A Noite Em Questão - XVII
ODON
O que se esconde em meio a escuridão
Ele veio, da mesma forma que eu imaginei, pois desde de sempre soube que ele viria. Sempre vem.
“Odon.” Chamou pelo meu nome. Eu deixei de admirar a beleza da noite, olhando para aquele jardim, me virei calmamente, pus o dedo sobre os lábios, deveria fazer silêncio, seria o fim se por um acaso alguém nos encontrasse aqui. Ele entendeu, por isso se aprumou, e então se aproximou ligeiramente. “Soube dele, não? Baram.” Eu assenti silenciosamente. “Sinto muito.” Disse. “Soube que eram próximos.” O homem falhou em sua expressão, pude ver o seu olhar perdido tentando se manter de forma séria. Ele parecia abatido. Não era uma boa ideia falar sobre o homem morto.
“Como soube?” Questionou ele de maneira descontraída. “Todos sabem.” Respondi. E então olhei brevemente para a porta, precisava ter a certeza de que ninguém estaria nos observando, eu me aproximei dele, o alfa se assustou, repentinamente deu um pulo, porém eu cheguei bem perto de seu ouvido. “Aconteceu novamente, como você havia dito.” Falei. “Durante a noite, nos dormitórios.” Ele parecia curioso. “Conte-me tudo.” Porém hesitou, apoiando a mão sobre as minhas costas. “Mas devemos ir a um local mais reservado. Sinto que este lugar já não é mais seguro.” Dizia isso por conta da iluminação dos carros que chegavam. Os detetives.
Eu os vira, naquela manhã, quando saíra do dormitório, em direção ao restaurante. Notei uma movimentação estranha, vozes, passos. Carros por toda parte, pessoas amontoadas. Não pude evitar, dei um passo para trás, foi quando vi Rostam, ele me olhou de longe, me notou antes de todos, só foi preciso olhar em seus olhos para saber do que se tratava, havia acontecido de novo. Sobre chão, um grande pano branco. Estavam todos perante o campo de golfe, diante da colina, não hesitei em voltar. Com aquele meu coração arrastando pela garganta, querendo sair correndo na frente, pediria que ele parasse, porém no momento o maldito havia tratado de dar um nó em minha língua. Queria desaparecer naquele mesmo instante pois sentia que não teria força o suficiente para chegar ao meu quarto.
“Então você sabe sobre os olhos.” Disse o alfa. “Sim, eu sei.” Afirmei. “Assim como os outros dois, há uma parte faltando.” Digo. Ele me olha, estávamos sozinhos dentro da dispensa interna. “Todos foram mutilados, mas há algo que me chama atenção.” Ele fala a medida que vai se aproximando da janela. “Todos os membros foram roubados, eles simplesmente desapareceram.” E ele tinha razão, desde a língua, o coração e os olhos, todos haviam simplesmente desaparecido. “O que ele pode ter feito com os membros?” Questionou Berliac. “O que se faz com membros mortos?”
“Talvez ele os leve, como um troféu.” Suponho. Talvez, tudo era possível em uma situação como aquelas, no início eu pensei assim, até que em uma questão de segundos algo veio em minha mente. “Ele pode estar comendo eles!” Chamou a atenção daquele homem. “Comendo?” Ele perguntou. “Sim.” Afirmei. “Comendo.” Por isso eles parecem ter simplesmente desaparecido. Por que talvez estejam dentro de um estômago de alguém, mas quem?
“É provável.” Ele suspira. “Comendo os membros, escondendo as provas, mesmo assim os levando como troféus.” Ele raciocina. Depois olha para mim, vejo seus olhos, agora de perto posso notar o quanto são claros. Esverdeados e brilhantes. “Você é muito esperto Odon.” Ele diz. “Obrigado.” Respondo, e torno a olhar pela pequena janela, lá fora faz frio, e chove, as gotículas de água escorrem pela borda pálida, nós dois observamos as sombras se movimentando em meio a escuridão.
“Senhor Berliac.” Chamo. “Cedric.” Ele corrige. “Me chame de Cedric, somos amigos, certo?” Ele diz. “Certo.” Olho ao redor e então me aproximo, sinto o seu cheiro, adocicado, distante, forte, se chegar muito perto pode acabar sufocando, cheiro de um alfa dominante, como de se esperar. Porém não poderia se perder em seus pensamentos, havia algo muito importante a lhe dizer, era sobre a noite. Era sobre algo que eu havia visto, ou ao menos pensava ter visto. “Eu posso estar ficando louco em te dizer isso, por isso peço que mantenha este segredo entre nós.” Ele me olha, se aproxima aos poucos, de maneira gentil. “Pode me dizer, jamais seria um louco para mim.” Eu noto o seu tom de voz mas prefiro ignorar. “Hoje no salão, você falava com um homem, não?” Questio de maneira retórica. “Falava? Sim. Falava.” Contradiz o alfa, enquanto se apruma. “Borgart, não?” E ele acena em concordância. “Sim. Borgart, mas o que tem ele?” Olho no fundo de seus olhos, me aproximou de seu ouvido e sussurro. “Ele tem um cachorro, um cachorro chamador Alastor. Ou pelo ao menos tinha.” Cedric parece paralisado, ele não se afasta apenas olha em meus olhos profundamente, chegando perto do meu pescoço. “O que quer dizer com isso?” Ele me perguntou. “O cachorro morreu. Foi arrebatado, eu o vi, próximo da clareira.” Um silêncio ensurdecedor pairou sobre nós dois. Seus olhos se arregalaram e brilharam. “O que fazia na clareira?” Questionou-me. Eu relutei, porém precisava lhe dizer a verdade. “Alguns de nós, saímos tarde da noite para nadar. Eu não enxerguei nada, estava muito escuro, porém foi próximo as pedras, eu pisei em algo, macio, porém muito frio, de início me assustei, pensei se tratar do cabelo de alguém, foi quando eu olhei para baixo.” Sinto uma ânsia de vômito só de pensar. “Você não notou algo de estranho com o animal?” Eu olhei ao redor, sentia as suas mãos sobre meu corpo. Me apoiando sobre a borda da mesinha.”Eu não pude ver, estava muito escuro, mas não contei à ninguém.” Ele parecia estranho, perdido. Desorientado. “Acha que…” Eu sabia o que ele pensara, e eu pensava o mesmo. Acenei. Eu concordava com aquilo, não havia outra explicação plausível, pois o animal sangrava tanto que por um momento pensei que estava pisando em lama.
