A Maldição do Lobo Vermelho - Capítulo 12 - A floresta do Urutau
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A floresta do Urutau, como Kardia a apelidou, era realmente fascinante. Não importava a direção em que os olhos passeassem, flores exóticas e plantas incomuns enfeitavam a grama verde escura enquanto árvores de toda sorte de tamanhos e cores forneciam refúgio e alimento aos diversos habitantes do lugar.
Como um amante das medicinas naturais, o comandante não pode deixar de gastar um bom tempo estudando e coletando ervas enquanto vagava à procura de pistas que pudessem iluminar os caminhos tortuosos que trouxeram os três lobos até aqui. Por mais racional que fosse, a intuição de que esse encontro foi planejado por algo ou alguém continuava cutucando seus pensamentos.
Sem contar que aquele menino parecia muito suspeito e era extremamente irritante o quando Ílios fingia não perceber os detalhes. Naquela hora, mesmo estando bem próximo ao líder e tendo um olfato extremamente apurado, o cheiro do lobo recém transformado era pouco perceptível. Nenhum humano deveria conseguir senti-lo e muito menos identificá-lo como “cheiro de cachorro molhado”.
Infelizmente, esse era um revés que sua espécie compartilhava com os demais canídeos e era por isso que um imenso jardim violeta adornava as laterais do reino dos Guarás. A plantação de lavanda fornecia uma ótima essência de banho que atenuava o odor característico dos animais encharcados além de ser usada no tratamento de diversas enfermidades no corpo e na alma.
— Pensando nisso… — Kardia se abaixou e puxou um ramo da flor violeta. — Realmente tem muitas dessas crescendo por todo o lado…
Enfiando um bocado da erva no bolso esquerdo caminhou até uma árvore que se destacava pela altura. Seu tronco largo e áspero subia sem ramificações até a copa volumosa que reinava soberana sobre as demais. O comandante conhecia os Jequitibás-rosa e aprendeu a respeitar os anciãos da floresta bem cedo.
Os gigantes podiam viver por centenas de anos e, segundo as lendas, guardavam as histórias da criação dentro de sua casca. Um dos marcos mais importantes para os jovens lobos era escalar os mais de 40 metros do ancestral usando apenas as mãos. Os que concluíam o desafio estavam aptos a iniciar o treinamento no exército dos Guarás.
A experiência não foi diferente para Kardia e um sentimento nostálgico arqueou levemente os cantos da boca sempre emburrada, enquanto os dedos tateavam o tronco irregular.
— Com sua licença — Dando meia volta, se afastou alguns metros da árvore. — Espero que perdoe a indelicadeza.
Girando rapidamente, correu de encontro a anciã. Impulsionando o solo com o pé direito, saltou até a metade da altura da copa e escalou o restante usando os relevos e irregularidades do tronco.
O pontinho vermelho destoou acima da vegetação e um contentamento ingênuo aqueceu o rosto orgulhoso. A visão das alturas era espetacular, poucas árvores faziam frente a um Jequitibá-rosa em tamanho, mesmo assim, era impossível vislumbrar algo além do infinito verde que o cercava.
O comandante escaneou com diligência a imensidão de folhas brilhantes, mas nada parecia fora do lugar. Seu plano era vasculhar a floresta em busca de algo suspeito, deixando a investigação da vila e “seus humanos” para depois. Na verdade, o que ele realmente queria era que Dasós ficasse a cargo dessa parte da tarefa quando voltasse, já que não suportava lidar com aquelas criaturas.
— Argh — rosnou — Eu devia ter interrogado o pirralho antes de vir…
O pensamento amargo de ser obrigado a interagir com aquela pessoa trouxe arrepios na espinha e o forçou a ser ainda mais atento na busca.
Pelo que lembrava, a magia dos Urutaus era imensamente poderosa em proteção e disfarce, mas não era onipotente. Quando era pequeno, sua mãe sempre contava histórias das aves míticas que eram capazes de esconder vilas e até reinos inteiros se estivessem em posse de certos amplificadores de energia.
Ao contrário de Ánesi, que acreditava estritamente nos atributos medicinais das ervas, sua mãe sempre defendeu que as plantas possuem energia espiritual e essa é a fonte do poder que pode salvar ou matar uma pessoa. Antes de começar o treinamento com a tia, o comandante passava horas decorando as formas que Antheia rabiscava nas paredes da masmorra, imaginando quando poderia ver as cores verdadeiras de cada uma delas.
Era estranho lembrar disso logo agora, talvez a abundância de flores e árvores desse lugar tenha desbloqueado algumas memórias…
— É ISSO! — a voz saiu mais alta do que o planejado e alguns pássaros protestaram alçando voo — Como não percebi isso antes? Obrigado mãe.
