A Década Depois Da Primavera - Capítulo 15
Lutei contra o impulso de desistir. Essas pessoas estavam tentando roubar minha dignidade.
Era a parte da sociedade que não me via como humano. Um tratamento injusto simplesmente por pensarem que não tinha sangue vermelho como o deles, não tinha sua masculinidade. Alguma vez pedir para ser tratado como tal? Tenho sangue rosa ou roxo?
Meu sangue é vermelho quando sangra. Independentemente de tudo, ainda sou humano. Sinto medo, suas inseguranças, compartilho da sua solidão. Sexualidade não define pessoas.
Não sou digno dos mesmos direitos básicos deles? Nunca pedi mais direitos do que outros. Desejei apenas os mesmos direitos aos quais também tenho direito. A dignidade de viver como um humano. E não seria eu a desistir deles.
Eu resistia e perseverava, o apetite de fugir crescia ali, quieto e pungente, flutuando dentro do meu ser. Pensei na minha barriga. Lá dentro estava a minha cria, bem pequeno, um sonho ainda.
Devia protegê-lo. Minha pequena semente, quase sonho ainda. Não deixaria esse sonho se esvair, tornaria ele em realidade!
Enquanto lutava contra o calcário que tomou minha mente, o som repentino de uma voz trouxe-me de volta à consciência. Brandou estridente, alta e seca. Puxou para si o olhar de todos até seu ponto de origem. Vinha do outro lado do maldito beco, na parte mais estreita da entrada. No centro da sua garganta.
— O que estão fazendo?!
A voz era realmente familiar. A mesma deformidade heroica, a mesma autoridade desavergonhada. Pensei por um segundo em transe antes de lembrar que era a voz de Dominic. Ele estava parado na chuva enquanto olhava para nós a distância sob um poste de luz.
— Eu aconselho você a não se intrometer! — um dos homens gritou com raiva ao vê-lo aproximando-se.
Dom continuou andando para frente, olhando atentamente. Havia um quê de incredulidade em sua fisionomia. E isso era raro, algo digno de marca texto, porque Dom era alguém que em hipótese alguma se via seu eu se revela por inteiro.
— Você não consegue ler as entrelinhas, cara?! — Um deles caminhou até Dominic, deixando uma pequena lacuna aberta onde se via o que estava acontecendo comigo.
Dom deu uma olhada e sua mente explodiu. Então aproximou-se enfadado, cada passo seu era uma contagem regressiva para mim. Precisava de uma distração, e ele involuntariamente chegou em boa hora. Dom torceu o pulso do homem que avançou nele com uma habilidade admirável. Com um estalo, sua posição óssea mudou. Ele gritou de dor e foi chutado no chão por Dominic.
Os homens restantes correram para lutar contra Dom depois de ver o que aconteceu. Ele, por outro lado, apenas encarou-me, deitado no chão com o meu agressor me prendendo. Ele não suportou olhar por muito tempo e desviou seu olhar. Como se seus olhos estivessem doendo.
O primeiro soco veio, vi a cor da sua pele mudar para vermelho. Dom levou um soco na bochecha. Tão rápido ele revidou dando um soco esquerdo. Um deles tentou arranhar seu rosto, Dom pegou seu braço antes que o golpe viesse.
Então outro segurou-o por trás, mobilizando-o. Dominic levou dois chutes no abdômen. Ele não gritou, sutilmente sua testa se enrugou. No fundo do meu ser, sinto que deveria gritar por ele. Xingá-los e amaldiçoar todos, afinal, não era isso que um parceiro deveria fazer? Mas não o fiz. Pelo contrário, senti um pequeno prazer sombrio. Não deixei transparecer, no entanto, senti.
Dominic inclinou-se para trás, o nariz do homem ficou vermelho e começou a sangrar. Ele ficou zonzo e afrouxou seu aperto. Era uma oportunidade para Dominic e ele aproveitou. Era como se tivesse enlouquecido, Dom lutou contra os homens que o cercavam com suas íris vermelhas, as veias saltando para fora.
Desfrutando da ocasião, novamente dei uma cabeçada no meu agressor, ele estava distraído com a comoção. Podia dizer que a dor latente veio para ambos. Desnorteado, ele caiu de cima de mim. Não havia tempo para ser racional, o instinto de sobrevivência tomou conta só de imaginar que foram eles que me colocaram nesse estado. Sob a pressão de tormentos como esses, os fracos restos de bondade que havia em mim sucumbiram. Ansiava que todos eles fossem punidos. Eles me machucaram, violaram-me.
A raiva queimou em mim. Em combustão, livrei minhas mãos com meus próprios dentes, meus pés estavam livres. Olhei para trás de relance, vi minha oportunidade. Uma torneira imunda e enferrujada. A ferrugem cobriu boa parte da sua extremidade, decompondo o ferro. Num segundo apanhei-a ajustando-a por entre meus dedos, deixando a parte afiada apontada para meu agressor. Era um soco inglês improvisado às pressas, mas que veio a cair muito bem.
