A Maldição do Lobo Vermelho - Capítulo 06 - As brasas da liberdade - Parte I
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- Capítulo 06 - As brasas da liberdade - Parte I
Quando os últimos raios de sol desapareceram no horizonte, a trombeta do exército inimigo soou, anunciando o início da batalha. O som grave e profundo do berrante, assemelhava-se ao urro de uma besta ferida. A melodia alta e pungente, era acompanhada do aterrorizante rugido das feras negras que se camuflavam perfeitamente na escuridão noturna.
O silêncio frio e aterrador se espalhou por todo o reino dos Guarás, enquanto as centenas de presas e garras inimigas entravam em formação de batalha.
Na frente da grande muralha, os soldados mais fortes do exército dos lobos já esperavam em posição. Quatro fileiras bem definidas de homens preenchiam a parte mais vulnerável da defesa.
Equipados com grandes escudos negros, os soldados da primeira fileira formavam uma sólida barreira horizontal. Logo atrás, sobre suas cabeças, erguiam-se os escudos das fileiras posteriores, completando uma espécie de carapaça que envolvia toda a formação.
Os soldados mais novos possuiam uma orientação mais flexível. Movimentando-se ao longo da muralha, permaneciam atentos para interceptar os inimigos que conseguissem ultrapassar as paredes rochosas.
No alto das torres de observação, que estavam dispostas ao longo do reino, era possível ver o arranjo dos arqueiros. As afiadas flechas brilhavam sob a luz do luar, transmitindo uma mensagem silenciosa: “não se aproximem”.
O primeiro movimento veio do lado das panteras. Um longo caminho se abriu na formação das feras e imediatamente o silêncio tomou conta da frente inimiga. Um homem alto, vestindo uma suntuosa couraça negra, se destacou na multidão animalesca.
Mesmo estando em sua forma humana, a postura imponente acompanhada do físico robusto faziam com que a figura se sobressaísse aos demais. Seu andar era calmo, porém resignado, e no rosto, um sorriso ardiloso refletia a confiança em uma vitória esmagadora.
— Ah! Então esse foi o melhor que você pode fazer? — o homem falava cada palavra com o mais completo desdém — Deste jeito, nem ao menos irei me divertir!
Seguindo a deixa, o exército das panteras se alvoroçou. Risadas e os mais indescritíveis insultos preencheram o ar. Do outro lado, a parede de escudos se abriu e Ílios caminhou de encontro ao rival.
Ao contrário do inimigo, o líder dos lobos se vestia de forma simples e suas roupas não se diferiam das vestimentas usadas pelos demais soldados, a não ser pela cor rubra. Um uniforme de pano grosso cobria grande parte de seu corpo e uma couraça castanha protegia a parte esquerda do peitoral, enquanto duas longas espadas curvas se destacavam nas laterais da cintura.
Ao ver o belo homem de vermelho se aproximando, o líder inimigo ergueu a mão e o silêncio voltou a tomar conta do campo de batalha.
— Vejo que ainda lhe resta um pouco de dignidade, Ílios — zombou o rival.
— Dignidade? Não sabia que conhecia essa palavra Ténebris — debochou o líder dos lobos.
— Ah! Boca dura como sempre! Essa é uma qualidade que eu admiro em você!
Apesar da aparência quase casual da conversa, os dois homens não desviaram o olhar um segundo um do outro.
— Não faço questão de seus elogios. Mas não nego, fiquei feliz em saber que veio pessoalmente entregar sua vida a mim — provocou Ílios.
Uma risada alta e maléfica preencheu o ar:
— Seu escravo insolente. Bem se vê que é mesmo filho de teu pai. No entanto, não esqueça que a cabeça do seu velho ainda está pregada em minha parede.
Essa era uma provocação que realmente mexia com os nervos do líder dos lobos. Ílios havia jurado para si mesmo que reaveria os restos de seu pai, que sucumbiu na sangrenta Batalha das Masmorras.
