A Década Depois Da Primavera - Capítulo 08
A decoração do apartamento chegou ao fim! Foi cansativo e deu muito trabalho encontrar cores que me agradasse e combinasse com os móveis dos quartos, o meu e da criança. Escolhemos cores claras e vivas. Divergente de antes, quando tinha cores escuras, típicas de Dominic. Não duvidaria que ele tenha apenas deixado a decoração anterior sobre os cuidados da imobiliária, deixando o apartamento com uma aura pesada. Gosto dele assim, como está agora.
Fiquei ansioso para ver a reação de Dominic, ele veio uma ou duas vezes depois do incidente com o bêbado, antes que tudo estivesse pronto — típico dele, afinal —, como se quisesse ter certeza de que eu ainda estava aqui, de que não tinha ido embora.
Depois disto, ele apenas me notificou de que havia contratado uma auxiliar. Para cuidar de mim durante e depois da minha gestação, não ficaria surpreso se descobrisse que ele também tivesse dado ordens para ela me vigiar.
A mulher era mais velha que eu, cuidando da minha dieta e do meu dia a dia. Muito gentil, ela sempre dizia para me alimentar bem, alegando que sou muito magro, o que às vezes a torna incômoda. No entanto, é uma boa pessoa. Ela lembra minha mãe, que por influência do meu padrasto, se afastou de mim. Meu padrasto a obrigou dizendo que eu era uma vergonha pelo meu gênero, principalmente depois que descobriu minha gestação.
No passado, minha mãe costumava ser tão gentil. Eu realmente sinto falta dela.
Chamei a mulher de tia Lu. No primeiro dia, disse que chamaria ela de Sra. Luana, no entanto, insistiu que a chamasse de tia Lu, disse que seríamos como tia e sobrinho. Certo, admito que às vezes ela também é muito calorosa. Todas as manhãs ela me dá um abraço e um beijo carinhoso na testa. Ela é muito afetuosa, seus cuidados me fazem bem.
Tia Lu provavelmente sabia que meu casamento com Dom não ia muito bem, deve ter adivinhado das poucas vezes que ele veio aqui, que não foi para me ver e sim para pegar algumas roupas. Mas ela não disse nada, apenas desviou o seu olhar sem saber como lidar com a situação. Ela tinha o costume de fazer expressões engraçadas sempre que estava entre ele e eu, sem ter ideia de como deveria agir. Presumi que seja sua primeira vez conhecendo um casal assim.
— Meu querido, seu celular não para de tocar. — Tia Lu veio até mim com o aparelho. Estava deitado no sofá, assistindo a um filme de suspense, esperando para ver a cena em que o imortal descobre quem matou o caçador. — Quer que eu atenda a ligação para você?
Neguei. Sentei-me e peguei o aparelho que não parava de vibrar, o número era desconhecido. A voz que ressoou no aparelho estava enfurecida, botei a ligação no viva voz.
— Não importune Dominic, olhe sua aparência — Não estou nem um pouco triste ou zangado. E sim, o oposto. Sinto-me apático, estoico. Não estava ávido para nada do que ela exclamava. —, Ele não sente-se atraído por você! — A voz feminina estava me repreendendo. Cada sílaba cuspida com severidade. — Você não se cansa de ficar atrás dele? Aberração! — finalizou.
Admito que fiquei um pouco surpreso quando ouvi isso, não via Dominic há um tempo. Ele andava bastante ocupado com a agenda de viagens, sua secretária não perdeu a chance de se incluir. Essa garota não me parece ser muito velha, sua voz era de uma mulher jovem de vinte ou vinte e um anos. Uma pessoa de boca suja, que dizia coisas tão nocivas.
Se essa criança quisesse me intimidar, teria que usar palavras piores que estas.
— Tenho apenas três frases para dizer: Você ligou errado. Kim, esse é o sobrenome que está desfrutando dele neste momento… Dois mil seiscentos e noventa e dois, esse é o seu número na fila de espera. — Tia Lu soltou um “nossa”, surpresa com a minha atitude.
Ela estava ouvindo a ligação, parada em pé ao lado do sofá. Tia Lu era uma mulher tradicional do interior, para ela, o respeito entre ambos marido e mulher é sagrado, por isso sua reação era compreensível.
— Não brinque comigo! Você está orgulhoso? Ele disse que não me quer, a culpa é sua! Não o perturbe mais! Te abomino, te abomino! — Estava massageando minhas têmporas quando a mulher encerrou a ligação; sentia-me exausto. Precisava dormir.
Essa não é a primeira vez que me acontecia isso, tanto homens como mulheres me ligavam para fazer reclamações. No início, troquei de número algumas vezes, mas com o passar do tempo vi que não iria adiantar e então passei apenas a bloquear o número.
— Você está bem, querido? — Tia Lu se sentou ao meu lado no sofá, preocupada. Dei um sorriso manhoso para ela enquanto bocejava preguiçosamente.
Essa informação era claramente desnecessária. Dominic podia ser ríspido, mas ainda era responsável e seguia as leis. E uma delas deixa claro que poligamia é proibido.
— Sim, tia Lu, estou bem. Você quer assistir ao filme comigo? — Depois de me analisar e ver que eu estava esquivando-me da pergunta, ela desviou sua atenção de mim e avaliou o que estava assistindo por um momento, então concordou. Deixei as lembranças de minutos atrás de lado, tentando reter o meu bom humor, prestando atenção ao filme.
