A Década Depois Da Primavera Livro 01 - Capítulo 04
Lá da cozinha pude ver quando a porta abriu-se, e o vi. Fazia um bom tempo que não nos víamos. Ele chegou antes do esperado; olhei para meu relógio, que indicava pouco mais de oito horas da noite. Cedo demais para alguém que viria às dez. Zhang murmurou algo baixinho, mas não pude ouvi-la.
Suas palavras foram abruptamente interrompidas quando Zhang encarou as pessoas que entraram logo atrás de Dom. Da cozinha, conseguimos ver os três, porque sempre deixava a porta que dá para a sala aberta.
— Ela não é…? — Zhang me cutucou, direcionando o olhar para a mulher. Olhei obstinadamente para minha amiga, pedindo silenciosamente para deixar esse assunto pra outra hora. Mesmo contrariada, ela não tocou mais no assunto.
O homem era do mesmo departamento que o meu. Zhang não conhecia. Mas eu o conhecia; chamava-se Cassius, ele era gentil e me ajudou muito durante o trabalho. Fazia algum tempo que não o via, porque pedi férias como desculpa para cuidar da minha saúde.
Quanto à mulher, eu a conhecia, mesmo que meu departamento fosse diferente do dela. Afinal, era a eficiente secretária pessoal de Dom, chamava-se Helena, os dois passavam muito tempo juntos.
Dom, de maneira casual, tirou seu casaco e o deixou jogado no sofá. Sua fisionomia causava fascínio. Ele nos lançou um olhar por um instante e, ao encará-los, percebi que seu semblante sereno se tornava um enigma. Às vezes parecia me desprezar, em outras ocasiões, não.
Então, se acomodou no sofá, de frente para a mesinha de centro. Seus companheiros me cumprimentaram e logo se sentaram.
Havia um clima pairando no ar. Mas assim que os três começaram a trabalhar, seus notebooks ligados, o clima incomum parecia ter se dissipado.
Zhang parecia desconfortável. Pouco depois, ela pegou sua bolsa, depositou um leve beijo em minha bochecha e expressou que não queria ir embora, mas reconheceu que era o melhor a fazer.
Lamentou novamente não poder me ver livre de Dominic. Se despediu educadamente e passou pela sala, inexpressiva. Ela ignorou completamente Dom, e ele fez o mesmo.
Dom e Zhang nunca tiveram uma boa relação desde o começo, mas a animosidade deles agora é bem mais intensa. Antes, havia uma convivência tranquila entre nós. Mas agora é diferente.
Não demorou para que eu deixasse a cozinha também; Dominic nem se deu ao trabalho de olhar, estava completamente absorto na conversa com a mulher. Por outro lado, a secretária me olhou por um instante, suas pupilas encontraram as minhas e transmitiram uma mensagem clara, sem precisar de palavras. Seguir em frente, deixando aquilo temporariamente de lado.
Fui para o quarto e tomei um banho demorado. Assim que saí do banheiro, fui para o closet. Reparei que a cicatriz da cirurgia ainda se destacava, minha mão parou sobre ela. Toquei o meu rosto e no canto dos meus olhos senti que havia várias linhas finas. Dom nunca percebeu.
Dom e eu estávamos na faixa dos trinta anos. Ao contrário de mim, ele era autodisciplinado e saudável, mantendo-se em boa forma e cultivando hábitos saudáveis. Em comparação com Dominic, éramos realmente incompatíveis.
De repente, alguém parou na porta do quarto.
Era Dominic. Rapidamente me cobri, e só então percebi como ele estava. Ele não teria como notar nada fora do comum. Dom estava embriagado, seus empregados já tinham ido embora. Ele se apoiou na porta e me observou.
— O que você queria conversar? — parecia que ia dizer mais alguma coisa, esperei, mas ele ficou em silêncio. Aquela definitivamente não era uma situação adequada para conversar, então continuei calado.
Ficamos assim, imersos no silêncio. Às vezes, o silêncio diz mais do que palavras podem expressar. Nesse momento, o silêncio dele era enigmático e causava sofrimento para ambos.
Quase fui levá-lo até seu quarto. Talvez porque eu fosse muito fraco e apaixonado; ao vê-lo naquela condição, não consegui resistir ao impulso de querer ajudá-lo. Mas não fiz nada.
Ele tentou entrar, mas hesitou.
Talvez as lembranças do que me disse há algum tempo o fizessem recuar. Dom frequentemente sentia-se insatisfeito, dizia que eu era velho e que minha saúde era debilitada, comparando-me a um cadáver mumificado, sem vigor. Um homem letárgico.
Isso o deixava insatisfeito. As palavras de Dom torturavam meu espírito constantemente. Esforcei-me para transmitir isso através do olhar e a mensagem pareceu alcançar seu destino.
Ele fixou seus olhos profundos em mim uma última vez, abandonando seu desejo egoísta e carnal. E eu não tinha intenção de satisfazê-lo.
Ele se afastou corredor adentro e foi para o seu quarto; desde que decidimos nos divorciar, não compartilhamos mais o mesmo quarto.
Dei uma rápida olhada paras suas costas e fechei a porta.
Betagem : Arabella
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