— Parece que você quem está esquecendo que não tem mais o “Escudo” para lhe proteger, e em breve, lhe tomarei a espada também — sentenciou o ruivo.
O ardil de Ílios surtiu efeito, e finalmente o sorriso malicioso do rival se desfez.
Em seu último confronto, Ílios ceifou a vida do general inimigo, que era conhecido como o “Grande Escudo”. Perito nas artes da guerra e braço direito do rei, o general já havia lhe protegido diversas vezes, motivo pelo qual havia ganhado esta alcunha.
— Seu moleque! — Os olhos do rei se estreitaram e o tom de sua voz se tornou ameaçador. — Eu vim oferecer uma morte rápida a todos os seus, mas você me fez mudar de ideia. Eu irei destroçar cada uma das pobres almas que estão sob o seu comando, e depois, levarei sua cabeça para pendura-la ao lado da carcaça do seu maldito pai.
— Não se eu arrancar a sua primeiro!
A atmosfera pesada ficou ainda mais densa.
Os líderes se encaravam ferozmente e parecia que a qualquer momento um deles sacaria a sua espada, mas ao contrário do imaginado, as feições do rei se amenizaram e uma alta gargalhada rasgou o silêncio mortal.
— Uma criança mimada! É isso que você é! — Ténebris gesticulou, apontando para o reino dos Guarás. — E é por seguirem um moleque como este, que todos vocês, conhecerão o verdadeiro pavor!
A audição dos guerreiros era sobre-humana. Mesmo que houvesse uma boa distância, entre o líder das panteras e os jovens combatentes dos lobos, cada palavra de Ténebris pode ser ouvida e sua promessa mordaz preencheu de terror o coração dos inexperientes soldados.
Satisfeito com o impacto da sentença, o rei inimigo exibiu novamente seu sorriso dissimulado antes de se virar e dar as costas ao oponente:
— Ah! Ílios, espero que esteja ansioso para reencontrar o seu papai. — Riu triunfante.
Após a última provocação, o líder das panteras caminhou tranquilamente de encontro a sua tropa, enquanto Ílios, retornava furioso aos seus.
Era notória a queda na moral do exército dos Guarás. Mesmo com todos os preparativos que antecederam a chegada da horda inimigo, os soldados mais experientes permaneciam preocupados com a grande diferença numérica. Já os mais jovens, apunhalados pelas ardilosas provocações do rei, pareciam ainda mais aflitos do que antes.
Sentindo a agitação crescente de seus subordinados, Ílios fechou seus olhos e se lembrou da última vez em que esteve em uma situação tão desfavorável. Nessa época, o líder dos Guarás era apenas um jovem soldado que estava sob as ordens de seu pai. Mesmo sendo filho do chefe, nunca recebeu tratamento especial, pelo contrário, Adamastos sempre foi particularmente severo e exigente com o seu treinamento.
Na derradeira Batalha das Masmorras, a situação era bem parecida com a atual e mesmo com uma diferença numérica de três para um, os lobos avançaram bravamente contra os calabouços bem protegidos de Nychia.
Sabendo que as chances de vitória eram extremamente baixas, Adamastos dividiu seu exército em dois: deixando Ílios como líder da tropa responsável por resgatar os escravos remanescentes; o chefe e os soldados restantes investiram heroicamente contra o castelo de Ténebris e sua horda feral.
Antes de partir para a empreitada final, o grande líder dos lobos abraçou pela primeira vez o filho e sussurrou em seu ouvido: “Só vale a pena viver por aquilo pelo qual estamos dispostos a morrer! Lidere nosso povo pelos caminhos da liberdade! Meu filho, eu me orgulho de você”.
Como as brasas incandescentes que apenas precisam de um sopro para se inflamarem, a lembrança da dolorosa despedida reacendeu as labaredas no coração de Ílios. Convicto do seu dever, o atual líder dos Guarás abriu os olhos e cerrou os punhos enquanto dirigia-se à frente da parede de escudos.