Ele riu de mim, zombou não uma, mas duas vezes. Para ele era ridículo alguém lutar usando uma torneira como arma. Quando o golpe estava vindo, me esquivei. Passei a mexer-me em movimentos circulares ao redor do homem. Seus socos eram desajeitados, mas tinha dificuldade em desviar deles.
Ele ficava cada vez mais impaciente, e esqueceu de usar a prudência. Agia movido pela fúria, uma péssima decisão.
— Você vem ou vai continuar fugindo, afeminado? — provocou. Falou aquilo com tanta animosidade, em parte por preconceito, mas muito mais por me considerar menos homem. Era uma comparação desnecessária.
Em mim, tinha o desejo incessante de machucá-lo. Contudo, não o fiz. Seu punho passou a centímetros do meu rosto, por pouco desviei. Fiquei ofegante.
Depois de um tempo ele começou a ficar cansado, reduzi a distância entre nós assim que percebi sua guarda baixa. Me aproximei e desferi um, dois, três, quatro, cinco golpes subsequentemente na sua têmpora, nocauteando-o. Seu rosto molhado foi manchado pelo sangue, mas a chuva fazia questão de limpá-lo. Esperava não tê-lo matado.
Agora havia só dois deles lutando contra Dominic. Um deles estava segurando um tronco, apenas para ter seu golpe parado. Dominic então puxou o homem e socou sua traqueia. Chutou aquela pessoa com força na lateral e em seguida, o homem caiu no chão, imóvel. Ele tinha dificuldade para respirar, sabia que Dom atingiu-o em um órgão importante.
Os homens foram nocauteados por Dom em um piscar de olhos e não conseguiram mais se levantar. Foi só então que ele relaxou o pulso e caminhou até mim. A cada passo parecia que ele estava pisando em facas. Evidentemente Dom queria terminar esse caminho o mais rápido possível, mas diminuiu o ritmo.
A chuva regrediu quando Dom finalmente terminou de percorrer o curto caminho sob a luz amarela da rua empoeirada. Ele parou, olhando-me. Suas roupas estavam encharcadas, seus sapatos sujos de lama. Diferente de mim, que estava coberto de lama e meu cabelo molhado grudado na minha pele pálida, ele continuava elegante. Minhas mãos estavam com hematomas. O botão do meu jeans havia sido arrancado.
Os olhos de Dom ficaram ainda mais vermelhos. Ele respirava fundo algumas vezes, parecia tentar estabilizar suas emoções.
— Você… o que você fez com ele? — Dominic disse enquanto rangia os dentes, azedume. Pisou com força nas mãos de um dos homens, justamente o que eu tinha nocauteado.
Os cúmplices dele continuavam desmaiados e ele era o único que restava meio desperto. Sua mão doía, isso era evidente, ao ponto dele sentir ao que ia sendo mutilada. Sua expressão fechou-se mais e mais.
— Ah! Eu não fiz nada! Ele não é um cara, é uma anomalia entre nós! — Tentou erguer-se, assustado. Percebeu que falou as palavras erradas então reformulou: — Apenas o espancamos. Só queria me divertir com ele. No final, não consegui tirar a calça dele porque estava molhada pela chuva. Não tive chance de fazer nada antes de você chegar.
Fiquei com tanta raiva que desejei que ele explodisse quando ouvir suas palavras. Dominic levantou o pé novamente e pisou nos dedos dele com mais força até que houve um som nítido de ossos quebrando. Ele soltou um uivo, um grito agudo, como se vindo do inferno, da garganta dos condenados.
Dom não parou por aí, agachou-se. Parecia fazer questão de olhá-lo. De surpresa, num movimento rápido e imprevisível Dominic perfurou com seus próprios dedos os olhos daquele maldito condenado. Afundou com prazer indescritível ainda mais fundo seus dedos dentro dos glóbulos dele. O homem entrou em agonia. Ele bradou um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano.
Gotas de sangue saíram de seus olhos, os dedos de Dom estavam manchados. Ele removeu seus dois dedos lentamente para aumentar sua dor, seu inferno. Dominic limpou o sangue na roupa do próprio homem, sua expressão indiferente não parecia com ele mesmo.
O pobre diabo sibilou ofegante de dor enquanto implorava por perdão e se contorcia no chão. Puxei Dom para longe, incerto do que vi, do que aconteceu. Entre os gritos de agonia nessa noite chuvosa, pude contar com ele.
Em fração de poucos segundos, notei um calor em volta do meu corpo. O ruído da voz de Dominic faziam um eco, eram sílabas trocadas. “Bloc-8” As sílabas iam e vinham, mal formavam uma frase. “Venh-… Ráp-do!”
Foi a última coisa que pude ouvir antes de apagar. Minha energia foi drenada pela adrenalina.
Betagem por: Arabella(WD)
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