A Década Depois Da Primavera Livro 01 - Capítulo 03
— O quê…? — murmurei involuntariamente ao sair do elevador.
Inconscientemente minha mente estava alerta e meu corpo ficou enrijecido.
Sem notar, o meu coração batia mais acelerado. Minha respiração ficou hesitante, lenta. Como se fosse interferir ou antecipar o mal. Seja ele qual for.
Havia algo estranho. Uma coisa me chamou a atenção: a porta estava entreaberta.
Fiquei confuso, tinha certeza de que deixara trancada ao sair. Disso eu recordava perfeitamente. Com certeza não era Dominic que estava lá.
De longe, pela pequena fresta, vi que lá dentro estava escuro. Fiquei hesitante.
Um mal-estar começou a florescer dentro de mim. Não era exatamente medo, mas um desconforto crescente na boca do estômago. Avancei lentamente pelo largo corredor até a porta e me detive diante dela.
Não havia como recuar, então decidi abrir a porta devagar. Ela rangeu levemente.
Um passo, dois, três, quatro passos… fui avançando com cautela.
Assim, a distância entre a escuridão e eu foi encurtando. Estávamos unidos agora. Olhei ao redor e não consegui ver nada. Isso era ruim.
Alguns segundos depois, já estava no meio da sala. Não havia ninguém ali–
Eu achava que não.
As sacolas que carregava comigo caíram no chão, fui imobilizado! Algo me segurou por trás!
Enquanto tentava me soltar, notei que essa pessoa era mais fraca que eu. De certa forma, eu possuía uma vantagem!
Entretanto, antes que eu pudesse agir, uma voz me paralisou e desisti de contra-atacar. Na verdade, eu nem poderia revidar, mesmo que quisesse.
— Zhang?! — No instante seguinte, ela se afastou, pareceu reconhecer minha voz e, no momento seguinte, as luzes foram acesas. — Por que você fez isso?
— Desculpe. Acabei de chegar e não havia ninguém, não deu tempo de acender as luzes. Quando a porta se abriu, vi uma sombra e só pensei o pior — explicou. Ela parou na minha frente, recolhendo as sacolas do chão.
— Não me assuste assim! — Ainda estava atordoado. Pensei que minha casa havia sido invadida, mas refletindo melhor: — Como você entrou? E o que veio fazer aqui?
— Você deixa uma chave extra embaixo do tapete, então eu peguei. Na ligação, você não parecia bem e decidi dar uma passadinha aqui. Temos muito a discutir — ela falou com seriedade.
Quando os ânimos se acalmaram, depois desse mal entendido, fomos para a cozinha.
Peguei o avental e comecei a me preparar para cozinhar. Zhang colocou as sacolas sobre a mesa de jantar, puxou uma cadeira e sentou, olhando para mim.
Quando eu era pequeno, minha mãe enfrentava grandes dificuldades por causa do meu padrasto, e a situação se tornou insustentável. Por isso, decidimos nos mudar para o interior, onde meus falecidos avós tinham uma pequena propriedade rural, foi lá que aprendi a cozinhar.
Uma amiga dos meus avós me ensinou muito. Com ela, eu tive a oportunidade de pegar emprestado seus livros de receitas e praticar. Hoje em dia, consigo cozinhar diversas receitas sem cometer erros!
— Ele vem hoje? — Ela já suspeitava, tinha uma ideia. — Esquece. O que realmente quero saber é sobre você. E então? — A expressão de Zhang mudou imediatamente com o novo assunto.
— Você saiu mais cedo do trabalho?
— Meu turno acabou mais cedo — ela esclareceu. Zhang pegou uma maçã e começou a comê-la, esperando que eu falasse algo.
E introduzi o diálogo: — O médico me perguntou se eu queria abortar, respondi que não. No fim das contas, já decidi que vou seguir adiante. — Falei o que sentia, Zhang retribuiu com um pequeno gesto. Por um breve instante, ela me encarou, refletindo sobre algo. Quando decidiu se pronunciar, estava cautelosa:
— Não se aborreça, mas… — Seus lábios se fecharam, enquanto ponderava sobre quais palavras usar. — Quando você decidiu ter essa criança os seus sentimentos por Dominic não influenciaram em nada? — Ela se calou.
Minhas pupilas se dilataram imediatamente, fixando-se em Zhang. Depois, desviei o olhar. Era uma observação talvez até óbvia. Olhando desse ângulo, era fácil chegar à essa conclusão.
Eu queria ter esse filho por mim? Ou era apenas o desejo de ter algo que unisse Dominic a mim? Até pouco tempo atrás, a ideia de ter filhos nunca me passou pela cabeça; meu foco sempre foi Dominic.
Tudo girava em torno dele. Agora, no entanto, a situação mudou! Voltei a olhar para Zhang, com um brilho intenso refletindo nos meus olhos. Meu silêncio parecia se arrastar por anos, como se hesitasse, mas não era isso que acontecia.
— Não tinha dito nada antes, mas eu quero tê-lo, quero sentir que ainda existe uma sombra de luz, uma criatura no mundo que seja capaz de amar o verme que me tornei. Passei minha existência sem motivação, como um parasita em busca de um hospedeiro. Sem ninguém que gostasse de mim. E agora isso acontece. Não estou disposto a desapontar. Quero ter o prazer de viver um sentimento saudável! — Minha voz tremia levemente, carregada de emoções.
Zhang me observava de uma maneira peculiar. Estávamos em um silêncio estranho, e minhas bochechas, de aspecto cadavérico, ganharam cor e vida novamente. Elas estavam quentes, me sentia agitado, parecia que um morto ganhará vida.
Embora um filho tornasse o divórcio mais complicado, nada poderia ser mudado; minha decisão já estava tomada. Contudo, essa não era uma decisão que tomei pensando em Dominic.
Será que não mereço receber um grão de luz? Possuí-lo e cultivá-lo?
Ciente dos meus pensamentos, sugeri que mudássemos de tema. Levou um tempo até que ambos nos recompuséssemos, mas agora me sentia mais leve.
— Então… — Ela gaguejou um pouco e retomou: — O que o médico disse sobre você? — Ela se ajeitou na cadeira, ansiosa. Zhang é a única que sabe da situação. Ela conhece bem o destino das minhas economias. Como eu não quis responder, ela mudou de assunto. — E desde quando você está menstruando?
Naturalmente o clima incomum se dissipou e a conversa se estendeu por muito tempo, esclarecendo suas dúvidas. Expliquei que começou a pouco mais de três meses, por isso nunca passei pela experiência de engravidar ou sentir cólicas. Era como se uma flor estivesse desabrochando tarde, surgindo após a primavera.
Por um instante, desviei meu foco para a panela e acrescentei alguns temperos. A partir daí, a comida já estava praticamente pronta. E logo estávamos jantando.
Nessa hora, fomos interrompidos por um barulho que ecoou e se aproximou da cozinha.
Vinha da porta, que balançou levemente. Isso foi o suficiente para capturar nossa atenção e despertar a curiosidade. Alguém estava ali. Depois de tantos dias, havia outra pessoa, além de mim e Zhang, à porta.
Era ele.
Betagem: Arabella
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