— Escutem! — vociferou o ruivo — Os Guarás não nasceram para serem escravos e é por isso que os grilhões de Nychia não puderam nos segurar! Nem os açoites, nem mesmo a vergonha quebraram o nosso espírito guerreiro e é por isso que estamos aqui hoje!
A fala de Ílios prendeu a atenção dos soldados, mas ainda não foi o bastante para convencê-los.
— Senhor, nossas chances aqui são mínimas. Se ficarmos, iremos morrer, não seria melhor fugir enquanto temos oportunidade? — falou timidamente um dos soldados mais jovens que se aproximou da formação de escudos.
— Sim! Se lutarmos, provavelmente morreremos, se fugirmos, de fato poderemos viver. Mas a que custo? Torturados dia e noite apenas por existirmos, acorrentados, presos a coleiras e grilhões de ferro. Chafurdando na imundície apenas para satisfazer os desejos vis daqueles que nos tratam como insetos. ISSO REALMENTE É VIVER? — Ílios olhava nos olhos de cada um dos soldados enquanto falava, andando de uma ponta a outra da formação.
Uma lembrança amarga pesou sobre o coração dos guerreiros, trazendo à tona, a revolta e o desejo de vingança que o medo havia suprimido.
— Hoje, somos homens livres e como homens livres lutaremos! Nossos inimigos podem tirar nossas vidas, mas não arrancarão novamente nossa liberdade! — com uma convicção esmagadora, o líder rugiu — SÓ VALE A PENA VIVER POR AQUILO PELO QUAL ESTAMOS DISPOSTOS A MORRER!
O mesmo fogo que incendiou o coração de Ílios espalhou-se pelos soldados. Até os mais amedrontados estavam dispostos a sacrificar suas vidas pelo direito de serem livres. Levantando sua espada destra aos céus, o líder dos lobos rugiu:
— LIBERDADE OU MORTE!
Seguindo o exemplo de Ílios, todos os demais lobos levantaram suas armas e bradaram em uníssono:
— LIBERDADE OU MORTE!
As diversas vozes ecoaram como um coral flamejante, aquecendo os ânimos dos combatentes.
— Agora sim as coisas ficaram interessantes!! É muito mais divertido observar o pavor consumir aqueles que possuem alguma esperança — zombou o rei inimigo enquanto erguia sua larga espada aos céus.
A volumosa linha de frente das panteras se preparou entrando sincronizadamente em posição de ataque.
— Meu exército! — conclamou o líder — Vamos dar a eles o que nos pedem! Espalhem o sangue desses sarnentos pela terra e céus, até que toda a escuridão da noite esteja pintada de vermelho! Dilacerem todas as almas que ousaram se rebelar contra mim e tragam o temor da morte a essa raça miserável!
Com um sorriso maligno no rosto, o rei inimigo fez um movimento cortante, apontando sua espada à frente:
— MATEM TODOS!
A ordem dada selou o destino sangrento e uma euforia sádica marcou o início da batalha. Até mesmo o céu parecia tomado pela aura assassina emanada pelos guerreiros. Pesadas nuvens encobriram as estrelas e a lua, fazendo com que apenas um brilho pálido e fúnebre iluminasse o campo de combate.
A massiva frente felina não desperdiçou um segundo sequer. Como um dilúvio negro, a horda avançou rapidamente em direção a parede de escudos. A marcha pesada de centenas de animais retumbou pela terra e seus rugidos podiam ser ouvidos a quilômetros de distância. Do outro lado, os arqueiros tencionaram as flechas enquanto os soldados que protegiam a entrada do reino se preparavam para o impacto brutal.
Mesmo com o frio da noite, grossas gotas de suor rolavam pelos rostos dos guerreiros que se espremiam ombro a ombro na formação de escudos. Para que essa tática obtivesse êxito, era imprescindível que a barreira permanecesse firme contra o ataque inicial. Se houvessem brechas e a formação fosse quebrada, os combatentes virariam presas fáceis diante a superioridade numérica do inimigo.
— AGUENTEM FIRME! — ordenou Ílios, que estava no flanco direito da formação.
— SIM SENHOR! — os soldados responderam em coro.
