A Noite Em Questão - XVIII
BERLIAC
A mim, virás nu, da maneira em que a este mundo chegou.
Segurei o crucifixo sobre meu pescoço com força, não podia mexer mais naquele retrovisor, acabaria estragando tudo se continuasse, ele poderia ficar assustado, e eu precisa focar, afinal, havia pela primeira vez em muito tempo conseguido uma peça valiosa para o desdobramento daquele caso. O cão.
Estive muito distante de minha fé, durante todo tempo, temendo que fosse mais uma vez, vítima de minhas próprias crenças, que talvez fosse me afogar em fanatismo e mais uma vez sobre julgar alguém, assim como fiz com este ômega. O que me restou foram os pensamentos libidinosos e os sonhos pecaminosos, eu sempre o vejo nu. Belo, como sempre, dançando sobre a água, olhando em meus olhos, com seus olhos brilhantes, firmes e sedutora, assim como a sua pele escura, quase invisível perante a noite sombria, mas nada apaga sua silhueta, cintura fina, delicada, com quadris largos, tento não olhar, sei como vou acordar se eu olhar, porém sempre que tento me desviar ele vem até mim. Caminha sem pressa alguma, como se soubesse que eu não teria escapatória. Segura o meu rosto, e então me beija. Aos poucos sinto o seu corpo nu, sobre meu corpo coberto. Abro os olhos, já estou nu também. Essa é a verdade, logo enquanto nos bolinamos posso sentir o calor, intenso e ardente, interno à minha pele, dentre a carne, fraca e vulgar, já não sou melhor do que aqueles que vós insultei, chamando-os de pecadores. Ele desliza sobre o meu como, posso senti-lo, posso sentir tudo. Eu cedo, sempre cedo, estendo a minha mão trêmula sobre a sua cintura e vou desligando lentamente, agarrando suas nádegas fortemente, aperto, sem nem cogitar, não penso se ele sente dor, deitando a sua cabeça sobre meu ombro, mexendo constantemente, ele geme bem próximo ao meu ouvido, inquieto. Continuo a aperta-lo, beijando o seu pescoço e os seus ombros, a sensação é boa, é magnífica, não há nada que pudesse descrever-la.
Um grito alto e vacilante, um gemido baixo e abafado. Já não me lembro mais de suas palavras, apenas da sensação que percorria meu corpo. Quando abria os olhos eu podia ver o meu próprio esperma marcado em minha cueca, era quando eu finalmente aceitava se tratar de mais um daqueles sonhos, mesmo aqueles tão bons que pude enxergar tão claramente, quase como se eu estivesse vivendo aquilo. Logo após era consumido pela vergonha, e então tirava o crucifixo do pescoço.
No carro um silêncio ensurdecedor pairou sobre nos, eu não tinha coragem de falar, não sabia o que dizer ao certo, apenas prestava atenção na estrada, temia me constranger por isso ficava calado, porém não poderia continuar assim, não por muito tempo. “Já viu algo assim antes? Questionei. Ele me olhou brevemente. “Não.” Respondeu, depois passou a fitar a janela. Quando se alarmou, apontou o dedo firmemente para fora.
Era o sinal de que havíamos chegado. O viu se afastar do calor do paletó, engoli o amargor do ato aos poucos. Iria ficar com frio e poderia acabar pegando um resfriado, me aproximei, juntos, ficamos diante da entrada da ala dos funcionários, olhei ao redor, vendo a floresta nascendo por trás de nós, aos poucos nos consumindo. Saltou com intimidade em direção à uma gruta, como se estivesse acostumado a fazer isso. “Venha.” Me chamou sem se quer olhar em meus olhos e adentrou a floresta, eu olhei para trás, pensei no carro, talvez eu não devesse deixá-lo lá. Mas a curiosidade e o medo me moviam, por isso o seguinte após hesitar.
Caminhamos na escuridão. Ele parou, e como acontece com os ômegas, ele sentiu que não estávamos sozinhos. O terror, como ferro quente, penetrou meu peito. Um pesado silêncio caíra sobre a floresta, mas era um silêncio maligno. Sombras, movidas pelo vento, arrastavam-se ao nosso redor.
Comecei a sugerir que voltássemos, mas ele hesitou, apontou para o brilho do céu aberto, vi de longe que havíamos finalmente chegado, à clareira. Até então eu estava levemente sonolento. O cheiro de sangue me despertou, um cheiro intenso e pungente, se impregnou em mim, afrouxei a gravata e passei a mão sobre os cabelos, temia mais por ele, suas roupas não eram adequadas, poderia facilmente escorrer e cair, manchando tudo de sangue. Aquela altura o segurei pelo suspensório, disse para não se aproximar. De longe, além do rio, via uma miragem escurecida sobre o canto de uma pedreira, próximo à água, só podia ser aquilo, o cheiro não deixava dúvidas. “Eu disse!” Afirmou o ômega e então se sentou sobre as pedras enojados.
Eu deu um passo à frente, olhei do outro lado, sem me aproximar, era o cachorro de Bogart. Ao menos o que havia restado dele, parecia despedaçado, rasgado, via sobre a pelagem coberta por moscas e vermes, estava amassado. Foi ali que Odon pisou, pensei, e então me virei para ele. O cachorro realmente parecia estar como os demais, já não era tão seguro ficar ali.
“Vamos voltar.” Disse. “Não é seguro.”
Ele se levantou obedientemente, cobrindo os braços nus contra o vento, quando voltamos para a estrada o vi caminhar em direção a cerca. “Aonde vai?” Perguntei, pensei que voltaria comigo. “Meu dormitório fica para lá senhor.” Mais uma vez me chamava daquela forma. “Se alguém ver você vagando sozinho por aí vai saber que esteve fora.” Eu falei na tentativa de trazê-lo para perto e funcionou. Ele caminhou lentamente.
“Mas e se me pegarem no seu carro?” Ele fez uma ótima pergunta. “Não vão pegar.” Afirmei sem muita certeza, de uma coisa eu sabia. Logo os detetives estariam ali, cobrindo toda aquela área em busca de possíveis suspeitos, precisávamos ir para um lugar seguro. Odon entrou no carro e se cobriu novamente, eu disse para ele abaixar a cabeça, precisávamos sair antes que eles chegassem. E a minha ideia era sair do hotel, até a madrugada, quando a chuva se intensificasse e todas as marcas de pneu fossem varridas pela lama.
Publicado por:
- Ambroise Houd
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