade para sinalizar o retorno da Bison?
— Qual é o sentido de desenterrar esses fantasmas agora?
— Você desistiu enquanto estava na frente, com uma sequência invicta de vitórias. O nome Bison ainda tem credibilidade nas ruas. Houve um tempo em que os Jeeks o consideravam um pé no saco. É óbvio que eles querem começar com você.
Esse é o tipo de informação que você deveria estar nos dando. Mas Riki sabia que rumores eram apenas rumores. Apenas as pessoas diretamente envolvidas sabiam com certeza qual era a verdade.
Mantenha seus ouvidos abertos. Não desvie os olhos da realidade, não importa o que aconteça. E mantenha a boca fechada.
As três regras fundamentais para o sucesso no mercado negro. Três regras testadas e verdadeiras para auto-preservação. Riki não as tinha esquecido.
— A reclamação deles está ficando irritante, então vou cuidar deles agora para evitar problemas mais tarde. Fim da história.
— Se esse for o seu plano, não vejo exatamente espectadores acompanhando o passeio.
— Por isso estou tentando manter as besteiras ao mínimo — respondeu Riki, com um toque de ameaça nos olhos. Ele estava ali para comprar informações legítimas, não fofocas.
— Estou de acordo com você nesse ponto. Não comece a criar problemas se não puder terminá-los.
Havia uma nuance em sua voz que incomodou Riki, mas ele não sentiu necessidade de acrescentar mais à conversa. Ele não queria que o parceiro ruivo de Robby ou Guy tirassem conclusões erradas sobre o que tudo isso significava.
Com as informações de Robby em mãos, ele ia esmagar aquele bando miserável de moleques sem piedade. Não importava o quão jovens e inexperientes fossem. Quando ele descesse o martelo, seria para valer.
Os membros da gangue destruída foram expulsos e dispersos, deixando-os vulneráveis a ataques. Isso era justiça verdadeira — um reflexo do tipo de hostilidade que a gangue Jeeks vinha provocando por onde passava.
Os rumores sobre o renascimento da Bison provavelmente não ganhariam força só porque Jeeks havia sofrido um golpe decisivo. Os membros originais da Bison entendiam esse fato melhor do que ninguém.
Dessa vez, porém, a realidade era que algo havia levado Luke a agir. E a expressão dessas emoções estagnadas era um jogo de gigolo.
Riki deixou para lá. Deixar para as cartas provavelmente era a melhor maneira de garantir que aquilo não acontecesse novamente. Se ele perdesse, lidaria com isso — afinal, depois de três anos sendo “educado” como o animal de estimação de Iason, fazer tais coisas em público mal o incomodava. Além disso, uma vez desafiado para um jogo de gigolo, não havia muita diferença entre ganhar e perder. Contanto que não houvesse uma revanche, ele não teria que lidar com isso novamente.
O jogo durava três rodadas; terminava quando o desafiante perdia ou seu oponente desse a bunda. O bom senso ditava que a penetração era a única aposta que valia a pena na mesa. O desafio só poderia ser feito uma vez. Embora um jogo tivesse três rodadas, uma derrota poderia encerrá-lo se o desafiante quisesse. Não havia valor em não fazer tudo certo desde o início.
Então, quando Luke começou a aposta com um beijo, todos resmungaram. Ele precisava de muita confiança no jogo de cartas se quisesse ir até as três rodadas.
Inesperadamente, Riki perdeu.
Uma agitação de vozes irrompeu, acompanhada de assobios e gritos estridentes. Com um olhar complacente no rosto, Luke insistiu em um profundo beijo francês com Riki. Ao redor deles, ouviu-se o som de gargantas engolindo com força.
Em meio a esse beijo de tirar o fôlego, com os corpos colados, Luke pressionou as coxas para a frente, empurrando o tronco contra o de Riki. Riki baixou ligeiramente os olhos. Na periferia de sua visão, Norris e Sid olhavam para eles ansiosamente.
Com as coxas se chocando uma contra a outra e a estimulação óbvia direcionada à virilha, seria mentira dizer que ele não sentiu nada. O mecanismo masculino nunca estava completamente sob o autocontrole de um homem, um fato que Riki compreendia em um grau nauseante.
Ainda assim, o fato de esse pensamento ter passado por sua mente era mais um motivo para que ele quisesse manter o controle da situação. Riki permaneceu tranquilo dentro daquele bolsão de barulho animado. Ele mesmo não sabia dizer se isso o tornava poderoso ou patético.
Querendo ir até o fim com ele, Luke mais uma vez deu as cartas. O desapaixonado Riki sempre o fez ferver e ele estava ansioso para ver o quanto ele poderia ser apaixonado. Os espectadores prenderam a respiração, concentrando os olhos no jogo de cartas enquanto torciam pela vitória de Luke.
Virando sua última carta e satisfeito com sua mão, Luke sorriu.
— Dois pares, — ele disse triunfante. — Valetes e Setes.