O arfar profundo das feras inimigas estava cada vez mais próximo. Refletindo o nefasto brilho lunar, as garras e presas afiadas cintilavam ferozmente em meio ao turbulento emaranhado de pelos negros.
De cima da torre de observação central soou a voz tensa de Fides:
— Ainda não!
Dásos e Kardia que estavam nas torres laterais assentiram ansiosos.
Galgando metros em uma única passada, as enormes panteras estavam a poucos passos de abocanharem a presa. Nesse momento, os impiedosos predadores já estavam consumidos por uma insaciável sede de sangue e nem mesmo uma ordem direta poderia tirá-los desse frenesi assassino.
Esse era um dos motivos pelo qual a tribo dos lobos preferia lutar em sua forma humana, deixando a transformação como última alternativa. Em situações extremas como essa, era muito mais difícil controlar o instinto animal e seguir ordens precisas seria quase impossível.
Novamente a voz firme de Fides ressoou nas alturas:
— Ainda não.
A ansiedade era avassaladora. Medo, raiva, ânsia pela luta, desejo de fuga; os mais conflitantes sentimentos impregnavam os corações dos guerreiros e os segundos antes da colisão pareciam eternos.
Com os braços cruzados e uma pose vitoriosa, Ténebres acompanhava satisfeito o avanço de sua tropa principal. Enviando metade de seu exército em um único e esmagador ataque, o rei havia apostado em um triunfo rápido e brutal.
Nada poderia detê-lo.
O impacto era iminente. Apenas o largo canal separava os felinos de suas presas e mesmo com as margens ampliadas, não era um grande obstáculo para as feras. Como uma densa onda prestes a varrer tudo em seu caminho, a horda avançou, saltando a última barreira. Nesse momento, a voz imperativa de Fides trouxe a ordem tão aguardada:
— AGORA!!!
No mesmo instante, os três comandantes cortaram as amarras que seguravam gigantescas pedras suspensas no alto das torres. Essas rochas faziam parte de um sistema de polias que, interligadas a uma grande alavanca, movimentavam a ponte levadiça.
Todavia, Fides havia feito uma alteração no projeto e a força brutal dos blocos foi redirecionada. Ao invés de erguer a pesada ponte, as grossas cordas que serpenteavam freneticamente pelo chão hastearam três compridas cercas de estacas que, margeando o canal, estavam camufladas sob o mato seco.
Em pleno salto, a horda de felinos não conseguiu evitar o encontro mortal.
Pegos de surpresa, o exército inimigo saltou de encontro às malignas hastes pontiagudas que se erguiam perfurando carne e ossos indiscriminadamente. Aqueles que conseguiram desviar, preferindo a queda ao empalamento, não tiveram destino melhor. No final do profundo canal, lanças afiadas esperavam de forma cobiçosa sua porção de sangue.
O urro agonizante de centenas de bestas feridas era perturbador. As tentativas falhas de se libertarem do suplício só aumentavam a tortura e, em minutos, o ar tornou-se férreo enquanto o número de vozes suplicantes diminuia drasticamente.
O sorriso vitorioso de Ténebres se contorceu, e seu semblante oscilou rapidamente entre o choque e a ira:
— Maldito! Maldito! MALDITO!! — rugia o rei — Eu mesmo irei arrancar a sua cabeça, Ílios!
Movido pelo ódio insano, o líder das panteras montou em uma enorme besta negra que aguardava ao seu lado. Apontando a espada a frente, golpeou fortemente o animal com os calcanhares enquanto gritava:
— MORTE A TODOS!!!
A fera urrou ao passo que pegava impulso para saltar e iniciar a corrida. Seguindo o exemplo, o restante da tropa marchou selvagemente pelo campo de batalha. Cientes da armadilha à frente, os animais saltaram ainda mais alto, deixando para trás os corpos multilados de seus companheiros.
Desta vez, o confronto seria inevitável.
Publicado por:
- GSK
-
Escrevendo, desenhando, editando e fazendo mais algumas artes por ai.
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