Os olhos azuis cintilaram à procura da pequena mancha lilás escondida entre a vegetação. O Jacarandá que havia abrigado o líder dos lobos havia chamado sua atenção não apenas pela beleza das flores coloridas, mas pelo arranjo de pétalas brancas que contornavam discretamente o tronco maciço.
Com os acontecimentos seguintes não houve tempo para voltar ao local e confirmar, mas pensando melhor, as setas alvas que viu e a energia intensa que emanava do interior da floresta não deviam ser uma coincidência.
— Ah! — Sorriu orgulhoso — Achei você!
Impulsionado pela descoberta, se lançou em direção ao infinito. Os cabelos vermelhos chicotearam o ar enquanto as pontas longas do xale se estendiam como asas negras presas às costas. Não era essa a liberdade que cabia aos lobos, suas patas foram feitas para permanecerem firmes no chão, mas era no ar que o comandante se sentia verdadeiramente em casa.
Inclinando o dorso para frente completou uma pirueta a tempo de segurar o galho que se estendia à direita. Como um pêndulo, usou o impulso para pular no próximo ramo e seguir saltando pelos troncos altos até o centro da floresta.
À medida que se aproximava a teoria ganhava força. No chão, a profusão de lavandas encobria o cheiro e as cores das demais ervas poderosas, mas vendo de cima, era claro o arranjo circular formado por Alecrins, Sálvias e Lírios da Paz. A formação poderia ter passado despercebida se não fossem pelas raras pétalas brancas que sua mãe tanto amava e que eram tão difíceis de serem encontradas.
Com um salto suave, pousou no solo, bem próximo ao último arranjo de Lírios que contornava o belo Jacarandá. As pétalas alvas apontavam para o exterior do círculo, indicando os infinitos caminhos pelos quais a barreira se estendia. Como imaginado, não era uma coincidência, essa era a base do poder que sentiu e com toda certeza o melhor lugar para se encontrar as respostas que precisava.
No entanto, não sabia ao certo o que estava procurando e por isso rodeou algumas vezes o tronco acinzentado, mas nada lhe chamou a atenção.
— Me diga o que eu preciso saber — sussurrou ao encostar a testa na casca fina.
Como se atendesse ao pedido, uma rajada de vento soprou forte fazendo com que várias flores se desprendessem dos galhos. Em um balé delicado, uma pétala púrpura dançou pelo ar fazendo algumas firulas ao redor do comandante antes de pousar suavemente em seu pé direito.
Curioso, estendeu a mão para tocá-la, mas uma marca profunda entre as raízes da árvore lhe distraiu. Dando alguns passos para trás, retirou uma pequena adaga da cintura enquanto se ajoelhava analisando o sinal. Raspando a superfície ficou claro o que estava escondido ali, entalhado profundamente na madeira, a pena enrolada no cabelo negro era a pista que estava procurando.
Apesar de desagradável ele sabia o que precisava fazer, então correu além do círculo de plantas brancas até um emaranhado de galhos que pendiam frouxos entre a grama mais alta. Recolhendo um bocado dos que estavam mais secos agachou perto de uma touceira de ervas verde clara:
— Aqui está!
Vasculhando entre as folhagens, juntou um bocado de Sálvia antes de se levantar e seguir de volta às raízes escavadas. O vento suave agitou as folhas altas alterando os desenhos e sombras que os raios solares imprimiam na grama, discretamente, a floresta se preparava para contar seus segredos.
Desfiando e entrelaçando as fibras mortas construiu um pequeno ninho com os ramos secos. No centro, depositou uma boa quantidade da Sálvia e no topo do arranjo alguns fios do cabelo usados no pacto. Com cuidado, aproximou o cabo da adaga da palha seca e em um movimento rápido e angulado, friccionou uma das pontas de sua espada contra o metal.
As faíscas foram o suficiente para incendiar o arranjo que logo começou a emitir uma fumaça esverdeada. Em pouco tempo, a névoa encobriu a visão do comandante e vozes femininas soaram distantes, entoando cânticos estranhos e indecifráveis. A brisa que soprava suave tornou-se gélida e os raios solares perderam força. A floresta calma e tranquila havia se transformado em uma espécie de pantano escuro e agourento.
Apertando os olhos tentou distinguir as sombras que dançavam à sua frente, mas era como se estivesse enxergando através de uma cortina longa e espessa. Os membros pesados também recusavam a cooperar, e o único sentido que ainda parecia funcionar perfeitamente era a audição. Focando nisso, respirou fundo a fim de acalmar a mente e o coração, deixando que as “lembranças” contidas naquele pacto lhe guiassem.
— Vamos lá, eu ouvirei tudo o que tem a me dizer.
Publicado por:
- GSK
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Escrevendo, desenhando, editando e fazendo mais algumas artes por ai.
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