Riki pediu duas cartas. Sem dizer uma palavra, Riki colocou suas cartas na mesa uma de cada vez. Toda a atenção se voltou para sua mão. Três reis. O ar saiu da multidão decepcionada em um suspiro coletivo e barulhento. E ainda assim, o leve sorriso no rosto de Luke não desapareceu, mas se tornou um sorriso irônico, não exatamente de autodepreciação. Não parecia o sorriso de um perdedor também.
O que diabos…
Algo dentro de Luke havia claramente se rompido. Riki percebeu isso. Franzindo levemente as sobrancelhas, ele se levantou de seu assento. Quando o fez, a multidão se agitou de uma maneira diferente da atmosfera tensa de antes. Em uma única respiração, o ar do local liberou toda a sua tensão.
De repente, um homem abriu caminho através da onda de pessoas. “Riki!” ele chamou.
Na penumbra, a cicatriz sem disfarces em sua bochecha esquerda era claramente visível. Virando na direção da voz, Riki subitamente parou. A figura do homem se destacava em sua visão. Por um segundo, o choque do reconhecimento fez seus ombros tremerem.
Katze?
A aparição inesperada de Katze atingiu Riki como um golpe na parte de trás da cabeça. Seu pulso pulsava estranhamente enquanto sua garganta ficava seca. O mundo girava diante de seus olhos. Embora soubesse que deveria fugir, ele não conseguia sair do lugar.
— Preciso conversar com você. Pode reservar um minuto? — Katze não apenas ignorou completamente as multidões que especulavam febrilmente, mas também não deu atenção à óbvia confusão de Riki com sua aparição. — Estarei esperando lá fora.
Ele virou nos calcanhares e se afastou enquanto o bar lotado tagarelava às suas costas. A súbita incursão do estranho — fosse ele bom ou mau — deixou o lugar em tumulto.
“Quem diabos era aquele agora? Você viu o rosto dele?”
“Que desperdício. Ele não era feio, mas assustador pra caramba.”
“Parece que ele e o Riki se conhecem. Antigo parceiro, você acha?”
“O único parceiro que ele teve foi o Guy, idiota.”
Riki suspirou consigo mesmo. Ainda assim, não havia nada que ele pudesse ter feito para evitar aqueles passos pesados. Ao sair pelas portas escandalosamente decoradas, ele notou Katze do lado de fora, a boca do homem se suavizando em um sorriso mínimo. Talvez ele não esperasse que Riki realmente fosse encontrá-lo.
— Já se passaram quatro anos.
— Você com certeza sabia onde me encontrar. — Não havia como Katze simplesmente ter vagado por aí e perguntado sobre o paradeiro de Riki. Mais importante ainda, esse não era o tipo de coisa que Katze faria. O pensamento fez com que Riki franzisse as sobrancelhas, confuso.
Katze tirou sua querida caixa de cigarros do bolso do peito. Não, não era uma caixa de cigarros. Sem dizer uma palavra, Katze abriu a caixa e mostrou a Riki o que estava dentro.
E Riki sabia que tinha sido enganado.
Era o modelo mais recente de dispositivos de rastreamento. Projetado na tela dentro da caixa estava um mapa digital que abrangia a Avenida Cuzco até a Blue Chip. Um local que provavelmente era o Soraya Bar estava marcado com um ponto laranja piscante.
Riki encarou o ponto piscante. “Agora entendi,” ele pensou.
Na época em que era conhecido como Riki o Negro, Katze havia dado a ele uma faca borboleta que tinha um celular embutido. Mesmo agora, estava guardada no bolso do casaco de Riki. Ele a tirou.
— Esse negócio ainda funciona? — ele perguntou, virando-a na mão.
— Suponho que eu é que deveria estar dizendo isso, — disse Katze, sem se desculpar. — Achei que você já o teria jogado fora há muito tempo.
— Eu não pensava nessa coisa há muito tempo.
— Bem, isso me poupou muitos problemas. — Katze desligou o visor e colocou o estojo de volta no bolso.
— O que você quer? — perguntou Riki. — Você não veio apenas para falar sobre os velhos tempos.
Riki sabia que Katze, o infame contrabandista do mercado negro, raramente saía de seu esconderijo subterrâneo — e duvidava que Katze tivesse mudado muito em quatro anos. Ele devia ter um motivo sério para mostrar seu rosto marcado nos antigos lugares frequentados.
— Tem algum lugar onde possamos sentar e conversar?
— Se você tem tanto para falar, vamos para minha casa. — Riki mais uma vez sentiu alívio por não ter levado Guy consigo naquela tarde.
No dia seguinte, Guy saberia de tudo. Luke desafiando Riki para uma partida de Gigolo, Riki saindo na companhia de um homem de rosto cicatrizado e intenções duvidosas… mas isso ficaria para o dia seguinte.
Riki e Katze saíram juntos do Blue Chip.
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