Dez minutos após o início do filme, tia Lu estava absorta assistindo ao filme com os olhos bem abertos e a cabeça sobre o meu ombro.
— Filho, como você consegue tolerar isso? É muito horrendo. — Tia Lu continuou olhando para o filme, assustada.
— É apenas um pouco de sangue, tia. Não se preocupe. — Olhei para ela e voltei a assistir ao filme.
O filme começou a entrar na parte mais assustadora, embora eu estivesse indiferente quanto a isso, tia Lu não sentia-se assim. A mulher continuava se encolhendo conforme o suspense ia aumentando. Ela parecia extremamente aturdida.
Ao invés de assistir ao filme, a observei atentamente. Assistindo suas reações, suas expressões e ouvindo seus gritos. O brilho da tela iluminava seus olhos e neles se refletia a cena do filme, reluzindo.
Quando o filme terminou, tia Lu ainda estava na mesma postura que ela mantinha enquanto assistia ao filme. Ela deu um grito quando o vilão surgiu na tela com um machado manchado de sangue dando início aos créditos finais. Não suportei mais, não consegui abafar minhas risadas enquanto a observava, ela estava engraçada.
— Não ria de mim, não estou acostumada a esse tipo de gênero.
— Desculpe, mas você estava muito divertida — Minha risada preencheu o lugar, enquanto tia Lu olhava-me chateada. — Certo, já parei. Viu? Agora vou para o quarto descansar um pouco — Beijei sua bochecha e sua testa, ela me deu o seu amoroso abraço de mamãe ursa e observou enquanto eu ia para o quarto.
Ultimamente eu dormia cada vez mais, tia Lu suspeitava de que havia algo errado. Mas já expliquei para ela que é natural dormir demais.
No começo, ela viu meus frascos de remédios e tive que mentir sobre eles, dei uma mentira aleatória para apaziguar temporariamente as suspeitas dela. Não queria que soubesse sobre minha saúde. Ela era muito curiosa, não podia negar.
Deitado na cama, olhei pela janela fenestrada, vendo que o crepúsculo já tinha praticamente caído por inteiro sobre a cidade, as estrelas brilhando de pouco a pouco sobre o céu, como pequenos diamantes reluzentes. Incitando-me a inspirar fundo distraidamente e observar os pássaros passarem voando por ali, de volta para seus ninhos. O clima morno deixado pela ida do sol e a chegada da lua, me cobriram como uma manta quentinha.
As cortinas azuis cristalinas dançando delicadamente com a pequena brisa do vento, saudando meu quarto e a mim. Acolhedor, foi o que pensei ao dar mais outra olhada ao redor… jamais tive um quarto assim.
Como que uma deixa, senti o bebê se mexendo. Lembrando-me que não estou sozinho, esse pirralho não me deixava esquecê-lo. Antes disso, os seus movimentos mais pareciam umas tremidinhas, às vezes como borboletas voando pelo meu estômago.
Com a palma da minha mão, fui acariciando lentamente o meu abdômen sentindo-me preenchido pelo amor paternal. E, mais uma vez, a criança se mexeu devagarinho dentro de mim, estávamos unidos não só pelo cordão umbilical, mas também por nosso amor puro, caloroso e leal.
O amor que me mantia de pé, a criança por quem me transformei em escudo, e o laço de lealdade por quem inspiro e expiro, meu filho. Senti-me curioso sobre como será sua aparência, ainda não tinha parado para pensar nisso. Talvez ele fosse ser um mini Oscarzinho, ou vá herdar os traços de Dom… ou talvez não tenha traços de nenhum.
— Honestamente, herde apenas os traços, não a personalidade. Porque a personalidade do seu pai é uma desilusão — pensei em voz alta, para que o bebê pudesse ouvir.
Dizem que após algumas semanas de gestação, o bebê já é capaz de ouvir o som da voz e até mesmo reconhecer a voz, isso parece loucura, mas Luciana falou ser verdade.
— Bebê, seus olhos serão verdes claros como sua família paterna, ou não? Seus cabelos serão sedosos como os de seu pai, ou serão cacheados e rebeldes? E suas bochechas gorduchas e coradas? Suas mãozinhas gordas e sobrancelhas grossas? Talvez seja um gordinho mal humorado. — Estava ansioso imaginando isso, rindo carinhosamente..
Curiosidade mórbida me consumindo até que senti a criança dentro de mim chutando-me, como se estivesse protestando. E isso apenas me fez rir ainda mais!
Um sorriso materno desenhou-se em meus lábios. A porta se abriu e uma bela mulher surgiu nela.
— Oscar, está acordado? Deseja algo? — Luciana parou no batente da porta, neguei.
Tia Lu fez a gentileza de apagar as luzes e recolher a bandeja com comida, deixando apenas a luz fraca da noite para iluminar meu quarto através da janela. Minha cabeça relaxou sobre o travesseiro e comecei a sentir-me sonolento. Minha mente foi gradativamente ficando grogue e meu diálogo mental foi ficando de lado.
Eu não percebi quando cai no sono, mas antes disso desejei que Dom não aparecesse agora. Não desejava vê-lo, não agora.
Na penumbra da minha mente, achei ter ouvido ruídos do lado de fora do quarto. Quis levantar para dar uma olhada, mas fui vencido pelo sono e perdi completamente a consciência.
Pela primeira vez em anos, dormirei como um bebê, anseio que seja assim.
Betagem por: Arabella
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