“Me leve até lá.” Pediu ele. “Por favor Odon me leve até a clareira.” Havia um brilho em seus olhos. “Eu preciso que me leve até lá urgentemente, pois talvez tenhamos uma pista de quem matou aquele homem!”
Era noite, mesmo que eu estivesse dispensado de meu trabalho àquela altura, não poderia cometer erros, era algo muito arriscado. Porém eu me sentia estranhamente atraído em voltar lá, precisava ver aquilo, precisava saber o que era, talvez assim, desta maneira o sentimento de pavor me deixasse em paz, talvez apenas desta maneira seríamos capazes de saber o que estava acontecendo naquele lugar. Naquele lugar doente. Era mal, eu podia sentir isso, sabia disso, bastava olhar nos olhos de todas aquelas pessoas, homens haviam morrido, e elas festejaram, se preocupavam mais com os seus próprios afazeres, suas curtições, organizando orgias em plena noite clara, em seus lugares reservados, privativos, assim como suas mentes impermeáveis, porém não o suficiente, eles tinham medo, assim como eu, podia sentir isso.
Eu saí na frente, tive que trocar de roupa, aquele conjunto chamava muita atenção, fosse por conta do brilho pálido do tecido, ou talvez pelo modo que remetia à um marinheiro. De toda forma eu segui pela estrada dos fundos, caminhei pelo jardim. Para fora, andando atravéz da grade, quando cheguei ao portão, precisava ter a certeza de que não haviam testemunhas, mesclei as cores, misturei tudo muito bem para que não ouvesse um destaque em meio a escuridão. Me abaixei, observando o carro dos detetives, seguindo pela outra estrada, em silêncio, desci a colina, quase rolei, com medo de ser notado, foi quando vi a luz de um outro veículo, precisava ter a certeza de que era ele. Foi quando pude ver o seus cabelos loiros iluminados pela luz, era ele. Eu hesitei, era arriscado demais, entrar em um carro, especialmente no carro de um alfa dominante. Mas algo dentro me mim me fazia querer ir, não era uma vontade, talvez o medo, talvez a necessidade de saber o que estava acontecendo, eu estava desesperado, e pela primeira vez em muito tempo tivera uma oportunidade única de saber.
Ele abriu a porta, apenas deixou metade do seu corpo de fora. Não precisou dizer nada, eu então entrei no veículo, a porta se fechou. Partimos daquela área, embrenhado as árvores, adentrando cada vez mais àquela noite traiçoeira. Ele desligou as luzes do farol, eu respirei fundo, sentado no banco traseiro. Era um grande carro, havia notado, era preto, e polido, nunca havia visto outro como aquele, por conta disso eu observei. Não estava acostumado a andar de carro, era pobre, variava entre ônibus e bicicleta, um táxi apenas em situações de dinheiro extra, ou seja nunca. Olhei pela janela, via aquele grande hotel, nunca o vira por aquele ângulo, parecia estar em cima de um barco, navegando diante de um grande oceano escurecido, estremecia, a chuva continuava mesmo depois de tanto tempo, brutalmente bela, caindo sobre a janela, umedecendo o ambiente, esfriando aos poucos.
Eu estava com frio, tentei aquecer-me com meus próprios braços nus, dito que a minha camisa parda não era adequada ao clima em que me encontrava. O calor permeava levemente a zona do suspensório e o tecido da calça. Suspirei, estava começando a ficar incomodado. Pensava sobre os detetives e as outras pessoas que rondavam, o que aconteceria se por um acaso eles nos encontrassem, afinal, não haveriam desculpas para um erro daqueles. “Tome, cubra-se. Está fazendo muito frio.” Disse o alfa, me entregou o seu paletó, grande, maior do que todo o meu corpo, quase como uma coberta, ele ficou de terno, enquanto dirigia bruscamente, concentrando-se no volante, percebi o retrovisor virado. Ele estava me observando durante esse tempo todo.
Sentia o calor de seu paletó sobre meu corpo, sobre meus braços, meu torso. O tecido era peculiar, diferente para mim, até então acostumado a não medir e julgar tecidos por necessidade, não fazia-me os luxos, desde de que me lembrava por gente. O aroma era doce. Perfume? Não sabia ao certo, mas era bom. Uma sensação curiosa crescia dentro de mim, uma paz assustadora, a satisfação de estar perto daquele homem, era algo sobre ele que eu não podia explicar.
Publicado por:
- Ambroise Houd
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